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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Sambódromo,no Rio, faz 30 anos: relembre os bastidores



Em seu primeiro mandato como governador do Rio de Janeiro (1983-1986) Leonel Brizola constrói o Sambódromo, hoje Passarela Darcy Ribeiro, com o objetivo de institucionalizar espaço próprio para grandes eventos, além do próprio carnaval, abrigando ainda no seu interior 260 salas de aula, atendendo cerca de 1000 alunos em período integral, e um Centro de Demonstração para treinamento e reciclagem do magistério estadual do RJ. A obra tinha por objetivo acabar com os gastos que anualmente eram efetuados na montagem e desmontagem da estrutura do carnaval.

Este projeto do governo Brizola sofreu grande oposição por parte da Rede Globo, transmissora do Carnaval e que se recusou a transmitir o primeio ano de desfiles na avenida.

Depoimento de Oscar Niemeyer, arquiteto do Sambódromo (Passarela Darcy Ribeiro):
"Governador do Estado do Rio de Janeiro, Brizola me convocou novamente: queria construir os Cieps e o Sambódromo, o que, apesar do ambiente desfavorável em que vivíamos, juntamente com Darcy Ribeiro e José Carlos Sussekind, acabou concluindo com o maior êxito.

Como foi difícil para ele essa tarefa! Contra a realização do Sambódromo tudo foi tentado. Diziam que o tempo era curto demais, que a época das chuvas chegava e até para um riacho, que afirmavam correr por baixo das arquibancadas projetadas, apelavam. Nada o demoveu. Inflexível, Brizola tudo fez no curto prazo que tinha pela frente.

O Sambódromo está construído - a grande festa popular que os nossos irmãos mais pobres lhe devem e de que os mais ricos, inclusive os que o criticavam, usufruem até hoje".


BRIZOLA    x   Dr. ROBERTO     
Sambódromo da Marquês de Sapucaí, construído em 10 meses (Foto: Google)
     Sambódromo da Marquês de Sapucaí, construído em 10 meses (Foto: Google)


Assistia à transmissão da apuração do Carnaval do Rio, quando a televisão mostrou uma bela imagem da praça da apoteose, onde está, realmente, a marca do saudoso arquiteto Oscar Niemeyer: aquele “M” arredondado parecendo a marca do Mc Donald’s. Você saberia  o significado daquela marca?

 –  Aquele  “M” foi uma homenagem enrustida do governador Brizola à Rede Manchete,  para irritar a Rede Globo, do arquiinimigo Roberto Marinho. A Minas Gerais, o governador Leonel Brizola homenageou às claras, dando o nome oficial do Sambódromo da Marquês de Sapucaí o nome oficial do professor mineiro Darcy  Ribeiro, de quem era amigo íntimo.

Até 1983, os desfiles das escolas de samba eram realizados em instalações provisórias e o custo de instalação das arquibancadas, além de não seguir processos licitatórios formais, encarecia o espetáculo. Isso tudo inviabilizava dar um salto de qualidade para tornar o evento mundialmente conhecido como um evento belo, e principalmente, organizado.

Em 1983 o recém empossado Leonel Brizola, guardava um ódio das empresas empreiteiras que, segundo suspeita teriam financiado irregularmente candidaturas concorrentes ao governo do estado (possivelmente as de Moreira Franco e Miro Teixeira), além disso a Rede Globo era seu alvo preferido após a descoberta do plano Proconsult que evitava sua vitória nas eleições de 82, diante de tudo isso a prioridade dada ao secretário da cultura (Darcy Ribeiro) era a de acabar com a mamata dos carnavais anteriores, e colocar tudo num patamar de profissionalismo que vemos hoje.

