terça-feira, 27 de junho de 2017

Bob Fernandes/O faz-de-conta: FHC e eleições, Palocci e delação, Moro condena, R. Teixeira ameaça..


Por Bob Fernandes

O faz-de-conta é um método de comunicar e de fazer política. Acredita nos contos quem quer, ou quem não tem como saber.

Fernando Henrique pregou renúncia de Temer, eleições gerais e fim da reeleição.

O mesmo Fernando Henrique que teve comprada a emenda para reeleição e defendeu a "pinguela" com Temer.

Uma década de debate feroz sobre corrupção... e usaram a gambiarra "pedalada" para derrubar Dilma.

Derrubar para enfiar na presidência da República um bando de antigos e conhecidos suspeitos de grossa corrupção.

Nesse faz-de-conta, por anos manchetes com corruptos pontificando sobre... a corrupção alheia...

...Por anos marqueteiros Caixa 2, e agregados, produzindo marketing ou pontificando sobre... o Caixa 2 alheio.

Caixa 2 é crime ou não? E as panelas, retiniram com Temer na tarde desta quarta, 27, ou não? Tudo depende do faz-de-conta.

Por anos, procuradores sentados sobre informações que indicavam: a corrupção política-partidária-empresarial é Sistêmica. Generalizada...

...Mas silêncio do faz-de-conta. Como se já nas portarias do Sistema Judiciário, de empresas e redações, não se soubesse... Como funciona e quem pagava a conta.

Moro condenou Palocci a 12 anos. E mesmo se não tiver "provas cabais" condenará Lula. E se faz-de-conta não saber que assim será.

Na justiça, Palocci, ex-ministro da Fazenda, tentou informar sobre auxílio dado a empresas. Disse:

-Empresas de Comunicação tiveram sérios problemas, inclusive com algumas empresas declarando default (calote) nos compromissos externos.

 Fala imediatamente interrompida. Palocci ainda ofereceu:

-Posso dar caminho que talvez vá dar um ano de trabalho, mas é trabalho que faz bem ao Brasil.

Agora, ao condenar Palocci, o juiz Moro respondeu às ofertas de ampla delação feitas pelo ex-ministro. Disse:

-Soaram mais como ameaça (...) do que como declaração sincera...

É o faz-de-conta...

No mundo real Palocci está conversando com procuradores. Já se busca, inclusive, desenhar um acordo de leniência para o setor financeiro...

...Executivos assumiriam crimes. Os bancos pagariam multas e livrariam a cara.

Ricardo Teixeira negocia delação nos EUA. Se delatar, pode abrir o jogo sobre negociatas & Copas. E sobre os negociadores...

E assim, se o fizer, escancarar definitivamente o faz-de-conta.


segunda-feira, 26 de junho de 2017

Lula nas mãos de Moro: não há provas, apenas "indícios" e "convicções"

Lula nas mãos de Moro

por Guilherme Boulos —


Lula
"Se há suspeitas, o ex-presidente deve ser investigado como qualquer outro. A questão é assegurar um julgamento justo"


Nos próximos dias, Sergio Moro vai proferir a sentença no processo do “triplex do Guarujá”, no qual Lula é acusado de corrupção. As alegações finais do Ministério Público e da defesa foram apresentadas no dia 20. A partir de então, alea jacta est. Ou melhor, a sorte neste caso foi lançada há algum tempo.
As alegações confirmaram o que se viu ao longo de todo o processo: não há uma única prova consistente contra Lula, apenas “indícios” e “convicções”. A tese do MP é de que o apartamento teria sido uma contrapartida da empreiteira OAS pela obtenção de três contratos firmados com a Petrobras, referentes às refinarias Getúlio Vargas e Abreu e Lima.
O imóvel, entretanto, nunca esteve em nome de Lula ou de dona Marisa. Pertence à OAS. Os únicos vínculos efetivos com Lula são uma visita, quando Marisa era cotista da Bancoop e poderia então adquiri-lo, e o depoimento de Léo Pinheiro, ex-presidente da construtora.
O depoimento de Pinheiro deve ser visto, no mínimo, com reservas. Desde sua primeira prisão, em 2014, o executivo negou reiteradamente a relação de Lula com o triplex. Em novembro do ano passado, foi condenado a 26 anos de prisão pela Lava Jato. E passou a negociar um acordo de delação, alterando sua versão anterior. 
Suponhamos, por um instante, que o apartamento pertencesse de fato a Lula. Ainda assim não haveria qualquer prova de crime, ainda que, hipoteticamente, a OAS tivesse pago a reforma em benefício do ex-presidente.
Isso apontaria uma relação imprópria com a construtora, passível de reprovação política, mas não judicial. A ilação criminal do MP vem com a associação do triplex aos contratos da Petrobras. E aí reside a parte mais incoerente da denúncia. 
A reforma no triplex foi estimada por Armando Magri, engenheiro da OAS, em 770 mil reais. Lula é apontado pelo procurador Deltan Dallagnol, em seu hilário PowerPoint, como o comandante máximo da corrupção na Petrobras. Pois bem, Michel Temer foi acusado pela Odebrecht de negociar propina de 40 milhões de dólares em um contrato.
Eduardo Cunha foi acusado de receber 52 milhões de reais em mesadas das empreiteiras. Aécio Neves teria negociado 50 milhões só da Odebrecht. E Lula, o “comandante máximo”, recebeu uma reforma de 770 mil de um apartamento ?  É  por demais inverossímil. 
Diante da ausência de provas efetivas, Dallagnol apelou ao relativismo filosófico para pedir a condenação em suas alegações: “A certeza, filosoficamente falando, é um atributo psicológico e significa ausência de capacidade de duvidar.
O estado de certeza diz mais a respeito da falta de criatividade do indivíduo do que a respeito da realidade”. Esse argumento sofrível mal serviria a um debate de epistemologia pirrônica, ainda menos como sustentação jurídica.
E não se trata aqui de uma defesa cega de Lula. Se há suspeitas, o ex-presidente deve ser investigado como qualquer outro. A questão é assegurar um julgamento justo, que respeite o direito de defesa, a presunção de inocência e que, portanto, só condene mediante provas. Ninguém deve estar acima da lei, tampouco abaixo dela.
Lamentavelmente, não é o que temos visto nesse processo. A postura de Moro até aqui indica presunção de culpa, que provavelmente irá se traduzir em uma condenação de Lula. O juiz age como promotor de toga e não esconde sua antipatia pelo ex-presidente e seus advogados.
A forma como conduz o processo, aliada à construção midiática de sua própria figura, leva a crer numa condenação em primeira instância. Se absolver Lula, Moro irá de herói nacional a vilão “petralha” da noite para o dia. Tão dependente dos holofotes como se mostrou, dificilmente terá coragem de desapontar a claque.
No caso de condenação, estará indicado um atalho para impedir Lula de se candidatar em 2018, se a decisão for confirmada em segunda instância. Seria tirá-lo do jogo no tapetão. Portanto, uma influência indevida e antidemocrática do Judiciário no processo político.
Não se trata, mais uma vez, de defesa política do projeto de Lula. Sou crítico de muitas opções tomadas por seu governo. Creio firmemente que a esquerda brasileira precisa de um programa mais ousado, que enfrente os privilégios da casa-grande e paute a democratização verdadeira do Estado e da mídia. Lula é vítima de um massacre midiático cometido por oligopólios que seu governo decidiu não enfrentar.
Independentemente da posição em relação a Lula e seu projeto, ele tem direito a um julgamento justo e a apresentar sua candidatura. Erro e crime são coisas diferentes. Moro e Dallagnol, integrantes de uma casta judicial cheia de privilégios, não têm nenhuma autoridade política para julgar os erros do ex-presidente. Quem não compreender isso cometerá um equívoco histórico.
O “caso do triplex” se juntará ao rol onde se encontram a “CPI da Última Hora” contra Getúlio Vargas e o “apartamento da Vieira Souto” de Juscelino Kubitschek. Em momentos como este é preciso saber escolher um lado sem titubear. 

