domingo, 31 de dezembro de 2017

2018 será crucial para reconquista da democracia, por Robson Sávio

O cientista político mineiro Robson Sávio de Souza comenta as derrotas e avanços políticos do campo progressista em 2017 e diz que 2018 será um ano fundamental para a reconquista da democracia no Brasil; para ele, os setores democráticos devem lutar para que haja eleições e que todos os candidatos possam concorrer, sem que o Poder Judiciário interfira no pleito presidencial do ano que vem

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sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

2017: o governo golpista fez o Brasil retroceder

Os 12 meses que abalaram o Brasil

Por Pedro Rafael Vilela, no jornal Brasil de Fato:

Como numa volta ao seu pior passado, o Brasil termina 2017 com a sensação de ter perdido décadas em um ano. O governo golpista de Michel Temer (MDB), que ostenta uma reprovação de 77% da população, segundo dados do Ibope, vem patrocinando medidas para aprofundar ainda mais as desigualdades sociais e enfraquecer o Brasil no cenário internacional.

A volta da miséria e do desemprego em níveis alarmantes, além da retirada de direitos trabalhistas e, mais recentemente, a tentativa de restringir até a aposentadoria dos mais pobres formam a face mais perversa de um governo que só chegou ao poder depois de um golpe parlamentar que afastou uma presidenta eleita pelo voto direto.

O desmonte também inclui o congelamento de recursos para áreas como saúde e educação pelos próximos 20 anos, o corte de programas sociais de habitação, saneamento básico, ciência e tecnologia, além da entrega das reservas de petróleo para empresas estrangeiras, que inclui isenção de até R$ 1 trilhão em impostos. Como se não bastasse, Michel Temer ainda usou recursos públicos para comprar apoio parlamentar e evitar que fosse investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O Brasil de Fato enumerou os principais retrocessos e as tentativas, ainda em curso, de retirada de direitos do conjunto da população. Confira:

Câmara livra Temer de processo criminal

Mesmo após ter sido flagrado em conversas suspeitas com um dos sócios da multinacional JBS e ter sido acusado pela Procuradoria Geral da República (PGR) de crimes como corrupção, formação de quadrilha e obstrução de justiça, Michel Temer conseguiu a proeza de barrar a denúncia criminal na Câmara dos Deputados por duas vezes este ano. Não saiu barato para o bolso da população. Para evitar que a denúncia fosse aberta pelo STF, o presidente golpista abriu os cofres públicos e distribuiu mais de R$ 32 bilhões em emendas parlamentares aos aliados. Com a rejeição das duas denúncias, uma em agosto e outra em outubro, Temer permanece blindado de investigação no mínimo até 2019.

A mesma delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da JBS, revelou o pagamento de R$ 2 milhões em propina para o senador Aécio Neves (PSDB-MG), em mala de dinheiro que teria sido recebida por um primo seu. Apesar das evidências, o plenário do STF decidiu que caberia somente ao Senado decidir se mantinha Aécio afastado do cargo e em recolhimento domiciliar noturno, conforme havia sido determinado pela Justiça. O Senado não apenas aprovou a volta de Aécio ao cargo como paralisou o avanço de processo de cassação de seu mandato.

Orçamento congelado por 20 anos

Em 2017, começou a vigorar a chamada Emenda Constitucional do “teto dos gatos públicos”, também conhecida como “PEC do fim do mundo”. O apelido não é por acaso. A medida limitou o crescimento dos gastos à inflação do ano anterior, mesmo com a inflação de setores específicos, como saúde e educação, ser bem maior do que a média geral. Na prática, os gastos públicos ficarão congelados por 20 anos, mesmo em áreas que demandam aumento contínuo de investimentos, como é o caso da saúde. Ficaram de fora desse limite, no entanto, as chamadas despesas financeiras, que incluem o pagamento de juros da dívida pública — que beneficia diretamente os banqueiros —, além dos gastos com eleições, transferências aos estados e municípios, créditos extraordinários, entre outros.

Reforma Trabalhista

Em julho deste ano, foi aprovada a reforma trabalhista, apresentada pelo governo Temer. Considerada o maior desmonte de direitos e garantias desde a aprovação da CLT, a reforma passou a permitir aumento da jornada diária de trabalho, redução de salários, parcelamento de férias e enfraquecimento dos sindicatos.

O principal ponto da reforma é a possibilidade de que negociações diretas entre trabalhadores e empresas se sobreponham à legislação trabalhista em diversos pontos, o chamado “acordado sobre o legislado”. A lei passou a permitir também uma nova modalidade de contratação: o trabalho intermitente, feito por jornada ou hora de serviço.

Nesse tipo de contrato, o trabalhador fica à disposição do patrão, mas só recebe se e quando for convocado para o serviço, mesmo que ele fique à disposição ao longo de um ou vários dias.

Reforma da Previdência

O governo Temer está gastando dezenas de milhões de reais em propaganda para tentar a convencer a população a aprovar a reforma da previdência, mas nem mesmo no Congresso Nacional há o apoio necessário para a votação da medida, que ficou para fevereiro de 2018.

Se for aprovada, a reforma vai atingir diretamente mais de 45 milhões de pessoas, especialmente os mais pobres, que terão que contribuir por até 40 anos se quiserem receber o valor integral da aposentadoria. A idade mínima para aposentadoria será fixada em 65 anos para homens e 62 para as mulheres, mesmo em um país onde a expectativa de vida em alguns estados não chega sequer aos 65 anos.

Entrega do pré-sal às multinacionais

Em novembro, Michel Temer sancionou a lei que praticamente acaba com o sistema de partilha das reservas de petróleo na camada pré-sal, descobertas pela Petrobras. Considerada uma das maiores jazidas de petróleo do planeta, a camada pré-sal tinha uma lei de exploração diferenciada, que dava à Petrobras o comando do consórcio de exploração e estabelecia cotas para compras de equipamentos e serviços no Brasil, como forma de gerar empregos e desenvolver a cadeia produtiva de petróleo no país.

Com a mudança na lei, a Petrobras deixa de ser operadora dos consórcios e as reservas poderão ser exploradas por petroleiras estrangeiras. A medida diminui em muito o lucro do país com os royalties do petróleo, que seriam direcionados diretamente para a educação. Além disso, o governo Temer ainda aprovou uma Medida Provisória que estabelece isenção de impostos para petroleiras estrangeiras que pode chegar à R$ 1 trilhão em 30 anos.

Desemprego e miséria

Os cortes em programas sociais promovidos pelo governo Temer, a manutenção de desempregos em níveis alarmantes (mais de 12% da população economicamente ativa sem trabalho) e a recessão econômica têm aumentando de forma significativa a miséria no país.

Estimativas do Banco Mundial indicam que, apenas este ano, cerca de 3,6 milhões de novas pessoas ficarão abaixo da linha da pobreza no Brasil. A tendência de queda da pobreza que vinha se verificando nos últimos 14 anos foi drasticamente interrompida e o cenário é de piora para os próximos anos, porque será agravada com a restrição de gastos públicos para programas sociais e as mudanças na legislação trabalhista.

Cortes nos programas sociais

Levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para os Direitos Econômicos e Sociais revela uma queda de até 83% em políticas públicas voltadas à área social ao longo dos últimos anos, especialmente ao longo de 2017. De acordo com o estudo, a área que mais perdeu recursos desde 2014 foi a de direitos da juventude, com queda de 83% nos investimentos.