Nas eleições de 1982, vencida por Brizola para governador do Estado do Rio, houve grande confusão na apuração. Muito esperto, Leonel Brizola chamou a imprensa estrangeira para denunciar. Resultado: ganhou um aliado para fiscalizar a contagem dos votos. Consumada a vitória dele, assumiu em
O falecido Brizola em entrevisa coletiva    (Foto: Google)
O falecido Brizola em entrevisa coletiva
(Foto: Google)

março de 1983 e sob a batuta de Niemeyer conseguiu erguer o Sambódromo em 10 meses e deu exclusividade de transmissão do primeiro carnaval na nova passarela à Rede Manchete.
O jornalista Roberto Marinho
O jornalista Roberto Marinho

Claro que seria mais um pepino que o Dr. Roberto e Brizola entregariam para a justiça dar a palavra final. O governador e a Rede Manchete ganharam a demanda. Funcionários da Globo de todo  País foram convocados para reforçar o time do Fantástico no domingo de Carnaval daquele ano – 1984. Institutos de Opinião a postos para aferir a audiência das televisões brasileiras naquela noite e nos outros dias de Carnaval, veio a grande surpresa: a TV Globo Rio perdeu para a Manchete.

Bastidores:

À Rede Manchete caberia a felicidade de exibir com exclusividade o desfile, pois a TV Globo se mostrou desinteressada em desistir de sua programação normal em favor da transmissão do carnaval, alegando que não tinha condições técnicas para operar na Passarela do Samba durante dois dias. Havia também o fator político, pois a visibilidade do governador do Estado não interessava ao dono da emissora. No entanto, com os patrocínios anunciados pela Manchete, a Globo tentou reverter a situação às vésperas do carnaval, mas a emissora de Adolpho Bloch bateu o pé, justificando que havia um contrato de exclusividade, e que seus anunciantes já haviam pago por ele.

Montando uma equipe de comentaristas de primeiro nível e muito bem preparada tecnicamente, a TV Manchete se fez presente também no desfile de sexta-feira, dia 2 de março de 1984, quando a Passarela foi oficialmente inaugurada com a apresentação das escolas do Grupo 1B. Além de uma cabine central, comandada por Fernando Pamplona, Sérgio Cabral, Haroldo Costa, Albino Pinheiro, Juvenal Portela, José Carlos Rêgo e Maria Augusta, a emissora montou uma estrutura na Apoteose, onde quatro comentaristas (Adelzon Alves, Renato Sérgio, Aílton Escobar e Geraldo Carneiro) davam suas impressões sobre a ocupação das escolas naquele novo espaço, já que ali havia sessenta pontos em julgamento. O sucesso da transmissão seria tão grande que a vitória sobre a Globo no Ibope chegaria a ter picos de 61% a 2% no Grande Rio. (Do SambaRioCarnaval)


Do Conversa Afiada:

A Globo dizia
que o Sambódromo ia cair

Sai hoje o “Bloco do 12″ nos 30 anos do Sambódromo !
 
 
 
Niemeyer explica a Brizola que, apesar do jornal nacional, o Sambódromo ia ficar de pé ...

O Conversa Afiada reproduz convocação de Oswaldo Maneschy, fiel brizolista.

Como se sabe, 30 anos atrás, o Brizola entregou a cobertura exclusiva do primeiro desfile das escolas de samba no Sambódromo à TV Manchete, para desespero do Roberto Marinho.

Ah, que saudades do Brizola !

(Como se sabe, quando não há desfile, há salas de aula de um Brizolão no Sambódromo …

Bloco do 12, o bloco que faz

escola, sai hoje no Centro



Leonel Brizola e os 30 anos de fundação da passarela do samba serão lembrados nesta sexta-feira (28/2) por iniciativa dos pedetistas do Rio de Janeiro, no “Bloco do 12, o Bloco que Faz Escola” que vai animar o Carnaval no Centro da cidade a partir do meio-dia – com concentração no Largo Albino Pinheiro, entre o prédio da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini, o Teatro João Caetano e o Real Gabinete de Leitura Português.

A homenagem a Brizola, Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer pela construção do sambódromo, será animada pelos integrantes da bateria da escola de samba Estácio de Sá e um trio elétrico.