quinta-feira, 22 de junho de 2017

ESPECIAL: OS ANOS DE CHUMBO DA IGREJA CATÓLICA (I), por Mauro Lopes

ESPECIAL: OS ANOS DE CHUMBO DA IGREJA CATÓLICA (I)
Resgate de uma história ocultada. Como o papa João Paulo II perseguiu, censurou ou humilhou religiosos e teólogos não alinhados com o conservadorismo. As alianças com a CIA e ditadores (na foto, Pinochet). O acobertamento da corrupção no Vaticano
Por Mauro Lopes, em Caminho pra Casa, mais um blog em Outras Palavras
Por Mauro Lopes
Outras Palavras:

João Paulo II: os anos terror na Igreja (artigo 1 de 3)

João Paulo II e Pinochet no Palácio de La Moneda, em Santiago (1987), onde o presidente Salvador Allende fora assassinado em 1973 pelas tropas do exército
O pontificado de João Paulo II ainda hoje é entendido pela opinião pública como governo de um homem de fé enraizada, carismático, determinado, defensor da paz, corajoso. Ao longo dos 26 anos de seu longo papado, entre outubro de 1978 e até sua morte, em 2 de abril de 2005, Karol Józef Wojtyła tornou-se um superstar, mobilizando multidões em suas viagens ao redor do planeta. Sua resiliência em conduzir a Igreja doente, alquebrado, imerso em dores, reforçou ainda mais sua imagem.
Mas há um lado que ficou escondido ao longo dos anos, distante dos olhos da imensa maioria das pessoas: foram anos de punições, medo e até terror no interior da Igreja; dirigido contra bispos, padres, freiras e leigos ligados à Teologia da Libertação ou simplesmente adeptos do Concílio Vaticano II. O objetivo: liquidar a Teologia da Libertação, o espírito da primavera do Concílio Vaticano II e realizar o que João Paulo afirmou como prioridade de seu papado, no discurso inaugural: restaurar “a grande disciplina” (leia aqui a mensagem Urbi et Orbi de 17 de outubro de 1978, no dia seguinte à eleição do cardeal Wojtyła como Papa).
Numa breve série de três artigos aqui no Caminho Pra Casa você lerá: 1) uma visão panorâmica do governo de João Paulo II; 2) depois, uma lista inédita que, longe de ser exaustiva, apresenta quase 200 ações repressivas de João Paulo II que semearam medo e silêncio na Igreja; 3) finalmente, o arcabouço doutrinal/institucional desenhado por João Paulo II e seu braço direito, o cardeal Joseph Ratzinger, que seria seu sucessor, com o objetivo de consolidar a visão que o Papa Francisco hoje qualifica de restauracionista e inviabilizar uma nova primavera –que finalmente chegou com a eleição de Jorge Mario Bergoglio em 2013 .
Foi um tempo longo, da “grande disciplina”, expressão que o teólogo brasileiro João Batista Libânio (1932-2014) tomou do discurso de João Paulo II e consagrou como definidora do pontificado.  O teólogo belga e brasileiro por ternura José Comblin (1923-2011) qualificou o tempo de Wojtyła de “noite escura”. O maior teólogo do século XX, Karl Rahner, vítima de uma campanha de um ataques agressivos pelo Vaticano menos de um ano depois de sua morte, em 1984, cunhou outro termo para o tempo da restauração conservadora:  “Igreja invernal” –um inverno longo, frio, de chumbo.
Para que se tenha uma ideia do que foram os 26 anos do Papa polonês: o principal organismo de relacionamento do Vaticano com a Igreja universal durante o período foi Congregação para a Doutrina da Fé, sucessora Sacra Congregação da Inquisição Universal e da Congregação do Santo Ofício. Não por coincidência, esteve à frente da polícia vaticana o cardeal Joseph Ratzinger, braço direito de João Paulo e seu sucessor. O outro “martelo” de João Paulo foi o cardeal Bernardin Gantin, prefeito da Congregação dos Bispos, que se encarregou de ameaçar e punir bispos e conferências episcopais ao redor do planeta.
Houve de tudo ao longo dos anos da grande disciplina na Igreja surgida paradoxalmente na esteira de Jesus sob o signo do amor: censuras, silêncios obrigatórios, renúncias compulsórias, repreensões públicas humilhantes, interrogatórios com base em tortura psicológica, acobertamento de crimes e até omissão cúmplice diante de um sem número de assassinatos de leigos, freiras, padres e bispos, na América Latina.
João Paulo II assumiu o pontificado obcecado pela ideia de ser protagonista na derrocada dos regimes do socialismo real no Leste Europeu e, muito especialmente, na sua Polônia. Para isso, estabeleceu  uma sólida aliança com Margareth Tatcher, que se tornou primeira-ministra do Reino Unido poucos meses depois de sua eleição e, de maneira muito especial, com Ronald Reagan, eleito presidente dos Estados Unidos dois anos depois de sua posse –com ele, a relação evoluiu para amizade.
Pode parecer inacreditável, mas João Paulo II recebeu agentes da CIA mais de 15 vezes no Vaticano para troca de informações, inicialmente sobre o Leste Europeu e particularmente sobre a Polônia. Mais tarde, com a decisão do Papa de combater sem tréguas a Teologia da Libertação na América Latina, o Vaticano passou a se utilizar dos informes da CIA sobre leigos e clérigos católicos que se opunham aos regimes ditatoriais e defendiam os pobres na região.
Ato contínuo seguiram-se punições e repreensões públicas de João Paulo II à Teologia da Libertação e a teólogos, teólogas, padres e bispos a ela vinculados. Dois exemplos: foram amplamente divulgadas as cenas da humilhante censura públicas de Wojtyła ao padre Ernesto Cardenal (veja o vídeo abaixo), ajoelhado a seus pés em Manágua, em 1983 –no ano seguinte, ele e os padres Fernando Cardenal (seu irmão), Miguel D’Escoto e Edgard Parrares foram suspensos por tempo indeterminado do exercício do sacerdócio, pena que só foi revogada em 2014 pelo Papa Francisco; antes disso, o arcebispo de El Salvador, dom Oscar Romero estivera em 1979 com João Paulo II no Vaticano e fora tratado de maneira grosseira pelo Papa, que o repreendeu duramente por sua caminhada com os pobres, ordenando que ele se submetesse ao governo genocida de seu país –a mensagem que chegou aos bispos reacionários salvadorenhos e, deles, aos militares.
