segunda-feira, 31 de julho de 2017

Temer reduziu o Brasil à condição de Colônia


"A metrópole não é mais Portugal e, sim, as multinacionais e o sistema financeiro. Em vez da mão de obra escrava, o trabalho assalariado precarizado, o que igualmente inviabiliza o consumo interno. No lugar dos poucos representantes da Coroa portuguesa, um Estado mínimo, ausente na prestação de serviços essenciais à sociedade."

Com Temer, Brasil volta à condição de Colônia

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Por Rodrigo Martins, na revista CartaCapital:

Em pouco mais de um ano, Michel Temer conseguiu um improvável feito: reduzir o País à condição de colônia, submetida a uma nova metrópole. Diante da impossibilidade físico-temporal de retroagir no tempo, seu projeto guarda certas singularidades em relação ao modelo do Brasil Colônia, mas a arquitetura é a mesma.

Com um mercado doméstico fragilizado e abastecido por produtos manufaturados importados, a produção orienta-se quase exclusivamente para o mercado externo. Como no passado, os produtos de exploração são as commodities agrícolas e minerais. As adaptações impõem-se por força das atuais circunstâncias. Os juros da dívida pública somam-se aos valiosos artigos oferecidos ao mercado.

A metrópole não é mais Portugal e, sim, as multinacionais e o sistema financeiro. Em vez da mão de obra escrava, o trabalho assalariado precarizado, o que igualmente inviabiliza o consumo interno. No lugar dos poucos representantes da Coroa portuguesa, um Estado mínimo, ausente na prestação de serviços essenciais à sociedade.

A análise é do economista João Sicsú, ex-diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor do Instituto de Economia da UFRJ.

“Do congelamento dos gastos públicos por 20 anos à reforma trabalhista recém-sancionada, todas as iniciativas do governo Temer levam à conversão do Brasil em uma plataforma exportadora de produtos básicos, pois o mercado doméstico está sendo dilapidado”, afirma.

“O barateamento da mão de obra não traz qualquer vantagem competitiva para quem produz para o consumo interno, pois todos os empresários terão esses custos reduzidos e, a médio prazo, orebaixamento salarial afetará ainda mais o poder de compra das famílias.

Somente quem produz para o mercado externo terá algum benefício. O País, por decisão da elite política e financeira, entrará na divisão do trabalho globalizado como uma colônia moderna.”

A dependência do mercado internacional torna-se cada vez mais evidente. Em dois anos de recessão, 2015 e 2016, o PIB brasileiro encolheu 7,2%. Festejado pelo ministro da Fazenda,Henrique Meirelles, o crescimento de 1% verificado no primeiro trimestre deste ano deve-se, sobretudo, à supersafra agrícola e às exportações, que cresceram 4,8%.

Sem isso, a variação do PIB ficaria próxima de zero, pois houve queda no consumo das famílias (-0,1%), do governo (-0,6%) e do investimento (-1,6%).

Até mesmo a geração de empregos formais tem sido salva pelo boom do agronegócio. Entre demissões e contratações, foram gerados 67,3 mil postos de trabalho com carteira assinada no primeiro semestre de 2017. O campo criou 117 mil vagas e compensou o mau desempenho de setores como comércio (123 mil vagas fechadas) e construção civil (33,1 mil vagas a menos).

Com 14,2 milhões de desempregados, segundo oúltimo balanço divulgado pelo IBGE, o Brasil vê o seu mercado doméstico evaporar. Do último trimestre de 2014 até o primeiro de 2017, o consumo das famílias contraiu-se cerca de 10%. O problema tende a se agravar com a precarização da mão de obra.

Sancionada por Temer sem vetos, a reforma trabalhista altera 117 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e fere de morte todo o arcabouço jurídico de proteção laboral. Com as brechas abertas na legislação, empregados formais podem ser substituídos por falsos autônomos e por falsas pessoas jurídicas, eximindo os tomadores de serviços do pagamento de direitos como férias e 13º salário, além de afastar a ameaça de processos na Justiça do Trabalho.

Legalizou-se, ainda, um extenso leque de vínculos empregatícios precários, assentados em contratos de trabalho temporário, parcial e intermitente. “Os Programas de Demissão Voluntária abertos em bancos públicos e privados são os primeiros sintomas dessa reforma”, diz Ana Cláudia Bandeira Monteiro, vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho.

“Agora, as empresas têm várias opções para baratear o custo da mão de obra. De nada adianta estabelecer uma quarentena para evitar que o funcionário seja demitido e recontratado pela mesma empresa. Com tantos desempregados, há um enorme exército de reserva.”

Enquanto o poder de compra do trabalhador está ameaçado, a capacidade de investimento do Estado está comprometida desde a aprovação da Emenda 95, no fim do ano passado. Até 2036, o aumento dosgastos federais está restrito à variação da inflação.

Em outras palavras, a União não poderá destinar mais recursos para projetos de infraestrutura ou para áreas historicamente subfinanciadas, como saúde e educação. Ademais, a contração de despesas públicas reduz ainda mais a demanda interna.

“É uma camisa de força. Ainda que a população eleja, nas próximas eleições, um governante comprometido com um programa de desenvolvimento nacional, ele estará amarrado à regra.

Precisaria ter maioria qualificada no Parlamento para alterar a Constituição”, lamenta Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp. A medida ameaça o futuro do País. O congelamento de gastos inviabiliza, por exemplo, o cumprimento da meta de universalizar o atendimento das crianças e adolescentes em idade escolar até 2020, como prevê o Plano Nacional de Educação.