Quando Brizola construiu o sambódromo, com o objetivo de ser também uma grande escola o ano inteiro, houve intensa campanha dos que a ele se opunham – dizendo que a passarela do samba ia cair, que não teria visibilidade para o desfile, que a sonorização não seria possível, etc. Ele foi construído no prazo recorde de 110 dias dando dignidade e grandiosidade ao desfile das escolas de samba e acabou definitivamente com o monta e desmonta das arquibancadas tubulares, fonte de corrupção, usadas durante anos.

No carnaval daquele ano, 1984, Darcy Ribeiro também introduziu várias mudanças, a principal delas a divisão do desfile das escolas do primeiro grupo em dois dias – para tornar o espetáculo melhor e menos cansativo para espectadores e participantes.

A participação no Bloco do 12 nesta sexta é livre, quem quiser pode se juntar na homenagem ao criador do sambódromo e fundador do PDT. Além de músicas de carnaval, será executado também samba especialmente composto para lembrar os 30 anos de fundação do sambódromo, de autoria de Reginaldo Bessa e Jacques Galinkin.

Veja o vídeo dos 30 anos do sambódromo

https://www.youtube.com/watch?v=Ik9CNSb-a3k&feature=player_embedded

 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Darcy Ribeiro: um vulcão de ideias

Darcy Ribeiro, paixão pelos índios e pela escola pública

Por Tamára Baranov - Rio Claro/SP


  • “Dediquei a vida aos índios, à minha paixão por eles e também à escola pública. Minha vida é feita de projetos impessoais para passar o Brasil a limpo, porque o Brasil é máquina de gastar gente. Gastou seis milhões de índios e o equivalente de negros. Para eles? Não! Para adoçar a boca do europeu com açúcar, para enriquecer uns poucos. O povo foi gasto como carvão neste país bruto”.
Darcy Ribeiro
(Montes Claros, Minas Gerais, 26 de outubro de 1922 - Brasília, Distrito Federal, 17 de fevereiro de 1997)
Educador, sociólogo, etnólogo, poeta, romancista, antropólogo, político, ativista, fundador de universidades, Darcy Ribeiro é um dos mais notáveis intelectuais do Brasil. Abandonou o curso de Medicina e matriculou-se na Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Formado, dedicou seus primeiros anos de vida profissional ao estudo dos índios do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia. Trabalhou com o Marechal Rondon no Serviço de Proteção aos Índios. Neste período fundou o Museu do Índio e ajudou a criar o Parque Indígena do Xingu. Foi o primeiro reitor da Universidade de Brasília e Ministro da Educação e Cultura do governo João Goulart. Exilou-se após o golpe de 1964. Anistiado associou-se a Leonel Brizola, para reorganizar o Partido Trabalhista Brasileiro. Como vice-governador do Rio de Janeiro e coordenador do Programa Especial de Educação, criou os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) e as Casas da Criança.
Como senador em 1990, foi relator do anteprojeto aprovado da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), que passou a ser conhecida como Lei Darcy Ribeiro. E vários outros projetos, entre eles, uma lei de trânsito para defender os pedestres contra a selvageria dos motoristas; uma lei dos transplantes que, invertendo as regras vigentes, tornou possível usar órgãos dos mortos para salvar os vivos; uma lei contra o uso vicioso da cola de sapateiro que envenena e mata milhares de crianças. Colaborou na criação do Memorial da América Latina, edificado em São Paulo com projeto de Oscar Niemeyer. E mereceu títulos de Doutor Honoris Causa da Sorbonne e das Universidades de Montevidéu, Copenhague e da Venezuela. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Darcy era alegre e de bom humor, mas não era suficiente para afogar a angústia de suas decepções ou fracassos.
  • Uma co-produção da GNT e TV Cultura, idealizado e dirigido por Isa Grinspum Ferraz, o documentário ‘O Povo Brasileiro’ conta com a participação de Chico Buarque, Tom Zé, Paulo Vanzolini, Gilberto Gil, entre outros. A série, dividida em 10, recria a narrativa de Darcy Ribeiro em linguagem televisiva e discutem a nossa formação como povo. Trata-se da obra final do autor publicada antes de sua morte e nela Darcy Ribeiro estabelece 5 "brasis" distintos: o Brasil sertanejo; o Brasil crioulo; o Brasil caboclo; o Brasil caipira; o Brasil sulino. Em 1995, lendo os primeiros capítulos dos originais de ‘O Povo Brasileiro’, Isa Grinspum Ferraz sugeriu a Darcy Ribeiro, com quem colaborou por 13 anos, que contasse aquela história para mais gente, em programas de televisão. Apesar de já muito doente, Darcy aceitou a provocação e, por quatro dias, tornou-se ator de um grande depoimento sobre a nossa formação cultural.