Em segundo lugar estão os gastos com programas voltados à segurança alimentar, reduzidos em 76%. A área de moradia sofreu perdas de 62%, assim como a de Defesa dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. No Ensino Superior, o governo Temer acabou com o programa de concessão de bolsas “Ciência Sem Fronteiras” e limitou os gastos de custeio das universidades federais, prejudicando atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Entre os maiores cortes promovidos pelo governo, está a redução de 92% nas verbas do programa de combate à seca no semiárido, o que ameaça inviabilizar a construção de cisternas nas zonas rurais do Nordeste e norte de Minas Gerais. A fila de espera por uma cisterna de primeira água, destinada ao consumo doméstico, segundo a ASA (Articulação do Semiárido), chega a 350 mil famílias. Nos últimos 15 anos, foram construídos mais de 1,2 milhão desses equipamentos.

Ataques contra a população do campo e os povos tradicionais

O ano de 2017 também foi repleto de ataques do governo contra a população camponesa e os povos indígenas. Para obter apoio no Congresso em favor das medidas de cortes de direitos, o governo Temer fez uma aliança estratégica com a bancada ruralista, que reúne mais de 200 parlamentares. Além de acelerar projetos como a autorização de venda de terras para estrangeiros, que pode afetar a soberania nacional e contribuir para a expulsão de famílias de agricultores familiares, a base do governo aprovou uma Medida Provisória que legaliza áreas de quem cometeu desmatamento e grilagem de terras.

Em outra frente, o governo bloqueou a demarcação de terras tradicionais indígenas e quilombolas e a desapropriação de áreas para a reforma agrária. Também houve forte contingenciamento orçamentário da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e lideranças indígenas e camponesas, e até mesmo servidores públicos, foram indiciados pela CPI da Funai e do Incra, numa clara iniciativa de perseguição contra as políticas públicas do setor.

Comunicação Pública e violações à liberdade de expressão

Em 2017, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) denunciou dezenas de episódios de ameaças à liberdade de expressão no país, por meio da campanha Calar Jamais!. “O conjunto das violações comprova que práticas de cerceamento à liberdade de expressão que já ocorriam no Brasil […] encontraram um ambiente propício para se multiplicar após a chegada de Michel Temer ao poder, que resultou na multiplicação de protestos contra as medidas adotadas pelo governo federal e pelo Congresso Nacional”, diz um trecho da apresentação do relatório de um ano da campanha, lançado em outubro. São casos de repressão a protestos de rua, censura privada ou judicial a conteúdo nas redes sociais, violência contra comunicadores, desmonte da comunicação pública e pelo cerceamento de vozes dissonantes dentro das redações.

No caso da comunicação pública, os ataques à Empresa Brasil de Comunicação (EBC) se intensificaram ao longo do ano. A EBC é a empresa pública que controla agência de notícias, emissoras de rádio e a TV Brasil, responsável pela distribuição de conteúdo informativo gratuito e comprometido com a cidadania. Segundo o coordenador da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom), Jean Wyllys (PSOL-RJ), a EBC tem sofrido com o cancelamento de programas, demissão de comentaristas, censura e ataque aos trabalhadores e, mais recentemente, a aprovação de um manual de conduta que aumenta ainda mais o clima de ameaça à liberdade de expressão e atuação sindical dentro da empresa.

domingo, 24 de dezembro de 2017

Natal : atualizando o seu sentido e nos transformando

Dentro da Tradição Cristã, o Natal celebra o nascimento de Jesus. Essa história é cheia de subversões, luta das mulheres, dos pobres, das crianças. Essa é uma história que, inclusive, celebra o diálogo entre as religiões e condena a violência do Estado. Feliz Natal!
Henrique Vieira( Pastor, professor e teólogo)




Jesus desafiou a ordem política, econômica e religiosa da época. Foi preso, torturado e assassinado como herege, desviado, imoral, escandaloso. Esse é o Jesus que tantas vezes parte da Igreja tenta esconder. Contudo esse é o Jesus do Evangelho: subversivo, revolucionário!



sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

A principal característica da "Juventude Caldeirão" é o "Nada"

A "Juventude Caldeirão" de Luciano Huck

Por Daniel Vargas, na revista CartaCapital:

O mais "novo" fenômeno da política brasileira é a "juventude caldeirão". Formada por legião de "jovens", entre 35 e 50 anos, adeptos ao bom-mocismo, ela é a nova aposta dos bilionários e da ala mais conservadora da mídia. Seu líder e garoto-propaganda é Luciano Huck. Sua marca principal é superar as polarizações. De “novo”, na verdade, não possui nada: nem a idade, nem as ideias, muito menos o coração.

No início do século XX, o Brasil era governado pela política dos salões. O roteiro funcionava mais ou menos assim: os caciques da nação se reuniam entre quatro paredes na capital, acertavam as alianças e repartiam as tarefas: você traz o dinheiro, eu trago a mídia, ele leva o povo pra votar... Na antevéspera do processo eleitoral, apresentavam-se ao País as suas "lideranças". Nem uma ideia. Nem um projeto. Só marketing.
Como em vinil arranhado, o script do filme foi repetido dezenas de vezes em nossa história. O resultado, conhecemos. Mudaram os nomes, os "jingles", o corte do paletó e o penteado. Por trás das aparências, o espetáculo da política continuou exatamente igual. Nos bastidores, caciques iluminados acertavam o jogo, enquanto ao povo, miserável e iludido, restava seguir os desígnios da sua aristocracia.

Avance a história 100 anos.

Chegamos a 2017, diante de uma das maiores crises políticas e econômicas do Brasil. Escancarada, diante de nós, a podridão quase completa do sistema. É hora de reconstruir nosso futuro.

Qual a atitude da juventude mais esperta? Ir ao encontro do Brasil profundo e botar o dedo nas grandes feridas nacionais? Com ousadia e inteligência, apresentar um caminho original para resolver nossos problemas?

Não.

Como nos velhos tempos, ela se congrega entre iguais, alia-se ao que há de mais viciado em nossa história, pactua o apoio dos maiores bilionários do Sudeste e embarca de cabeça no caldeirão do Huck.

“Somos os líderes do futuro", proclamam. Mas... de qual futuro?

O que, de fato, a juventude caldeirão pensa, além do bom-mocismo vulgar?

Sugiro um teste simples. Considere seis fraturas expostas da sociedade brasileira. Do seu enfrentamento, depende nosso destino como República.

1. A miséria se alastra como um tufão nas cidades brasileiras, enquanto meia dúzia de banqueiros bate recorde de lucros, em boa parte enviados para as“offshores” nas Ilhas Cayman.

O que a juventude caldeirão pensa sobre o câncer do rentismo, que aniquila a economia e produz um baronato de financistas com residências no estrangeiro, que aqui praticamente não pagam imposto?

2. A mídia brasileira é a mais concentrada entre aquelas das democracias ocidentais. Controlada a mão-de-ferro por um visão ideológica, comunica apenas o que lhe convém. Como se diz no interior: "O Jornal Nacional espirra e o País todo pega gripe". Não há, nem haverá, democracia real sem a democracia na comunicação.

O que a juventude caldeirão pensa a respeito? Vamos promover a democratização profunda dos meios de comunicação brasileiros (um serviço público)?

3. A violência transformou-se em epidemia nacional. O Brasil mata mais que metade do globo terrestre junto. Menos de 10% dos homicídios são resolvidos. Ao mesmo tempo, as prisões são verdadeiros "navios negreiros", com uma massa de miseráveis abandonada, metade dos quais deveria estar solta. Não é preciso ser gênio para ver o óbvio: o sistema de segurança pública ruiu completamente.

