quarta-feira, 30 de abril de 2014

O contrabando ideológico da mídia

Ao ler os jornais e assistir aos telejornais – principalmente o Jornal Nacional – temos a impressão de que o Brasil está afundando. Parece que nunca estivemos tão mal quanto agora. Tudo é retratado como um caos: a economia, a política, escândalos, a Copa etc.

Faz sentido? Não faz o menor sentido. Vivemos hoje uma situação muito melhor que a de, por exemplo, onze anos atrás, antes de o PT assumir o governo. E em todos os sentidos.

A pobreza caiu, a desigualdade diminui, o desemprego se reduziu significativamente, a renda aumento, o salário mínimo ganhou valor, há uma política social efetiva, ações de transparência foram desenvolvidas, o Brasil se projetou internacionalmente e por aí vai.

E por que o retrato que nossa mídia/oposição faz é uma pintura do fim do mundo? Por causa da disputa política.  É uma tentativa – e agora talvez seja a mais intensa dos últimos anos – de desconstruir o governo, de colocar novamente seus aliados no poder. E retroceder nas conquistas desta pouco mais de uma década de governo do PT.

Os sinais deste discurso adotado pela mídia/oposição são evidentes. Em seu artigo hoje na Folha de S.Paulo, Janio de Freitas trata do assunto. Ele comenta uma coluna do colega Vinicius Torres Freire, no mesmo jornal. No último dia 24, Freire registrava: “O Datafolha registra um nível de insegurança econômica inédito desde os piores dias de FHC, embora a situação econômica e social seja muito melhor agora”.

Janio de Freitas afirma que “algo provoca tal contradição”. E o que seria? “Não pode ser a percepção espontânea e geral, porque a situação ‘muito melhor’ não lhe daria espaço. O que poderia ser, senão os meios de comunicação desejosos de determinado efeito? Se, apesar da situação melhor, o sentimento é pior, claro que se trata de sentimento induzido. Um contrabando ideológico”, afirma.

Na mosca. É um contrabando ideológico, uma expressão perfeita para resumir o cenário atual dos meios de comunicação.

Janio continua: “Terminaram depressa as rememorações do golpe de 64. O corporativismo apagou a memória da função exercida pela imprensa no preparo do golpe e no apoio à apropriação do poder, de todos os poderes, pelos militares. Não há, nem de longe, semelhança entre aquela imprensa e a atual. Mas o seu estrato mais profundo, econômico, social e político, mudou menos do que a democracia pede. E conduz às recaídas cíclicas dos meios de comunicação em práticas próprias de partidos e movimentos políticos. Estamos entrando em mais uma dessas fases”.

Clique aqui para ler na íntegra essa coluna obrigatória de Janio de Freitas

terça-feira, 29 de abril de 2014

Alckimin, a má gestão e apenas notícias esparsas


As crises de Alckmin

Problemas no sistema de abastecimento da Grande São Paulo e Metrô deveriam ser escândalos, mas não merecem mais do que notícias esparsas
por Thalita Pires, especial para a RBA 
EDSON SILVA/FOLHAPRESS
alckmin
Alckmin, apesar de todas as evidências de má gestão, continua respondendo às críticas de forma evasiva
O nível do Sistema da Cantareira, a maior fonte de abastecimento de água da região metropolitana de São Paulo, atingiu hoje (29) mais um recorde negativo: está operando com apenas 11% da sua capacidade.
Desde fevereiro o sistema vem apresentando sucessivas quedas em seu nível. Medidas para a diminuição do consumo, no entanto, demoraram para aparecer. Por cálculo eleitoral, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) descartou a possibilidade de aplicar o rodízio de água – pelo menos com esse nome – quando o nível da água ainda estava próximo dos 20%. Com o prolongamento da estiagem, o governo anunciou neste mês algumas medidas de incentivo à economia, enquanto prefeituras da região que não diminuíram o consumo foram punidas. É importante lembrar que, após as grandes chuvas do verão 2009/10, o sistema chegou a 100% de sua capacidade até dois anos atrás, de acordo com informações do próprio governo estadual.
Apesar de a crise ter estourado em fevereiro, a queda do volume do Sistema Cantareira é constante desde maio do ano passado. Por que medidas de precaução não foram tomadas com antecedência é uma pergunta que permanece sem resposta. O Ministério Público de São Paulo está investigando o caso.
O caos da água está longe de ser o único problema grave nos assuntos de responsabilidade do governo estadual. Há quase três meses, o Metrô de São Paulo passou por uma de seus dias mais críticos. Uma cascata de falhas e incidentes paralisaram a circulação das composições da Linha 3 – Vermelha no horário de pico da tarde. Além dos problemas na linha mais lotada da cidade e no pior horário possível, houve também uma falha da Linha 4 – Amarela, a mais nova da rede. Naquele dia 4 de fevereiro e nos subsequentes, a linha de resposta aos problemas da Companhia do Metrô e do governo do estado foi a de acusar a existência de um complô contra o sistema de trens e de chamar os usuários de vândalos. A Polícia Civil afirmou, no dia 15, ter aberto investigação contra seis pessoas por vandalismo, mas até agora nenhuma conclusão foi divulgada.
O que o usuário do Metrô sabe é que as falhas continuam acontecendo. Ainda em fevereiro pelo menos mais dois problemas aconteceram. No dia 26, uma composição da Linha 3 circulou por alguns minutos com as portas abertas. No dia anterior, trens da Linha 4 pararam na via a poucos metros de distância um do outro. Usuários publicaram fotos nas redes sociais onde era possível ver a proximidade indevida entre os trens.
A vida dos passageiros do Metrô continua em risco e esse fato continua sendo subapreciado pela população. Os defeitos são noticiados, mas não há esforço no noticiário para entender os problemas que vêm acontecendo de uma maneira ampla. E nem entro aqui nas suspeitas de corrupção na contratação de obras e compra de trens.
Da mesma forma, a grave crise de abastecimento de água na Grande São Paulo continua sendo encarada como um evento “natural”, que será revertido assim que as chuvas voltarem ao normal, se é que ainda se pode falar em normalidade do clima no mundo.
O governador Geraldo Alckmin, apesar de todas as evidências de má gestão, continua respondendo às críticas da mesma maneira: ou “todas as falhas serão investigadas” ou tudo se resume a “questões técnicas”. Ora, como não seriam? É evidente que há problemas técnicos a serem solucionados nos dois casos.
Esse tipo de resposta tenta tirar de suas costas a responsabilidade política tanto por um sistema que era o orgulho da cidade, mas que vem apresentando o maior número de falhas de sua história, quanto dos problemas de gestão da questão da água no estado. Se os problemas são técnicos, a decisão de como enfrentá-los é política. E é nesse campo que o discurso tecnicista vem vencendo. Ao tentar jogar para os técnicos a responsabilidade pela solução dos problemas, Alckmin se vende como administrador sério, que não se mete em questões ideológicas e permite que entendidos resolvam os problemas, sem espaço para questionamentos.
O governador sabe o que faz quando adota tal estratégia. Esse discurso tem grande apelo em São Paulo, estado que já o elegeu três vezes. Se deu certo antes, por que não daria certo de novo? Entretanto, é preciso desconstruir a ideia de que não há ideologia por trás dessa estratégia. Há, e muito clara: a do estado mínimo.

sábado, 26 de abril de 2014

Os ¨democratas¨ que detestam gente

 
A tradicional cerimônia de 21 de abril em Ouro Preto, neste ano,  manteve mais uma vez a população fora da praça Tiradentes. local do evento.
Toda a praça foi ocupada com grades, cadeiras e palanques para as autoridades e seguranças e foi proibida a presença de populares, inclusive de moradores.
As restrições à presença da população na praça Tiradentes começaram ainda na gestão de Aécio Neves como governador, por causa das manifestações contrárias às suas gestões.
Até 2002, último ano da gestão Itamar Franco, a solenidade era um espaço aberto para manifestações, pró ou contra os governos do momento, estadual ou federal.
O editor de Cultura do  jornal Estado de Minas afirmou: ¨Com o povo de fora, a festa perdeu dimensão pública: foi um evento privado e de interesse localizado...  foi um comício. Ao dar  dimensão de segregação do público, o Estado extrapolou de seu papel de ordenador do espaço de todos para assumir o de invasor em nome de poucos¨.





  
A falta das manifestações, pela proibição da presença do povo, talvez tenha sido a causa do sono do principal orador do evento (foto)

Leia, abaixo, artigo sobre o tema: 

Cenas da derrocada da vida pública

Por João Paulo (Coluna Olhar - Caderno Pensar: Estado de Minas)

Há a grande política e a política das pequenas coisas. E há, na mesma dimensão, a falência dos dois universos. Se a tradição da vida pública nos legou instâncias maiores de representação, com destaque para os partidos e sindicatos, a vida cotidiana alargou esse campo, muitas vezes como única forma de resistência em períodos em que o horizonte de liberdade se cerrou.