  1. Darcy Ribeiro - Documentário "O povo brasileiro" completo (1995 ...

    www.youtube.com/watch?v=aTHpzqiWo-g
    Baseada na obra homônima de Darcy Ribeiro, esta película conta-nos a história de 500 anos da formação  do povo brasileiro.
 


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Darcy Ribeiro explica a desvantagem histórica do negro em relação ao branco

   (Negros libertos em Porto Alegre, em 1985. Foto de Herr Colembuscg. Acervo Ronaldo Bastos)

Por Cynara Menezes

Uma das maiores balelas do discurso anti-cotas no Brasil é que as políticas de ação afirmativa não se justificam porque “todos são iguais perante à lei”. Iguais como, se uns saíram na frente, com séculos de vantagem, em relação ao outro? As cotas vieram justamente para ser uma ponte sobre o fosso histórico entre negros e brancos. Para dar aos negros condições de alcançarem mais rápido esta “igualdade” que alguns insistem que já existe.

Ninguém melhor do que o antropólogo Darcy Ribeiro para explicar como esta “igualdade” de condição nada mais é do que uma falácia por parte de quem, no fundo, deseja perpetuar as desigualdades raciais em nosso país. Os trechos que selecionei são do livro O O Povo Brasileiro (Companhia das Letras), cuja leitura recomendo fortemente. Deveria ser obrigatório em todas   as escolas. Atentem para um detalhe: reconheçam no texto de Darcy os futuros meninos de rua.
E viva o Dia da Consciência Negra!
***
Por Darcy Ribeiro
CLASSE E RAÇA
A distância social mais espantosa no Brasil é a que separa e opõe os pobres dos ricos. A ela se soma, porém, a discriminação que pesa sobre negros, mulatos e índios, sobretudo os primeiros.
Entretanto, a rebeldia negra é muito menor e menos agressiva do que deveria ser. Não foi assim no passado. As lutas mais longas e cruentas que se travaram no Brasil foram a resistência indígena secular e a luta dos negros contra a escravidão, que duraram os séculos do escravismo. Tendo início quando começou o tráfico, só se encerrou com a abolição.
Sua forma era principalmente a da fuga, para a resistência e para a reconstituição de sua vida em liberdade nas comunidades solidárias dos quilombos, que se multiplicaram aos milhares. Eram formações protobrasileiras, porque o quilombola era um negro já aculturado, sabendo sobreviver na natureza brasileira, e, também, porque lhe seria impossível reconstituir as formas de vida da África. Seu drama era a situação paradoxal de quem pode ganhar mil batalhas sem vencer a guerra, mas não pode perder nenhuma. Isso foi o que sucedeu com todos os quilombos, inclusive com o principal deles, Palmares, que resistiu por mais de um século, mas afinal caiu, arrasado, e teve o seu povo vendido, aos lotes, para o sul e para o Caribe.
Mas a luta mais árdua do negro africano e de seus descendentes brasileiros foi, ainda é, a conquista de um lugar e de um papel de participante legítimo na sociedade nacional. Nela se viu incorporado à força. Ajudou a construí-la e, nesse esforço, se desfez, mas, ao fim, só nela sabia viver, em função de sua total desafricanização. A primeira tarefa do negro brasileiro foi a de aprender a falar o português que ouvia nos berros do capataz. Teve de fazê-lo para poder comunicar-se com seus companheiros de desterro, oriundos de diferentes povos. Fazendo-o, se reumanizou, começando a sair da condição de bem semovente, mero animal ou força energética para o trabalho. Conseguindo miraculosamente dominar a nova língua, não só a refez, emprestando singularidade ao português do Brasil, mas também possibilitou sua difusão por todo o território, uma vez que nas outras áreas se falava principalmente a língua dos índios, o tupi-guarani.
Calculo que o Brasil, no seu fazimento, gastou cerca de 12 milhões de negros, desgastados como a principal força de trabalho de tudo o que se produziu aqui e de tudo que aqui se edificou. Ao fim do período colonial, constituía uma das maiores massas negras do mundo moderno. Sua abolição, a mais tardia da história, foi a causa principal da queda do Império e da proclamação da República. Mas as classes dominantes reestruturaram eficazmente seu sistema de recrutamento da força de trabalho, substituindo a mão de obra escrava por imigrantes importados da Europa, cuja população se tornara excedente e exportável a baixo preço.