O que a juventude caldeirão, coletivamente, tem a dizer? Vamos construir um verdadeiro Sistema Nacional de Segurança Pública, reinventar as polícias e seu papel e pôr fim aos abusos da legalidade e à Justiça racista?

4. A educação brasileira é catastrófica. Cerca de 70% de nossos jovens se formam sem saber o básico de português. Menos de 15%, o básico de matemática. Nas Américas, estamos no fundo do poço em escolaridade. Perdemos para todos, com exceção do Haiti, Honduras e Nicarágua. No ensino privado, a tragédia é igual: as 25% melhores escolas privadas do Brasil são piores do que as 25% piores da OCDE.

E a juventude caldeirão? Vai exibir a foto da mocinha que ganhou “medalha” no soletrando, ou vamos de uma vez por todas promover uma revolução educacional?

Vamos ou não vamos criar o FUNDEB 2.0 para promover uma redistribuição profunda de recursos de áreas mais ricas para mais pobres e inventar uma proposta curricular nacional para valer (a que está aí a elite brasileira jamais aceitaria para a educação dos seus próprios filhos)?

5. A maior invenção em saúde pública da América Latina (e talvez do mundo democrático) foi a criação do Sistema Único de Saúde, hoje na UTI. O desmonte do SUS avança em alta velocidade, ao mesmo tempo em que, em várias cidades brasileiras, não existe um único médico.

Vamos ou não revitalizar o SUS, e reestruturar nosso complexo farmacêutico, dinamitado nos anos 1990 por quinquilharia ideológica, e que apenas serviu para hoje comprometer nosso próprio orçamento (gastamos uma fortuna no "aluguel" do conhecimento internacional em remédios básicos que não conseguimos produzir)?

6. As regiões brasileiras foram sucateadas: em breve, 23 estados devem estar quebrados (atualmente, alguns não conseguem pagar funcionalismo). Tamanho desastre é fruto de uma política centralista, que incha as responsabilidades locais, mas concentra a arrecadação na União. Como resultado, prefeitos e governadores viram "pedintes" nos corredores de Brasília, sempre de joelhos e com o pires na mão.

E aí, juventude caldeirão? Vamos revirar o federalismo e jogar fora a camisa de força de regras padronizadas, que condenam a maioria à postura de serviçal? Que tal defender a regulamentação, de uma vez por todas, do artigo 23 da Constituição, para construir um federalismo mais solidário, cooperativo e inovador?

As perguntas são apenas uma provocação retórica.

Na verdade, sabemos o que a juventude caldeirão pensa sobre estas questões.

Ela não pensa “nada”.

Produzem apenas platitudes. Seu modus operandi é o “network” (a versão moderna do tapinha nas costas) e marketing. Sua tática é manter-se a mil anos-luz de distância de qualquer questão sensível aos interesses dos poderosos.

A vida lhes deu o melhor do mundo. Com um pouco de grandeza, poderiam transformar o Brasil em um lugar melhor. Mas preferiram a tarefa pequena: promover o nada, o não-debate, nunca se posicionar.

Por fora, um verniz de novidade. Por dentro, como há 100 anos, o mesmo oportunismo que serve apenas para manter as estruturas e classes sociais intocadas.

Loucura, loucura, loucura...

* Daniel Vargas é Doutor em Direito por Harvard.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Lei do Tombamento completa 80 anos e continua atual

Lei do Tombamento completa 80 anos, mas continua atual
Por Marcos Paulo de Souza Miranda*