Atualmente, 2,8 milhões de brasileiros entre 4 e 17 anos estão fora da escola, segundo o Censo Escolar.

“Além da questão quantitativa, há o desafio de melhorar a qualidade da educação pública, o que implica melhor formação dos professores, investimentos em material didático alinhado com as novas diretrizes curriculares e também a valorização da carreira docente”, alertou o filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação, quando o Congresso debatia o tema.

Na Saúde, o congelamento de gastos ganha contornos dramáticos. Estima-se que a população idosa passará de 16,8 milhões em 2016 para 36,1 milhões em 2036. Além da transição demográfica, há uma mudança no padrão de enfermidades.

A partir de 2030, projeta a Organização Mundial da Saúde, as principais causas de mortalidade no mundo não serão mais as doenças cardiovasculares ou cerebrovasculares, e sim as neoplasias (câncer), que têm um custo de tratamento muito superior.

“Enquanto o quadro epidemiológico se torna mais complexo, enquanto a população envelhece velozmente, enquanto a pressão da sociedade pela incorporação de novas tecnologias se agudiza, o governo acena com um futuro de graves restrições do ponto de vista econômico para a saúde”, resume o médico sanitarista José Gomes Temporão, ex-ministro de Lula, em recente artigo publicado no site de CartaCapital.

Presidente do Conselho Nacional de Saúde, Ronald Ferreira dos Santos alerta para a progressiva diminuição de recursos para a área. “No decorrer de 20 anos, o porcentual de gastos públicos vai cair de 3,8% para 1% do PIB”, afirma. “Vai ferir de morte o SUS. Se a medida não for revertida, podemos desistir da ideia de um sistema universal de saúde.”

Atualmente, há seis ações no Supremo Tribunal Federal questionando a constitucionalidade da Emenda 95, apresentadas pela Associação dos Magistrados Brasileiros, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, pela Federação Nacional dos Servidores e Empregados Públicos Estaduais e do Distrito Federal e por três partidos políticos: PDT, PSOL e PT.

Em parecer entregue à Corte na segunda-feira 17, a Defensoria Pública da União pediu para participar dos processos na condição de amicus curiae. A entidade sustenta que a medida promove um “desmantelamento do Estado”, além de inviabilizar o direito à saúde e à educação pelo estrangulamento de recursos.

Bode introduzido na sala pelo próprio governo, a Emenda 29 tem sido utilizada como instrumento de chantagem para a açodada aprovação da reforma da Previdência.

Sem ela, vaticina o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, a União não teria condições de pagar todas as aposentadorias e pensões a partir de 2020 – ultrapassaria o teto de gastos em 2,6 bilhões de reais.

Segundo a proposta de Temer, o trabalhador deve acumular 25 anos de contribuição para ter acesso à aposentadoria parcial, e 49 anos para ter direito ao valor integral. A exigência, associada à liberação das terceirizações e de outras modalidades de trabalho precário, pode excluir grande parcela da população, alerta Fagnani, da Unicamp.

“É preciso considerar que esse trabalhador viverá diversos períodos de inatividade. Portanto, esse período de contribuição pode representar, na verdade, 35, 40 anos de serviço, dentro e fora do sistema formal.”

Na modalidade de trabalho intermitente, para citar um exemplo, o empregado é convocado para trabalhar com três dias de antecedência, momento no qual é informado da jornada a ser cumprida. Ele pode aceitar ou não a proposta, e receberá apenas pelo período efetivamente trabalhado, em horas.

O tempo de inatividade, no qual fica à disposição do contratante, é desconsiderado. Ao cabo, esse funcionário sequer tem a garantia de que trabalhará o suficiente para amealhar um salário mínimo. Caso isso aconteça, ele terá de complementar do próprio bolso a contribuição previdenciária correspondente ao mínimo. Sem isso, o mês trabalhado não contará no cálculo da aposentadoria.

Em relatório apresentado na sede das Nações Unidas no início de julho, um grupo de mais de 20 organizações da sociedade civil, que monitora o cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, alerta para o risco de pauperização dos brasileiros em um cenário marcado pelo elevado desemprego, pela supressão de direitos trabalhistas e pelo congelamento dos gastos públicos por 20 anos. Três anos após o Brasil sair do Mapa da Fome da ONU, a insegurança alimentar volta a ameaçar as famílias mais pobres, emendam as entidades.

Ex-ministra do Desenvolvimento Social de Dilma Rousseff e uma das responsáveis pela drástica redução dos índices de extrema pobreza e insegurança alimentar nos últimos anos, Tereza Campello alerta, ainda, para a redução do número de beneficiários do Bolsa Família. “Quando Dilma Rousseff deixou o cargo, em maio de 2016, o programa beneficiava 13,8 milhões de famílias.

Hoje, contempla 12,7 milhões. Ou seja, mais de 1 milhão de famílias, ou 4 milhões de brasileiros, ficaram sem esse complemento de renda”, observa. “Tenho notícias de que as pessoas batem na porta da assistência social, mas enfrentam muitos obstáculos. Fala-se em 550 mil inscritos à espera de receber o benefício. Acredito que a fila é muito maior, e tem gente sendo desligada.”

No fim de junho, o governo decidiu suspender o reajuste do Bolsa Família que havia prometido. O aumento de 4,6% no benefício não cabia no Orçamento, por gerar um impacto de 800 milhões de reais em 2017, justificou o ministro Osmar Terra, atual titular da pasta do Desenvolvimento Agrário. Duas semanas depois, Temer sancionou uma lei com reajustes nos salários de auditores fiscais, médicos peritos, técnicos do Banco Central e outras categorias de servidores – um impacto de 8 bilhões de reais, dez vezes mais do que seria gasto com o Bolsa Família.