Hoje, em momento de democracia formal garantida, no entanto, continuam vigentes os expedientes que a todo momento inviabilizam o exercício pleno da liberdade política, tanto nos grandes cenários como na vida ao rés do chão. Convivemos com a repressão como se fosse normal, apenas pelo fato de existirem garantias formais de liberdade, ainda que não exercidas. Os exemplos são muitos.

A começar pela comemoração do 21 de abril em Ouro Preto, no começo da semana. Dando sequência a um período de proibição de participação popular, a Praça Tiradentes da cidade colonial foi fechada, inclusive aos moradores, para permitir que a solenidade oficial ocorresse sem problemas. Por problemas, entenda-se: gente. A nossa democracia detesta gente.

A democracia, todos sabem, não é algo natural. Construção histórica, ela é feita de um equilíbrio em permanente transformação entre consenso e conflito. Sem consenso, dado pelo eixo republicano, não há continuidade e império da lei; sem conflito, não se aprimoram as instituições nem se alarga o campo dos direitos. Pode parecer deselegante, mas sem protesto e grito, a democracia perde substância. Fica mofina.

Ouro Preto, que respondia pela capital do estado durante o evento em que dezenas de pessoas ganharam medalhas foi exemplo da anulação do caráter democrático das ruas. Foi a capital do desrespeito estatal.

Com o povo de fora, a festa perdeu dimensão pública: foi um evento privado, ainda que a data e os atores fossem públicos, ambientado num espaço público, ainda que seu dono fosse impedido de participar. No limite, ao dar dimensão de segregação do público, o Estado extrapolou de seu papel de ordenador do espaço de todos para assumir o de invasor em nome de poucos. Foi um ato de força, uma intervenção na vida da cidade.

Mas o pior foi sentir como a sociedade estava escandida. No palanque, um dos oradores, o pré-candidato do PSDB, Aécio Neves, teve liberdade para criticar a presidente Dilma Rousseff. Nada mais justo e democrático. No entanto, aqueles que queriam protestar contra a ação de outras esferas de governo, ou até mesmo do próprio governo federal, não puderam fazê-lo com a mesma liberdade. Não havia faixas de professores, operários, estudantes, mulheres, movimentos contra a Copa etc. No limite, o 21 de abril de Ouro Preto não foi um ato cívico e plural, de franca liberdade da palavra, mas um comício.

Não é possível defender o esquema de segurança utilizado por qualquer tipo de argumentação, nem técnica, nem política. Ao impedir as pessoas de se aproximar de uma atividade pública, essa mesma atividade deixou de sê-lo para se configurar uma ação privativa e de interesse localizado. Para isso há espaços privados (ou mesmo públicos de acesso limitado, como palácios dos quais a cidade é servida).

Impedir o povo de circular numa cerimônia republicana é um contrassenso e um equívoco que pode redundar na pior das consequências: sua inutilidade e desprezo por parte dos cidadãos. Quando o povo não quiser mais protestar francamente nas praças, aí sim a democracia começa a correr riscos.

Se o cenário macropolítico foi conspurcado em Vila Rica, o mesmo pode ser percebido nos espaços intersticiais da política do dia a dia. Hoje, a ágora pública, por exemplo, é um centro de compras. De tal forma os shoppings se tornaram locais de convivência que passaram até mesmo a dividir seus espaços internos com nomes de ruas e alamedas, e a vender seus sanduíches gordurosos e outras porcarias em praças de alimentação.

Fosse mau gosto, já seria muito, mas há o indisfarçável travo da segregação: o shopping não é para todos. Apenas os sonhos que ele vende são universais, o acesso é selecionado por classe, cor e roupa, entre outras variáveis discriminatórias. As crianças perdem, com isso, o exercício da convivência entre diferentes e, em contrapartida, ganham o repertório do preconceito.

A praça não é do povo, na política. O shopping não é de todos, na vida cotidiana. A violência está em todos os lugares. A saída para a falta de democracia é mais democracia.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Santa Luzia em fotos: o presente e o passado



Video (2010) para mostrar um pouco de Santa Luzia- MG, uma cidade histórica e poética.
Seleção de fotos e música: Kátia Coelho e Luzia-
Criação: Kátia Viana

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Lula recebe 27° título de doutor honoris causa


O ex-presidente Lula ganhou nesta quarta-feira o título de doutor honoris causa da Universidade de Salamanca, na Espanha. O título é o 27ª honoris causa recebida por Lula. "A instituição te honra, e você, presidente, honra esta universidade", disse o professor-padrinho Gonzalo Gomez Dacal, titular de educação que foi o patrono da escolha do ex-presidente para ganhar a distinção em educação.


De acordo com o Instituto Lula, no pronunciamento, o ex-presidente discursou sobre a emoção de ganhar a denominação honorífica de uma instituição de ensino superior "tão tradicional", com quase oito séculos, e de como o Brasil tem nos últimos 11 anos trabalhado para crescer no ensino, depois de "séculos de atraso", com projetos como o Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), que aumentaram o ingresso dos alunos na educação de terceiro grau. "Tivemos de enfrentar o preconceito das elites, que nunca confiaram na capacidade do povo brasileiro", afirmou o ex-presidente.

O ex-presidente ressaltou, por exemplo, o aumento do número de estudantes universitários em 11 anos, de três milhões para sete milhões de estudantes e o fato de ter triplicado o orçamento federal para a educação, entre 2003 e 2013.
A universidade de Salamanca tem mais de 300 estudantes do Brasil, em cursos de graduação e pós-graduação, incluindo cerca de 50 estudantes do programa Prouni Internacional.

Lula acrescentou, depois de destacar os programas sociais de seu governo, na luta para acabar com a fome, que as elites "trataram os pobres como um problema sem solução, e o povo brasileiro demonstrou que, na verdade, os pobres e os trabalhadores são a parte essencial das soluções".

Para o petista, no entanto, "libertar-se de um ciclo histórico de desigualdade e injustiça foi apenas o primeiro passo". De acordo com ele, "o Brasil tem um longo caminho pela frente e muitos desafios a superar. O mais importante de todos é garantir a educação das crianças e jovens, para que tenham um futuro melhor, com as oportunidades que foram negadas a seus pais e avós".

O ex-presidente afirmou também que, durante seu governo e o de sua sucessora, a presidente Dilma Rousseff, o orçamento federal para a Educação foi triplicado e supera hoje os 33 bilhões de euros. "Nenhum outro país ampliou tanto o investimento em Educação nesse período, de acordo com os indicadores da OCDE".

Ele lembrou ainda que, nesses 11 anos, foram abertas 18 universidades e 146 novos campi, além de adotado um sistema de cotas que favorece o acesso de negros e indígenas ao ensino superior. "Graças a essas iniciativas, o número de estudantes nas universidades públicas e privadas dobrou para 7 milhões", disse.

 A trajetória de Lula foi reconhecida em numerosas ocasiões no âmbito internacional.
Entre outros, Lula recebeu:
Prêmio para a Paz 2008 da Unesco;
Estadista Global 2010 do Fórum Mundial de Davos;
Homem do Ano 2009, Le Monde;
Personalidade do Ano 2009, El País;
Prêmio Indira Gandhi para Paz, Desarmamento e Desenvolvimento, 2010;
World Food Prize, 2011;
Prêmio Norte-Sul;
Doutorado Honoris Causa, outorgado por universidades brasileiras, o Grupo Coimbra (Portugal) e o Institut d’études politiques de Paris.
Prêmio Interamérica (Congresso das Américas sobre Educação Intermacional) 2013: O Prêmio Interamérica CAEI foi concebido para destacar e reconhecer a grandes personalidades das Américas que têm mostrado seu respaldo ao Ensino Superior, apoiado – neste campo – atividades de cooperação internacional a nível interamericano e favorecido, com suas contribuições, o desenvolvimento de laços culturais entre as diferentes nações das Américas.
 
E agora o 27° Doutor Honoris Causa, da Universidade de Salamanca (Espanha).
 

terça-feira, 22 de abril de 2014

1964: início da ditadura e o começo do fim da TV Excelsior

A história da TV Excelsior não foi contada nos cadernos especiais da mídia sobre os 50 anos do golpe. Era a líder absoluta de audiência, na época.
A ditadura acabou com a única rede de televisão brasileira que, um dia, alinhou-se a um projeto nacional de desenvolvimento autônomo liderado pelo presidente João Goulart.

Lembranças da mídia “esquecida” pela ditadura

Por Laurindo Leal Filho, na Carta Maior.