Conjunto arquitetônico de Ouro Preto (MG). Foto: Divulgação/Internet
O ponto de partida para a efetiva preservação do patrimônio cultural no Brasil, viabilizando o posterior surgimento do Decreto-Lei 25/1937, conhecido como “Lei do Tombamento”, se deu em 1934, com a consagração da proteção ao patrimônio cultural por meio da Constituição Federal promulgada em 16 de julho daquele ano, o que, até então, não era previsto em nosso ordenamento jurídico[1].
Com efeito, a Carta Magna de 1934 instituiu pioneiramente a função social da propriedade (artigo 133, inciso XVII), bem como estabeleceu os primeiros comandos constitucionais impondo a proteção do patrimônio cultural, nos seguintes termos:
“Art. 10 – Compete concorrentemente à União e aos Estados: III – proteger as belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou artístico, podendo impedir a evasão de obras de arte;
Art. 148 – Cabe à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual”.
Essas inovações constitucionais assentaram as bases para a criação de instrumentos legais capazes de garantir eficazmente a preservação do patrimônio cultural brasileiro.
No ano de 1935, durante o Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Natureza, ocorrido no Rio de Janeiro, foi idealizada a criação de um serviço técnico especial de monumentos nacionais. O então ministro da Educação, Gustavo Capanema, foi quem tomou a iniciativa de um projeto de lei federal referente ao assunto. Contando com a colaboração do historiador Luís Camilo de Oliveira Neto e com alusão às leis francesas e ao projeto de José Wanderley de Araújo Pinho, o ministro encarregou o escritor Mário de Andrade, então diretor do Departamento de Cultura do Município de São Paulo, da elaboração de um plano de criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN).
Na sequência, em 13 de janeiro de 1937, pela Lei 378, que tratava da estrutura do Ministério da Educação, Getúlio Vargas criou o SPHAN, com o objetivo de promover no território nacional o tombamento, a conservação e a divulgação do patrimônio cultural do país. Para a direção do novel órgão de proteção, foi escolhido o nome de Rodrigo Melo Franco de Andrade.
Referida norma, como abaixo se transcreve, fazia referência ao instituto do tombamento, conquanto não tivesse seu regime jurídico definido em nosso ordenamento jurídico:
“Art. 46. Fica creado o Serviço do Patrimonio Historico e Artístico Nacional, com a finalidade de promover, em todo o Paiz e de modo permanente, o tombamento, a conservação, o enriquecimento e o conhecimento do patrimonio historico e artístico nacional”.
O projeto de lei sobre a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, que redundou no Decreto-lei 25/37, foi elaborado por Mário de Andrade e por Rodrigo de Melo Franco Andrade (incorporando ideias, diretrizes e trechos dos projetos anteriores de Luis Cedro, Jair Lins e Wanderley Pinho, somado à consulta cuidadosa à legislação específica estrangeira[2]) e apresentado à Câmara dos Deputados em 15 de outubro de 1936, onde tramitou muito rapidamente, sendo logo aprovado e encaminhado ao Senado.
Sobre o conteúdo do projeto, sustentou Rodrigo Melo Franco de Andrade durante a sua tramitação[3]:
“A mensagem que o presidente da República acaba de enviar à Câmara dos Deputados, submetendo à sua apreciação o projeto que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, não deve ser considerada matéria de importância secundária. A iniciativa do chefe da Nação tem uma finalidade prática relevante, que é a de dotar o Brasil de uma legislação adequada a impedir que se arruínem ou se dispersem os bens de notável valor artístico e histórico existentes no país.
Não se trata de empreendimento inspirado em motivos sentimentais ou românticos, nem, muito menos, de qualquer espécie de plano suntuário, do qual só se venham a aproveitar os sábios à cata de sinecuras excelentes. O que o projeto governamental tem em vista é poupar à Nação o prejuízo irreparável do perecimento e da evasão do que há de mais precioso no seu patrimônio. Grande parte das obras de arte mais valiosas e dos bens de maior interesse histórico, de que a coletividade brasileira era depositária, tem desaparecido ou se arruinado irremediavelmente, em consequência da inércia dos poderes públicos e da ignorância, da negligência e da cobiça dos particulares. A subsistência dessas mesmas circunstâncias ameaça, pois, gravemente o que resta ainda das nossas riquezas artísticas e históricas. E, assim, se faltarem, acaso, por mais tempo, as medidas enérgicas requeridas para a preservação desses valores, não serão apenas as gerações futuras de brasileiros que nos chamarão a contas pelo dano que lhes teremos causado, mas é desde logo a opinião do mundo civilizado que condenará a nossa desídia criminosa, pois as obras de arte típicas e as relíquias da história de cada país não constituem o seu patrimônio privado, e sim um patrimônio comum de todos os povos”.
No Senado, o texto foi aprovado com emendas e retornou à Câmara, sendo marcada a data de 10 de novembro de 1937 para a discussão final. Naquele mesmo dia, por ironia da história, um golpe de Estado dissolveu o Congresso e entrou em vigor a nova Constituição Federal, que, embora sendo produto do autoritarismo, era mais eficaz na defesa do patrimônio cultural brasileiro, considerado um dos símbolos da nacionalidade.
Na Carta do Estado Novo (1937), a matéria foi regulamentada pelo artigo 134, nos seguintes termos: “Os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como as paisagens ou os locais particularmente dotados pela natureza, gozam da proteção e dos cuidados especiais da Nação, dos Estados e dos Municípios. Os atentados contra eles cometidos serão equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional”.
Cumprindo a vontade constitucional, o Estado Novo editou, com apenas 20 dias de sua existência, o seu 25º decreto-lei, no dia 30 de novembro de 1937, organizando a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. O texto do decreto era praticamente uma cópia do projeto de Mário de Andrade já aprovado na Câmara e no Senado[4]. Com a sua edição, o sistema jurídico brasileiro obteve um instrumento legal para a proteção do patrimônio cultural, batizado popularmente como “Lei do Tombamento”.
A norma, com recém-completados 80 anos de vigência, é uma das mais duradouras leis de preservação da história do país, tendo suplantado suas homólogas, como o Código Florestal (Decreto 23.793/1934, revogado em 1965) e o Código de Caça e Pesca (Decreto 23.672/1934, revogado em 1943).
Apesar de o produto final da lei de proteção ao patrimônio cultural ter se materializado em um ato típico do autoritarismo (decreto-lei), ele passou por todo o procedimento democrático que antecede a sanção e promulgação dos projetos de leis, e o seu conteúdo espelhava o resultado de trabalhos aprofundados e sérios de intelectuais e políticos comprometidos com a defesa da cultura brasileira.
Sobre a importância desse diploma legal, afirma Maria Coeli Simões Pires:
“É ele verdadeiro somatório das experiências e contribuições das elites, assimiladas ao longo de uma luta em favor da institucionalização da proteção ao patrimônio histórico, artístico, cultural e paisagístico, além de ter introduzido a prática da limitação dos direitos patrimoniais em função de interesses sociais sem a consequência necessária de indenizar”[5].
Alcançada a conquista normativa, o desafio passou a ser a mudança de cultura do povo brasileiro sobre a conservação de seus bens culturais.
Em 24 de janeiro de 1940, Rodrigo Melo Franco de Andrade declarava em entrevista concedida ao Correio da Manhã, do Rio de Janeiro:
“Filhos de um país novo, cujo descobrimento se deu na era moderna e cuja formação política data de pouco mais de um século, os brasileiros, em geral, não se distinguem pelo culto às relíquias do passado. O sentimento de respeito retrospectivo torna-se mais arraigado entre os povos de longo passado histórico. Já é tempo, entretanto, de considerarmos a beleza moral da história do Brasil, instituindo a defesa dos seus documentos”.
No ano de 1942, o Supremo Tribunal Federal, por seu pleno, quando do julgamento da Apelação Cível 7.377, que objetivava a declaração de nulidade do ato de tombamento federal de um prédio situado na Praça Quinze de Novembro, no Rio de Janeiro, teve a oportunidade de apreciar, pela primeira vez, não só a constitucionalidade do Decreto-Lei 25/37, mas também de reconhecer a função social dos bens culturais e o especial regime jurídico a que se submetem, em acórdão célebre relatado pelo ministro Castro Nunes, cuja ementa merece ser transcrita:
“O decreto-lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941, lei de desapropriações, contemplando entre as hipóteses que prevê, a preservação dos monumentos históricos, deve ser entendido nos termos da lei especial, ou seja, o decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1947; a desapropriação dos monumentos históricos tombados compulsoriamente não é obrigatória e sim facultativa, sendo constitucionais as disposições de lei ordinária a respeito.
A legalidade do tombamento dos monumentos históricos pode em cada caso, e deve, ser apreciada pelo Poder Judiciário.
A conservação dos monumentos históricos e objetos artísticos visa um interesse de educação e de cultura; a proibição legal de os mutilar, destruir ou desfigurar está implícita nessa preservação; a obrigação de conservar, que daí resulta para o proprietário, se traduz no dever de colaborar na realização desse interesse público.
É a necessidade ou conveniência da conservação dos monumentos históricos e objetos de arte, que pode não convir ao proprietário, o fundamento da legislação especial a respeito. Existe em tais coisas algo que supera o interesse do dono. Destacar esse interesse público para protegê-lo, ainda que reduzindo as faculdades do proprietário, está ao alcance do legislador ordinário com base na atual constituição.
A propriedade social concretiza uma concepção jurídica aplicada para fundamentar a legalidade da proteção aos monumentos históricos e objetos de arte, indicando a existência de um degrau do desenvolvimento progressivo do direito de propriedade em um sentido cada vez menos individual; diz-se que em tais monumentos e objetos, em poder dos particulares, existem duas partes distintas: a intelectual – ou seja, o pensamento do artista, o ideal que ele encarnou – e a material – isto é, esta mesma forma que lhe serviu para fixar o seu pensamento, o seu ideal. A primeira pertence à sociedade, que a deve proteger; somente a segunda pertence à propriedade privada, gravada de servidão”[6].
Passadas oito décadas de sua vigência, o Decreto-Lei 25/37 pode ser considerado como um dos mais estáveis e importantes diplomas normativos brasileiros voltados à preservação do interesse coletivo, e sua ancianidade não compromete seu alcance e efetividade, pois seus conceitos, regramentos e finalidades são claros, permanecendo atuais.
O alargado período de vigência da Lei do Tombamento permitiu a formação de posicionamentos doutrinários amadurecidos, conquanto não unânimes, sobre seu alcance, além de ter propiciado uma farta produção jurisprudencial que merece ser conhecida e analisada[7].
Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça tem densificado a aplicabilidade da norma, realçando o dever de proteção ao patrimônio cultural e o alcance protetivo do Decreto-Lei 25/37 em lições que orientam e inspiram os operadores do Direito na correta aplicação do importante instrumento do tombamento, a exemplo dos seguintes excertos:
“Além de rasgar a Constituição e humilhar o Estado de Direito, substituindo-o, com emprego de força ou manobras jurídicas, pela ‘Lei da selva’, a privatização ilegal de espaços públicos, notadamente de bens tombados ou especialmente protegidos, dilapida o patrimônio da sociedade e compromete o seu gozo pelas gerações futuras. A ocupação, a exploração e o uso de bem público – sobretudo os de interesse ambiental-cultural e, com maior razão, aqueles tombados – só se admitem se contarem com expresso, inequívoco, válido e atual assentimento do Poder Público, exigência inafastável tanto pelo Administrador como pelo Juiz, a qual se mantém incólume, independentemente da ancianidade, finalidade (residencial, comercial ou agrícola) ou grau de interferência nos atributos que justificam sua proteção” (STJ; REsp 808.708; Proc. 2006/0006072-8; RJ; 2ª Turma; rel. min. Herman Benjamin; Julg. 18/8/2009; DJE 4/5/2011).
“A legislação do patrimônio histórico-cultural deve ser interpretada da forma que lhe seja mais favorável e protetora. De acordo com entendimento do STJ, o tombamento do Plano Piloto alcança todo seu conjunto urbanístico e paisagístico. Sem a prévia autorização do Iphan, “não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construções que impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto” (artigo 18 do Decreto-Lei nº 25/1937). O mencionado artigo é claro ao exigir autorização do Iphan para a colocação de anúncios na coisa tombada. Na hipótese dos autos, inexistiu tal anuência, o que basta para tornar ilegal a conduta da recorrente. No campo jurídico do tombamento, o conceito de dano não se restringe ou se resume a simples lesão física (desfiguradora e estrutural) ao bem protegido, pois inclui agressões difusas e até interferências fugazes nele mesmo, no conjunto e no seu entorno (= dano indireto), que arranhem ou alterem os valores globais intangíveis, as características, as funções, a estética e a harmonia, o bucólico ou a visibilidade das suas várias dimensões que justificaram a especial salvaguarda legal e administrativa. In casu, a conduta irregular da empresa foi mais além, por ter acarretado danos à vegetação do local, mormente pela supressão de árvores, em flagrante desrespeito à norma do art. 17, que veda em absoluto a destruição e a mutilação do bem tombado” (STJ; REsp 1.127.633; Proc. 2009/0136547-0; DF; 2ª Turma; rel. min. Herman Benjamin; Julg. 23/3/2010; DJE 28/2/2012).
Hodiernamente, quando o Brasil vivencia um momento de crise de valores e de identidade, imprescindível se faz o resgate e a valorização de nossos referenciais históricos, testemunhos de nossa trajetória de evolução civilizacional, a qual devemos ter o orgulho de preservar para transmiti-los, na plenitude de sua integridade, às gerações que ainda estão por vir.
Por isso, vale a pena conhecer com maior profundidade o Decreto-Lei 25/37 e explorar as suas múltiplas potencialidades como instrumento de preservação do patrimônio cultural do povo brasileiro.