Não é a primeira vez que o governo favorece castas privilegiadas do funcionalismo. Em 29 de dezembro, Temer reajustou o salário mínimo de 880 para 937 reais, abaixo do valor autorizado pelo Congresso no Orçamento da União: 945 reais.

Um dia depois, Temer publicou no Diário Oficial da União a Medida Provisória 765, a prever reajustes salariais para oito categorias de servidores federais, incluindo auditores fiscais e diplomatas, com vencimentos iniciais superiores a 19 mil reais.

A concentração de riqueza e a pauperização dos trabalhadores inviabilizam qualquer projeto de desenvolvimento com soberania, alerta Sicsú. “Para não ser dependente da demanda externa, é indispensável ter um mercado interno forte, com milhões de consumidores com poder de compra. Infelizmente, o Brasil reduziu-se, por decisão política, ao papel de uma mera colônia, que de tempos em tempos sofrerá os abalos causados pela variação do preço das commodities.”

sábado, 29 de julho de 2017

Entidades denunciam Temer por acelerar sangria dos minérios com destruição ambiental

Do Vi o Mundo:

Nota de Repúdio ao Programa de Revitalização da Indústria Mineral


Do INESC
Mais de 70 organizações e movimentos sociais brasileiros, 17 organizações internacionais e mais de uma dezena de pesquisadores assinam a nota.
Nota de Repúdio ao Programa de Revitalização da Indústria Mineral
O lançamento do Programa de Revitalização da Indústria Mineral através de Medidas Provisórias é a marca antidemocrática das ações do Governo Temer. Mudar o Código da Mineração no momento de turbulência política pela qual passa o país, tratando a mineração apenas sob a ótica fiscal e administrativa, deixa claro que esta manobra faz parte do pacote de ações de desmonte da democracia e que é uma clara tentativa de buscar convencer parlamentares da bancada mineradora a votar contra o prosseguimento da denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) por corrupção passiva.
Tratar a mineração como se fosse apenas um setor comercial capaz de aumentar a participação no PIB, que segundo anúncio subiria de 4 para 6%, aumenta ainda mais a fragilidade de fiscalização do Estado e coloca ainda mais em risco as populações ao redor das minas, as comunidades no entorno de sua logística e o meio ambiente.
A expansão da mineração no Brasil nos últimos 15 anos tem trazido impactos significativos para as comunidades e o meio ambiente. De várias partes de nosso território ressoam denúncias de injustiças socioambientais provocadas pela mineração e sua cadeia produtiva, de transformação, escoamento e exportação. Ao mesmo tempo, os bens minerais brasileiros se esvaem por nossos portos, em uma verdadeira sangria, rumo ao exterior, reforçando o papel primário-exportador de nossa economia.
A política de expansão da extração mineral, da qual a reformulação do novo Código Mineral é um dos elementos centrais, ganhou força desde 2013, com o envio ao Congresso Nacional do Projeto de Lei 5807/2013. As organizações membros do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração travaram uma luta pela garantia de direitos das populações atingidas, dos trabalhadores e contra os impactos ambientais provocados pelo modelo mineral brasileiro e impediram a votação texto do Novo Código em dezembro de 2015. Fez parte da ação do Comitê a denúncia à imprensa que o texto do Código havia sido escrito por advogados do escritório Pinheiro Neto, que representa diversas mineradoras como a Vale S.A e a BHP Billiton e que privilegiava exclusivamente o mercado.
No anúncio do presidente realizado no dia 25 de julho do presente ano foram esquecidas as populações ao redor das minas, as impactadas pela logística de transporte, as comunidades, os povos tradicionais impactados e o meio ambiente. Que sequer foram citadas nos textos das MPs. Infelizmente, essas enormes cifras e cifrões escondem o rastro de destruição que a expansão da mineração vem deixando nos territórios. Essa política gerou desastres como o ocorrido em novembro de 2015 no distrito de Bento Rodrigues, Mariana (MG), onde 20 pessoas perderam suas vidas e mais de 600 suas casas. Até hoje os atingidos por este desastre, que incluem mais de 20 mil pessoas na Bacia do Doce, não foram indenizados pelas empresas e o Governo Federal não tomou nenhuma providência pela garantia dos seus direitos no anúncio do novo Programa. Pelo contrário. O texto na MP deixa claro que os danos ambientais e sociais provocados pela mineração, assim como o fechamento das minas é de responsabilidade exclusiva das empresas mineradoras. Mas como criar mecanismos para que a fiscalização a essas empresas seja feita de forma efetiva?
Ao transformar o DNPM em Agência Reguladora, a Agência Nacional da Mineração, sem um longo processo de concursos públicos para a ingressão de funcionários qualificados, o governo deixa claro que pouco investimento será destinado à fiscalização. O DNPM é hoje um órgão sucateado. No Estado de Minas Gerais são apenas 4 fiscais para cuidar da fiscalização de mais de 700 barragens. Criar a Agência sem a garantia de um aumento significativo do corpo de servidores que farão a fiscalização dos empreendimentos não garante um maior controle sobre do Estado sobre o setor da mineração.
Se a questão é fiscal e é necessário aumentar a arrecadação, porque o Governo não revê as leis que isentam a exportação de minérios do pagamento de ICMS, Lei Kandir, ou a Lei de isenção de Imposto de Renda para as empresas que atuam na Amazônia, entre elas todas as grandes mineradoras?
As MPs 789, 790 e 791 anunciadas de forma antidemocrática pelo governo aprofundam uma lógica de expansão mineral segundo a qual os ganhos ficam concentrados nas mãos das empresas e os danos são distribuídos aos que vivem nos territórios decorrentes dos impactos ambientais significativos e irreversíveis sobre as águas, o ar, o solo, os ecossistemas, patrimônios arqueológicos, paleontológicos, culturais e simbólicos.