Apesar do desfecho trágico que levou o Brasil a uma ditadura sanguinária, em termos de mídia estávamos melhor naquela época do que hoje.

“Dia 1º de abril de 1964. Cinelândia, Rio de Janeiro. Em frente ao Clube Militar, um garoto de 12 anos começa a gritar ‘Jangooo’, ‘Jangooo’. Um homem alto e magro, cabelo cortado recente, bigodes finos, aponta a sua automática e explode a cabeça do menino. Nesse dia eu era diretor de jornalismo da Rede Excelsior de Televisão, na época líder absoluta de audiência. Nessa mesma noite de 1º de abril, no Jornal de Vanguarda, a cena foi ao ar”, lembra Fernando Barbosa Lima no livro Gloria in Excelsior escrito por Álvaro de Moya.

Era o início de uma longa ditadura e o começo do fim da única rede de televisão brasileira que, um dia, alinhou-se a um projeto nacional de desenvolvimento autônomo liderado pelo presidente João Goulart.

O Jornal de Vanguarda, havia sido premiado pela Eurovisão, a rede europeia de televisões públicas, como melhor do mundo no seu gênero, superando os programas de notícias da BBC de Londres. Com recursos e independência, a Excelsior criava um novo padrão de qualidade para a TV brasileira, copiado depois pela Globo.

Ao tiro na Cinelândia seguiu-se a invasão da emissora por policiais armados e a derrocada de um império comandado pelo empresário Mário Wallace Simonsen. Figura esquecida intencionalmente pela mídia de hoje já que sua lembrança destroi a lenda golpista de que o Brasil de Jango caminhava para o comunismo.

O dono da Excelsior, e também da Panair do Brasil e da maior empresa exportadora de café do pais, a Comal, de comunista não tinha nada. Tinha, isso sim, convicção que seus negócios só prosperariam se o país crescesse de forma independente, livre do jugo imposto pelos Estados Unidos. Disputava o mercado internacional do café com o grupo Rockfeller.

Esteve ao lado da ordem democrática durante os governos Juscelino, Jânio e Jango. Mandou um avião da Panair buscar o vice-presidente Goulart em Pequim, durante a crise da renúncia de Jânio em 1961 e hospedou-o em seu apartamento de Paris, durante uma das escalas da longa viagem. Os golpistas nunca o perdoaram.

Os projetos de reformas de base enviadas por Jango ao Congresso, em março de 1964, se efetivados, encaminhariam o Brasil para o patamar de “potência independente, com ascendência sobre a América Latina e a África” no dizer do sociólogo Octavio Ianni no livro ‘O colapso do populismo no Brasil’.

A essa política se contrapôs, com o golpe, um modelo de capitalismo associado e dependente mantendo o Brasil na condição de satélite da órbita centralizada pelos Estados Unidos. Coube à mídia dar respaldo à subserviência, sem o qual a ação dos golpistas e depois a da ditadura, teria sido mais árdua.

No centro desse processo, como coordenador do trabalho de conquista dos corações e mentes da sociedade, estavam o Instituto de Pesquisas Sociais, o IPES e o Instituto de Ação Social, o IBAD. Um complexo de produção ideológica que “publicava diretamente ou através de acordo com várias editoras, uma série extensa de trabalhos, incluindo livros, panfletos periódicos, jornais, revistas e folhetos. Saturava o rádio e a televisão com suas mensagens políticas e ideológicas”, como mostra a pesquisa de Rene Armand Dreifuss, publicada no livro ’1964: a conquista do Estado’.

A máquina da desinformação, azeitada por recursos captados nas elites empresariais pagava os donos de jornais, rádios e TVs ou diretamente os jornalistas, executores das pautas de interesse dos golpistas.

É precioso o relato de Rene Dreyfuss ao demonstrar como “o IPES organizava equipes de ‘manipuladores de notícias’ que preparavam e compilavam material sob a coordenação geral do general Golbery do Couto e Silva, especialista em guerra psicológica. Esses manipuladores se responsabilizavam pelas ‘campanhas de pânico’. A ‘campanha da ameaça vermelha’ empreendida pelo IPES mostrou-se muito útil na melhoria de sua situação financeira, já que atraiu contribuições de empresários tomados de pânico e profissionais que temiam o futuro”.

Segundo Dreyfuss, “eram também ‘feitas’ em O Globo notícias sem atribuição de fonte ou indicação de pagamento e reproduzidas como informação factual. Dessas notícias, uma que provocou um grande impacto na opinião pública foi a de que a União Soviética imporia a instalação de um Gabinete Comunista no Brasil, exercendo todas as formas de pressões internas e externas para aquele fim”.

O envenenamento simbólico de parte da população era feito com muita competência e a própria mídia apresentava possíveis antídotos, além do golpe que estava sempre presente no horizonte.
Sem registros históricos, um desses antídotos só não é risível porque o momento não estava para brincadeiras. A TV Paulista e a Rádio Nacional de São Paulo, que depois seriam vendidas para as Organizações Globo, numa operação até hoje contestada na justiça, propiciaram um espetáculo bizarro na semana santa que antecedeu o golpe.

O apresentador do programa de rádio diário, “A hora da Ave Maria”, Pedro Geraldo Costa, foi a Jerusalém às expensas das emissoras e de lá trouxe uma cruz enorme de madeira que chegou ao Rio de Janeiro de avião e seguiu em peregrinação para São Paulo trafegando lentamente pela via Dutra, com uma parada simbólica em Aparecida. Nas proximidades da capital foi içada por um helicóptero e suavemente depositada no Vale do Anhangabaú em meio a multidão convocada pelo rádio e pela TV para orar junto à cruz pelo país. Episódio esquecido que, no entanto, se articula com as marchas religiosas e golpistas do período, insufladas pela mídia.

Como depois as pesquisas do Ibope mostraram, essas multidões arregimentadas pelo conluio igreja-meios de comunicação representavam parcelas minoritárias da população. A maioria apoiava o governo Jango e a sua política reformista. Mas até hoje, passados 50 anos, o golpe ainda é apresentado pela mesma mídia como tendo sido respaldado pelo povo. Foi apenas por aqueles que se deixaram levar pela insidiosa campanha midiática do início dos anos 1960.

Apesar do desfecho trágico que levou o Brasil a uma ditadura sanguinária, em termos de mídia estávamos melhor naquela época do que hoje. Nas bancas, a Última Hora era a alternativa aos jornais reacionários, a TV Excelsior abria espaço para o contraditório e algumas emissoras de rádio mantinham-se alheias as pressões golpistas, como a 9 de Julho de São Paulo, cassada pela ditadura.

Hoje nem isso temos possibilitando que apenas uma versão, a dos golpistas, continue circulando pela mídia tradicional. O “esquecimento” de figuras como a de Mário Wallace Simonsen e de episódios como a da cruz que veio de Jerusalém são propositais. Se lembrados poriam em cheque a ameaça comunista e o apoio espontâneo das massas ao golpe.

Versões distorcidas, bem ao gosto do Instituto Millenium que está ai como um fantasma a lembrar alguns traços assustadores dos antigos IPES e do IBAD.

tv-excelsior


Do Viomundo: A TV Excelsior inventou os horários fixos de programas e, portanto, a grade de programação. O telejornal que chamou a “Revolução” de golpe tinha como editor Fernando Barbosa Lima. A Excelsior tinha Bibi Ferreira em horário nobre. Trouxe Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir para falar no Teatro Cultura Artística, sua sede em São Paulo. Sofreu dois incêndios misteriosos, em seguida. No momento final, apresentou um plano de recuperação ao governo Médici dando terras em São José dos Campos como garantia. Quem costurou o acordo foi o advogado Saulo Ramos. Assim que os representantes da emissora deixaram a reunião, Médici cassou a concessão. A Globo herdou o elenco da Excelsior. A emissora de Roberto Marinho tinha surgido graças a uma injeção de capital internacional, da Time Life. Ou seja, foi a vitória do capital internacional sobre o doméstico. Ao fim e ao cabo, Excelsior vs. Globo foi um retrato do próprio golpe. Falida, a emissora teve os ossos descarnados por concorrentes midiáticos, como a turma da Folha. Tudo em casa.

A TV Excelsior foi cassada em 30 de setembro de 1970 por uma canetada dos militares.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

A ¨tempestade perfeita¨ da imprensa

Por Luciano Martins Costa
Do Observatório da Imprensa: 

(ilustração: altamiroborges.blogspot.com.br)
Objetivo deste time: induzir um clima constante de pessimismo

O jornal Valor Econômico publicou em manchete, no dia 07 de abril, reportagem relatando como especuladores perderam dinheiro ao apostar em um desastre na economia brasileira. “Os ventos do mercado mudaram de direção, a tempestade perfeita não veio, e isso reduziu bastante os ganhos de quem apostou na alta do dólar e na queda das ações”, dizem os autores do texto. Na manhã do dia 08, analistas já registraram que a frustração provocou um desvio da manada de investidores, das carteiras de maior risco para opções mais conservadoras.