[1] MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Tutela do Patrimônio Cultural Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
[2] TELLES, Mário Ferreira de Pragmácio. Entre a lei e as salsichas. Análise dos antecedentes do Decreto-Lei 25/1937. Porto Alegre: Magister. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, Vol. 27 – dez/jan-2010.
[3] Defesa do nosso patrimônio artístico e histórico. O Jornal. Rio de Janeiro, 30/10/1936.
[4] MARÉS, Carlos Frederico. A proteção jurídica dos bens culturais. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo, nº 2. 1993. p. 22.
[5] Da proteção ao patrimônio cultural. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 37.
[6] RT 524, p. 785-811.
[7] MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Lei do Tombamento Comentada. Doutrina, jurisprudência e normas complementares. Belo Horizonte: Del Rey, 2014.
*Promotor de Justiça em Minas Gerais, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Patrimônio Cultural da Rede Latino-Americana do Ministério Público e membro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos-Brasil).
Fonte original do artigo: Consultor Jurídico

sábado, 16 de dezembro de 2017

Neste momento da história, o centro de tudo está numa mulher, por L. Boff

Jornal O Tempo

Há ainda uma estrela como a de Belém a nos dar esperança

LEONARDO BOFF

Neste momento da história, o centro de tudo está numa mulher
PUBLICADO EM 15/12/17 

A festa do Natal está toda concentrada na figura da criança Jesus, o Filho de Deus, que decidiu morar entre nós. A celebração do Natal vai além desse fato. Restringindo-se somente a ele, caímos no erro teológico do cristomonismo (só Cristo conta), olvidando que existem ainda o Espírito e o Pai, que sempre atuam conjuntamente.

Cabe realçar a figura de Sua Mãe, Maria de Nazaré. Se ela não tivesse dito o “sim”, Jesus não teria nascido. E não haveria o Natal.

Como ainda somos reféns da era do patriarcado, este nos impede de comprender e valorizar o que diz o Evangelho de Lucas a respeito de Maria: “O Espírito Santo virá sobre ti e a energia do Altíssimo armará sua tenda sobre ti e é por isso que o Santo gerado será chamado Filho de Deus”(Lc 1,35).

As traduções comuns, dependentes de uma leitura “masculinista”, dizem: “a virtude do Altíssimo te cobrirá com sua sombra”. O original grego afirma: “a energia do Altíssimo armará sua tenda sobre ti”. Trata-se de um modismo linguístico hebraico para significar “morar não passageira, mas definitivamente”, sobre Maria. Como afirma o texto, a partir de agora, Maria de Nazaré será a portadora permanente do Espírito. Ela foi “espiritualizada”, quer dizer, o Espírito faz parte dela.

Curiosamente, a mesma palavra “tenda” são João aplica à encarnação do Verbo: “E o Verbo se fez carne e armou sua tenda entre nós”, quer dizer, morou definitivamente entre nós.

Qual a conclusão que tiramos? Que a primeira pessoa divina enviada ao mundo não foi o Filho, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. Foi o Espírito Santo. Quem é o terceiro na Trindade é o primeiro na ordem da criação, isto é, o Espírito Santo. O receptáculo dessa vinda foi uma mulher do povo, simples como todas as mulheres camponesas da Galileia, de nome Miriam, ou Maria.

Ao acolher a vinda do Espírito, ela foi elevada à altura da divindade. Por isso, diz: “o Santo gerado será chamado Filho de Deus”(Lc 1,35). Somente alguém que está na altura de Deus pode gerar um Filho de Deus. Maria, por essa razão, será divinizada, semelhantemente ao homem Jesus de Nazaré. É o Filho eterno encarnado em nossa realidade humana que celebramos no Natal.

Eis que, num momento da história, o centro é ocupado por uma mulher, Maria de Nazaré. Nela estão presentes duas pessoas divinas: o Espírito Santo e o Filho do Pai.

Nossa Senhora de Guadalupe, com traços mestiços, tão venerada pelo povo mexicano, aparece como uma mulher grávida, com todos os símbolos da gravidez da cultura dos astecas. Sempre que vou ao México, visito a bela imagem de pano de Guadalupe. Vestido de frade, várias vezes perguntei a um peregrino anônimo: “Hermanito, tu adoras a la Virgen de Guadalupe?” E recebia sempre a mesma resposta: “Si, frailecido, como no voy adorar a la Virgen de Guadalupe? Si que la adoro”.

Pois nessa mulher se escondem as duas pessoas divinas, o Filho que crescia em suas entranhas pela energia do Espírito que morava nela. E ambas, sendo Deus, podem e devem ser adoradas. Daí nasceu a inspiração para o meu livro “O Rosto Materno de Deus”.

Sempre lamentei que a maioria das mulheres, mesmo teólogas, não tenha assumido ainda sua porção divina, presente em Maria, por obra do Espírito Santo. Ficam só com o Cristo, o homem divinizado.

O Natal será mais completo se, junto ao Menino que tirita de frio na manjedoura, incluirmos sua Mãe, que o acalenta amparada por seu esposo, José. Ele também mereceria uma reflexão especial: sua relação com o Pai Celeste.