Estes e centenas de outros fatos como a amistosa visita ao sanguinário Augusto Pinochet no Chile em 1987 foram corretamente interpretados pelos governos militares da América Latina e seus serviços de segurança entre o final dos anos 70 e as décadas seguintes: os leigos e clérigos que caminhassem com os pobres e de alguma maneira vinculados à Teologia da Libertação estariam por sua conta e risco, sem qualquer apoio do Vaticano –ao contrário, sofriam hostilidade aberta de João Paulo II e seus subordinados diretos. Resultado: ações repressivas de todo o tipo, desde exílios a prisões, torturas e mortes. O caso mais emblemático foi o de Romero. Abandonado pelo Vaticano em 1979, foi assassinado pelos militares enquanto celebrava missa em San Salvador em 24 de março de 1980. Nem a morte livrou o arcebispo de El Salvador da perseguição vaticana: iniciou-se uma virulenta campanha de difamação de dom Oscar Romero pela Cúria romana, conforme o Vaticano reconheceu recentemente (aqui).
Ao mesmo tempo em que o clero foi colocado de joelhos diante do Vaticano, os teólogos e teólogas foram tratados como inimigos pela ação combinada de Wojtyła/Ratzinger –cerca de 150 deles foram interrogados de maneira inquisitorial por Ratzinger ou em outras instâncias doutrinárias do Vaticano, advertidos na maioria dos casos punidos, depostos de suas cátedras em universidades, demitidos de cargos em publicações católicas, proibidos de publicar livros, proferir palestras, entre outras punições.
Não houve qualquer traço de compaixão com aqueles que, afinal, pertenciam à mesma Igreja.  O padre e teólogo Bernard Häring (1912-1998), muito querido por seus pares, já velho e gravemente doente, com um câncer na garganta, foi perseguido, vigiado, investigado por oito anos e levado a longos interrogatórios e julgamento nas salas da ex-Inquisição. Em sua autobiografia, o teólogo alemão afirmou que nem os tribunais da Alemanha nazista foram tão duros quanto os do Vaticano (aqui).
O cerco aos teólogos chegou ao ponto de o Vaticano proibir que eles estivessem presentes na qualidade de assessores dos bispos durante a conferência do episcopado latino-americano de 1979, a Conferência de Puebla: quase 50 deles viajaram à cidade mexicana a pedido de vários bispos, abrigando-se em apartamentos na cidade e reunindo-se com os religiosos de maneira clandestina.
No Brasil, o terror abalou a Igreja local profundamente. Os principais líderes do episcopado foram atacados, como dom Helder Câmara, dom Paulo Evaristo Arns, dom Pedro Casaldáliga, dom Ivo Lorscheiter, entre outros. A CNBB foi manietada. As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e os conselhos diocesanos e paroquiais, instâncias de uma Igreja circular no formato da relação de Jesus com seus amigos, desarticuladas . As brutais punições a frei Leonardo Boff foram escolhidas como símbolo para atemorizar quem ousasse afrontar a restauração romana. Em 1984, ele foi condenado pela Congregação para a Doutrina da Fé a um ano de “silêncio obsequioso”, sendo proibido de escrever, lecionar, dar palestras ou sequer entrevistas. Os cardeais Arns e Lorscheiter, que acompanharam Boff em seu interrogatório no Vaticano, foram abertamente hostilizados por Ratzinger. O moto das punições a Boff: seu livro Igreja, Carisma e Poder (1981) –não sem uma ponta de ironia amarga, as teses do livro foram assumidas e radicalizadas pelo Papa Francisco, mais de 30 anos depois.
O corolário doutrinal dos anos de chumbo foi o sínodo dos bispos de 1985, convocado por João Paulo II e conduzido com mão de ferro por Ratzinger com o objetivo de revogar os aspectos centrais do Concílio Vaticano II, apesar das seguidas frases laudatórias ao encontro de 20 antes, e restaurar a perspectiva fechada do Concílio Vaticano I (1869-70). O conceito basilar de Igreja como Povo de Deus foi, na prática, revogado. Os outros dois documentos que completaram a arquitetura restauracionista foram o Código de Direito Canônico (1983), que judicializou por completo as relações no interior da Igreja, e o Catecismo da Igreja Católica (1992) que mais uma vez, como na Idade Média, tentou transformar o cristianismo numa religião de manual, baseado numa visão de “pode-não pode”.
Na América Latina, a doutrina vestiu as armas da guerra declarada. Primeiro, com o violento ataque de João Paulo II à Teologia da Libertação e sua ordem unida dirigida aos bispos, na abertura da Conferência de Puebla; depois, em 1984, com a Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação, da Congregação para a Doutrina da Fé, assinada por Ratzinger, que condenou-a em sua totalidade como uma perigosa subversão, ao escrever que “a nova interpretação atinge assim todo o conjunto do mistério cristão”.  Finalmente, na exortação apostólica depois do Sínodo das Américas, a Ecclesia in America, de 1999, João Paulo II retomou as formulações piedosas dos séculos XVII, XVIII e XIX sobre os pobres, lançou ao mar opção preferencial pelos pobres dos Evangelhos e reafirmada pelo Concílio Vaticano II e buscou alinhar a Igreja da região aos interesses do sistema.
Um dos resultados mais dramáticos do governo monárquico dos “terroristas da fé”, como os qualificou Häring , foi o acobertamentos a todo tipo de abusos e crimes, como é usual nos regimes ditatoriais:
1) Durante 30 anos houve sucessivos escândalos financeiros do Banco do Vaticano (o Instituto para as Obras de Religião – IOR), com casos desde lavagem de dinheiro a investimentos na indústria armamentista sem que qualquer medida saneadora fosse adotada.
2) A Opus Dei, um dos pilares da ditadura franquista na Espanha, foi transformada em prelazia pessoal do Papa João Paulo II, em 1982, o que lhe deu direito de atuar no mundo inteiro, sem a licença do bispo local.
João Paulo e o amigo Marcial Maciel
