GOMES, Carla Silene Cardoso Lisbôa Bernardo. Lévinas e o outro: a ética
da alteridade como fundamento da justiça. Rio de Janeiro, 2008. p.90
Dissertação Mestrado – Departamento. Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro.
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Este trabalho nasceu do questionamento pessoal quanto aos fundamentos do
que hoje é denominado justiça.
Questionamento que impulsionou o desejo de encontrar
uma nova perspectiva, um referencial crítico ao modelo de humanidade
altamente individualista e competitivo da atualidade, bem como aos modelos contratualistas
de justiça que, fundamentados na igualdade homogeneizante, resultam
em exclusão, intolerância e indiferença entre os seres humanos.
Por ser a filosofia o campo de conhecimento que procura refletir acerca das
condutas humanas em busca de um sentido para o agir humano, esse foi o caminho
por nós escolhido.
Tomando um cenário próximo - o cotidiano profissional como operadora do
direito - por ponto de partida, e sentindo a angústia, a inquietação, com o descaso
e a falta de compromisso e responsabilidade de uma pessoa em relação à outra,
partimos em busca de um novo referencial de justiça.
Nesse contexto é que nos deparamos com Emmanuel Lévinas e nos interessamos por sua ética da alteridade.
O modo ímpar e profundo de pensar o humano
desse autor despertou-nos o interesse, se revelando como uma possível saída para
a humanidade da egolatria e do individualismo.
Buscar compreender a justiça através de teorias e mais teorias contratualistas
pareceu-nos um ato reflexivo tendente apenas ao percurso de um caminho com
retorno ao mesmo ponto de partida.
Sentimos a necessidade de ir além e, ao nos
encontrarmos com a crítica à filosofia ocidental proferida por Emmanuel Lévinas,
tivemos a oportunidade de experenciar um modo de pensar que não retorna ao lugar
de onde partiu.
Enxergamos o pensamento levinasiano como uma proposta de reflexão e de
crítica – não a única, muito menos a definitiva – ao modelo individualista, competitivo
e totalizante da sociedade contemporânea, que faz da justiça mero instrumento
de satisfação de desejos pessoais de uma pequena parcela da população.
Emmanuel Lévinas fala-nos do “Rosto que me interpela”, do “Outro”, que
nos permite resgatar a nossa subjetividade ao nos apontar para uma responsabilidade
incondicional por ele. Um “Rosto que clama”, vários Rostos que se nos apresentam diariamente exigindo-nos justiça.
São milhares de pessoas que morrem ou
que sobrevivem como mortos-vivos ante uma sociedade totalitária e fechada em si
mesma.
Passando pela vida nessa sociedade marcada pelo isolamento, pela competição, pela dominação, fingimos não ver, e por vezes não enxergamos mesmo, aquelas
pessoas que são estranhas ao Eu próprio; sem darmos conta de que, assim
agindo, estamos negando a nossa própria condição humana.
Emmanuel Lévinas nos demonstra que ao vivermos nesse fechamento, nessa
interiorização excludente em busca de simplesmente existir, frustramo-nos constantemente,
pois bloqueamos nossa sensibilidade, enclausuramo-nos no Eu próprio e, consequentemente, perdemos nossa subjetividade, nossa razão de viver.
Esse, porém, tem sido o móvel da sociedade contemporânea, a forma de se
pensar e de se ver as coisas: a competição, o isolamento, o fechamento, a negação
ao Outro, a indiferença...
O pensamento de Emmanuel Lévinas se opõe exatamente a esse modelo.
Criticando contundentemente a filosofia ocidental, ele questiona o homem e
a sociedade atuais e propõe o acolhimento, a responsabilização incondicional pelo
Outro como caminho para o reencontro do sentido da existência humana.
Através
da nossa sensibilidade à interpelação do Rosto do Outro que se apresenta diante de
nós, surge uma responsabilidade anterior a qualquer reflexão, uma responsabilidade
traçada numa disposição ética, que se converte em justiça diante de tantos outros
Rostos e que resgata a individualidade.
Defende Emmanuel Lévinas que é através da saída de si mesmo, que ocorre
quando percebemos e acolhemos o Outro, é que o sujeito encontra a si próprio.
Na
abertura ao Outro que se encontra fora de nós, ressurgimos como um novo Eu, um
“Eu-com-o-outro”.