(…)
O negro, sentindo-se aliviado da brutalidade que o mantinha trabalhando no eito, sob a mais dura repressão –inclusive as punições preventivas, que não castigavam culpas ou preguiças, mas só visavam dissuadir o negro de fugir– só queria a liberdade. Em consequência, os ex-escravos abandonam as fazendas em que labutavam, ganham as estradas à procura de terrenos baldios em que pudessem acampar, para viverem livres como se estivessem nos quilombos, plantando milho e mandioca para comer. Caíram, então, em tal condição de miserabilidade que a população negra reduziu-se substancialmente. Menos pela supressão da importação anual de novas massas de escravos para repor o estoque, porque essas já vinham diminuindo há décadas. muito mais pela terrível miséria a que foram atirados. não podiam estar em lugar algum, porque cada vez que acampavam, os fazendeiros vizinhos se organizavam e convocavam forças policiais para expulsá-los, uma vez que toda a terra estava possuída e, saindo de uma fazenda, se caía fatalmente em outra.
As atuais classes dominantes brasileiras, feitas de filhos e netos de antigos senhores de escravos, guardam, diante do negro, a mesma atitude de desprezo vil. Para seus pais, o negro escravo, o forro, bem como o mulato, eram mera força energética, como um saco de carvão, que desgastado era facilmente substituído por outro que se comprava. Para seus descendentes, o negro livre, o mulato e o branco pobre são também o que há de mais reles, pela preguiça, pela ignorância, pela criminalidade inatas e inelutáveis. Todos eles são tidos consensualmente como culpados de suas próprias desgraças, explicadas como características da raça e não como resultado da escravidão e da opressão. Essa visão deformada é assimilada também pelos mulatos e até pelos negros que conseguem ascender socialmente, os quais se somam ao contingente branco para discriminar o negro-massa.
A nação brasileira, comandada por gente dessa mentalidade, nunca fez nada pela massa negra que a construíra. Negou-lhe a posse de qualquer pedaço de terra para viver e cultivar, de escolas em que pudesse educar seus filhos, de qualquer ordem de assistência. Só lhes deu, sobejamente, discriminação e repressão. Grande parte desses negros dirigiu-se às cidades, onde encontraram, originalmente, os chamados bairros africanos, que deram lugar às favelas. Desde então, elas vêm se multiplicando, como a solução que o pobre encontra para morar e conviver. Sempre debaixo da permanente ameaça de serem erradicados e expulsos.
(…)
BRANCOS VERSUS NEGROS
Examinando a carreira do negro no Brasil, se verifica que, introduzido como escravo, ele foi desde o primeiro momento chamado à execução das tarefas mais duras, como mão-de-obra fundamental de todos os setores produtivos. Tratado como besta de carga exaurida no trabalho, na qualidade de mero investimento destinado a produzir o máximo de lucros, enfrentava precaríssimas condições de sobrevivência. Ascendendo à condição de trabalhador livre, antes ou depois da abolição, o negro se via jungido a novas formas de exploração que, embora melhores que a escravidão, só lhe permitiam integrar-se na sociedade e no mundo cultural, que se tornaram seus, na condição de um subproletariado compelido ao exercício de seu antigo papel, que continua sendo principalmente o de animal de serviço.