3) O padre mexicano Marcial Maciel foi o grande “amigo do peito” de Wojtyła. Fundador dos ultraconservadores Legionários de Cristo e Regnum Christi, tinha uma vida dupla, com pregações moralistas conservadoras, ao estilo dos cardeais que se opõem a Francisco hoje, enquanto era casado com duas mulheres, teve vários filhos, casos sem conta de abusos sexuais de menores e envolvimento com traficantes de drogas, além de ter plagiado suas principais obras, entre elas o livro de cabeceira dos Legionários, Saltério de Meus Dias.  Nunca perdeu a proteção e privilégios junto a João Paulo II, apesar de o Papa ter recebido por décadas denúncias sem número contra Maciel. Morreu sem qualquer punição em 2008.
4) Wojtyła acobertou conscientemente os milhares de casos de pedofilia e todo tipo de abusos contra crianças, jovens e mulheres –sua ação está fartamente documentada. O auge foi em 2001, quando os escândalos e a revelação das sequelas sobre as vítimas, de traumas a suicídios, havia se tornado uma enxurrada. Ratzinger, como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, emitiu e enviou a todos os bispos a Epistula de delictis gravioribus na qual reduzia os crimes de pedofilia a delitos de cunho religioso contra a eucaristia e o sacramento da penitência, qualificando-os de meros “delitos contra os costumes”, “contra o sexto mandamento do Decálogo cometido por um clérigo com um menor de 18 anos”. A tentativa de minimizar a gravidade dos milhares de crimes de abusos pode ser mensurada pela referência ao sexto dos Dez Mandamentos: “Guardar castidade nas palavras e nas obras”. Ainda mais: os crimes assumiram a condição de “Secretum Pontificium” –todo o acolhimento foi reservado aos criminosos, toda a hostilidade às vítimas, conforme se testemunhou ao longo dos últimos anos, especialmente depois de o Papa Francisco ter decidido enfrentar a situação, apesar da resistência da Cúria romana e da hierarquia.
Foi devastador o impacto dos anos de chumbo e degradação sobre a base da formação eclesial, os seminários e as casas de formação de religiosos. A Teologia da Libertação e, em verdade, todo o estudo teológico foram varridos ocuparam seu lugar disciplinas sobre legislação, carreira, vestes, festas e poderes.  Os efeitos estendem-se até hoje: “(…) nos seminários, nos centros de estudos teológicos, há medo, muito medo”, escreveu recentemente o teólogo espanhol José María Castillo, ele mesmo punido por Ratzinger em 1988.
Se na base da formação eclesial imperou o medo, no alto a tônica foi a exigência de rendição completa: o processo de nomeação de bispos e cardeais passou a ser conduzido a partir da fidelidade canina dos clérigos ao poder avassalador de Roma. Buscou-se garantir a eternização da restauração com nomeação em massa de cardeais eleitores do sucessor de João Paulo II: foram 231 cardeais em 9 consistórios, um número sem precedentes na história da Igreja, garantindo um colégio eleitoral de 120 homens todos de sua escolha. O resultado é conhecido: com a morte de Wojtyła, elegeu-se seu braço direito, Ratzinger, em 2005.
Rapidamente correu-se a canonizar o Papa, o que aconteceu em apenas nove anos, em 2014, quando é usual que tais processos demandem décadas -isso apesar de haver oposição explícita de segmentos da Igreja à canonização. Tratava-se de, ao declarar Wojtyła santo, de colocar uma pedra sobre seu pontificado, para bloquear as investigações e avaliações -quem, dentro da Igreja, terá coragem de se levantar contra um santo?
Os 35 anos de Wojtyła/Ratzinger (1978-2013), deixaram a Igreja aos frangalhos, a ponto de um colégio de cardeais nomeado integralmente por ambos, de perfil conservador, ter se dado conta que a crise chegara ao limite, ameaçando a própria existência da instituição e decidido eleger em 2013 o argentino Jorge Mario Bergoglio como novo Papa: Francisco. Depois de 26 anos de João Paulo II e mais nove de Bento XVI, a muitos a primavera parecia impossível. Mas aconteceu.
No próximo artigo da série, você lerá uma inédita e impressionante lista de mais de 200 atos que estabeleceram o terror na Igreja sob João Paulo II.
[Mauro Lopes]
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Referências bibliográficas
Há uma ampla bibliografia sobre o pontificado de João Paulo II, caso você queira aprofundar-se no assunto. Separei algumas indicações.
O livro que se tornou uma referência global sobre o papado de Wojtyła foi o do teólogo brasileiro João Batista Libânio (1932-2011):
A grande disciplina, João Batista Libânio. São Paulo: Loyola, 1983
Outras sugestões:
Cenários da Igreja, João Batista Libânio. São Paulo: Loyola, 2ª Edição, 1999
A Igreja do Brasil – de João XXII a João Paulo II, de Medellín a Santo Domingo, José Oscar Beozzo. Petrópolis: Editora Vozes, 1994
Da Esperança à Utopia: Testemunho de uma vida, dom Paulo Evaristo Arns. Rio de Janeiro: Sextante. 2001.
Igreja, Carisma e Poder, Leonardo Boff. Petrópolis: Editora Vozes, 1981
O caso Leonardo Boff. São Paulo: Centro de Pastoral Vergueiro, 1986
O Povo de Deus, José Comblin. São Paulo: Paulus, 2002
Um novo amanhecer na Igreja?, José Comblin. Petrópolis: Editora Vozes, 2002
Teologia da libertação, Teologia neoconservadora e teologia liberal, José Comblin. Petrópolis: Editora Vozes, 1985
A Igreja tem Salvação?, Hans Küng. São Paulo: Paulus, 2012
A autoridade da verdade, J. González Faus. São Paulo: Loyola, 1998
Guerra dos Deuses: Religião e política na América Latina, Michael Löwy. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2000
Diálogos nas Sombras: Bispos e Miltares, tortura e justiça social na ditadura, Kenneth P. Serbin, São Paulo: Companhia das Letras. 2001.
Sobre as relações entre João Paulo II, Ronald Reagan,  Margareth Tatcher e o uso de informações da CIA 
Sua Santidade, Carl Berstein e Marco Politi. Rio: Editora Objetiva, 996
O Presidente, o Papa e a Primeira-Ministra, John O’Sullivan. Lisboa: Alethêia Editores, 2007
O Vaticano e o Governo Reagan: convergências na América Central, Ana Maria Ezcurra. São Paulo: Editora Hucitec, 1984