Pela sensibilidade, pré-racional, o Eu, fechado em si mesmo, é
conduzido para fora, para o exterior, e se torna responsável por aquele que se lhe
coloca à frente, conduzindo-o além do Eu.
Essa subjetividade sentinte motiva a
transformação individual e, por conseqüência, a da sociedade.
O pensamento de Emmanuel Lévinas situa a ética como “filosofia primeira”
e a tem como decorrente da relação Eu-Outro, configurando uma nova perspectiva
de reflexão, a de pensar a si mesmo e à sociedade a partir e com o Outro.
O Outro
é a base de toda a construção levinasiana, o cerne da relação humana.
Numa sociedade complexa como a nossa, onde a existência é plural, surge a
necessidade do direito, que para Emmanuel Lévinas deve ter origem na relação
com o Outro, pois é da interpelação do Rosto do Outro que vem a negativa à violência
natural do Eu.
Compreender o nascimento da justiça no surgimento do Outro é aceitar que
não será a instância jurídica que promoverá a assunção de responsabilidade, não
será a lei ou a norma que impedirá a violência, não será uma sentença que propiciará
a harmonia nas relações humanas.
Não se trata aqui de esvaziar o direito, mas de propiciar uma revisão das bases
nas quais ele se fundamenta, demonstrando, numa atitude reflexiva filosófica,
que o direito, enquanto fruto de uma sociedade que não acolhe o Outro, resulta na
intolerância, na indiferença, na não assunção de responsabilidade.
Em outras palavras,
o direito é imprescindível para a existência plural do homem, mas só tem
sentido quando assentado no reconhecimento da responsabilidade advinda da subjetividade
acolhedora do Outro.
Na desenvoltura da pesquisa trilhamos o seguinte caminho:
No primeiro capítulo fizemos uma abordagem do século XX e início do século XXI, período que denominamos de contemporaneidade, e inauguramos a
perspectiva reflexiva de Emmanuel Lévinas.
Verificou-se que esse período se caracteriza
pelas guerras, pelo progresso científico e desenvolvimento tecnológico,
pela destruição e morte. Uma época em que a absolutização do sujeito provoca
uma totalidade excludente e relações de dominação, de subjugação entre as pessoas.
Um momento em que o indivíduo, cada vez mais fechado em si mesmo, perde-se
por completo e torna-se subjugado ao insaciável desejo de ter, de poder, de
consumir.
Emmanuel Lévinas, ante essa realidade, percebe a necessidade da revalorização
do sentido ético do humano e do respeito às diferenças; convidando ao
reconhecimento do Outro como forma de consagração de uma sociedade plural,
fraterna e pacífica.
No segundo capítulo perpassamos a construção do pensamento de Emmanuel
Lévinas.
Partindo da crítica à ontologia fundamentadora da filosofia ocidental,
constatamos que o sujeito contemporâneo restringe-se a Ser, trancado numa egologia
que culminou nas guerras.
Vimos que sociedade contemporânea é uma sociedade
totalitária, constituída pelo egoísmo e conduzida por uma filosofia do poder,
a ontologia. Mostramos, ainda, que o nosso pensador construiu sua obra fazendo uma conexão com os fatos por ele presenciados e vividos.
Por fim, destrinchamos
os momentos marcantes da evolução de seu pensamento, retratados, sobretudo,
nas obras Da existência ao existente, Totalidade e Infinito e Outramente
que ser, ou mais além da essência: Em Da existência ao existente Lévinas apresentou
a o Outro como saída para a superação do horror e do trágico da impessoalidade
do Ser; em Totalidade e Infinito lançou a idéia da presença do Outro como
superação do egoísmo em si mesmo e, finalmente, em Outramente que ser, ou
mais além da essência apontou a subjetividade sentinte como quem conduz o Eu a
ser refém do
Outro, tornado-se diferentemente do Ser ou mais além da essência.
Finalmente, no terceiro capítulo, conhecemos a estruturação da justiça em
Emmanuel Lévinas.
Primeiramente como idéia de responsabilidade do Eu para
com o Outro e, posteriormente, como justiça propriamente dita ante a chegada do
terceiro, ou dos Outros.
Assim, objetiva-se a pensar o humano a partir dos conceitos levinasianos,
notadamente na intransferível responsabilidade contraída no gesto ético, que deverá
nortear a concretização da justiça para a consolidação de uma sociedade fraterna
e solidária.