O episódio revela como uma parte do movimento financeiro se processa no campo da irracionalidade, onde o chamado wishful thinking, expressão que pode ser traduzida por “autoengano” ou “autosugestão”, substitui frequentemente os indicadores formais da economia.

Mas o mais grave é constatar que esse autoengano é frequentemente provocado pela imprensa hegemônica, com a publicação seguida de manchetes negativas que induzem um grande número de pessoas a um clima de pessimismo. Alguns entendem que podem ganhar dinheiro com uma crise, mas a realidade acaba desmentindo os profetas do apocalipse, e está pronta a receita para o prejuízo.

No caso presente, a expressão “tempestade perfeita” vem sendo repetida por jornais e revistas desde o final do ano passado. Ela apareceu pela primeira vez, associada a críticas à política econômica do governo, numa análise do economista e ex-ministro Delfim Netto, publicada no Estado de S. Paulo no dia 13 de novembro de 2013.

Seu alerta era condicionado a medidas que, segundo ele, deveriam ser tomadas pelo governo para controlar as contas externas, o câmbio e os gastos públicos. No entanto, a previsão foi tomada pela imprensa como muito provável e, curiosamente, um dos primeiros veículos a enxergar a tormenta que não havia foi o Valor, em artigo de um de seus editores executivos, publicado no mesmo dia (ver aqui). Em seguida, a revista Exame, da Editora Abril (ver aqui), elevou a profecia ao grau de catástrofe inevitável.

Muitos investidores passaram, então, a valorizar as nuvens escuras.

Mudança dos ventos
O Valor Econômico voltou atrás ao produzir o caderno especial “Cenários 2014”, no mês seguinte, desmentindo seu editor executivo (ver síntese aqui). No entanto, os três jornais genéricos de circulação nacional – Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo – seguiram anunciando o apocalipse.

Até que se produziu a conjunção sonhada pelos especuladores: o anúncio do rebaixamento do Brasil por parte da agência de avaliação de risco Standard & Poor’s, o escândalo da Petrobras e, finalmente, a pesquisa Datafolha sobre intenção de voto, que supostamente iria marcar a queda das chances de reeleição da presidente Dilma Rousseff. Mas aconteceu que os ventos econômicos mudaram de direção, afastando as nuvens negras e o cenário eleitoral na verdade mostra que a atual presidente pode ser reeleita no primeiro turno.

Foto: Alguma preocupação com a ética? Em melhorar a Petrobras? Que nada...é só política. Álvaro Dias deixa clara a estratégia em entrevista ao Blog do Noblat.

Reprodução, no 247:
http://goo.gl/e7ngcd

Também no Globo (bloqueado):
http://goo.gl/gR4Q0e

A situação econômica ainda é de instabilidade, contexto que deve perdurar ao longo do ano, em parte sob influência da disputa eleitoral. O que a imprensa não diz é que uma parcela significativa dessa instabilidade é provocada pela própria imprensa.

Façamos, por exemplo, uma varredura no noticiário de terça-feira (8/4): pelos mesmos jornais que seguem apostando em manchetes negativas, o leitor fica sabendo, em reportagens com menor destaque, que houve uma “enxurrada” de capital estrangeiro no Brasil no mês de março. O BNDES já captou no primeiro trimestre um total de recursos superior ao previsto para todo o ano de 2014, em condições consideradas excelentes, o que demonstra a credibilidade dos títulos brasileiros. Nas notas curtas, pode-se ler uma lista de investimentos de empresas multinacionais, entre eles a criação de uma fábrica de grandes motores da Rolls-Royce no Rio de Janeiro.

Agora, vejamos como a imprensa produz no público opiniões equivocadas. Meio escondida nas edições digitais dos jornais, pode-se garimpar um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( IPEA) anunciando que a Copa do Mundo pode render R$ 30 bilhões ao Produto Interno Bruto em 2014, criando 48 mil empregos só no setor de turismo.

E qual é a percepção que o noticiário sobre o mesmo assunto induz no público? Pesquisa Datafolha publicada com destaque na terça-feira afirma que 55% dos brasileiros acreditam que a Copa vai trazer prejuízos.

É assim que funciona.

sábado, 19 de abril de 2014

Morre Luciano do Valle: o show do esporte

Hoje jovens de 15, 16 anos curtem o esporte acompanhando, principalmente, pela TV fechada (premier, sportv, espn e agora pela fox). Mas na década de 80 e ínicio de 90, Luciano do Valle inovou com um projeto de esporte durante 11 horas, aos domingos, na tv aberta (tv bandeirantes). Era o Show do Esporte, que apresentava várias modalidades esportivas: futebol, basquete, automobilismo, tênis, box e até sinuca. E durante a semana exibia várias modalidades esportivas. E a emissora ficou conhecida como o Canal do Esporte.
E conseguiu neste período formar uma grande equipe esportiva. Na Copa de 94,por exemplo, comandava uma equipe que tinha como comentaristas: Tostão, Rivelino, Gerson, Mário Sérgio, além de Juarez Soares.
Formou a Seleção Brasileira de Masters: ex-jogadores famosos voltaram a jogar (até Pelé participou) . Ele foi o técnico desta seleção que participou de torneios internacionais com outras seleções na mesma categoria.
A sua emoção era marcante nas narrações esportivas.

brasil247.com : 
Com legado de transmissões memoráveis, entusiasmo a toda prova e criações bem sucedidas no esporte brasileiro, morte de Luciano do Valle tira da Copa do Mundo no Brasil voz querida de todo público; do futebol à fórmula indy, passando por basquete, vôlei, boxe e todos os esportes olímpicos, nos últimos 50 anos ele popularizou modalidades, definiu ídolos e consagrou nomes como Rainha Hortência, Magic Paula ou Adílson 'Maguila' Rodrigues; no futebol, entristeceu-se como todos na tragédia do Sarriá, quando o time de Telê Santana perdeu para a Itália de Paolo Rossi; Luciano era um narrador humano, um empresário de visão e um desportista eclético

Leia a reportagem do Hoje em Dia e coloquei o vídeo do jogo Brasil x Escócia, Copa de 82 e relembre sua narração - destaque para a vibração no gol do Éder: gol de gênio, de gênio...

Hoje em dia:
O narrador esportivo Luciano do Valle, 66 anos, faleceu neste sábado (19 de abril) após passar mal durante uma viagem de avião para Uberlândia, na região do Triângulo Mineiro. As causas ainda não foram esclarecidas, mas acredita-se que ele tenha sofrido um infarto durante o voo. Ele ira narrar o jogo entre Atlético e Corinthians, no Parque do Sabiá.

Luciano marcou época na televisão brasileira desde a década de 70 e era o principal narrador da Band, onde teve duas passagens, de 1983 a 2003 e depois de 2006 até os dias de hoje. Transformou a emissora em Canal do Esporte. Além de se especializar na narração do futebol, foi um dos principais divulgadores dos esportes olímpicos. Narrou boxe, onde lançou Maguila, também foi ícone da geração de prata do vôlei masculino na década de 80. Sua importância foi tão grande que ganhou o apelido de Luciano do Vôlei.

Referência no jornalismo

Inspirando muitos jornalistas, Luciano do Valle narrou copas do mundo, olímpiadas e trabalhou em várias emissoras de rádio e televisão, como Rede Globo, Record e Rede Bandeirantes. Foi locutor de Fórmula 1 e, na Band, transmitiu a fase áurea de Emerson Fittipaldi nessa categoria, que o transformou em um ídolo do esporte brasileiro.

Relembre a narração do Luciano do Valle ( a emoção dos gols na Copa de 82 )  

Brasil 4x1 Escócia - Copa 1982 (World Cup 1982 Spain ...



Depois que saiu da Rede Globo no início dos anos 80, mais precisamente após à Copa de 1982, desenvolveu paralelamente uma carreira de empresário e promotor de esportes: seu primeiro grande sucesso nessa carreira foi a promoção da seleção brasileira de voleibol, quando transmitiu um campeonato em São Paulo pela Rede Record.


Seu trabalho tornou ídolos nacionais jogadores como Bernard, William, Montanaro e Renan, que depois ficaram conhecidos como a "Geração de Prata" do vôlei brasileiro. Depois promoveria a carreira de Maguila, famoso lutador de boxe nacional.

Ao passar pela Bandeirantes, foi responsável pelo slogan "Canal do Esporte", exibindo aos domingos o programa de longa duração de esporte, que apresentava todo os tipos de evento esportivo, desde jogos de sinuca, boxe, automobilismo e esportes olímpicos.