No meio da crise de nosso país, há ainda uma estrela como a de Belém a nos dar esperança.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

BH 120 anos: De onde vieram os materiais para a construção da nova Cidade?

Prof. Luciano Amédée Péret vai completar 90 anos em                                   janeiro de 2018

Belo Horizonte completa 120 anos e recupero  um artigo do meu pai, sobre a procedência dos materiais empregados na construção da cidade. Mais do que uma curiosidade histórica o relato mostra as dificuldades e desafios que os construtores da nova capital tiveram que enfrentar.

O professor e arquiteto Luciano Amédée Péret, na ocasião do aniversário de 96 anos de Belo Horizonte, em 1993, escreveu este artigo mostrando um novo aspecto do trabalho realizado na construção da nova Capital; respondendo a uma indagação: qual seria a procedência dos materiais de construção empregados na nova cidade?

O objetivo do artigo foi, a partir de alguns dados históricos, demonstrar o esforço feito pelas gerações passadas, também por este ângulo.

Notícia Histórica sobre a Construção de Belo Horizonte 

Por Luciano Amédée Péret*

Belo Horizonte, a cidade criada para sede do Governo do Estado de Minas Gerais, completa 96 anos (hoje, 120 anos). Agigantou-se apresentando novas características; e hoje é uma grande metrópole, com qualidades e defeitos inerentes ao seu crescimento. Diante da sua potencialidade e grandeza, perdeu aquela finalidade exclusiva de ser unicamente cidade sede do Governo.

Ao pesquisar a história de sua construção, pelos idos de 1895 a 1897, uma indagação nos ocorreu: Qual a procedência dos materiais de construção empregados na nova Capital? Várias vezes tivemos nossa atenção voltada para os métodos construtivos adotados naquela época, a falta de mão de obra especializada e, principalmente, os materiais a serem empregados.

O historiador Padre Francisco Martins Dias, na sua obra "Traços Históricos e Descritivos de Belo Horizonte", em 1897, afirmava:
"Quem com espírito perspicaz e observador, estuda o movimento da construção da nova cidade, aonde as circunstâncias de lugar, de tempo e de pessoas, vê a ordem e a harmonia que reina, o andamento regular de todos os serviços, admira-se e conclue reconhecendo que verdadeiramente Deus têm protegido a Nova  Cidade de Minas desde os seus primeiros fundamentos".

" Memória  Histórica  e Descritiva de Belo Horizonte", escrita por Abílio Barreto, nos dá a notícia dos fatos que se desenrolaram para a construção da nova Capital. Historiador dedicado, que em dois livros - História Antiga e História Média - desta cidade, alinhou com zelo, carinho e honestidade os episódios verificados nas regiões do Curral D'el Rei, até a inauguração da nova Capital do Estado de Minas Gerais, a cidade de Minas, depois Belo Horizonte.

No presente artigo procuramos esclarecer e contribuir com alguns dados históricos, para não nos esquecermos do passado, mostrando um novo aspecto do trabalho encentado pelos mineiros, na luta heróica travada a curto prazo que tornou possível a mudança da Capital, proporcionando novos dimensionamentos ao Estado de Minas Gerais.

Respondendo à indagação feita sobre a procedência dos materiais de construção, tivemos a resposta ao consultarmos, no Arquivo Público  Mineiro, a documentação ali existente.  Os edifícios públicos  e as casas dos funcionários públicos, bem como todo o equipamento destinado ao abastecimento de água e instalações elétricas foram importados de diversos países da Europa e dos Estados Unidos.

Um documento mostra a origem da escada nobre do Palácio Presidencial, hoje chamado Palácio da Liberdade, vinda da Societé Anonyme Ateliers de Construction Forges & Acierés de Bruges - Bélgica, no "Argentina", no mês de maio de 1897.
Em outro documento - ofício n. 652, de 16 de novembro de 1896 consta que no vapor Atála vinham para o Palácio  Presidencial  quatro caixas pesando 720 kg, marca Acierés Bruges - Rio de Janeiro, Palácio  C.C.N.C.M. , conforme a nota de expedição. Eram mais duas escadas destinadas ao Palácio em construção.

Os ofícios mencionados eram dirigidos ao delegado do Tesouro Nacional pelo secretário  da Agricultura, Francisco Sá  e ao ministro da Fazenda, pelo presidente do Estado  Chrispim Jacques Bias Fortes. Ambos solicitavam, em nome do Governo de Minas Gerais, isenção de direitos aduaneiros de importação  na Alfândega do Rio de Janeiro, bem como a devolução da importância  já  paga, a fim de liberar com rapidez  a mercadoria.  A escada nobre do Palácio  da Liberdade  é patenteada tendo uma plaqueta com a seguinte inscrição: Eyenwerk Joly Wittenberg D. R. Patent.

Percorrendo a documentação sobre as providências  tomadas em relação às construções que estavam sendo realizadas pela C.C.N.C.M. , isto é, Comissão  Construtora  da Nova Capital de Minas, encontramos  os nomes dos vapores que trouxeram  os materiais destinados  a Belo Horizonte.  Assim sendo, verificamos que o material  elétrico destinado  à iluminação pública fora adquirido  nos Estados Unidos e na Inglaterra. No mês de julho de 1897, o vapor Coleridge trazia, procedente  de Nova York, tubos de ferro para instalação elétrica - 1.000 tubos e 655 isoladores. Da Inglaterra veio material para o encanamento  e respectivos acessórios, destinados à instalação da luz elétrica, embarcados no vapor Bellaina.

Para a decoração dos edifícios, no vapor Olinda, chegaram seis fardões de papelão, destinados aos edifícios públicos e procedentes da França. Também para decoração, não só dos edifícios públicos, mas também das casas dos funcionários, veio material procedente de Hamburgo, Alemanha.

Em 23 de junho de 1897, pelo vapor Cintra, vieram  seis caixas, contendo 36 peças de algodão cru, destinados à decoração dos tetos dos edifícios públicos.

Também o material de pintura foi todo importado: cento e dez barricas de óleo de linhaça; seis caixas com tintas e tubos; seis fardões de papelão  e uma caixa de "aluminium", encomendados a Benedict - Schonfeld em Hamburgo, Alemanha, e embarcados nos vapores Bellanock ( de Londres) e Buenos Aires ( de Hamburgo).

Destinado ao abastecimento de água, foi adquirido material da "The Brasilian Contrects Corporation Limited", embarcado em Glasgow, no vapor Nosmyth, em março de 1897. Pelo vapor Biella vieram de Londres quatro caixões, com torneiras de metal para distribuição de água, em abril de 1897.

Pelo vapor Cavour, vieram 15 colheres para chumbação, procedentes de Londres, destinadas, também, ao serviço de abastecimento de água.  O vapor Taylor trouxe material sanitário, louças, WC, mictórios, etc.

O cimento veio de Londres, no barco "Premier", em 21 de abril de 1897, segundo o ofício 543.

Em documento datado de 11 de fevereiro de 1897 lê-se o seguinte:
"Nova Capital
"Secretaria de Agricultura, 11 de fevereiro de 1897.
"Ofício 101
" 3a Secção
"Ao delegado fiscal do Tesouro Federal
"Peço-vos encaminhar ao seu destino, procedido de vossa informação, o ofício dirigido pelo Sr.  Presidente do Estado ao ministro da Fazenda,solicitando isenção de direitos aduaneiros de importação da Fazenda na Alfândega do Rio, para uma ponte artística  adquirida na Europa e destinada à Nova Capital do Estado.
"Incluo a 1a via da respectiva factura, conforme estabelece a circular n.48, de 30 de abril de 1896.
"S. e F.
" Dr. F.de Sá.
" No ofício 653, vê-se referência a esta ponte artística, encomendada ao engenheiro Jos Jaegler, destinada à Nova Capital do Estado, vinda pelo vapor Atala, com 328 volumes, pesando 36.736,5 kg, tendo a marca "Acieries de Bruges".