“Não esqueçamos, em nosso favor, que em qualquer tempo e lugar, diferenças não
são defeitos, os diferentes necessariamente não são oponentes, e a indiferença é o
recolhimento egoísta do afeto na escura masmorra do desamor. Nossa harmonia é
construída no cultivo das virtudes da indulgência, da fraternidade e do acolhimento.
Ação, reação, transformação: caminhos da alteridade.
Morte da indiferença, autoconhecimento, amor: caminhos da felicidade.
Em quaisquer etapas: sempre alteridade na erradicação do personalismo.
Hosana às diferenças e aos diferentes!”
( DUFAUX, Ermance de La Jonchére [Espírito]. Mereça ser feliz: Superando as ilusões do orgulho,
p. 102.)
Considerações finais da Tese
Desde o início é possível constatar que esse trabalho tem a tônica de uma
crítica à sociedade atual, ao homem contemporâneo e, especialmente, à
estruturação da justiça.
Nesse contexto, o pensamento de Emmanuel Lévinas
surge como uma importante contribuição na medida em que desnuda a realidade
anti-humanista da contemporaneidade e indica uma orientação de construção da
justiça fundada na ética da alteridade. Isto é, a obra levinasiana surge como uma
alternativa de reformulação do ideal de justiça, onde prima-se pela abertura do Eu
ao outro.
No entender de Lévinas, a racionalidade fundada na ontologia provocou o
fechamento do homem em-si-mesmo e a redução do outro ao Mesmo,
consequentemente, numa sociedade erigida no egoísmo, no individualismo, na
satisfação de necessidades e desejos, onde cada pessoa perde seu sentido ao se
ater a simplesmente Ser.
A busca desenfreada pelo desenvolvimento propiciou um constante estado de guerra
em que os seres humanos passaram a ser contados como ‘mais um’,
desprovidos de individualidade, sentimentos e importância, sem espaço para a
abertura e responsabilidade incondicionais de um para com os outros.
A perda de
um ou de alguns, ante o todo da sociedade, se justificou na necessidade de
crescimento e não atingiu o Eu, uma vez que eles lhe eram estranhos, diferentes,
distantes...
Enquanto elevadas cifras foram investidas em desenvolvimento,
produção e utilização de produtos bélicos, milhões de pessoas morreram de fome,
de sede, pela falta de recursos financeiros...
Focado no objetivo de simplesmente Ser, reduzido e voltado exclusivamente
para sua própria sobrevivência, o indivíduo contemporâneo vaga na
impessoalidade; encerrado em sua mesmicidade, nada percebe além do ‘horror e
do trágico de simplesmente haver’ (o il y a anunciado por Lévinas).
Buscando uma forma de se afastar da necessária responsabilidade pelo
outro, os seres humanos se tornam cegos e surdos à realidade; se fecham e se
tornam insensíveis ao Rosto que clama.
Bloqueando os sentimentos, dão vazão à
razão que surge e livra o homem da situação incômoda do face a face, mantendo-o em-si-mesmo; o Eu retorna à sua interioridade e se torna impessoal, indiferente ao
seu próximo, permanecendo inerte mergulhado em seus desejos individuais.
Na
ânsia de Ser, cada homem e, por consequência, a sociedade, assume posturas e
realiza condutas que agridem frontalmente o ideal humanitário.
Para Lévinas, enquanto a sociedade se ativer meramente ao sentido do Ser
na elaboração de suas formas de organização, especialmente no tocante à criação
das leis, a ética não se realizará, dando lugar à indiferença, à intolerância e à
violência.
Ante essa realidade que revela o predomínio de idéias totalizantes e de suas
consequências: dominação, morte, guerra e destruição, o pensamento de Lévinas
aparece como uma crítica atual e essencial à sociedade contemporânea e, ainda,
como uma possível alternativa de mudança, de transformação.
Tendo construído um pensamento crítico à “egologia” sobre a qual a
filosofia ocidental erigiu suas bases, Lévinas se opõe veementemente à totalização
do Ser e convida seus leitores a uma mudança de referencial onde o Eu sede lugar
ao outro.
Propõe ele que, na abertura, através da sensibilidade, do Eu ao outro, na
saída do em-si-mesmo, é que o sujeito, o homem, se torna responsável pelo seu
próximo e encontra o seu próprio sentido, realizando a justiça.