O aumento da Cfem por meio de mudanças na fórmula de cálculo (que passa a ser sobre o faturamento bruto e não mais o líquido) e as novas alíquotas não alterará substancialmente a condição do país de paraíso fiscal para as grandes mineradoras, todas transnacionais. Além disso, não resolverá o grave problema fiscal que hoje enfrentam os estados e a União e não reverterá o crônico desmonte do Estado e das políticas públicas. E a destinação dos recursos da Cfem não é clara em investimentos que realmente sejam de grande valia à população dos municípios dependentes da mineração. Principalmente no tocante à área da saúde, pois nestas localidades o aumento de doenças pulmonares, doenças de pele e os mais diversos tipos de cânceres é significativo. É uma irresponsabilidade promover a dependência econômica dos municípios a atividades minerais intensivas em exploração, que são capazes de em pouco tempo esgotar sua produção ao passo em que deixam como heranças irreversíveis para as atuais e futuras gerações a contaminação e depredação dos territórios, inviabilizando, inclusive, outras atividades econômicas que teriam potencial de serem socialmente justas e ambientalmente sustentáveis.
Repudiamos o Programa de Revitalização da Indústria Mineral como um caminho para a saída da crise. Repudiamos o Programa, acima de tudo, porque ele aprofundará os impactos sobre as populações ao redor dos grandes projetos, as comunidades que sofrem o impacto da sua logística, sobre a água, o solo, o ar e todo meio ambiente, além de ampliar os riscos de desastres. São necessárias mudanças na mineração brasileira, mas para isso é necessária uma ampla e democrática discussão sobre o modelo mineral do nosso país, com a ampla participação de todos os atores envolvidos e os impactados pelo setor.
Assinam a nota:
Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade - AFES
Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária - AMAR
Associação dos Amigos de Paracatu - AMPARA
Associação de Proteção ao Meio Ambiente - APROMAC
Associação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB
Associação Comunitária Amigos do Meio Ambiente para a Ecologia e Desenvolvimento e o Turismo Sustentáveis, Garopaba - SC.
Associação Católica Brasil - SIGNIS Brasil
Associação de Defesa e Desenvolvimento Ambiental de Ferros 
Associação Pró Pouso Alegre - APPA
Abraço Guarapiranga - SP
Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale
Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas - Conaq
Bicuda Ecológica - Rio de Janeiro - RJ
Brigadas Populares
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará-CEDENPA
Centro Paulista de Estudos Geológicos - CEPEGE - USP
Centro de Estudo Integração Formação e Assessoria Rural da Zona da Mata - CEIFAR
Conselho Indigenista Missionário - CIMI
Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração
Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino
Comissão de Assuntos Minerários - OAB-PA
Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil
Comissão Pró-Índio de São Paulo 
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria - CTI
Confluências
Departamento Profissional Extrativo – DEPRONEX-CNTI
Espaço de Formação Assessoria e Documentação - SP 
Espeleogrupo Pains -EPA
Fórum da Amazônia Oriental - FAOR
Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social
FASE
Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativistas de Minas Gerais – Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas de Minas Gerais -URBANOS/MG
FIAN Brasil
Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas Fonasc-CBH
Greenpeace
Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade - POEMAS
Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais - GESTA-UFMG
Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente da Universidade Federal do Maranhão (GEDMMA-UFMA)
Instituto Panamericano do Ambiente e Sustentabilidade - IPAN 
Instituto de Estudos Pró-Cidadania - PRÓ-CITTÀ
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - Ibase
Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC
Instituto de Pesquisa e Formação Indígenas -Iepé
Justiça nos trilhos
Movimentos dos Trabalhadores sem Terra - MST
Movimento pela Soberania Popular na Mineração - MAM
Mater Nature
Marcha Mundial do Clima
Ministério da Verdade
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
Movimento das Mulheres Camponesas - MMC
Movimento Nacional Contra a Corrupção e pela Democracia - MNCCD
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais - MPP
Movimento Artístico Cultural e Ambiental de Caeté - Macaca
Movimento pelas Serras e Águas de Minas - MovSAM
Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela
Missionários combonianos
Movimento Aeroporto em Parelheiros Não! 
Projeto Saúde e Alegria 
Pastoral da Juventude Rural - PJR
Rede ODS Brasil
Rede de Cooperação Amazônica -RCA
SOS Serra da Piedade
SOS Clima Terra 
Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia - SINFRAJUPE
Toxisphera Associação de Saúde Ambiental 
Via Campesina Brasil
Internacionais:
Associación Católica Latinoamericana y Caribeña de Comunicación - SIGNIS ALC
Amazon Watch 
AIDC - South africa
Amadiba Crisis Committee
Agencia Latinoamericana y Caribeña de Comunicación - ALC Notícias
International Rivers
Foundation for Socio, economic rights -Swaziland
Jupic Missioneros Claretianos San José del Sur (Argentina, Chile, Paraguay y Uruguay)
Mining Affected Communities United in Action - South Africa
People’s Dialogue - Southern Africa
Rede Iglesias y Mineria
Rural Women’s Assembly - Southern Africa
Via Campesina Sudamerica
Southern Africa Green revolutionary Council - South Africa
TCOE - South Africa
Women and Land- Zimbabwe
Women and Mining - Southern Africa
Pesquisadores:
Déborah Danowski (PUC-Rio/CNPq)
Eduardo Viveiros de Castro (Museu Nacional, UFRJ/CNPq)
Helena Meidani
Horácio Antunes de Sant'Ana Júnior - Professor de Sociologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
João Batista da Silva- Geógrafo
Lêda Casadei Iorio
Marijane Vieira Lisboa, Prof.Dra.Sociologia, Faculdade de Ciências Sociais, PUC-SP
Pertti Simula
Silvana Maria Gritti- Professora Associada- Unipampa- Jaguarão
Sandra Luciana Dalmagro - Professora da UFSC e Doutora em Educação
Virgínia Fontes - historiadora - UFF e Fiocruz