quarta-feira, 21 de junho de 2017

13 anos sem Brizola, por Fernando Brito

A brisa que fica

13 anos, e ainda lembro bem do dia 21 de junho de 2004, o dia em que Leonel Brizola deixou de ser polêmica para experimentar uma (quase) unanimidade  que nunca foi, nem poderia ser, sendo o que foi.
A morte tem este condão de, ao menos, serenar os ódios ou ao menos calá-los por algum tempo.
Mas , embora eu vivesse, naquele dia, a desorientação de quem via se encerrarem 22 anos de convivência – que foi se tornando próxima  sem deixar de ser tumultuada (e que deve sua duração mais à paciência dele do que à minha) -, havia outra coisa a alimentar a perplexidade, em mim e em outros.
É que desaparecia, com a morte de Brizola, a última lembrança viva das lutas políticas e sociais do pré-64 e de um projeto nacional que se iniciara nos anos 30 e 40, no qual o Brasil começava a se tornar um país em modernização e uma sociedade de massas.
Aliás, a última deste tempo e a penúltima do renascimento destas lutas no pós-ditadura, porque ainda sobrava (e nos sobra, ainda) Lula, irmão mais novo, com quem as relações de amor e ódio do velho gaúcho são de todos conhecida e que ele próprio explicava com um dito da sua terra natal: “lenha boa é a que sai faísca”.
É o início do inverno e os anos vividos vão nos ensinando que há a época de desfolhar, recolher-se, aprender que o viço verdadeiro não é o da vaidade juvenil, mas o do brilho e da chama que nos anima o amor a este país, a seu povo e aos seres humanos, falem qualquer língua ou vistam peles de qualquer cor.
O que eu aprendi de melhor com Brizola? Aprendi a perseverar e a acreditar que os invernos, mesmo os mais ásperos, duros, frios terminam, afinal,  em primavera.
Mas só se a gente não desiste do improvável, mesmo quando ele parece impossível.

terça-feira, 20 de junho de 2017

Só queriam pegar o PT, mas chegaram aos demais. Agora querem acabar com a Lava Jato

Bob Fernandes


Fernando Henrique propõe "Eleições Gerais". Propor isso é fácil. Difícil é o grande cacique do PSDB propor, pra valer, que o partido deixe o moribundo governo Temer.

Essa proposta é jogo de cena para ganhar tempo.

Lava Jato. O ministro Supremo, Gilmar Mendes, e o Procurador Geral, Janot, fazem propostas e críticas.

Janot deve propor separação entre Caixa 2 e corrupção. Só na "Lista do Facchin" políticos investigados são 98.

Quem for Caixa 2 bastaria confessar. Teria pena alternativa à prisão e poderia até, cumpridas certas condições, manter-se "Ficha Limpa".

Perguntas. Como decidir quando o Caixa 2 é também corrupção?

Até onde uma investigação consegue alcançar nessa teia de grana e interesses?

Quem vai definir isso? Procuradores? Inclusive nos estados, onde as quadrilhas nascem e quadrilhas são desde sempre?

A JBS diz ter "doado" R$ 600 milhões para 1.829 políticos de 28 partidos.

Por que a extensa Lava Jato curitibana não chegou à JBS/Friboi? Foi Joesley quem, em Brasília, armou a arapuca na operação para salvar o próprio pescoço.

Já Gilmar Mendes critica o que ajudou a criar.

Agora Gilmar percebe "abusos nas investigações, abusos da polícia (...) estado policial, abusos do Ministério Público". E ironiza:

-Deus nos livre de sermos geridos por juízes. Se coubesse ao Judiciário ou Ministério Público administrar o deserto do Saara talvez faltasse areia.

Gilmar Mendes, sim, Gilmar Mendes e só agora, defende: política deve ser feita nos partidos, "não na Promotoria e Tribunais". O mesmo Gilmar Mendes prega:

-Expandiu-se demais a investigação, além dos limites...