O material destinado ao ramal férreo da Nova Capital veio pelo vapor Flaxman, também importado.

Em 4 de janeiro de 1897, o vapor Newton trazia zinco em chapas.

Os primeiros hidrômetros aqui instalados, em número de 450, marca Frager, e os respectivos sobressalentes, destinados ao abastecimento d'água, foram importados e transportados pelo vapor Paranaguá (Ofício 322).

O edifício do necrotério, do cemitério do Bonfim  teve seu material de cobertura e decorações  importados da Bélgica.  Pelo ofício n. 595 anotamos: "cinco caixas contendo material destinado ao Necrotério  da Nova Capital, vindos no vapor Ville de S. Nicolás".

A escada da Secretaria da Agricultura, hoje de Obras Públicas veio da Acierés de Bruges, da Bélgica, pelo vapor Caravellas.

A escada da Secretaria da Finanças, hoje da Fazenda, também provenientes da Bélgica, foi transportada pelos vapores  Ville de Buenos Aires e Colônia (Ofício 380 - Dr Bias Fortes).

As vigas Joly em duploT aplicadas nas obras das secretarias e do Palácio da Liberdade  foram transportadas por diversos vapores, entre os quais o Ville de Montevideo.

De Liverpool, na Inglaterra, pelo vapor Orapesa, anotamos as seguintes mercadorias: três mictórios  "Adamant", de barro esmaltado, completos, idem de louças "Cardinal"; cinco mictórios de louça branca, completos; sete lavatórios de louças branca, completos; 49 cisternas de ferro fundido.

Para o edifício da Imprensa Oficial diversos materiais  foram embarcados pelo vapor Buffon, bem como material para decoração  transportado pelo vapor Olinda.

Ainda podemos mencionar, vindo de Nova York, material elétrico  transportado pelo vapor Buffon (ofício n. 60) e pelo vapor Galileo (ofício n. 603).

Poderíamos ainda mencionar os materiais vindos da França, como a telha francesa de Marseille, ou a madeira, o pinho proveniente de Riga o que deixaremos como assunto de outra notícia.

Desejamos mostrar quanto esforço foi feito pelas gerações passadas, que, enfrentando tantas dificuldades, conseguiram, com ordem, harmonia e gosto, construir a nossa Belo Horizonte, que chegou a ser também chamada Cidade Jardim.
  
*Luciano Amédée Péret 
Foi professor e diretor da Escola de Arquitetura da UFMG, foi diretor executivo e presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de MG (IEPHA), membro do Instituto Histórico e Geográfico de MG, foi diretor da FUMEC, foi diretor da Escola de Belas Artes da UFMG

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Relatório do Banco Mundial sobre universidades é ilusionismo político


Por Lira Neto
Folha de São Paulo

Relatório sobre universidades do país parece dizer que há elefantes no céu

"Se você diz que há elefantes voando no céu, as pessoas não vão acreditar", observava Gabriel García Márquez. "Mas se você disser que há 425 elefantes alados, as pessoas provavelmente acreditarão."

Expoente do chamado realismo mágico, o escritor aludia ao recurso literário de construir narrativas com alto nível de detalhamento, a ponto de fazer os leitores "acreditarem" nelas. Instaurar um pacto no qual a irrealidade, apesar de manifesta, é aceita em nome da fruição e, quase sempre, da alegoria.

Para além do campo literário, amparar supostas verdades com base em números e estatísticas, manobrando dados e fontes de informação, é truque de ilusionismo político. Em vez de artifício estético, trata-se de manipulação da fé alheia.

O relatório apresentado há poucos dias pelo Banco Mundial ao governo brasileiro, no capítulo destinado a traçar o diagnóstico de nossas universidades, tenta fazer a opinião pública acreditar que há paquidermes planando no céu. É o caso de lembrarmos que elefantes, obviamente, não voam.

"Um estudante em universidade pública custa de duas a três vezes mais que um estudante em universidade privada", sustenta o relatório, sacando números da cartola: o custo médio anual por estudante em universidades privadas seria de até R$ 14,8 mil; em federais, 40,9 mil.

A comparação é escalafobética. Nas universidades públicas, ao contrário do que ocorre na maioria das instituições privadas, a vida acadêmica não se resume à sala de aula. Abrange o indissolúvel trinômio ensino, pesquisa e extensão, por meio de ações sistemáticas junto à comunidade. Daí a necessidade de investimentos sólidos em hospitais, clínicas, museus, teatros e laboratórios, entre outros equipamentos.

Além disso, professores de instituições públicas possuem maior qualificação e, assim, salário minimamente compatível com a relevância social do ofício. Como observa o físico Peter Schulz, em artigo no "Jornal da Unicamp", 39% dos docentes da rede pública têm formação de doutorado, contra 22,5% da privada. Como dado extra, 85% dos professores das universidades públicas trabalham em regime de tempo integral. Nas privadas, 22,5%.

O salário dos docentes, aliás, está na mira. "Os professores universitários brasileiros ganham muito acima dos padrões internacionais", alardeia o relatório, com astúcias de prestidigitador. Dito assim, nossos mestres e doutores parecem nababos de diploma.

Contudo, um gráfico contido no próprio documento desmente a pegadinha: mesmo o salário dos professores que atingem o topo da carreira, no Brasil, situa-se em nível bem inferior ao dos colegas estadunidenses, italianos, australianos e franceses, por exemplo.

O maior ardil do relatório procura alimentar uma lenda urbana que cerca a academia: "Embora os estudantes de universidades federais não paguem por sua educação, mais de 65% deles pertencem aos 40% mais ricos da população".

A informação não procede. Pesquisas do Fonaprace (Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis) e da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) apontam o contrário. Apenas 10,6% dos alunos das universidades públicas vêm de famílias com renda superior a dez salários mínimos. Com a democratização introduzida pelo sistema de cotas, o índice de estudantes oriundos de famílias com renda abaixo de três salários, atualmente em 51,4%, só tende a crescer.

Amparado no relatório, o Banco Mundial propôs ao governo dois caminhos: "limitar os gastos por aluno" e "introduzir tarifas escolares". Em bom português, sucatear a universidade e cobrar mensalidades.
Os que não puderem pagar pelos estudos, tratem de recorrer a empréstimos. Nos Estados Unidos, onde o modelo impera, milhões de jovens recém-formados acumulam dívidas impossíveis de serem pagas.
É sintomático: ao longo das 17 páginas do documento relativas ao tema, em nenhum momento os repasses para o setor educacional são definidos como "investimento". Em contrapartida, a palavra "gasto" aparece nada menos de 77 vezes.

Impossível dissociar a leitura do relatório e a escalada autoritária que busca criminalizar a arte e a cultura, bem como espezinhar qualquer manifestação do pensamento complexo e do espírito crítico. Virtudes que encontram na universidade pública um de seus últimos territórios de excelência.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

O avanço do estado de exceção, por Luís Nassif

Recado do Nassif: "É coisa de ditadura..."
O jornalista Luis Nassif faz uma análise dura da violência contra a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

O Golpe ataca a UFMG

#SOMOS UFMG
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Ninguém é contra a investigação, mas ela deve acontecer obedecendo o devido processo legal.
Todos os cidadãos e cidadãs deste país devem se posicionar contra as arbitrariedades e ilegalidades.
Estamos em um estado de exceção, uma ditadura disfarçada.

