Luís Nassif
O jogo político brasileiro chegou ao estágio da soma zero. O embate entre governo e oposição não terá vencedor. Apenas conseguirá paralisar por completo a política e a economia, um verdadeiro abraço de afogados que revela, em um canto, um governo imobilizado, sem nenhuma capacidade de reação; no outro, uma oposição vociferante, sem nenhuma estratégia e, portanto, sem nenhuma capacidade de avançar.
Na vida de um país, esses momentos de impasse são rompidos por guerras, golpes militares ou pelo bonapartismo – a figura política que paira sobre os partidos e conquista espaço e rompe a inércia a golpes de discurso.
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Dito isso, vamos analisar o papel de Cid Gomes, ontem na Câmara Federal.
O até então Ministro da Educação Cid Gomes é estouvado, como todos os Gomes. Não tem um pingo de verniz político, de jogo de cintura, da hipocrisia que é matéria prima essencial no jogo político.
Ou seja, é o perfil dos sonhos de grande parte da opinião pública atual.
Ontem, enfrentou o símbolo máximo da hipocrisia política nacional, o presidente da Câmara Eduardo Cunha. Foi chamado de mal educado, chamou-o de achacador. Ambos estão certos, mas o adjetivo pespegado em Cunha deprecia, em Gomes, eleva, ainda mais em um momento em que a crise política faz de políticos a manifestantes de rua abrirem mão dos rapapés.
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Cid disse o óbvio. A Câmara elegeu o pior exemplo dos vícios parlamentares para sua presidência. O moralismo exacerbado da mídia mostrou uma seletividade ao nível da desfaçatez, ao esconder a biografia de Cunha de seus leitores. Cunha não é qualquer um, não é um mero deputado picareta, como muitos que pululam no baixo clero. Ele é O deputado suspeito, sem limites.
Estimulado pelo irmão Ciro Gomes, Cid fez o que grande parte dos eleitores gostaria de ter feito. Desnudou o rei no próprio palanque do Congresso,
Não é para qualquer um abrir mão de um cargo de Ministro pelo prazer de enfrentar o homem mau.
A maneira como enfrentou Cunha lembra um James Stewart desafiando Lee Marvin (e sendo conduzido pelas mãos de John "Ciro Gomes" Wayne) no clássico “O homem que matou o facínora”. Aliás, era uma realidade tão diversa que mesmo com uma interpretação clássica, Marvin não mereceu aparecer nos destaques dos cartazes. Porque era bandido.
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Cid perdeu o cargo de Ministro e não haveria outro modo, para um governo que enfraqueceu-se tanto que se tornou refém não de um PMDB qualquer, mas do PMDB de Eduardo Cunha.
Mas não perdeu o jogo.
Seu atrevimento é como chuva no deserto, abrindo uma avenida para a candidatura de seu irmão Ciro Gomes.
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Não se trata apenas de um político brandindo o discurso antipolítico.
Há um enorme vácuo do centro-esquerda à esquerda, com o esgotamento do ciclo petista e a incapacidade do partido em definir um discurso minimamente efetivo ou um candidato competitivo. E Ciro atende à essa demanda, além de ser amigo de Lula.
Mais que isso, há um enorme vácuo de personalidades – como tal, do personagem que corre fora da raia institucional, dos rapapés políticos, que não tem medo de correr riscos para falar o que pensa, não se curva nem a pressões de partidos nem da mídia.. E seu nome não sofre a resistência que se abriria contra qualquer nome que surja do PT.
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A política é como as nuvens no céu, já explicava o sábio Magalhães Pinto. Pode ser que daqui a algum tempo o desenho seja outro. Mas, nesse momento, há uma enorme possibilidade das nuvens se formarem em cima de Sobral.
Não se está entrando em juízo de valor sobre esse tipo de candidatura.
Pode-se apontar um sem-número de inconvenientes em um candidato com esse perfil. O próprio exemplo do voluntarismo de Fernando Collor é didático. De minha parte, me arrepio ao não conseguir enxergar um horizonte de pactuação.
Mas o momento, mais que nunca, é para candidatos com esse perfil. E, no horizonte político atual, Ciro é candidato único a interpetar esse personagem.
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