Apresentou ao Brasil a Fórmula Indy e a Seleção Brasileira Masters de Futebol, que contava com seus grandes amigos Rivelino, Edu e Dario. Durante o verão brasileiro, transmitia várias modalidades de esportes de praia, em programas especiais de verão.

Atualmente havia reduzido suas atividades empresariais, continuando como narrador.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Santa Luzia, no programa Terra de Minas (2010)

  A história da cidade de Santa Luzia (MG) no programa Terra de Minas, da tv globo, apresentado em 2010:


     
http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=1hyti5_Q5ME



http://www.youtube.com/watch?v=WBmQTN5m6Ek&feature=player_detailpage
6:32          Terra de Minas - Santa Luzia_Parte 02




http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=4PG4XOuuXK8

5:11          Terra de Minas - Santa Luzia_Parte 03



quinta-feira, 17 de abril de 2014

Discurso de Gabriel Garcia Marques ao receber o prêmio Nobel


Morre Garcia Márquez, gênio da literatura

REUTERS/Edgard Garrido: Gabriel Garcia Marquez greets journalists and neighbours on his birthday outside his house in Mexico City March 6, 2014. Garcia Marquez, the octogenarian titan of Latin American literature, celebrated his 87th birthday in Mexico City on Thursday at his ho
Jornalista ligada à família do escritor colombiano premiado com o Nobel de Literatura informou morte do escritor, na Cidade do México, na tarde desta quinta-feira 17, onde vivia; autor de Cem Anos de Solidão, O Amor nos Tempos do Cólera e Crônica de uma Morte Anunciada, Gabo, criador e mestre do realismo mágico, tinha 87 anos e guarda milhões de leitores apaixonados em todo o mundo por sua obra marcadamente latino-americana; "ele foi um grande escritor latino-americano, mas era universal, porque lido e entendido em qualquer lugar", disse o escritor Luís Fernando Veríssimo


Clique abaixo para ouvir o discurso de escritor ao receber o Nobel de Literatura, 1982:


http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=_-DIbNNPtYU
9:23          Discurso Gabriel García Márquez ao receber o Nobel. Parte 1        


http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=KpUac9XRX_E
8:34          Discurso Gabriel García Márquez ao receber o Nobel. Parte 2   