Enquanto escravo poderia algum proprietário previdente ponderar, talvez, que resultaria mais econômico manter suas “peças” nutridas para tirar delas, a longo termo, maior proveito. Ocorreria, mesmo, que um negro desgastado no eito tivesse oportunidade de envelhecer num canto da propriedade, vivendo do produto de sua própria roça, devotado a tarefas mais leves requeridas pela fazenda. Liberto, porém, já não sendo de ninguém, se encontrava só e hostilizado, contando apenas com sua força de trabalho, num mundo em que a terra e tudo o mais continuava apropriada. Tinha de sujeitar-se, assim, a uma exploração que não era maior que dantes, porque isso seria impraticável, mas era agora absolutamente desinteressada do seu destino. Nessas condições, o negro forro, que alcançara de algum modo certo vigor físico, poderia, só por isso, sendo mais apreciado como trabalhador, fixar-se nalguma fazenda, ali podendo viver e reproduzir. O débil, o enfermo, o precocemente envelhecido no trabalho, era simplesmente enxotado como coisa imprestável.
Depois da primeira lei abolicionista –a Lei do Ventre Livre, que liberta o filho da negra escrava–, nas áreas de maior concentração da escravaria, os fazendeiros mandavam abandonar, nas estradas e nas vilas próximas, as crias de suas negras que, já não sendo coisas suas, não se sentiam mais na obrigação de alimentar. Nos anos seguintes à Lei do Ventre Livre (1871), fundaram-se nas vilas e cidades do Estado de São Paulo dezenas de asilos para acolher essas crianças, atiradas fora pelos fazendeiros. Após a abolição, à saída dos negros de trabalho que não mais queriam servir aos antigos senhores, seguiu-se a expulsão dos negros velhos e enfermos das fazendas. Numerosos grupos de negros concentraram-se, então, à entrada das vilas e cidades, nas condições mais precárias. Para escapar a essa liberdade famélica é que começaram a se deixar aliciar para o trabalho sob as condições ditadas pelo latifúndio.
Com o desenvolvimento posterior da economia agrícola de exportação e a superação consequente da auto-suficiência das fazendas, que passaram a concentrar-se nas lavouras comerciais (sobretudo no cultivo do café, do algodão e, depois, no plantio de pastagens artificiais), outros contingentes de trabalhadores e agregados foram expulsos para engrossar a massa da população residual das vilas. Era agora constituída não apenas de negros, mas também de pardos e brancos pobres, confundidos todos como massa dos trabalhadores “livres” do eito, aliciáveis para as fainas que requeressem mão-de-obra. Essa humanidade detritária predominantemente negra e mulata pode ser vista, ainda hoje, junto aos conglomerados urbanos, em todas as áreas do latifúndio, formada por braceiros estacionais, mendigos, biscateiros, domésticas, cegos, aleijados, enfermos, amontoados em casebres miseráveis. Os mais velhos, já desgastados no trabalho agrícola e na vida azarosa, cuidam das crianças, ainda não amadurecidas para nele engajar-se.
(…)
Assim, o alargamento das bases da sociedade, auspiciado pela industrialização, ameaça não romper com a superconcentração da riqueza, do poder e do prestígio monopolizado pelo branco, em virtude da atuação de pautas diferenciadoras só explicadas historicamente, tais como: a emergência recente do negro da condição escrava à de trabalhador livre; uma efetiva condição de inferioridade, produzida pelo tratamento opressivo que o negro suportou por séculos sem nenhuma satisfação compensatória; a manutenção de critérios racialmente discriminatórios que, obstaculizando sua ascensão à simples condição de gente comum, igual a todos os demais, tornou mais difícil para ele obter educação e incorporar-se na força de trabalho dos setores modernizados. As taxas de analfabetismo, de criminalidade e de mortalidade dos negros são, por isso, as mais elevadas, refletindo o fracasso da sociedade brasileira em cumprir, na prática, seu ideal professado de uma democracia racial que integrasse o negro na condição de cidadão indiferenciado dos demais.
Florestan Fernandes assinala que “enquanto não alcançarmos esse objetivo, não teremos uma democracia racial e tampouco uma democracia. Por um paradoxo da história, o negro converteu-se, em nossa era, na pedra de toque da nossa capacidade de forjar nos trópicos esse suporte da civilização moderna”.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Darcy Ribeiro: brasileiro e desenvolvimentista