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Dez anos após declaração da ONU, indígenas sofrem desmonte de direitos no Brasil

Brasil de Fato

Movimentos Populares e relatora da Nações Unidas têm denunciado violações nos direitos das comunidades tradicionais




Ouça a matéria:
13° acampamento Terra Livre em Brasília / Reprodução

Em setembro deste ano, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, documento que reúne uma série de reivindicações para indígenas de todo o mundo, completa 10 anos de existência. A situação dos povos indígenas no Brasil, no entanto, vem sendo denunciada por movimentos populares e pela própria ONU, diante do desmonte de direitos imposto pelo governo golpista do presidente Michel Temer.
Na última quinta-feira (20), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) publicou uma nota pública condenando um parecer vinculante da Advocacia-Geral da União (AGU), aprovado por Temer, que coloca um marco temporal na demarcação de terras indígenas. O documento obriga os órgãos da administração federal a considerar que as comunidades indígenas só têm direito aos seus territórios se estivessem em posse deles no dia da promulgação da Constituição Federal, 6 de outubro de 1988.
Essa foi apenas uma das ações recentes do governo que prejudicam os indígenas no país. Propostas como a PEC 215, que transfere do Executivo para o Legislativo a responsabilidade sobre a demarcação de terras, estão sendo amplamente criticadas.
Em janeiro deste ano, o então ministro da Justiça Alexandre de Moraes publicou uma portaria alterando os parâmetros da demarcação, dando ao Ministério da Justiça e Cidadania poderes para rever todas as análises feitas pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Na nota publicada pela Apib, os movimentos pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) que "ponha fim à manipulação das suas decisões pelo atual governo, a qual tem o objetivo de desobrigar o reconhecimento do direito constitucional dos povos indígenas sobre suas terras e impor restrições aos outros direitos desses povos". 
O aumento da violência e massacres contra indígenas também vêm sendo bastante denunciado pelos movimentos que assinaram a nota da Apib. O número de vítimas de conflitos agrários no país cresceu 22% entre 2015 e 2016, segundo o relatório anual apresentado pela Comissão Pastoral da Terra em abril deste ano.
Um dos massacres mais violentos foi o sofrido pelos indígenas da etnia Gamela, um povoado de Bahias, na cidade de Viana, no Maranhão. Em maio deste ano, eles tiveram suas mãos decepadas por fazendeiros e jagunços da região, em uma ação que foi denunciada na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Um documento elaborado em uma missão da relatora especial sobre os direitos dos povos indígenas da ONU, Victoria Tauli-Corpuz, que esteve no país entre 7 a 17 de março de 2016, também denunciou as violações. O relatório destacou a demarcação de terras, a violência e o racismo institucional como as principais preocupações das comunidades tradicionais brasileiras. O documento também apontou que a situação dos povos indígenas no país era a mais grave desde a Constituição Federal de 1988.
Em entrevista para a ONU Brasil, publicada nesta quarta-feira (26), Tauli-Corpuz destacou que a expansão de indústrias extrativistas, do agronegócio e dos "megaprojetos" de desenvolvimento e infraestrutura têm invadido reservas e ainda permanecem como as principais ameaças para os povos indígenas. A relatora afirmou que a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas enfrenta sérios obstáculos para proteger as populações tradicionais no mundo.
“Estou particularmente preocupada com o crescente número de ataques contra líderes indígenas e membros da comunidade que procuram defender seus direitos sobre as terras. Os povos indígenas que tentam proteger seus direitos humanos fundamentais estão sendo ameaçados, presos, perseguidos e, nas piores situações, se tornam vítimas de execuções extrajudiciais”, afirmou Tauli-Corpuz.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Porque o paciente não é o peso do SUS, mas sim a razão do sistema existir




resbr.net.br

Cebes

“O paciente deve ser sujeito e não objeto do sistema de saúde”


O Brasil atravessa simultaneamente dois fenômenos que exigem atenção, planejamento e capacidade de compreensão de gestores, profissionais de saúde e dos pacientes. A chamada transição demográfica nos conduz a uma sociedade mais envelhecida. Já a transição epidemiológica nos leva a um mundo onde as doenças crônicas exigem um modelo e uma intensidade do cuidado que as doenças agudas dos séculos XIX e XX não exigiam. Esses fenômenos acontecem em sociedades em desenvolvimento. Os países com alto nível de qualidade de vida também passaram por este processo de mudanças, mas com uma diferença fundamental: o tempo. O Brasil está no meio destes processos e terá duas ou três décadas para fazer o que países da Europa e Ásia tiveram quase 100 anos.
Outro ponto é que essas transições, necessariamente, não acontecem ao mesmo tempo, como está se dando no Brasil. Mas, afinal, já estamos lidando com esses fenômenos, com a importância que têm para a reconfiguração da sociedade? O que cabe aos pacientes? E aos profissionais de saúde e gestores? Ao Estado? Quais os deveres e responsabilidades? O velho modelo de atenção às doenças agudas ainda nos servirá para assistir nossos doentes do século XXI? Para tratar desses temas de maneira mais precisa falamos com Nelson Ibañez, professor da Faculdade de Ciência Médicas da Santa Casa de São Paulo e pesquisador do Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão (CEALAG).