A partir da abertura do Eu ao Rosto do outro, na concretização da relação da
ética da alteridade levinasiana, é possível vislumbrar uma possibilidade de
superação da barbárie e da inumanidade da civilização contemporânea.
Em outras
palavras, a remoção do totalitarismo impregnado na sociedade atual passa pela
necessária transformação da subjetividade totalitária.
Tendo em mente a originalidade e a profundidade da concepção de Lévinas,
que situa a ética como filosofia primeira e a abertura, o acolhimento e a
responsabilidade do Eu perante o outro como irrestritos e pré-reflexivos, pode-se
pensar em uma sociedade humanista.
O convite de Lévinas é para a superação da dimensão meramente profética
do dever que o Eu tem, de assumir sua responsabilidade pelo outro e pelos outros
– comportamentos até então impostos ou pela racionalidade, ou pela religião ou
pela mística – e pela real concretização do sentido do humano que, segundo ele, se
dá no acolhimento, na responsabilização pelo próximo.
Apesar da proposta levinasiana conter uma exigência – a do acolhimento do
outro – ressoa também como uma saída para essa sociedade em crise, edificada sobre a guerra, sustentada na dominação e na “banalização do mal”, frutos do
fechamento do homem em si-mesmo.
Para Lévinas, o resgate da humanidade passa pela assunção de
responsabilidade incondicional do Eu pelo outro, vez que diante de uma
subjetividade centrada na auto-realização e propiciadora de uma sociedade
ególatra, a organização através de leis e a prática de atos de benevolência não têm
se demonstrado suficientes.
Na ótica levinasiana, é importante destacar, que a benevolência, amplamente
aceita e apregoada na atualidade, é caracterizada como mera forma de manutenção
do Eu-em-si-próprio e de distanciamento daquilo que lhe é exterior, diferente, que
é outro; primeiramente porque o Eu pode escolher a quem ajudar, e em segundo
lugar, porque obterá a satisfação decorrente da gratidão de quem foi ajudado.
Lévinas diz ser a responsabilidade perante o outro condição da subjetividade
como dever e obrigação incondicional e pré-reflexiva, e ainda, como caminho
para reencontro do Eu, mas não de um Eu ontológico e dominador, mas de um Eu
que se orienta em Ser-para-o-outro.
Trata-se de uma responsabilidade que não
decorre da intencionalidade ou da expansão do Ser sobre o Eu, mas de uma
responsabilidade que surge na relação Eu-outro permitindo a este continuar sendo
ele próprio, ou seja, não objeto de totalização ou reducionismo.
É importante esclarecer que para Lévinas o que há de humano no homem
começa com a responsabilidade pelo outro, na relação de alteridade e não de
identidade, onde o Eu se refere a si mesmo.
Dessa idéia de sociedade, de responsabilidade pelo outro e pelos outros que
se apresentam como terceiros no pensamento de Lévinas, surge a noção de justiça,
que se expressa como uma responsabilidade incondicional, infinita e irrecusável
do Eu para com todos os seres humanos.
Trata-se de um estado de
responsabilidade que surge no interior do Eu, em sua intimidade, e que exige a
saída dele do egoísmo, do isolamento, do individualismo, conduzindo a
humanidade à sua essência solidária e fraterna.
A partir da responsabilidade decorrente da sensibilidade do Eu, surge a
possibilidade de construção de uma nova humanidade, direcionada, estruturada e
sustentada na vida, na liberdade, na verdade e na paz.
Contrariamente à proposta de coexistência pacífica do mundo
contemporâneo, erigida no poder do vencedor, Lévinas apresenta como proposta de paz a ética da alteridade que permite uma convivência afetiva na medida que
as pessoas se abrem para acolher uma às outras na bondade sem limites.
O trabalho de Lévinas, portanto, denuncia a violência entre os homens e
apresenta a ética da alteridade como o recurso possível à realização do sentido
profundo do humano.
Através do sentir, ao defrontar-se com o Rosto do outro, o
Eu torna-se por ele responsável e, na concretização da ética da alteridade, se
reencontra; ou seja, através da sensibilidade se torna possível o reencontro de cada
indivíduo com a sua individualidade e não com o seu individualismo.
Destruindo a concepção de humano da sociedade contemporânea, que para
Lévinas não passa de uma criação do Ser fechado em si-mesmo, sugere que a
humanidade verdadeira encontra raízes na ética, que conduz o homem a
compreender que a responsabilidade do Eu para com o outro constitui a essência
da vida humana.