Se ainda estivesse vivo teria completado 91 anos, no dia 26 de outubro passado. Vamos relembrar um pouco da sua trajetória de vida:

Darcy Ribeiro foi um antropólogo, escritor e político brasileiro conhecido por seu foco em relação aos índios e à educação no país.

Nascimento: 26 de outubro de 1922, Montes Claros, Minas Gerais
Falecimento: 17 de fevereiro de 1977, Brasília

Considerações sobre Darcy Ribeiro:
   

Darcy Ribeiro fez parte de uma geração de brasileiros que deixaram como marca uma engajada militância em torno de um projeto diferente de país. 



Por Paulo Kliass (cartamaior.com.br):  
Arquivo
Se ainda estivesse vivo em 26 de outubro passado, Darcy Ribeiro teria completado 91 anos de idade. Lamentavelmente, porém, ele nos deixou em fevereiro de 1997, ainda com 74 anos. Uma grande perda, de alguém que deixou um expressivo legado para as futuras gerações, contribuições elaboradas ao longo de um vida de muita luta e de muita criação. Entre livros acadêmicos, romances e os resultados de sua ação na esfera política e governamental, o mestre plantou sementes essenciais para a conformação da brasilidade.







 
Darcy é autor de algumas dezenas de livros. Mas muitos analistas consideram “O povo brasileiro”, publicado em 1995, como sua obra síntese. Ali ele busca as raízes da formação popular da nacionalidade e, na tradição do pensamento crítico, os vetores básicos para a construção de um projeto desenvolvimentista inclusivo e soberano. Algo que ele chamava, com graça e vigor, de “socialismo moreno”.

 
Por Eric Nepomuceno:
(cartamaior.com.br)
Arquivo
Descalço.

Darcy Ribeiro, até nisso, foi embora como viveu. Chegava em casa e tirava os sapatos. Dizia que era por causa de seu sangue índio. Eu sempre achei que não: que era para sentir o chão nos pés.

Muito diferente que sentir os pés no chão: sentir o chão nos pés, porque era aquele chão, o da realidade, que ele quis mudar, transformar, como quis transformar o Brasil e a América Latina. O mundo.

  



Também assim quero me lembrar de Darcy Ribeiro para sempre. Também assim: Darcy acreditando profundamente na capacidade transformadora do bicho humano, rejeitando limites, desafiando barreiras, convocando desafios. Não era homem de sonhar com pouco. Sonhava grande, e se lançava aos sonhos para transformá-los em realidade e assim, mudar essa realidade que estava ali, cercando, imposta.
   
E lembrar também o que ele disse certo dia de santa ira e lúcida rebelião: “Na América Latina só temos duas saídas: ser resignados, ou ser indignados; e eu não vou me resignar nunca”.

Não fez outra coisa na vida além de traduzir essa frase-guia em cada ato, cada ousadia, cada sonho.



Frases de Darcy Ribeiro:

 ¨O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso¨.
          Darcy Ribeiro
 

        “Fracassei em tudo o que tentei na vida.
         Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
         Tentei salvar os índios, não consegui.
         Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
         Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
         Mas os fracassos são minhas vitórias.
         Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu"
         Darcy Ribeiro
 
Arquivo
“Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando, lutando como um cruzado pelas causas que me comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolaridade das crianças, a reforma agrária...”

Darcy Ribeiro no livro Testemunho (Ed. Apicuri)