Diz isso porque agora chegou ao PSDB. E porque, vazados do entorno de Palocci, murmúrios sobre negócios da Banca e da Comunicação abalam, assustam a cabeça do Sistema.

Gilmar Mendes tem sussurrado por ai: "Regulação econômica da Mídia". É parte do jogo de cena, mas significa.

A Caixa de Pandora, da mitologia grega, continha todos males do mundo. Abriram a Caixa da Lava Jato em busca dos males de Lula e PT.

Porém, mesmo contra intenção e desejo iniciais, estão sendo expostos males de tantos dos demais. Por isso querem enterrar a Caixa da Lava Jato.

sábado, 17 de junho de 2017

Milhares em BH pediram Diretas Já

Diretas-Já reuniu 40 mil em Belo Horizonte

Da Rede Brasil Atual:



Na noite desta sexta-feira (16), milhares de pessoas se reuniram na Praça da Estação, região central de Belo Horizonte, para pedir a saída de Michel Temer e Diretas Já para a escolha de um novo presidente.

O ato foi organizado pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, e pela União Nacional dos Estudantes (Une). Outras manifestações já aconteceram em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Porto Alegre. Segundo organizadores, 40 mil pessoas estiveram no ato-evento. Entre os artistas presentes no evento estavam Fernanda Takai, vocalista do grupo Pato Fu, e nomes como Chico Amaral, Juarez Moreira, Érika Machado, Titane, Sérgio Pererê, Afonsinho, Aline Calixto, Maurício Tizumba, entre outros.

Em discurso durante a manifestação, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, ressaltou que a eventual queda de Temer, no atual cenário, não é suficiente. "O Fora Temer só não basta. Porque tem gente que está até aceitando tirar o Temer, mas para o Congresso Nacional decidir quem vai ser o presidente do Brasil. A gente não aceita. Nós temos hoje, com algumas honradas exceções, o Congresso mais desmoralizado e sem autoridade da história desse país. Não tem condição de aprovar nada, quanto mais eleger quem vai ser o presidente do Brasil."

Boulos alertou ainda para a necessidade de se manter a mobilização contra as reformas que tramitam no Congresso Nacional. "As Diretas precisam ser uma bandeira nossa que venha junto com os direitos. É Diretas e barrar a reforma da Previdência; é Diretas e barrar a reforma trabalhista, essa é a agenda que a gente tem que garantir, e é só na rua que vamos conseguir transformar isso em realidade."

Também presente no evento, o ex-ministro Ciro Gomes também chamou as pessoas a participarem das manifestações. "A tragédia que se abate sobre o povo brasileiro na democracia, na economia, no drama social de 14,3 milhões de desempregados, 10 milhões de brasileiros empurrados para a informalidade, reprimidos, e desorganizando a vida, encontram na política nesse momento o vexame, a roubalheira e a impunidade. Só com um milagre é possível mudar esse caminho de tragédia que ainda vai pesar muito sobre todos nós", disse.

"Só há um caminho e esse caminho não está na mão dos políticos nesse momento. A política precisa ser feita, mas a política nesse instante precisa, e precisa desesperadamente, que o povo brasileiro, seus trabalhadores, seus sindicatos, suas comunidades, associações, os estudantes e a juventude ocupem a rua, esquentem o protesto e digam à Brasília: chega, não aguentamos mais! Chega, nenhum direito a menos! Chega, o golpe já passou de qualquer limite! O povo brasileiro precisa mais do que nunca da sua unidade e ocupar a rua de forma quente", conclamou Ciro.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

É preciso mais pressão contra o governo e as reformas

Hora de aumentar a temperatura

Imagem de perfil do Colunista
As altas temperaturas são a melhor estufa para fazer crescer os frutos da revolta e da liberdade / Mídia NINJA
É preciso mais pressão contra o governo e as reformas
A agenda do golpe continua. A aparente desaceleração das medidas antipopulares e de destruição da arquitetura institucional da Constituição Federal de 1988, em razão de delações e do julgamento no TSE, não podem amenizar a mobilização da sociedade. A tramitação da reforma trabalhista segue no Congresso, com aprovação em seguidas comissões, que indicam uma rota traçada com a astúcia dos covardes, que aproveitam das sombras para se esgueirar.
Mesmo nas cordas, o governo de Temer ainda não caiu e segue operando com incrível desenvoltura. Medidas provisórias e CPIs com foco na autodefesa do mandato estão sendo planejadas. Negociações no Congresso mantêm o padrão de venalidade. O entreguismo não perdeu seu ritmo. A surpreendente mudança de rumo da imprensa em nenhum momento alterou o programa que a própria mídia ajudou a parir e defender com seus analistas de uma nota só, elevados à categoria de intelectuais.
Nunca jornalistas tão medíocres tiveram tanto palanque e demonstraram tanta sabujice aos patrões. Ser puxa-saco ideológico deixou de ser um defeito ético para ser um objetivo profissional. Os comentaristas passaram a competir em subserviência intelectual e ideológica. A situação chegou ao ponto de um noticiário noturno da Globonews alinhar todos os dias cinco bonecos brigando para falar a mesma coisa, num jogral inepto e aborrecido, com direito à presença de um bedel para lembrar o que estão fazendo ali.  
Com Temer ou sem Temer, a marcha das reformas segue adiante, já que sua inspiração nunca passou pela figura menor do presidente não eleito. Seu destino patético é prova de sua inutilidade pessoal para o golpe, além dos serviços já prestados na forma de traição. A cada mentira ele se torna menor. A cada nova demonstração de apego ao cargo revela sua pequenez moral. Quando busca apoio à volta, mais evidencia sua solidão, mesmo nos aliados de primeira hora. Como Cunha anteontem, Aécio ontem, Michel é, hoje, o homem a ser evitado. A fila anda.
Essa situação de desgaste aparentemente irreversível, no entanto, não pode diminuir a presença do povo nas ruas. Aos movimentos sociais cabe a tarefa de manter a mobilização e todas as estratégias de combate às reformas. Há um contínuo de ações imprescindíveis que se somam na tarefa urgente de retomar a verdadeira institucionalidade, garantida pela raiz popular do poder. Não há saída democrática sem povo. Não se pode conceber outro espaço para o povo, hoje, que não as ruas.
Greve geral, defesa das eleições diretas, passeatas, atos públicos contra as reformas, mobilizações setoriais, debates nas escolas e universidades, ocupações, incremento da comunicação popular, disputa das narrativas. São muitas ações urgentes que não podem aguardar e nem confiar que a crise vá se resolver pela conciliação pelo alto, arranjos dentro do próprio núcleo responsável pelo golpe ou pela queda do governo pelos seus defeitos de origem.
É importante que a avaliação das atitudes a serem tomadas em todos os níveis da sociedade levem em consideração a urgência da mobilização. Sem a pressão popular não se irá muito longe. A debandada de setores da classe média é mais uma vez um ato condicionado pelos interesses moralistas e regressivos.
A ameaça dos partidos da base de desembarque do governo é apenas a confirmação de seu destino de ratos morais. O protagonismo do Judiciário, da Polícia Federal e de Ministério Público reforça uma lógica que vai do corporativismo ao messianismo, para prejuízo da política e sedimentação do autoritarismo.
Os movimentos sociais já sabem disso há bastante tempo, mas a lição tem que chegar a toda sociedade: está na hora de dar um calor. As altas temperaturas são a melhor estufa para fazer crescer os frutos da revolta e da liberdade.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Consequências da perseguição à Teologia da Libertação