O pensamento de Lévinas contribui para uma revisão tanto da vida em
sociedade quanto da vida individual, nesta porque aponta para um caminho que
rompe com o egoísmo, o individualismo e a solidão, naquela porque impede a
dominação e a subjugação entre seres humanos.
Impende ressaltar que o homem da modernidade se constituiu a partir da
busca da autonomia, rejeitando e contestando tudo que lhe era exterior, partindo e
retornando sempre a si-mesmo, em busca da satisfação pessoal concretizada na
posse, na conquista e na preservação daquilo que já tinha alcançado.
Esse homem ainda se faz presente na contemporaneidade e acredita que ser
humano é defender seus direitos, é conquistar – seja sucesso, seja dinheiro, seja
poder... – é se firmar por si mesmo, fechando os olhos a tudo que lhe é exterior.
Emmanuel Lévinas questiona esse sujeito, pois verificou que o homem que
se fecha em-si-mesmo, na insensibilidade e na totalidade do Eu, ou seja, que se
nega a perceber o outro, impede a própria condição humana. Para ele, o que faz
do ser um humano é a assunção de responsabilidade pelo outro ser.
Diante do Rosto do outro que interpela o Eu, duas atitudes são possíveis: ou
o Eu se expande e domina o outro, revelando sua indiferença ante a súplica de
acolhimento do outro, consagrando o império da autonomia do Eu; ou o Eu
acolhe o outro na sua alteridade, tornando-se por ele responsável.
A pergunta que
surge é: A qual das duas deve se dar o nome de justiça?
Segundo Lévinas, somente na segunda hipótese, onde aparece a
responsabilidade do Eu para com o outro é que a justiça encontra espaço e
oportunidade para se realizar.
Disso decorre que, para o referido autor, todas as
modernas teorias da justiça, uma vez que assentadas eminentemente na
autonomia, não são capazes de concretizá-la.
Justiça e ética são associadas em razão da alteridade e da sociabilidade no
pensamento levinasiano.
Quando se rompe com as barreiras conceituais advindas
da ontologia como filosofia primeira, surge a perspectiva do cuidado do Eu para
com o outro e com os outros, portanto, da eticidade que acolhe e promove a
justiça e a paz.
Lévinas convida a uma reflexão sobre as relações intersubjetivas
resguardando a individualidade do Eu de uma ordem totalizadora através da ética
da alteridade.
Para se falar em justiça não se pode raciocinar tendo por parâmetro uma
filosofia que reduz o outro ao Eu, que conceitua o outro a mera categoria da
massificação ou do não-Ser.
E, segundo Lévinas, a justiça fundada na razão, em
última análise é uma justiça do Eu, incapaz de suportar, tolerar e muito menos
ainda, acolher a diferença, o outro.
É preciso estar sob a luz da ética – que não é a
ética derivada da ontologia, da filosofia política ou da filosofia do direito – mas a
ética decorrente da relação primordial Eu-outro, a ética da alteridade.
Fato é que as orientações e os fundamentos das relações entre os seres
humanos precisam ser revistos na contemporaneidade, especialmente porque as
evoluções técnico-científicas não corresponderam aos anseios dos homens
contemporâneos.
Nesse âmbito, a contribuição de Lévinas de uma reflexão da justiça a partir
da ética da alteridade revela a crise da justiça como valor absoluto dos sistemas
juridicamente encarregados de dizer o que é justo e se apresenta como uma
alternativa para concretização do respeito ao outro, ao diferente, a não exclusão.
O
pensamento de Lévinas, estruturado a partir da ética da alteridade possibilita a
revisão crítica da tradição retributiva do direito, um proceder tendecioso à
totalização, a estigmatização e a eliminação do convívio social.
Justiça e ética caminham juntas. Para ser ético é preciso ser justo,
responsável pelo Outro.
Rompe, portanto, Emmanuel Lévinas com a tradição de se pensar a justiça
como uma forma de adequar a realidade ao pensado e introduz o conceito de
justiça como o dever de pensar a realidade tornando-a justa e real a partir da ética
da alteridade.
É fato que quando falamos de justiça admitimos, concomitantemente, a
presença de instituições como o Estado e o Direito.
Mas ante uma justiça fundada
na ética da alteridade essas instituições servem para resguardar a essencialidade
da não violência na forma da responsabilidade de uns pelos outros, quem sabe, de
uma justiça restaurativa.