segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Ano novo, luta nova


Ano novo, luta nova

 João Paulo Cunha   (Brasil de Fato)

 "É importante recuperar toda a tradição de resistência das esquerdas e dos movimentos populares"

 Forças sociais precisam ganhar corpo na unidade das lutas.  Em tempo de balanço e mensagens necessárias de esperança, nada melhor que renovar os votos de resistência. É uma forma de não capitular diante do que vem por aí. O fim do ano carrega com ele a certeza que a democracia precisará de muita disposição para a luta.
O primeiro dia do ano que se avizinha, com a já anunciada cerimônia de posse do presidente eleito marcada por militarismo e desconfiança será o marco zero de uma nova etapa política para os defensores da democracia. Que já chega embalada em vexame duplo: a barbeiragem diplomática em desconvidar nações amigas da região e a esnobada do presidente Trump em participar da festa montada por acólitos mirins.

 Antes mesmo da parada militar que vai inaugurar o novo momento, o governo Bolsonaro já deixou claro como se moverá: extinção de direitos, escola sem crítica, política externa isolacionista e tosca, defesa dos interesses privatistas e financistas, fundamentalismo moral, militarização da sociedade e incentivo à violência.
A sanha prossegue nas áreas de saúde com a desmontagem do SUS, com a ideologização da justiça persecutória acima da Constituição, com a promessa de criminalização dos movimentos populares, com a entrega da questão ambiental e indígena aos interesses das mineradoras e agronegócio.

 A lista completa de barbaridades pode ser conferida orgulhosamente nos veículos da chamada mídia profissional, com destaque, entre outros, para a reforma da previdência, para a retirada dos direitos trabalhistas que escaparam da primeira onda de terra arrasada promovida por Temer, para a desmontagem da comunicação pública e para o obscurantismo cultural e fanatismo fundamentalista.

Não se trata de um programa de governo, mas de uma estratégia determinada de extermínio das liberdades. E, exatamente pelo calibre da afronta à democracia e aos valores da civilização, se torna urgente preparar a reação popular, consequente e responsável com os destinos do país.

 O começo do novo ano e do novo governo precisa ser acompanhado de uma transformação no padrão crítico exercido até aqui. O jogo começa pra valer. E a reação não pode se fazer esperar apenas nas arenas consagradas da negociação política no Congresso, na disputa da opinião pública pelos canais convencionais, ou no campo do conflito clássico capital e trabalho. Há um patamar novo para um renovado conflito de classes.

A organização da resistência precisa ampliar o domínio tradicional, com uma estratégia que congregue várias frentes e focos de disputa. Afinal, a conquista do Executivo não se deu separada dos outros poderes da República. Bolsonaro não seria nada sem a presença orgânica de políticos eleitos, partidos fisiológicos, magistrados sem respeito às leis, policiais obtusos e promotores escatológicos. Operadores do direito e da direita. Tanto o Legislativo tem se mostrado entregue (e exercitou sua sabujice durante a campanha) como o Judiciário se prestou ao aparelhamento ideológico e populista, trocando a letra da lei pela conveniência da aprovação popular conduzida pelo moralismo punitivista.

Para completar, o quarto poder, a mídia comercial, cimentou o projeto antipopular com sua já conhecida habilidade de manipulação e defesa de interesses próprios, sob a capa de uma falsa racionalidade e interesse público.

 A reação democrática e popular impõe, para os primeiros dias de 2019, a ocupação de todos os espaços de contestação. Na oposição sistemática no Congresso, com a conjugação das forças progressistas. Na crítica consistente ao Judiciário partidarizado, congregando a ação por parte de juristas democráticos e suas representações profissionais e acadêmicas. Na construção de novos canais de expressão de todas as vozes sociais, num misto de crítica da mídia e construção de uma mídia crítica. Mas não basta.

É importante recuperar toda a tradição de resistência das esquerdas e dos movimentos populares. O enfrentamento deverá se dar em todas as vertentes: na luta sindical, nas organizações partidárias, nas ONGs, nos grupos voltados para questões específicas, na defesa das minorias, nas políticas setoriais, no contexto acadêmico, na criação cultural libertária e na imprensa.

A grande convocação contra o neofascismo é a pluralidade de ações. Desta forma, tem tanta importância o fortalecimento das frentes amplas como a mobilização em torno de temas como escola sem partido, luta antimanicomial, rádios livres, restrição do uso de venenos na agricultura, demarcação de terras indígenas, mobilidade e moradia, entre dezenas de outras.