Dom Total:

Consequências da perseguição à Teologia da Libertação

Conforme demonstram as pesquisas, a redução da quantidade de católicos na América Latina tem a ver com a Teologia da Libertação.
Teologia da Libertação: espiritualidade cristã e prática política.
Teologia da Libertação: espiritualidade cristã e prática política.

Por Mauro Lopes
Houve três razões, nenhuma delas efetivamente teológica, que moveram o combate à Teologia da Libertação no Brasil e na América Latina a partir de 1978, início do pontificado de João Paulo II e durante todo o papado de Bento XVI, até 2013 – 35 anos, portanto. O presente artigo, apesar de mencionar as três, tem foco em duas delas e apresenta pesquisas recentes segundo as quais: i) ambas basearam-se em argumentos fraudentos; ii) o governo conservador da Igreja Católica no Brasil nesse período foi um rotundo fracasso.
As três razões:
1. A primeira tem fundo político-ideológico: demonizou-se a Teologia da Libertação como se fosse uma adesão ao marxismo e/ou comunismo, enquanto os dois papas e seus apoiadores eram e são arraigadamente capitalistas e defensores do direito à propriedade e à acumulação irrestrita de riquezas. A Igreja no Brasil virou as costas aos pobres como sujeitos da ação pastoral para fazer deles, no máximo, objeto de um olhar piedoso. O artigo não se deterá sobre este assunto.
2. A segunda razão foi eclesiológica (deecclesia, Igreja) e vincula-se ao tema do poder: os dois papas, João Paulo II e Bento, a Cúria romana e a maioria da hierarquia católica no Brasil e América Latina consideram os leigos (pessoas que não são ordenadas sacerdotes) cidadãos de segunda categoria na Igreja. Defendem que a autoridade e o poder devem concentrar-se integralmente nas mãos da hierarquia. Para eles, todo o poder emana do clero e em seu nome será exercido –para implementar essa visão, amealharam apoio entre em sem número de leigos temerosos e oportunistas. É o que se chama clericalismo. As experiências das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e dos conselhos de leigos nas paróquias horrorizaram os conservadores, que as desarticularam. Para os defensores do clericalismo, uma Igreja circular, não hierárquica, romperia “o mistério”, tornando-a secular, banal, pois as pessoas comuns demandariam ritos de conotação mágica e subserviência à autoridade. Para os conservadores, a solução seria a obediência irrestrita dos leigos à hierarquia e investimentos que garantissem ordenação de mais padres e a abertura novas paróquias. A estratégia mostrou-se equivocada, como você verá nas pesquisas, mas serviu para concentrar o poder da Igreja nas mãos dos hierarcas.
3. A terceira motivação para a campanha de ódio e aniquilamento contra a Teologia da Libertação foi pragmática: os conservadores alegavam à época (segunda metade dos anos 1970) que os princípios, opções litúrgicas e prática pastoral de leigos, padres e teólogos vinculados de alguma maneira a esta corrente estavam afugentando os fiéis e esvaziando as igrejas.
O combate à Teologia da Libertação traduziu-se numa campanha sistemática de perseguição a cardeais, bispos, padres, freiras, teólogos e ativistas leigos nas paróquias e comunidades promovidas por Roma, com iniciativas similares da hierarquia local (veja, sobre isso, esclarecedora entrevista do padre Paulo Sérgio Bezerra ao blog, aqui). Vários gestos de João Paulo II e Bento XVI indicaram os novos rumos da Igreja, na contramão do Vaticano II, e autorizaram as campanhas. Alguns deles: os processos e punições nos anos 1980 e 1990 Leonardo Boff da Congregação para a Doutrina da Fé, dirigida por Joseph Ratzinger, a divisão da Arquidiocese de São Paulo, em 1989, com o objetivo de enfraquecer dom Paulo Evaristo Arns, a repreensão pública ao padre Ernesto Cardenal, aliado dos sandinistas na Nicarágua, por João Paulo II, em 1983; as seguidas repreensões ao arcebispo de San Salvador, dom Oscar Romero, sinalizando ao clero ultraconservador e aos militares do país que estava desautorizado pelo Papa, num claro sinal verde à campanha contra ele, até o assassinato por paramilitares durante a celebração da missa, em 1980.
Como se deu o governo da Igreja no Brasil nesses 35 anos? O primeiro passo foi o rompimento dos os moderados, pressionados por Roma e por seu desejo de fazer carreira na instituição, com os progressistas ligados de alguma forma à Teologia da Libertação. O segundo foi a composição de uma nova aliança dos moderados com dois segmentos: os conservadores “tradicionalistas” e a corrente “carismática”, os neopentecostais da Igreja Católica (cujas expressões mais barulhentas foram a Renovação Carismática Católica e a Canção Nova). Hoje é possível constatar que os restauracionistas, como qualifica o Papa Francisco (aqui), inimigos abertos ou velados do Concílio Vaticano II, campo que reúne tanto conservadores como carismáticos, vivenciam os primeiros sinais da crise de sua hegemonia de 35 anos, com a primavera em Roma.
Com a primavera, salta aos olhos o fracasso retumbante do governo de mais de três décadas: 1) a perda de fiéis católicos tornou-se uma torrente e 2) a Igreja deixou de ser protagonista, tornando-se mero objeto decorativo no sistema de dominação dos ricos do continente –mesmo em sua função de controle social/moral dos pobres, os conservadores viram sua influência ser transferida em boa medida para as correntes neopentecostais protestantes, das quais o pentecostalismo católico (os “carismáticos”) é uma cópia mal acabada.
O que aconteceu durante os 35 anos de hegemonia conservadora/carismática?
1. Quanto ao número de católicos no Brasil, uma sangria sem precedentes.
Veja a evolução do número de católicos no país desde 1872[1]:
 