La soledad de América Latina[Discurso de aceptación del Premio Nobel 1982. Texto completo.]
Gabriel García Márquez
Antonio Pigafetta, un navegante florentino que acompañó a Magallanes en el primer viaje alrededor del mundo, escribió a su paso por nuestra América meridional una crónica rigurosa que sin embargo parece una aventura de la imaginación. Contó que había visto cerdos con el ombligo en el lomo, y unos pájaros sin patas cuyas hembras empollaban en las espaldas del macho, y otros como alcatraces sin lengua cuyos picos parecían una cuchara. Contó que había visto un engendro animal con cabeza y orejas de mula, cuerpo de camello, patas de ciervo y relincho de caballo. Contó que al primer nativo que encontraron en la Patagonia le pusieron enfrente un espejo, y que aquel gigante enardecido perdió el uso de la razón por el pavor de su propia imagen.
Este libro breve y fascinante, en el cual ya se vislumbran los gérmenes de nuestras novelas de hoy, no es ni mucho menos el testimonios más asombroso de nuestra realidad de aquellos tiempos. Los Cronistas de Indias nos legaron otros incontables. Eldorado, nuestro país ilusorio tan codiciado, figuró en mapas numerosos durante largos años, cambiando de lugar y de forma según la fantasía de los cartógrafos. En busca de la fuente de la Eterna Juventud, el mítico Alvar Núñez Cabeza de Vaca exploró durante ocho años el norte de México, en una expedición venática cuyos miembros se comieron unos a otros y sólo llegaron cinco de los 600 que la emprendieron. Uno de los tantos misterios que nunca fueron descifrados, es el de las once mil mulas cargadas con cien libras de oro cada una, que un día salieron del Cuzco para pagar el rescate de Atahualpa y nunca llegaron a su destino. Más tarde, durante la colonia, se vendían en Cartagena de Indias unas gallinas criadas en tierras de aluvión, en cuyas mollejas se encontraban piedrecitas de oro. Este delirio áureo de nuestros fundadores nos persiguió hasta hace poco tiempo. Apenas en el siglo pasado la misión alemana de estudiar la construcción de un ferrocarril interoceánico en el istmo de Panamá, concluyó que el proyecto era viable con la condición de que los rieles no se hicieran de hierro, que era un metal escaso en la región, sino que se hicieran de oro.
La independencia del dominio español no nos puso a salvo de la demencia. El general Antonio López de Santana, que fue tres veces dictador de México, hizo enterrar con funerales magníficos la pierna derecha que había perdido en la llamada Guerra de los Pasteles. El general García Moreno gobernó al Ecuador durante 16 años como un monarca absoluto, y su cadáver fue velado con su uniforme de gala y su coraza de condecoraciones sentado en la silla presidencial. El general Maximiliano Hernández Martínez, el déspota teósofo de El Salvador que hizo exterminar en una matanza bárbara a 30 mil campesinos, había inventado un péndulo para averiguar si los alimentos estaban envenenados, e hizo cubrir con papel rojo el alumbrado público para combatir una epidemia de escarlatina. El monumento al general Francisco Morazán, erigido en la plaza mayor de Tegucigalpa, es en realidad una estatua del mariscal Ney comprada en París en un depósito de esculturas usadas.
Hace once años, uno de los poetas insignes de nuestro tiempo, el chileno Pablo Neruda, iluminó este ámbito con su palabra. En las buenas conciencias de Europa, y a veces también en las malas, han irrumpido desde entonces con más ímpetus que nunca las noticias fantasmales de la América Latina, esa patria inmensa de hombres alucinados y mujeres históricas, cuya terquedad sin fin se confunde con la leyenda. No hemos tenido un instante de sosiego. Un presidente prometeico atrincherado en su palacio en llamas murió peleando solo contra todo un ejército, y dos desastres aéreos sospechosos y nunca esclarecidos segaron la vida de otro de corazón generoso, y la de un militar demócrata que había restaurado la dignidad de su pueblo. En este lapso ha habido 5 guerras y 17 golpes de estado, y surgió un dictador luciferino que en el nombre de Dios lleva a cabo el primer etnocidio de América Latina en nuestro tiempo. Mientras tanto 20 millones de niños latinoamericanos morían antes de cumplir dos años, que son más de cuantos han nacido en Europa occidental desde 1970. Los desaparecidos por motivos de la represión son casi los 120 mil, que es como si hoy no se supiera dónde están todos los habitantes de la ciudad de Upsala. Numerosas mujeres arrestadas encintas dieron a luz en cárceles argentinas, pero aún se ignora el paradero y la identidad de sus hijos, que fueron dados en adopción clandestina o internados en orfanatos por las autoridades militares. Por no querer que las cosas siguieran así han muerto cerca de 200 mil mujeres y hombres en todo el continente, y más de 100 mil perecieron en tres pequeños y voluntariosos países de la América Central, Nicaragua, El Salvador y Guatemala. Si esto fuera en los Estados Unidos, la cifra proporcional sería de un millón 600 mil muertes violentas en cuatro años.
De Chile, país de tradiciones hospitalarias, ha huido un millón de personas: el 10 por ciento de su población. El Uruguay, una nación minúscula de dos y medio millones de habitantes que se consideraba como el país más civilizado del continente, ha perdido en el destierro a uno de cada cinco ciudadanos. La guerra civil en El Salvador ha causado desde 1979 casi un refugiado cada 20 minutos. El país que se pudiera hacer con todos los exiliados y emigrados forzosos de América latina, tendría una población más numerosa que Noruega.
Me atrevo a pensar que es esta realidad descomunal, y no sólo su expresión literaria, la que este año ha merecido la atención de la Academia Sueca de la Letras. Una realidad que no es la del papel, sino que vive con nosotros y determina cada instante de nuestras incontables muertes cotidianas, y que sustenta un manantial de creación insaciable, pleno de desdicha y de belleza, del cual éste colombiano errante y nostálgico no es más que una cifra más señalada por la suerte. Poetas y mendigos, músicos y profetas, guerreros y malandrines, todas las criaturas de aquella realidad desaforada hemos tenido que pedirle muy poco a la imaginación, porque el desafío mayor para nosotros ha sido la insuficiencia de los recursos convencionales para hacer creíble nuestra vida. Este es, amigos, el nudo de nuestra soledad.
Pues si estas dificultades nos entorpecen a nosotros, que somos de su esencia, no es difícil entender que los talentos racionales de este lado del mundo, extasiados en la contemplación de sus propias culturas, se hayan quedado sin un método válido para interpretarnos. Es comprensible que insistan en medirnos con la misma vara con que se miden a sí mismos, sin recordar que los estragos de la vida no son iguales para todos, y que la búsqueda de la identidad propia es tan ardua y sangrienta para nosotros como lo fue para ellos. La interpretación de nuestra realidad con esquemas ajenos sólo contribuye a hacernos cada vez más desconocidos, cada vez menos libres, cada vez más solitarios. Tal vez la Europa venerable sería más comprensiva si tratara de vernos en su propio pasado. Si recordara que Londres necesitó 300 años para construir su primera muralla y otros 300 para tener un obispo, que Roma se debatió en las tinieblas de incertidumbre durante 20 siglos antes de que un rey etrusco la implantara en la historia, y que aún en el siglo XVI los pacíficos suizos de hoy, que nos deleitan con sus quesos mansos y sus relojes impávidos, ensangrentaron a Europa con soldados de fortuna. Aún en el apogeo del Renacimiento, 12 mil lansquenetes a sueldo de los ejércitos imperiales saquearon y devastaron a Roma, y pasaron a cuchillo a ocho mil de sus habitantes.
No pretendo encarnar las ilusiones de Tonio Kröger, cuyos sueños de unión entre un norte casto y un sur apasionado exaltaba Thomas Mann hace 53 años en este lugar. Pero creo que los europeos de espíritu clarificador, los que luchan también aquí por una patria grande más humana y más justa, podrían ayudarnos mejor si revisaran a fondo su manera de vernos. La solidaridad con nuestros sueños no nos haría sentir menos solos, mientras no se concrete con actos de respaldo legítimo a los pueblos que asuman la ilusión de tener una vida propia en el reparto del mundo.
América Latina no quiere ni tiene por qué ser un alfil sin albedrío, ni tiene nada de quimérico que sus designios de independencia y originalidad se conviertan en una aspiración occidental.
No obstante, los progresos de la navegación que han reducido tantas distancias entre nuestras Américas y Europa, parecen haber aumentado en cambio nuestra distancia cultural. ¿Por qué la originalidad que se nos admite sin reservas en la literatura se nos niega con toda clase de suspicacias en nuestras tentativas tan difíciles de cambio social? ¿Por qué pensar que la justicia social que los europeos de avanzada tratan de imponer en sus países no puede ser también un objetivo latinoamericano con métodos distintos en condiciones diferentes? No: la violencia y el dolor desmesurados de nuestra historia son el resultado de injusticias seculares y amarguras sin cuento, y no una confabulación urdida a 3 mil leguas de nuestra casa. Pero muchos dirigentes y pensadores europeos lo han creído, con el infantilismo de los abuelos que olvidaron las locuras fructíferas de su juventud, como si no fuera posible otro destino que vivir a merced de los dos grandes dueños del mundo. Este es, amigos, el tamaño de nuestra soledad.
Sin embargo, frente a la opresión, el saqueo y el abandono, nuestra respuesta es la vida. Ni los diluvios ni las pestes, ni las hambrunas ni los cataclismos, ni siquiera las guerras eternas a través de los siglos y los siglos han conseguido reducir la ventaja tenaz de la vida sobre la muerte. Una ventaja que aumenta y se acelera: cada año hay 74 millones más de nacimientos que de defunciones, una cantidad de vivos nuevos como para aumentar siete veces cada año la población de Nueva York. La mayoría de ellos nacen en los países con menos recursos, y entre éstos, por supuesto, los de América Latina. En cambio, los países más prósperos han logrado acumular suficiente poder de destrucción como para aniquilar cien veces no sólo a todos los seres humanos que han existido hasta hoy, sino la totalidad de los seres vivos que han pasado por este planeta de infortunios.
Un día como el de hoy, mi maestro William Faullkner dijo en este lugar: "Me niego a admitir el fin del hombre". No me sentiría digno de ocupar este sitio que fue suyo si no tuviera la conciencia plena de que por primera vez desde los orígenes de la humanidad, el desastre colosal que él se negaba a admitir hace 32 años es ahora nada más que una simple posibilidad científica. Ante esta realidad sobrecogedora que a través de todo el tiempo humano debió de parecer una utopía, los inventores de fábulas que todo lo creemos, nos sentimos con el derecho de creer que todavía no es demasiado tarde para emprender la creación de la utopía contraria. Una nueva y arrasadora utopía de la vida, donde nadie pueda decidir por otros hasta la forma de morir, donde de veras sea cierto el amor y sea posible la felicidad, y donde las estirpes condenadas a cien años de soledad tengan por fin y para siempre una segunda oportunidad sobre la tierra.
Agradezco a la Academia de Letras de Suecia el que me haya distinguido con un premio que me coloca junto a muchos de quienes orientaron y enriquecieron mis años de lector y de cotidiano celebrante de ese delirio sin apelación que es el oficio de escribir. Sus nombres y sus obras se me presentan hoy como sombras tutelares, pero también como el compromiso, a menudo agobiante, que se adquiere con este honor. Un duro honor que en ellos me pareció de simple justicia, pero que en mí entiendo como una más de esas lecciones con las que suele sorprendernos el destino, y que hacen más evidente nuestra condición de juguetes de un azar indescifrable, cuya única y desoladora recompensa, suelen ser, la mayoría de las veces, la incomprensión y el olvido.
Es por ello apenas natural que me interrogara, allá en ese trasfondo secreto en donde solemos trasegar con las verdades más esenciales que conforman nuestra identidad, cuál ha sido el sustento constante de mi obra, qué pudo haber llamado la atención de una manera tan comprometedora a este tribunal de árbitros tan severos. Confieso sin falsas modestias que no me ha sido fácil encontrar la razón, pero quiero creer que ha sido la misma que yo hubiera deseado. Quiero creer, amigos, que este es, una vez más, un homenaje que se rinde a la poesía. A la poesía por cuya virtud el inventario abrumador de las naves que numeró en su Iliada el viejo Homero está visitado por un viento que las empuja a navegar con su presteza intemporal y alucinada. La poesía que sostiene, en el delgado andamiaje de los tercetos del Dante, toda la fábrica densa y colosal de la Edad Media. La poesía que con tan milagrosa totalidad rescata a nuestra América en las Alturas de Machu Pichu de Pablo Neruda el grande, el más grande, y donde destilan su tristeza milenaria nuestros mejores sueños sin salida. La poesía, en fin, esa energía secreta de la vida cotidiana, que cuece los garbanzos en la cocina, y contagia el amor y repite las imágenes en los espejos.
En cada línea que escribo trato siempre, con mayor o menor fortuna, de invocar los espíritus esquivos de la poesía, y trato de dejar en cada palabra el testimonio de mi devoción por sus virtudes de adivinación, y por su permanente victoria contra los sordos poderes de la muerte. El premio que acabo de recibir lo entiendo, con toda humildad, como la consoladora revelación de que mi intento no ha sido en vano. Es por eso que invito a todos ustedes a brindar por lo que un gran poeta de nuestras Américas, Luis Cardoza y Aragón, ha definido como la única prueba concreta de la existencia del hombre: la poesía. Muchas gracias.

Stédile: programa do governo de conciliação de classes ¨bateu no teto¨

O fundador e uma das lideranças mais expressivas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o economista gaúcho João Pedro Stédile, de 61 anos em entrevista a Carta Maior afirma:
 programa do governo de conciliação de classes "bateu no teto".



Os governos Lula e Dilma não foram governos do PT, nem da classe trabalhadora. Foram governos de composição de classe, que gerou um programa de governo do neodesenvolvimentismo, que se propunha a fazer a economia crescer, distribuir renda e retomar o papel do estado suplantando o mercado (dos tempos do neoliberalismo). Nesse sentido eles cumpriram o programa, e nesse programa todas as classes ganharam um pouco, sendo que, como diz o próprio Lula, os banqueiros foram os que mais ganharam.

Mas esse programa e essa composição de classes, na opinião dos movimentos sociais, bateram no teto. E agora já não conseguem mais resolver os problemas fundamentais do povo que ainda padece com falta de moradia digna, emprego qualificado, acesso à universidade, e transporte público civilizado. As manifestações do ano passado foram o sinal de que o modelo do neodesenvolvimentismo chegou ao seu limite.

Stédile afirma também que é urgente uma reforma política. Para tanto, será necessário convocar uma assembléia constituinte soberana (na forma de ser eleita) exclusiva para essas mudanças.