 A refundação da esquerda não passa pela seletividade de táticas, mas pela necessidade urgente de ocupar todas as trincheiras ao mesmo tempo. O espectro das forças sociais precisa ganhar corpo na unidade das lutas. É preciso cuidar do quintal e do planeta. A capacidade de fazer conviver as grandes bandeiras estruturais com temas culturais e identitários desenha a pauta ambiciosa para a política em todas as dimensões. Esse propósito se torna ainda mais pungente com a interseção de formas de opressão, como as registradas contra as mulheres, negros e pessoas LGBTI, deve guiar os defensores da democracia e dos valores populares. O que já foi fragilidade, em sua dispersão, hoje é a única possibilidade de recuperar a força política.

 Entre os desafios estão a recuperação das tarefas de formação e o respeito à dinâmica dos movimentos em sua autonomia. O abandono do campo de preparação política e intelectual, em nome da conquista de espaços de poder institucional, cobra agora sua conta.

 O retorno às bases não é um movimento de recuo, mas de avanço real. Não se conquistam corações e mentes com mensagens verticais, mas com conhecimento e confiança. A emancipação é fruto do saber e da solidariedade. A esquerda não deveria ter abandonado sua vocação intelectual, sua disposição para o conhecimento crítico da realidade, sua capacidade de instaurar a práxis como união dialética entre teoria e prática. O consumo, já se sabe, não faz nada mais que consumidores insatisfeitos e egoístas.

 As palavras de ordem vazias abrem espaço para outras palavras de ordem, igualmente ocas de sentido. Não se trata de começar tudo de novo, mas de começar o novo. Ano novo, luta nova.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Jesus: um bebê pobre, visitado por pastores malcheirosos, por Mauro Lopes


Outras Palavras


Garota síria segura seu irmão, 2016, campo de refugiados de Indomeni, fronteira entre a Macedônia e Grécia, foto de Szymon Barylski