Como a transição da doença aguda para a crônica tem acontecido ao longo do tempo?
Nelson Ibañez – No Brasil, durante o século XX, diminuiu muito a incidência das doenças infecciosas, mas não totalmente, porque há mutações como variações do H1N1, zika, febre amarela que estão aí para nos lembrar e ainda o recrudescimento, por exemplo, da tuberculose. Os países desenvolvidos mudaram a agenda para doenças crônicas degenerativas a partir dos anos 1950 e os países periféricos a partir dos anos 1970 e 1980.
Já o fenômeno do envelhecimento é “novo” e vem acompanhado dessa nova agenda, que já responde pelas principais causas de mortalidade atual, como cerebrovascular e neoplasias. No Brasil, tem um outro ponto importante que temos que considerar que é a violência, urbana e de trânsito, que mata cerca de 100 mil pessoas por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde(OMS) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
RR – A visão que se tem sobre o paciente muda do modelo de cuidado voltado para doenças agudas para as crônicas?
NI - A percepção do doente precisa fazer parte do universo do sistema de saúde. Às vezes nós excluímos o indivíduo sem reconhecer essa pessoa que está submetida a determinantes sociais e que sofre esse processo de diferentes maneiras. Apesar de nossa Constituição estabelecer o SUS como um sistema universal e colocar atrás desse sistema a razão democrática e cidadã eu ainda permaneço vendo esse indivíduo como objeto do meu sistema e não como sujeito. Ao agir dessa maneira as minhas ações são, de certa forma, “autoritárias”.
RR – Esse olhar interfere ou define o modelo de assistência e gestão das ações e serviços de saúde? Quem define as prioridades? Com quais objetivos?  
NI - É difícil, especialmente no Brasil, porque vivenciamos uma tripla carga de doenças: as dos séculos XIX, XX e XXI. Não dá para se dedicar com exclusividade a uma agenda de crônico-degenerativo porque não podemos descuidar do controle das doenças transmissíveis, dos problemas crônicos agudizados e das causas externas. Por isso se continua com o modelo agudo mesmo para o tratamento das doenças do século XXI.
Isso tudo reforça o uso desse modelo para doenças agudas porque ao paciente é comunicado e imposto que saiba se cuidar dentro desse padrão, que sempre foi tomar remédio, curar ou morrer. Não se exigia um cuidado contínuo, um olhar mais amplo sobre o próprio corpo e os determinantes de saúde que o impactam. Aí acontece que a pessoa tem, por exemplo, diabetes. Mas não faz dieta, não toma remédio, não faz acompanhamento médico. Resultado: a doença crônica se agudiza em função de mudanças complexas que precisam ser realizadas no modelo de atenção para promover saúde para essas doenças do século XXI, mas não são feitos. Eu preciso que esse indivíduo passe de objeto a sujeito do sistema.
Precisamos de um modelo que deixe claro que se ele não conseguir mudar hábitos de vida, aceitar a medicalização e a ciência moderna cotidianamente, o problema dele pode complicar. Tem ainda uma questão importante: se ele mora num grande centro, leva até duas horas para ir de casa para o trabalho e temos de introduzir o estresse. Pronto! Complicou tudo.
Ele tem pouco tempo para fazer outras coisas, como se preocupar com a alimentação, fazer exercício; tem que comer correndo. A obesidade começa a ser outro problema. É complexo intervir.
Que ações eu posso fazer para esse paciente se conscientizar, na medida do possível, para não agudizar? É preciso a mudança de paradigma tanto na concepção médica quanto nos sistemas ao abordar esses problemas.
RR: No Brasil temos que lidar com três agendas simultaneamente: a do passado, a do presente e a do futuro…
NI - Sim! Hoje vivemos com as doenças transmissíveis, as crônico-degenerativas e a violência (urbana e no trânsito). Só que esse futuro é agora, é já. Então eu tenho que fazer mudanças que não são triviais, de apenas alguns procedimentos. É mudança cultural, profunda; onde a mudança que é ver o paciente como sujeito, como um dos pilares, o que não é simples.
RR – Quem precisa ver o paciente como sujeito: o médico, o sistema ou o próprio paciente?
NI - Os três. O paciente se vê em tese como sujeito. Mas quando ele vai entrar no sistema não o deixam se manifestar. Ele não consegue ser ouvido. Um exemplo é: quando eu sinto uma dor, um problema, de acordo com meu padrão de cultura e de classes, eu penso alguma coisa. Imagino um diagnóstico. Aí quando vou ao médico, estou pensando nisso e o médico fala que é outra coisa. Isso pode, de certa forma, me confortar ou pode não confortar e eu continuo com a minha cultura. Quando o médico orienta a fazer determinadas coisas, eu tenho que acreditar naquilo, caso contrário não faço.
RR – Como se faz para evoluir essa relação entre o paciente e o sistema de saúde? Como levar o indivíduo de objeto a sujeito?
 NI - Essa pergunta envolve várias dimensões que de certa forma foram mencionadas na entrevista mas vale a pena salientar os grandes vetores.
O primeiro e central é a manutenção e ampliação do nosso sistema de seguridade social, ameaçado e diminuído permanentemente pelas políticas de ajuste fiscal e austeridade, que como sabemos por estudos recentes provocam efeitos danosos nas políticas sociais e especial no agravamento das situações epidemiológicas e de suficiência de recurso no caso setorial da saúde.
A mudança do paradigma atual requer uma série de ações (planejamento voltado para o sujeito, abordagem sistêmica, regulação pela demanda, novo padrão de educação entre outros) mas queria salientar um tópico que fica isolado e tende a se restringir aos domínios exclusivos da chamada academia: a investigação. É importante desenvolver trabalhos que integrem olhar e conhecimento da universidade, da gestão, dos profissionais e da sociedade. A pesquisa Regiões e Redes e o projeto Gestão Regional de São Paulo têm feito esse exercício, interagindo com os mais diferentes atores envolvidos no processo de construção desse novo paradigma da realidade multifacetada do nosso país. Tudo isso evidencia de maneira sistemática nossas trajetórias históricas e institucionais, permitindo criar novas bases para essa mudança.