E o nosso programa de reforma agrária popular agora implica em envolver todo o povo, pois ela não interessa apenas aos sem-terra. E, portanto, temos que explicar ao povo, à classe trabalhadora que a reforma agrária é necessária para ele se alimentar melhor, de forma sadia, sem venenos. Que o programa de agroindústrias vai dar emprego, que universalizar a educação no interior vai gerar milhões de empregos para educadores etc. É a reforma agrária popular.

Leia a íntegra da entrevista:

Carta Maior: Quais as mudanças nas ações do MST a partir deste ano? Stédile: A reflexão coletiva no MST e na Via Campesina Brasil é a de que, no passado, estava posto um programa de reforma agrária que visava resolver o problema de terra de trabalho, e ao mesmo tempo desenvolver as forças produtivas, o mercado interno para a indústria nacional e assim participava do processo de desenvolvimento nacional.

Esse tipo de reforma agrária ficou conhecido como reforma agrária clássica. Ele se realizava quando havia condições de uma aliança tácita entre os camponeses que precisavam de terra e a burguesia industrial, que precisava de mercado interno. No Brasil, chegamos mais próximo dessa possibilidade na crise da década de 60 quando o governo Goulart apresentou um projeto de reforma agrária clássica, que era também revolucionário para a época. Ele apresentou o projeto dia 13 de março e caiu dia 1 de abril. Mais tarde, esse programa poderia ainda ter sido implementado na redemocratização do país, no governo Tancredo, quando José Gomes da Silva, nosso maior especialista em reforma agrária clássica foi presidente do Incra. Ele preparou um plano que previa assentar 1,4 milhões de famílias em quatro anos. Apresentou ao Sarney dia 4 de outubro e caiu dia 13 de outubro de 85. Quando Lula chegou ao governo também imaginávamos que esse programa poderia ser retomado. Mas aí o contexto econômico e político já era outro. E a reforma agrária clássica ficou nas calendas.

CM: A reforma agrária clássica, então, não tem mais sentido aqui no Brasil? E o que é projetado no lugar dela para que se cumpra, enfim, a justiça social e econômica no campo?

Como eu disse: a reforma agrária clássica visava resolver a questão do trabalho no campo e o desenvolvimento industrial com mercado interno. Nos tempos atuais, o que hegemoniza o capitalismo é o capital financeiro e as empresas transnacionais que controlam o mercado mundial de alimentos. Para essa classe dominante não interessa mais reforma agrária, de nenhum tipo, pois eles não precisam de mercado interno, nem de camponeses, nem de indústria nacional. E por isso estão implementando um novo modelo de controle da produção agrícola pelo capital, que é o agronegócio.

O agronegócio representa os interesses apenas dos grandes proprietários de terra, do capital financeiro e das empresas transnacionais. Um modelo baseado na monocultura, em que cada fazenda se especializa num só produto como soja, cana, pastagens ou eucalipto. (No Brasil de agora, 80% de todas as terras se dedicam apenas a esses cinco cultivos.) Em lugar de usar mão-de-obra eles fazem uso intensivo de máquinas agrícolas e de venenos, ambos controlados pelas empresas transnacionais. Destroem o meio ambiente, pois o único objetivo é o lucro máximo. E estão completamente dependentes do capital financeiro, que adianta o crédito para que comprem os insumos das empresas transnacionais - e assim se fecha o ciclo.

Meia dúzia de empresas fica com o lucro, e o povo fica desempregado e com passivo ambiental, que já está afetando o clima até nas cidades. Por isso, não interessa mais reforma agrária clássica para a classe dominante atual. E ela está inviabilizada para os camponeses. Então, nós temos levantado a tese da necessidade de lutar por um novo tipo de reforma agrária que chamamos de reforma agrária popular.

CM: O que você chama de "reforma agrária popular"?

Diante dessa nova realidade agrária, com o domínio do capital internacional e financeiro, fizemos um intenso debate dentro do MST que envolveu toda nossa militância, nossa base, intelectuais e professores, amigos, durante dois anos. E terminamos com a realização do evento do VI Congresso Nacional há menos de dois meses, em fevereiro deste ano onde aprovamos essa formulação da necessidade de uma reforma agrária popular.

Reforma agrária popular porque agora ela precisa atender não só as necessidades dos camponeses sem terra, que precisam trabalhar. Mas as necessidades de todo o povo. E o povo precisa de alimentos, alimentos sadios, sem venenos, precisa de emprego, precisa de desenvolvimento da agroindústria, precisa de educação e cultura. Então, o nosso programa de reforma agrária de novo tipo, parte da necessidade de democratização da propriedade da terra, fixando limites, e propõe a reorganização da produção agrícola, priorizando a produção de alimentos sem venenos. Para isso precisamos adotar e universalizar uma nova matriz tecnológica que é a agroecologia. E foi isso que pedimos ao Silvio Tendler para mostrar em seu novo documentário, O veneno está na mesa 2.

Como é possível e necessária a matriz da agroecologia para produz alimentos sadios que beneficiam toda a população e evitam as enfermidades, sobretudo o câncer, provocado pelos alimentos contaminados por agrotóxicos. O Instituto Nacional do Câncer advertiu que, neste ano de 2014 teremos 526 mil novos casos de câncer entre os brasileiros. A maior parte deles de mama e de próstata. Precisamos uma reforma agrária que valorize a vida no interior, gerando emprego para jovens. E para isso propomos a implantação de milhares de pequenas agroindústrias na forma de cooperativas que vão dar emprego a milhões de jovens que precisam estudar. Propomos a democratização da educação para que todos tenham os  mesmos direitos e oportunidades sem sair do meio rural.

CM: Você tem denunciado que nesse modelo do agronegócio privatiza-se até o ar. Como é isso?

De fato, entre as características desse novo modelo do capital, é que este, agora mais poderoso, pois é dominado pelo capital financeiro e pelas empresas transnacionais, quando chega à agricultura, eprocura se apropriar de todos os recursos naturais para tirar lucro máximo.

Em períodos de crise capitalista no hemisfério norte, como o que estamos vivendo, essa necessidade deles aumenta, pois a apropriação privada dos recursos naturais, seja terra, minérios, água, energia elétrica, é fonte inesgotável de uma renda extraordinária, mais além da exploração do trabalho. Pois os recursos estão na natureza, e eles, ao se apropriarem desses recursos, colocam no mercado a preços bem acima do seu valor, medido pelo custo de produção.

Para isso, desde a implantação da hegemonia do neoliberalismo, foram impondo condicionamentos jurídicos, em todos os países do mundo, sob orientação dos Estados Unidos e dos organismos internacionais a seu serviço, como FMI, OMC, Banco Mundial, para garantir a propriedade privada de bens da natureza. Então, pela lei de patentes (aprovada em 1995), eles agora podem ser donos das sementes. Para isso fazem mudanças genéticas e dizem que é um novo ser vivo, transgênico, produzido em laboratório. Privatizaram as águas. Seja nos lençóis freáticos, seja nas fontes naturais. Privatizaram o acesso aos minérios.

CM: As riquezas do subsolo do país, propriedade da população e que deveriam estar a serviço do povo não escaparam desse processo de espoliação.

O Brasil concedeu, nos últimos anos, sob a gestão da velha Arena, que até hoje não largou a teta do Ministério de Minas e Energia, mais de oito mil licenças de mineração no nosso subsolo para empresas privadas que deveriam estar a serviço de todo povo. E agora, como você disse, estão tentando privatizar o oxigênio produzido pelas florestas nativas. Medem pelo GPS a quantidade de oxigênio produzido pelas florestas, emitem um documento que estabelece certo valor e isso se converte em dólares como crédito de carbono que é vendido na Europa para as empresas poluidoras se justificar e assim continuarem poluindo. Aqui, no Brasil, até a empresa Natura está praticando isso.

CM: Como agem as transnacionais dessa área no Brasil, hoje?

Para se ter uma ideia, por outro lado, em termos de valores,  da crise mundial de 2008 para cá entraram no Brasil mais de 200 bilhões de dólares que foram aplicados em recursos naturais. Somente no setor sucroalcoleiro, que era propriedade da tradicional burguesia nacional, agora apenas três empresas transnacionais (Cargill, ADM e Bungue) controlam mais de 50% de todo setor.

CM: Muito importante você enfatizar estes temas: mudança de parâmetros da agricultura no país e uma agricultura voltada para a produção de alimentos. Quais os novos parâmetros?

Nossa análise coletiva considera que a organização da produção de alimentos e dos produtos agrícolas tem que estar submetida a outros parâmetros. Os capitalistas, com seu modelo do agronegócio, fundam sua ação baseados apenas no paradigma da produção de mercadorias para o mercado mundial, na busca incessante do lucro máximo, do aumento da produtividade do trabalho e da produtividade física de cada palmo de terra.