Jesus: um bebê pobre, visitado por pastores malcheirosos

Por Mauro Lopes
A expectativa quanto ao nascimento de Jesus Cristo alimentada por séculos em Israel foi completamente frustrada. Esperava-se um Messias -título do rei ideal esperado, que seria Ungido no Templo pelo sumo sacerdote. Nasceu um bebê pobre, em solidão, saudado apenas por uns pastores mal-cheirosos e vistos como suspeitos pela sociedade.]
É isto, exatamente, o que nos informam as duas principais leituras das missas e celebrações da noite de Natal dos católicos, anglicanos e de outras denominações -trechos dos livros do profeta  Isaías e do evangelista Lucas.
O tema do nascimento de Jesus não diz respeito apenas à história ou à fé. Ele lança luz sobre as diferentes visões de Jesus na sociedade. Os fundamentalistas cristãos são vinculados à expectativa alimentada em Israel e não ao relato que nos fazem os Evangelhos. Outra corrente de aparência “piedosa” alimentou durante séculos uma versão higienizada de um Jesus loiro e de olhos azuis que recomendava benemerência em vez de amor.
Nos tempos que escorrem, a versão fundamentalista tem consequências concretas -e dramáticas- pois transforma Jesus num “cruzado” cuja missão seria combater os “infiéis”: os muçulmanos, o candomblé, a umbanda, os comunistas e até os cristãos que não seguem sua cartilha.
O que nos informam os textos?
A primeira leitura (Isaías 9, 1-6) diz-nos que era esperado um menino ao qual estavam destinados os títulos de Conselheiro-maravilhoso, Deus-forte, Pai-para-sempre e Príncipe da Paz (Is 9, 5 -na versão da Bíblia de Jerusalém). Que títulos eram esses?  Eles integravam o protocolo para a coroação do faraó (rei) do Egito à época. Títulos de poder e riqueza, portanto.
Esperava-se um Messias em 736, ano desse trecho de Isaías, a livrar o Reino do Norte da ameça terrível que o rondava, o da invasão imperialista da Assíria -á época, Israel estava dividido em dois reinos, o do norte, Judá, e o do sul, Israel. A invasão acabaria acontecendo pouco depois. O texto referia-se à espera do filho do rei Acaz, capaz de livrar o reino do terror assírio,  e tornou-se uma das principais referências para o Messias ansiado ao longo dos séculos.
E Lucas? O texto lucano frauda completamente tal expectativa. A cena utilizada na liturgia do Natal é Lc 2, 1-14.
No trecho selecionado, descreve-se o nascimento de Jesus tendo como pano de fundo um fato de dimensões globais, o recenseamento “em todo o mundo habitado” (v.1), porção do planeta dominada por Roma, com objetivo de mensurar sua dimensão humana e estabelecer os parâmetros para a tributação.  Os historiadores negam que tal recenseamento tenha ocorrido -no máximo, teria havido à época uma contagem restrita à região da Judeia. O redator do Evangelho buscou, com a extrapolação, contrapor um fato de dimensões universais ao nascimento de um bebê pobre, escondido na periferia do império.
Em função da contagem da população, marido e mulher, grávida, foram a Belém, cidade da família de José. Chegaram na casa de parentes de José e como “não havia um lugar para eles na sala” (v.7), arrancharam-se  no estábulo. O menino nasceu e foi colocado no comedouro dos animais, a manjedoura forrada com palha.
O primeiro aspecto que chama atenção para a cena, além do ambiente de pobreza que em nada lembra o que seria razoável para o aguardado “Conselheiro-maravilhoso”, é a solidão completa de José, Maria e seu bebê. Pouco versículos antes, Lucas descrevera o nascimento de João, filho de Zacarias e Isabel, que se tornaria anos depois o Batista. Mãe, pai e filho foram cercados pela atenção, carinho e alegria dos “vizinhos e parentes” (Lc 1, 58). É um fato importante para o redator do Evangelho. Se não fosse, não estaria lá. Por isso, é impactante o contraste com o nascimento de Jesus. José e Maria estavam hospedados na casa de parentes. Mas ninguém foi ao estábulo para ver o beber e saudá-los. Sozinhos.
Quem aparece? A escória. Um grupo de pastores (v, 16) malcheirosos, vindos diretamente de sua atividade de lida com o rebanho. Quem eram os pastores no contexto da sociedade em Israel à época? Eram vistos como tipos mais que suspeitos, ladrões, enganadores e pecadores. Eram desconsiderados, ridicularizados pelos fundamentalistas de então (o grupo dos fariseus) porque não seguiam as prescrições da Torá -eram 613 regras! Vivendo no campo, ao relento, os pastores não obedeciam os rituais que regulavam a vida religiosa, social e legal do judaísmo.
Eram os perfeitos “zé-ninguém”. Como os pobres de hoje, em especial numa sociedade com as elites pautadas pelo sentimento escravocrata, como o caso brasileiro.
Pois é essa a gente que foi admirar e saudar a chegada do Menino pobre. A cena nada tem de idílica e adocicada, ao contrário das versões do cristianismo falsificado. Imagine o odor de um estábulo. Imagine agora o odor nesse estábulo quando adentra um grupo de pastores fedidos. Esta é a cena que está no texto -e não outra.