Há um processo de redução da presença católica no país constatada pelas pesquisas desde fins do século 19. Ela apresenta uma pequena aceleração ao longo dos anos 1970 que se torna uma curva acentuada a partir da instalação do ciclo conservador/carismático: o percentual de católicos declarados nos censos despenca a uma velocidade brutal a partir dos anos 1980, caindo de 88,96% para 68,43% ao final da primeira década do século 21.
No ritmo atual, estima-se que num prazo entre 10 anos (DataFolha) e 20 anos (IBGE) o número de católicos será superado em pelo de evangélicos no Brasil, conforme as projeções realizadas por José Eustáquio Diniz Alves no portal EcoDebate –aqui eaqui.
A grande aposta da aliança moderada/conservadora/carismática de que o pentecostalismo católico seria barreira para a perda de fiéis mostrou-se uma ilusão. Conforme anota Paulo Fernando Carneiro de Andrade, a “estratégia pastoral de incentivar grupos carismáticos e os padres cantores com a espetacularização da fé em detrimento das Comunidades Eclesiais de Base não parece ter tido o sucesso esperado”. O pentecostalismo católico, cópia mal acabada daquele de origem protestante (por motivos que não cumpre desenvolver aqui) instalou uma “porta giratória” no catolicismo pela qual muitos saem e poucos retornam, pois, ao fim e ao cabo, “acabou por reforçar o conteúdo de verdade religiosa que se possa atribuir aos pentecostalismos evangélicos”.
Por isso, há uma constatação que se torna imperativa e tem sido escamoteada pela Igreja no Brasil: “os dados do Censo não permitem que se continue a sustentar uma acusação comum em muitos ambientes na década de 1980 de que teria sido a pastoral das Comunidades Eclesiais de Base e dos grupos de reflexão bíblico a responsável pela diminuição relativa dos católicos e aumento dos evangélicos”.[2]
2. O clericalismo como estratégia fracassada
Ao combater a descentralização do poder na Igreja e o protagonismo dos leigos e leigas, com destaque para o combate à liderança feminina, a aliança entre moderados, conservadores e carismáticos construiu um discurso segundo o qual o crescimento da Igreja institucional teria como consequência direta o incremento no número de católicos. Dito de outro modo: para eles, a falta de padres e paróquias seria responsável pelas dificuldades de enraizamento dos católicos.
Portanto, tratar-se-ia de implementar um projeto de criação de paróquias e ordenação de padres em larga escala para ampliar o número de católicos. A tese revelou-se um fiasco, pois a crise do catolicismo no país não é institucional, mas cultural: as pessoas olham para cardeais e bispos encastelados nas arquidioceses e padres nas paróquias e não enxergam verdade, autenticidade. Quem tem afirmado isto seguidamente é ninguém menos que o Papa Francisco.
Ao cruzarem os dados do Censo 2010 do IBGE com pesquisas do Centro de Estatística Religiosa e Investigação Social (Ceris), Carlos Alberto Steli e Rodrigo Toniol constataram que nas mais de três décadas de hegemonia conservadora à sangria de fiéis correspondeu um aumento ímpar da estrutura clerical (sacerdotes, diáconos e paróquias). Veja o quadro: é significativo que apenas uma dimensão do perfil eclesial no Brasil tenha encolhido, o de mulheres religiosas (freiras e monjas), que compuseram a linha de frente da Teologia da Libertação na base da Igreja e foram alvo dos ataques machistas e misóginos típicos do clericalismo[3].

O crescimento da estrutura clerical no país não se deu apenas em números absolutos. Há um enorme salto na proporção sacerdotes por habitante. Enquanto em 1980 –início da ofensiva conservadora- havia 8.347 fiéis para cada sacerdote, este número passou para 5.570 em 2010!
Portanto, enquanto a Igreja no Brasil virou as costas aos pobres, ordenou mais padres e responsabilizou a Teologia da Libertação pela perda de fiéis, o que se assistiu foi uma sangria sem precedentes na história. Até agora não houve qualquer movimento explícito de reflexão sobre esta questão crucial por parte da hierarquia católica no Brasil. O que tem acontecido, em parte por conta do fiasco, em parte pela liderança do Papa Francisco, é um estremecimento da aliança entre os moderados, que comandam a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e os grupos conservadores e carismáticos. Há sinais, ainda tímidos, de uma reconstrução da aliança entre os moderados e os progressistas, herdeiros da Teologia da Libertação.
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[1] Neri, Marcelo. Coordenador. Novo Mapa das Religiões. Rio de Janeiro, FGV, CPS, 2001. Link: http://www.cps.fgv.br/cps/bd/rel3/REN_texto_FGV_CPS_Neri.pdf
[2] Andrade, Paulo Fernando Carneiro de. O Censo de 2010 e as religiões no Brasil: reflexões teológicas em uma perspectiva católica, in O Censo e as Religiões no Brasil. Bingemer, Maria Clara Luccchetti e Andrade, Paulo Fernando Carneiro de, orgs. Rio de Janeiro, 2014. Editora PUC-Rio e Editora Reflexão. P. 118.
[3] Steil, Carlos Alberto. Toniol, Rodrigo. O catolicismo e a Igreja Católica no Brasil à luz dos dados sobre religião no Censo de 2010, in O Censo e as Religiões no Brasil. Bingemer, Maria Clara Luccchetti e Andrade, Paulo