RR – Como os países desenvolvidos fizeram essa transição, já que tiveram mais tempo para se adaptar?
NI - A Espanha tem um exemplo interessante. Numa região de saúde foi criada uma escola de pacientes. Por quê? Eu tenho lá autocuidado assistido, e um aprofundamento do ponto de vista da vigilância a pacientes. O que eu tenho que fazer? Uma classificação de risco. Entre 60% e 70% dos pacientes iniciam num quadro não tão grave.
RR – O Brasil tem um sistema público de saúde que tenta ser universal e há dezenas de “caixas” para desembrulhar, e uma delas é que “o usuário não sabe usar o sistema”, uma queixa recorrente de gestores e profissionais. Na sua visão, essa educação do usuário é responsabilidade de quem?
NI - Eu sempre brinco que se você tirar o paciente do sistema, melhora. Se tirar o médico melhora ainda mais. Mas, respondendo, se eu estou com dor às 19h30, vou à Unidade Básica de Saúde (UBS)? Não, vou ao Pronto Socorro (PS). E lá vão falar para mim que eu devia estar na UBS. Mas essa dor não está classificada dentro do sistema de urgência e emergência. Então, autoritariamente, me falam: para você entrar aqui tem de passar por ali. Só que essa passagem está obstruída. Se eu tivesse médico na UBS, talvez a situação fosse outra. Ora, quem deveria educar o paciente? O próprio sistema, colocando suficiência naquilo que se propõe a fazer. O que é colocar suficiência? A Atenção Básica se propõe a fazer isso, isso e isso. Ela faz? Se ela não faz, eu não posso falar que é o paciente que não sabe usar o sistema.
Uma outra questão que complica mais essa situação é discutida pelo cardiologista italiano Marco Bobbio, no livro O Doente Imaginado, que são análises dos pacientes que ele recebia no consultório. Ele dá o nome de “doentes imaginados” porque é o doente imaginado pelo médico e pela indústria farmacêutica.
Coloco sobre o paciente, além das crenças pessoais dele, a tecnologia, a magia da ciência como solução para tudo. Ele espera que ao ir ao médico resolva o problema. Do ponto de vista coletivo, cria-se uma violência, um uso desses avanços positivos da ciência de maneira exagerada, colocando em risco o próprio paciente.
De um lado, o médico começa a exagerar e nem ouve o paciente, não o vê como sujeito e já pede exames. O paciente, por sua vez, cria uma expectativa de que o médico vai pedir muitos exames e que esses exames vão dizer o que ele tem. E, às vezes, o que ele tem está na essência do que ele diz na conversa.
Isso sem falar das doenças mentais. Na nossa sociedade, o nível de ansiedade medicalizada é excessivo sem falar no processo de exclusão social e marginalização. Aumentam o número de usuários de drogas e os casos de alcoolismo como escape dessa situação. De repente, eu estou cercado por esse grupo de patologias que podem ser classificadas como crônicas, mas a gente separa como doenças mentais. Ou seja, eu tenho que agir, mas tem um exagero na intervenção. É razoável viciar uma mulher com tensão pré-menstrual em ansiolíticos quando eu posso trabalhar isso num outro patamar?
RR – A tripla carga de doenças com que o Brasil lida fez evoluir de um olhar interno para a área da saúde a uma visão mais abrangente sobre o paciente? A intersetorialidade, ou multisetorialidade, já é vista com a devida importância que tem para o SUS?
NI - A intersetorialidade entra como fator determinante da qualidade da saúde. Morar mal, não ter emprego impacta a saúde. Quando você estabelece uma política de austeridade você arrocha todas essas questões sociais que influem sobre a saúde. Em um primeiro momento, há o aumento de suicídio, depois vai piorando porque o Estado sai do cenário e a culpa por tudo é do indivíduo. A coisa da assistência social pode parecer bobagem, mas à medida que você estabelece uma renda familiar mínima, você dá uma condição mínima para o cidadão. A questão da aposentadoria também é central. Cada vez mais existem episódios em que a pessoa adoece e não tem mais condições de voltar ao trabalho nas mesmas condições que estava. Quem vai sustentar? Essa intersetorialidade sempre existiu, mas ela, agora, aparece com força não só na causa ação, mas como remédio.
RR – Essa nova agenda inviabiliza o olhar setorial isolado sobre os problemas?
NI - A intersetorialidade é fundamental, mas as políticas públicas sociais têm de ter abrangência. Quando eu foco a saúde, ela não sai das páginas de jornal. Vai ter sempre alguém que vai morrer porque eu não consigo dar assistência, porque eu também não tenho suficiência. Então, além do setorial tentar garantir uma outra visão, esse processo não é tão rápido assim, porque o sistema não é mágico.
A regionalização e a conformação das redes avançaram, mas é um processo lento. Nós temos que aprofundar e criar experiências em que eu coloco o paciente como sujeito. Tento criar mecanismos de acolhimento, uma regulação da demanda em vez da oferta, e melhorar a suficiência do sistema. Ao mesmo tempo tenho que ter políticas sociais e econômicas que me deem apoio. Se eu não tiver uma política social de desenvolvimento social para aquela região é a mesma coisa que combater endemias rurais com inseticidas. Mata o mosquito, mas as pessoas também. Tenho que montar um sistema de intervenção que não provoque tanta sequela, que não deixe o crônico agudizar, porque depois eu tenho um outro momento – não tenho a fisioterapia, não tenho quem cuide. O sistema tem de enfrentar sua complexidade, mas não é arrochando, é dando suficiência. Se eu tiro a suficiência do sistema e a gestão, tudo tende a ficar mais fragmentado e mais emergencial (apagar incêndios). Isso cria uma competência limitada para resolver essa nova agenda.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