Eram gente como os sem terra, os sem teto, os refugiados, os pobres das periferias, os sem-nada do Brasil. Não possuíam direitos civis -pode parecer um escândalo esta frase, mas não é a situação dos sem nada atualmente? Um ditado rabínico popular à época dizia: “Nenhuma classe no mundo é tão desprezível quanto a classe dos pastores”. Não é este o sentimento das elites em relação aos sem terra, sem teto e outros? Não os consideram “vagabundos” e “desprezíveis”.
Como os ricos e poderosos reagiram ao nascimento de Jesus? Lucas não nos informa, mas no Evangelho de Mateus há uma descrição minuciosa (Mateus, 2, 1-18). Quem era, na sociedade judaica à época, o símbolo do poder e da emanação da riqueza? O rei Herodes. Não era o Trump (esse era Otávio Augusto, o imperador romano). Era alguém como um Bolsonaro.
Chegaram ao palácio de Herodes uns viajantes meio amalucados, astrólogos, que o texto designa como “magos”, afirmando que havia nascido “o rei dos judeus” (v.1). Herodes ficou “alarmado” (v.3) e os enviou a Belém, terra onde as profecias indicavam o nascimento do Messias. Mandou que na volta o procurassem de novo com um relato sobre o bebê, “para que eu também vá homenageá-lo” (v. 8). Seu plano era bem outro. Os astrólogos tiveram uma intuição (“avisados em sonho” – v.12) de qual era a real intenção de Herodes e voltaram a seu país por outro caminho.
Herodes, “enfurecido” (v.16) reagiu como os ricos e poderosos de todos os tempos: “mandou matar, em Belém e em todo seu território, todos os meninos de dois anos para baixo”. José, que entendera o risco que corria seu bebê (v.13.14), escapara para o Egito antes do massacre.
O Jesus do relato dos Evangelhos foi admirado e saudado pelos sem terra, sem teto, pelos periféricos e periféricas, representados pelos pastores. Os ricos e poderosos, simbolizados por Herodes, reagiram com ódio, medo e violência. Tem sido assim ao longo da história.
A liturgia do Natal captura esse ambiente de contraste entre a pobreza-saudação dos marginalizados ao bebê nascido no estábulo e a violência que o cerca.
E depois?
O que seria de se esperar num cristianismo de confrontação, que celebra a chegada de um cruzado ou de um cristianismo idílico? Que nos dias seguintes ao nascimento do bebê fossem apresentadas cena de vitória, como um desfile militar ou, no caso do “cristianismo água-com-açúcar”, cenas de alegria em tons pasteis.
Mas não é isso que acontece. Os pontos altos da liturgia dos dias seguintes ao nascimento de Jesus são:  o assassinato de Estevão, membro das primeiras comunidades cristãs, apedrejado em Jerusalém (dia 26), e o massacre dos meninos ordenado por Herodes (dia 28).
Quem captou com profundidade o sentido do nascimento de Jesus à luz desse roteiro litúrgico foi Edith Stein, mártir do povo judeu, mística e profeta assassinada na câmara de gás em  9 de agosto de 1942 em Auschwitz .
Ela escreveu dez anos antes de sua morte e três anos antes de se tornar monja carmelita, uma conferência sob o título “O Segredo do Natal”*. Separei dois parágrafos crucias e tragicamente belos:
Quando os dias ficam cada vez mais curtos, quando caem os primeiros flocos de neve (normal, no inverno alemão), então surgem suavemente os primeiros pensamentos natalinos. Destas simples palavras emana um encanto ao qual é difícil um coração ficar indiferente. Mesmo os que têm uma fé diferente, ou os infiéis, para os quais a antiga história da criança de Belém nada significa, preparam-se para a festa e pensam, em como acender um raio de alegria em toda parte. É como uma correnteza quente de amor perpassando toda a terra, meses e semanas antes. Uma festa de amor e de alegria. (…)
Cada um de nós talvez já tenha experimentado tal felicidade natalina. Mas, até aqui, o céu e a terra não se uniram. Também hoje a estrela de Belém é uma estrela na noite escura. Já, no segundo dia, a Igreja tira as vestes festivas e se reveste com a cor do sangue e, no quarto dia, de cores enlutadas. Estêvão, o protomártir, que primeiro seguiu o Senhor para a morte, e os santos inocentes, as criancinhas de Belém de Judá, mortas cruelmente por mãos de algozes, estão ao redor da criança no presépio. O que quer dizer isto? Onde está o júbilo das potências celestes? Onde está a tranquila bem-aventurança da noite santa? Onde está a paz na terra? ‘Paz na terra aos homens de boa vontade’. Mas, nem todos têm boa vontade”.
Para encerrar, socorro-me de padre Júlio Lancellotti, responsável pela Pastoral do Povo da Rua em São Paulo e hoje uma referência de compaixão que ultrapassa em muito as fronteiras do catolicismo. Ele enviou por seus perfis nas redes sociais uma mensagem de Natal escrita originalmente pelo biblista italiano Fernando Armellini. Ela resume o mais exato sentido do nascimento de Jesus:
A imagem da manjedoura é o questionamento decisivo que Deus, o Deus e Pai de Jesus Cristo, faz a cada homem e mulher de todos os tempos: 
“Se vocês procuram um Deus forte, potente, esplendoroso, glorioso, procurem outro; não sou eu!”