 Alguém já disse "sabe-se como começa um golpe, mas não como termina." A cada dia o golpe,  no Brasil, avança seus tentáculos.

Não há qualquer justificativa para a forma como a operação se deu. Não há qualquer justificativa para conduzir coercitivamente dirigentes universitários, cidadãos e cidadãs conhecidas publicamente, com endereço estabelecido, cumprindo suas funções e que, a qualquer momento, estariam à disposição da Polícia Federal para prestar as explicações que fossem necessárias. A banalização das conduções coercitivas visa apenas o espetáculo, a autopromoção de agentes públicos mais acostumados aos holofotes do que à prática de suas funções.

Há um claro ataque a educação pública e aos defensores dos direitos humanos que lutaram contra as atrocidades da ditadura militar.

Leia o artigo do Luís  Nassif:

A ditadura ataca a UFMG

Por Luis Nassif, no Jornal GGN:

A notícia de que a Polícia Federal invadiu a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) levando em condução coercitiva o reitor e a vice-reitora, em uma operação sintomaticamente denominado de “Esperança Equilibrista”, comprova o avanço político do estado de exceção.

A operação visa apurar desvios no Memorial da Anistia, construído pela UFMG.

Assim como no caso da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) repete-se a combinação de PF, Controladoria Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas da União (TCU).

Há anos o Memorial padece de problemas burocráticos.

Problemas administrativos, que demandam análises administrativas, são transformados em casos policiais, para que se infunda o terror nas universidades, último reduto da liberdade de pensamento no país, depois que a Lava Jato se incumbiu de desmontar o PT e a reforma trabalhista investiu contra as centrais sindicais.

A história do Memorial é bonita.

Todo o país que passou por ditaduras tem movimentos emblemáticos representando a luta contra a repressão. O Brasil teve mais de 50 mil pessoas anistiadas, reconhecidas como perseguidas pela ditadura e não tinha nenhum monumento.

A Comissão de Anistia, quase dez anos atrás, lançou o projeto de Memorial da Anistia, com verbas do Ministério da Justiça e parceria com UFMG. A ideia seria reformar o Coleginho e ali fazer uma exposição permanente. E, ao lado, um prédio para ser o acervo da Comissão de Anistia.

Os problemas ocorreram quando se analisaram as condições do Coleginho, cuja estrutura, antiga, não suportaria as reformas. Foi planejado, então, a construção de um prédio ao lado, que abrigaria o acervo e a própria Comissão de Anistia.

Os valores, de R$ 19 milhões, eram perfeitamente compatíveis com a nova estrutura proposta. Foram abertas três sindicâncias, no Ministério da Justiça, do Ministério Público Federal e na própria UFMG apenas para apurar se houve imperícia no projeto para o Coleginho, que não levou em conta suas condições.

Com o impeachment, não houve sequer nomeação do novo presidente da Comissão de Anistia, e as obras foram paralisadas.

Este ano, foi realizada uma audiência pública em Belo Horizonte, na qual se solicitou à UFMG que terminasse o projeto. E foi recusado pela óbvia falta de verbas que assola as universidades federais.

A invasão da UFMG e a condução coercitiva de oito pessoas mostram três coisas.

A primeira, é que não há um fato apurado e um suspeito preso. Monta-se o velho circo de prender várias pessoas, infundir terror na comunidade, e obter confissões sabe-se lá por quais métodos. A segunda é que a morte do reitor da UFSC não mudou em nada os procedimento.

Têm-se uma PF incapaz de solucionar o caso do helicóptero transportando 500 quilos de cocaína, soltando o piloto e liberando o veículo em prazo recorde e, agora, a investida política contra a segunda universidade. A terceira, é que o nome dado à operação – “Esperança Equilibrista” – é claramente uma provocação aos setores de direitos humanos.

Esse monstro está sendo diretamente alimentado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que se transformou no principal inspirador da segunda onda repressiva dos filhotes da Lava Jato.

Vamos ver quem são as vozes que se levantarão para denunciar mais esse ataque.

A força policial invadiu a sala da vice-reitora. Quando outros professores chegaram lá, aboletada na cadeira da vice-reitora estava uma corregedora da CGU, como se fosse a nova dona do pedaço.

Faltou uma foto para documentar a extensão do arbítrio.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Tortuosos caminhos da igualdade racial na educação

Mais um destaque do Caderno fHist que circulou encartado na edição de domingo do jornal O Tempo.

Caderno fHist
4 Festival de História - Diamantina

"...Não tenho nada com isso, seu Dito, mas vocês de cor são feitos de ferro. O lugar de vocês é dar duro na lavoura. Além de tudo, estudar filho é besteira. Depois eles se casam e a gente mesmo...

...É que eu não estou estudando ela para mim...disse meu pai.- É pra ela mesma."
(Leite de Peito, de Geni Guimarães)

Macaé Evaristo falou que o direito à educação sempre                         foi um desafio para os negros

A educadora Macaé Evaristo, no 4 fHist, leu um trecho de um conto autobiográfico da escritora negra Geni Guimarães para abrir a sua exposição na mesa da História da luta das mulheres. " Nem era preciso dizer mais; a literatura desnuda as relações raciais e as formas de opressão vividas pela população negra do nosso país, afirmou.

O direito à educação sempre foi um desafio para os negros, destacou Macaé.  Citou que no Império, os escravos eram proibidos de se matricular nas escolas públicas. Após a Lei do Ventre Livre (1871), decretos proibiram a escolarização de negros libertos menores de 14 anos, permitindo aos maiores somente estudar no período noturno e "se o professor aceitasse".

" Isso vai marcar a história da nossa educação ao longo do século XX, lutas que foram de famílias se reunindo para educar seus filhos ou de entidades, como a Frente Negra", afirmou.

A educadora citou a 1 Conferência  Mundial de Durban, na África do Sul, em 2001, como um marco contemporâneo para os movimentos negros. A partir dela, cresceu a luta por políticas públicas de transformação e há a desmistificação da ideia da democracia racial, "aquela que o negro sabe o seu lugar".

Com as lutas dos movimentos e o Governo Lula viriam, então, a Lei número 10.639, de ensino de História e Cultura Afro-Brasileira; a Lei das Cotas e o Estatuto  da Igualdade  Racial. "Com a Lei das Cotas, de 2012, o racismo no Brasil mudou sua etiqueta", afirmou, e de um comportamento "polido", passou a ser agressivo e a ter até ativistas.

"Escola do Pensamento Único"

Macaé abordou o momento "selvagem" de retrocessos sociais, políticos e culturais após  o impeachment  da presidenta Dilma e alertou para a ameaça da "Escola sem partido", que se articula através  das câmaras de vereadores e teve atuação forte nas discussões dos Planos Municipais  de Educação. "Em São Paulo, há casos de vereadores que se atrevem a entrar nas escolas e vigiar a atuação dos professores. Como se ensina a História assim? Como combater a violência sexual sem o apoio da escola?", questionou.

Para Macaé, o nome, " Escola Sem Partido", foi um "marketing" bem feito porque esconde o real: uma "Escola do Pensamento Único".
 "Nossa luta será longa, mas com muita força e esperança", previu.