O desgoverno Temer vai fazer o Brasil voltar ao mapa da fome

segunda-feira, 24 de julho de 2017


O golpe faz a limpeza racial!

A exclusão dos conceitos de povo, nação, classe social e a era dos avatares, por Frei Betto

Era dos Avatares: discutem-se nomes para as eleições e pouco programas

Não adianta chorar diante do leite derramado. É hora de dar respostas para certas perguntas: por que o povo brasileiro não ocupa as ruas?

A ambição de ganhar eleições é, hoje, mais notória do que o projeto de mudar as estruturas da sociedade brasileira.
A ambição de ganhar eleições é, hoje, mais notória do que o projeto de mudar as estruturas da sociedade brasileira.
Por Frei Betto 
Dom Total
Mudou o Natal e mudamos nós, admitiria hoje Machado de Assis. Com as novas tecnologias de
comunicação o mundo encolheu. Minha avó talvez nem soubesse que o Afeganistão existe. Hoje a bomba que explode na Síria incomoda os nossos ouvidos e as chuvas torrenciais na China respigam em nós no Brasil.
Mudou sobretudo a política. Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, o século XX terminou, assinalou Eric Hobsbawm. Agora o planeta está hegemonizado pelo capitalismo; o Estado de bem-estar social já não se faz necessário para conter a ameaça comunista; e um novo dogma é proclamado: fora do mercado não há salvação!
Vale tudo por dinheiro! Inclusive na política. Ah, mas e a corrupção?, perguntam os incautos que acreditam que a raposa é capaz de cuidar do galinheiro. Roberto Campos já dizia que, no capitalismo, “não há corrupção, há negócios”. Tudo se resolve atrás do balcão. E não estamos falando do assalto ao dinheiro público desviado dos cofres da Petrobras. Trata-se de algo muito mais grave, de um crime de lesa-democracia: o flagrante de o presidente da República conspirar nos porões do palácio com um bandido orientado a não ingressar pela porta da frente, e ainda se apresentar na portaria com nome falso.
A lógica do neoliberalismo reduz o nosso ângulo de visão. Vemos apenas a sucessão de árvores, e não a floresta. Os fatos são ludibriados pelas interpretações. A história é reduzida a uma sequência de episódios pitorescos, bizarros, dos quais ficam sumariamente excluídos os conceitos de povo, nação, classe social e modos de produção.
Nesse mundo supostamente desideologizado e conturbado são descartados os programas estratégicos, as propostas de longo prazo e as utopias libertárias. Torce-se o nariz para políticos e partidos. Cede-se à síndrome do corpo de bombeiros: em plena crise, peça-se socorro urgente a quem parece estar acima das instituições corrompidas e conceda-lhe todos os poderes!
Foi assim que a Revolução Francesa desembocou em Napoleão; a Alemanha se ajoelhou aos pés de Hitler e a Itália, de Mussolini. É assim que, hoje, o Reino Unido se ilha ainda mais ao se desconectar da União Europeia na esperança de levar vantagem. É assim que os eleitores estadunidenses elegem Trump e, os franceses, Macron. Essa mesma lógica entregou a João Doria a prefeitura de São Paulo, e faz Bolsonaro figurar entre as preferências presidenciais dos eleitores brasileiros.
Não adianta chorar diante do leite derramado. É hora de dar respostas para certas perguntas: por que o povo brasileiro não ocupa as ruas? Por que não se arrancam as máscaras da minoria que insiste em reduzir o caráter das manifestações a atos de vandalismo? Por que nenhum setor progressista, salvo o MST e o MTST, faz trabalho de base de formação política de militantes? Por que muito se discutem nomes para as eleições de 2018, e pouco programas e critérios? Por que o reduto da esquerda envolvido em corrupção não faz autocrítica? Por que a ambição de ganhar eleições é, hoje, mais notória do que o projeto de mudar as estruturas da sociedade brasileira?
Enquanto não houver respostas claras e práticas a essa questões, o Brasil também ingressará na era dos avatares.