sábado, 22 de dezembro de 2018

Jeferson Miola: Sumiço de Queiroz escancara conluio da Lava Jato com Bolsonaro e o hipócrita discurso de combate à corrupção

Jeferson Miola: Sumiço de Queiroz escancara conluio da Lava Jato com Bolsonaro e o hipócrita discurso de combate à corrupção

Reprodução de vídeo, redes, Roberto Jayme/Ascom/TSE e Wilson Dias/Agência Brasi


Vi o Mundo
Por Jeferson Miola
Não é preciso ser adivinho para presumir como a Lava Jato agiria se Fabrício Queiroz fosse petista ou outro inimigo do regime de exceção.
Assim como não é necessário grande esforço de raciocínio para concluir que a Lava Jato safou da cadeia o chefe do Queiroz, o deputado Flavio Bolsonaro, como também livrou Jair Bolsonaro de investigações sobre os [pelo menos] R$ 24 mil depositados na conta da esposa Michele e sobre a retenção de 99% do salário da Nathália Queiroz – contratada como “laranja” no gabinete em Brasília enquanto se desempenhava como personal trainer de celebridades nas praias cariocas.
Fabrício Queiroz é um ponto fora da curva; é uma peça que fugiu do controle da Lava Jato, que fez de tudo para escondê-lo e deixá-lo no anonimato para proteger Flavio Bolsonaro.
A Lava Jato abafou o quanto pôde a participação do Queiroz. Ele somente foi descoberto devido ao vazamento do COAF que a onipresente falange do Moro não conseguiu evitar.
Queiroz foi escondido pela Lava Jato desde sempre. É preciso recordar que a Operação Furna da Onça, da Lava Jato/RJ, deliberadamente excluiu Flavio Bolsonaro da investigação realizada nos gabinetes dos 10 deputados e 16 assessores que incorreram nos mesmos ilícitos e que, em vista disso, foram presos.
Por inexplicável coincidência, os Bolsonaro demitiram Queiroz e a filha Nathália dias antes da Furna de Onça ir a campo, numa espécie de “limpeza” da cena do crime.
Quando Queiroz foi descoberto, para surpresa geral o coordenador da Lava Jato e paladino da moralidade Deltan Dallagnol mostrou incrível inapetência em investigar ele e Bolsonaro, e então repassou a investigação ao MP estadual do Rio, ao passo que os demais denunciados continuam sendo investigados pela Lava Jato!
Em reportagem de André Barrocal, a Carta Capital traz interessante abordagem a respeito [ler aqui].
Queiroz é um incômodo para a Lava Jato; é um acidente de percurso. O sumiço dele, além de já fazer parte do folclore burlesco e do anedotário nacional que o candidata a marchinha de carnaval, serve para se fazer uma profunda autopsia do regime.
Está claríssimo que vivemos um momento obscuro, de arbítrio e de ruptura constitucional.
A cassação daquela liminar do Marco Aurélio de Mello que restaurava a Constituição mostra claramente 2 perspectivas.
A primeira, é que o regime de exceção mantém um padrão permanente de aprofundamento da ditadura jurídica. Qualquer brecha ou iniciativa política e legal que ameace a higidez do regime, tem como resposta mais arbítrio e mais violência contra a Constituição e as leis.
A segunda perspectiva, é que o regime tem hierarquia de mando. Alguém como Moro, Dallagnol, e Toffoli, por exemplo, que tem um general de estimação na inusitada assessoria militar da presidência do STF, se situa no topo da cadeia alimentar da ditadura – que, por enquanto, ainda não é militar.
A Lava Jato nunca foi uma genuína operação jurídico-policial. A vinculação partidária dos seus agentes incrustrados no judiciário, no MP e na PF está fartamente documentada.
A eleição do Bolsonaro empodera ainda mais os já empoderadíssimos agentes fascistas da Operação e inaugura a fase 2.0 da Lava Jato, que tem Sérgio Moro como piloto do Estado policial.
Por debaixo do discurso hipócrita de combate à corrupção se esconde uma ideologia ultraliberal e um projeto de poder que, para ser concretizado, requer o aniquilamento dos inimigos – Lula, PT, esquerda, progressistas e toda resistência democrática e popular.
Em razão disso, e a despeito dos robustos indícios de peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e aumento patrimonial ilícito, Bolsonaro não foi e não será alvo de qualquer investigação, porque ele é o vetor desse projeto bárbaro que a burguesia quer impor no Brasil na base do arbítrio e atentando contra a Constituição.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Há juiz em Brasília, por Tereza Cruvinel


Por Tereza Cruvinel, no Jornal do Brasil:

A expressão “ainda há juízes em Berlim”, originalmente dita por um moleiro alemão a um poderoso rei, remete à crença na Justiça contra o arbítrio mesmo em situações extremas. 