Nós queremos reorganizá-la baseada em outros parâmetros. Baseados na história da civilização que sempre viu os alimentos como um bem - e não como mercadoria. Visão de que todos os seres humanos têm direito a se alimentar. Na produção agrícola em equilibro com a natureza, e não contra ela. E, sobretudo, organizando a produção para dê trabalho para as pessoas, para que  elas tenham renda e possam viver em boas condições e felizes, no interior, sem cair na ilusão de que somente serão felizes se vierem para a cidade grande. Cidade grande é o inferno em vida para o camponês. Pois sobra para ele apenas a favela e a superexploração.

CM: Mas e a bancada ruralista, com trânsito livre nos palácios de Brasília... e o agronegócio - não aceitam esses parâmetros...

Claro, eles são os porta-vozes da classe dominante. Os capitalistas, para manterem seus altos lucros no campo espoliam a natureza e expulsam o povo do interior e se protegem num estado burguês, que é o estado brasileiro. Protegem-se fazendo leis apenas para seus interesses, como fizeram nas mudanças do código florestal etc. Protegem-se com o seu poder judiciário que é o poder ainda monárquico, que inviabiliza as desapropriações para reforma agrária, que impede a legalização das terras indígenas e de quilombolas, que impede inclusive as desapropriações das fazendas com trabalho escravo, como determina a Constituição - mas que eles não cumprem.

E tudo isso é respaldado pela mídia televisiva, sobretudo a Globo, a Bandeirantes, SBT, que manipulam todos os dias o nosso povo para lhes dizer que o agronegócio é a única solução. Que o agronegócio é que sustenta o Brasil, quando é justamente o contrário. A mídia é a arma ideológica para proteger o agronegócio e seus lucros.

CM: Como se dará a mudança do foco das ações, deslocado para o urbano? Como é esta aliança do MST com as cidades?

O nosso programa de reforma agrária popular implica agora em envolver todo o povo, pois ela não interessa apenas aos sem-terra. E, portanto, temos que explicar ao povo, à classe trabalhadora que a reforma agrária é necessária para ele se alimentar melhor, de forma sadia, sem venenos. Que o programa de agroindústrias vai dar emprego, que universalizar a educação no interior vai gerar milhões de empregos para educadores etc.

Esta aliança vai se fazendo através da construção de uma consciência coletiva de todas as classes trabalhadoras. Por um plano de lutas conjunto que envolva a todos na luta por mudanças sociais. E, sobretudo, num programa político de mudanças para o país que unifica todos os setores da classe trabalhadora da cidade e do campo.

Tudo isso leva tempo, exige energias, mas é o caminho para construirmos verdadeiras mudanças na cidade e na agricultura. Para isso teremos que travar muitas batalhas, passar por muitos "pedágios" que a classe dominante vai nos impor.

CM: E as cidades? A cidade virou um grande negócio que alija os mais pobres cada vez mais para os seus confins. Mas como mudar isto?

Os territórios urbanos, as cidades e suas periferias também estão sendo vitimas desse modelo do grande capital que igualmente quer a renda extraordinária nas cidades, conquistada através da especulação sobre os preços dos prédios, dos terrenos, dos espaços urbanos. A diferença entre o valor real de uma casa, de uma praça, de um prédio, e o preço de mercado, que eles impõem, é que representa a renda da qual eles se apropriam e que toda sociedade acaba pagando.

Pior, os trabalhadores acabam sendo expulsos para as periferias de uma maneira permanente, e ali os transportes públicos não chegam. Ou foram privatizados. Ou são caríssimos. Por isso, a bandeira de luta de tarifa zero para os transportes públicos em todas as grandes cidades é mais do que justo e é necessária.

A par de tudo isso, como tem defendido nossa querida professora Ermínia Maricato, somente uma grande reforma urbana que devolva ao povo o direito de usar a sua cidade. As cidades foram usurpadas do povo, e agora pertencem apenas aos especuladores, aos bancos e à indústria automobilística.

CM: O mais recente governo do PT foi decepcionante?

Os governos Lula e Dilma não foram governos do PT, nem da classe trabalhadora. Foram governos de composição de classe, que gerou um programa de governo do neodesenvolvimentismo, que se propunha a fazer a economia crescer, distribuir renda e retomar o papel do estado suplantando o mercado (dos tempos do neoliberalismo). Nesse sentido eles cumpriram o programa, e nesse programa todas as classes ganharam um pouco, sendo que, como diz o próprio Lula, os banqueiros foram os que mais ganharam.

Mas esse programa e essa composição de classes, na opinião dos movimentos sociais, bateram no teto. E agora já não conseguem mais resolver os problemas fundamentais do povo que ainda padece com falta de moradia digna, emprego qualificado, acesso à universidade, e transporte público civilizado. As manifestações do ano passado foram o sinal de que o modelo do neodesenvolvimentismo chegou ao seu limite.

E como disse antes, espero que os setores organizados da classe trabalhadora construam um programa unitário de mudanças, e retomem a iniciativa das mobilizações de massa. Isso permitiria termos, no futuro, governos também populares, que possam fazer as mudanças estruturais de que precisamos. Por ora, os movimentos sociais de todo país construíram uma unidade em torno da necessidade de uma reforma política que devolva ao povo a soberania para escolher seus representantes.

Já que, no regime atual, as empresas sequestraram as eleições. Veja: segundo o TSE, em torno de 2262 empresas gastaram mais de 4,6 bilhões de reais, nas últimas duas eleições sendo que 80% desses recursos foram de apenas 117 empresas. Ou seja, o novo colégio eleitoral que decide quem deve ser eleito, são essas 117 empresas que usam o dinheiro para elegê-los. Isso precisa mudar, para salvar uma democracia frágil e capenga. Então, a necessidade urgente de uma reforma política. Para tanto, será necessário convocar uma assembléia constituinte soberana (na forma de ser eleita) exclusiva para essas mudanças.

CM: Mas a força do MST está intacta - ou não? Vinte mil trabalhadores foram protestar defronte do Planalto, dois meses atrás. Acabaram sendo recebidos pela Presidenta Dilma.

O MST é uma pequena parcela do conjunto das forças populares do povo brasileiro. Nós temos procurado nos manter unidos, resistindo à avalanche do capital e mantendo nossos projetos de mudança. Outros setores da classe, influenciados pela pequena burguesia ou pela mídia, foram derrotados em seus projetos. Levamos nossos 15 mil militantes ao VI Congresso, como um espaço de unidade e de celebração de nossa mística da mudança. Por isso, fomos recebidos pela Presidenta, e apresentamos nossas idéias, sem ilusões. As mudanças não vêm de palácios; vêm das ruas e de um povo consciente e organizado; sempre foi assim na historia da humanidade. E nós vamos seguir esse caminho.

CM: Esta semana, dia 17 de abril, mais uma vez é lembrada a data dos 18 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, quando 1500 trabalhadores sem terra foram brutalmente agredidos pela Polícia Militar do Pará e 18 deles cruelmente assassinados por agentes daquela PM. Como está a situação do processo de punição dos policiais que participaram da ação criminosa? Como o MST está agindo sobre o assunto?

Nunca mais poderemos esquecer aquele  17 de abril de 1996, sendo presidente Fernando Henrique, quando a Polácia Militar do Pará, financiada pela empresa Vale, assassinou cruelmente 19 companheiros nossos. Posteriormente, outros dois vieram a falecer e há ainda até hoje 69 feridos, com sequelas graves.

O processo judicial se arrasta até os nossos dias. Apenas os dois comandantes foram condenados a mais de 200 anos de prisão. Porém apelaram, e estão em prisão domiciliar num quartel da PM de Belém, em apartamentos com todas as regalias de oficiais. Tradicionalmente, todos os anos repetimos, no mesmo local, um grande acampamento com a nossa juventude do MST da regional amazônica, para que os nossos jovens não se esqueçam, e ajudem a lutar por justiça e por reforma agrária.

Em todo Brasil vamos fazer manifestações, cultos ecumênicos, e protestar perante o poder judiciário, que protege descaradamente apenas os interesses dos ricos e fazendeiros do país. Entre as suas reformas estruturais, o Brasil precisa de uma reforma do judiciário que democratize e coloque esse poder sob controle da sociedade. Haja visto como se comporta o imperador Joaquim Barbosa, com suas estripulias, megalomanias e diárias em tempos de férias. Ainda bem que ele comprou um apartamento em Miami, e imagino que seu sonho é ir morar lá...

Em todo mundo, nos mais de cem países em que a Via Campesina está organizada haverá manifestações, pois esse dia 17 de abril foi declarado Dia Mundial da luta camponesa. E até aqui no Brasil, envergonhado, no último ano de seu governo, FHC assinou um decreto, declarando o dia 17 de abril, Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. Então, nesse dia, é até legal você lutar pela reforma agrária.