Aplica-se à situação criada ontem pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello, ao emitir liminar determinando a soltura de todos os presos que cumprem pena após condenação em segunda instância, contrariando a previsão constitucional e do Código de Processo Penal, que lhes garante liberdade até o esgotamento dos recursos. 

Isso incluiria Lula. Confirmando a regra não escrita de que o ex-presidente não pode ser solto, o presidente da Corte, Dias Toffoli, suspendeu a decisão do colega.

Há um juiz em Brasília, mas há também generais. 


Os do alto comando do Exército fizeram conferências telefônicas ontem sobre o assunto. 

O comandante não precisou emitir um tuíte ameaçador, como na véspera do julgamento de um pedido de habeas corpus de Lula. "Se o Supremo ainda for Supremo”, disse Marco Aurélio logo após anunciar sua decisão, a liminar será cumprida. Coube a Toffoli dizer que a corte bate continência para outros poderes.

Ele decidiu à noite, depois das movimentações militares, depois que os falcões da Lava Jato subiram nas tamancas e que o bolsonarismo também protestou contra a medida, acolhendo recurso da procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Criticou-se Marco Aurélio pela decisão em si e também por tê-la tomado no último dia de funcionamento da Corte antes do recesso. Mas foi o tribunal, através da ex-presidente Cármen Lúcia, e do atual, Dias Toffoli, que jogou com o tempo para evitar uma decisão que poderia beneficiar Lula. 

Quando Cármen era presidente, recusou-se terminantemente a pautar o julgamento das ADCs (Ações Diretas de Constitucionalidade) 43 e 44, apresentadas pelo PEN e pela OAB. 

O relator era Marco Aurélio, que em dezembro do ano passado já havia emitido parecer e declarado a matéria pronta para ir ao plenário. 

Cármen temia a revogação da decisão de 2016, que tornou tais prisões possíveis, apesar da clareza do texto constitucional. No início deste ano o PCdoB entrou com ação no mesmo sentido. Em abril, Marco Aurélio liberou a matéria para apreciação.

Cármen Lúcia presidiu a corte até setembro sem pautá-la. 

Toffoli tomou posse no meio da campanha e decidiu que antes do segundo turno o plenário não trataria do caso. Isso era razoável, para não tumultuar mais a disputa com eventual soltura de Lula. Esta semana ele pautou o assunto para 10 de abril do ano que vem. Foram os presidentes do STF que brincaram com o tempo (e com a paciência do relator), com propósito claro de evitar um resultado por eles indesejado.

Há juiz em Brasília, mas não há Supremo.

PT denuncia tutela dos militares ao STF e perseguição a Lula 'sem precedentes'

Trama de generais e desobediência de juízes que contestam decisão da Suprema Corte criam sistema judicial específico para negar direitos ao "maior líder político e popular do país"
por Redação Rede Brasil Atual
RICARDO STUCKERT
Lula Livre
PT diz que, mesmo preso injustamente, Lula é a personalidade brasileira mais respeitada ao redor do mundo
São Paulo – O PT afirma que o Brasil se encontra diante de "verdadeiro motim judicial", após o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, derrubar liminarconcedida pelo também ministro Marco AurélioMello nesta quarta-feira (19) que restauraria o direito dos presos condenado em segunda instância a recorrerem em liberdade. Segundo o partido, "não há precedentes, na tradição brasileira, de uma perseguição tão cruel a um líder politico reconhecido internacionalmente."
Antes da decisão de Toffoli, o Alto Comando do Exército reuniu-se em caráter de urgência para avaliar supostas "consequências" de uma eventual libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em nota oficial, o PT diz que o episódio aponta para "tutela inconstitucional das Forças Armadas sobre a mais alta corte de Justiça". Também foi lembrada as pressões do comandante do Exército, general Villas Bôas, na véspera do julgamento que negou habeas corpus a Lula em abril. 
"Temos hoje dois sistemas judiciais: um que existe para garantir os direitos – e até para se omitir – diante de corruptos, corruptores e amigos do poder, e outro que existe para negar os direitos de Lula, atuando como verdadeiros carrascos do maior líder político e popular do país", diz o documento assinado pela executiva.
O partido critica também a atuação da Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, que "rebelou-se" contra a decisão de Marco Aurélio e agiu especificamente para prejudicar o ex-presidente Lula, quando a medida não se restringia apenas a ele. A nota também aponta "flagrante desobediência" da juíza de execuções Penais de Curitiba, Caroline Lebbos, que em vez de cumprir a decisão, pediu posicionamento ao MPF de Dodge. 
Esses e outros episódios, como a interferência do então juiz Sérgio Moro quando, em férias, agiu para desautorizar a decisão de um desembargador que também havia concedido habeas corpus ao ex-presidente, em julho deste ano, e também o desrespeito à determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU, solicitando que os direitos políticos de Lula, incluindo sua candidatura à presidência nas últimas eleições, fossem preservados.

Confira a nota do PT na íntegra

Mais um vez, os setores partidarizados do Ministério Público e dos sistema judicial brasileiro se articularam para negar a Lula o direito de recorrer em liberdade contra a condenação arbitrária de que é vítima. Não há precedentes, na tradição brasileira, de uma perseguição tão cruel a um líder político reconhecido internacionalmente.
A liminar concedida ontem (19) pelo ministro Marco Aurélio restabeleceu o princípio constitucional da presunção de inocência, segundo o qual ninguém pode ser preso antes de ser julgado em todas as instâncias, como é o caso de Lula e de milhares de cidadãos que cumprem pena antecipadamente.
Essa questão estava pronta para ser esclarecida pelo pleno do Supremo desde o início do ano, mas a então presidente do STF, Cármem Lucia, decidiu arbitrariamente impedir o julgamento de uma Adin sobre o tema antes das eleições. O motivo óbvio, porem oculto, era evitar uma decisão que garantisse os direitos de Lula. Foi um gesto mesquinho que teve influência direta no processo eleitoral., além de manter a insegurança jurídica sobre milhares de processos.
Em 8 de julho o sistema judicial saiu novamente da normalidade, quando o então juiz Sergio Moro (que estava de férias), a direção da Polícia Federal e o presidente do TRF-4 atuaram em conjunto para que fosse desobedecido o cumprimento de um habeas-corpus para Lula, perfeitamente fundamentado e concedido pelo desembargador Rogério Favreto. O episódio teve repercussão negativa para as instituições brasileiras ao redor do mundo.
Finalmente, na madrugada de 1o de setembro, a maioria do Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro da candidatura Lula, garantida expressamente pelo artigo 16-A da lei eleitoral, desrespeitando flagrantemente decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU que garantia os direitos políticos de Lula, mesmo preso. Mais uma vez o sistema judicial partidarizado criou um vexame internacional.
Na tarde de ontem, diante da ordem peremptória do ministro Marco Aurélio, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, rebelou-se contra a Justiça e requereu a suspensão da liminar (o que não tem precedentes), e o fez especificamente em relação ao cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, e somente a Lula, sendo que a decisão do ministro Marco Aurélio dirigia-se a todos que se encontram naquela situação.
Raquel Dodge, indicada para o cargo pelo usurpador Michel Temer, é a mesma que recomendou a aprovação das contas eleitorais de Jair Bolsonaro – apesar de todas as evidências de uso de caixa dois para financiar uma indústria de mentiras contra o PT na internet – é a mesma procuradora que está exigindo, ilegalmente, a devolução das verbas empregadas na campanha de Lula, contrariando mais uma vez a Lei Eleitoral em seu artigo 22-A.
Enquanto Dodge tramava a derrubada da liminar que restaura a presunção da inocência, a juíza de execuções Penais de Curitiba, Caroline Lebbos, recusou-se a obedecer a ordem de libertação de Lula, em flagrante desobediência ao STF, e fazendo um esdrúxulo pedido de audiência ao Ministério Público Federal.
A imprensa informa que a revogação da liminar do Ministro Marco Aurélio foi precedida de uma reunião do Alto Comando do Exército para a avaliar as consequências de uma eventual libertação de Lula. Recorde-se que o comandante do Exército, general Villas Bôas fez uma manifestação indevida e hierarquicamente inadmissível ao STF na véspera do julgamento de um HC em favor de Lula. Os dois episódios sugerem uma tutela inconstitucional das Forças Armadas sobre a mais alta corte de Justiça.
O Brasil se encontra diante de um verdadeiro motim judicial, com um claro viés político-partidário. Temos hoje dois sistemas judiciais: um que existe para garantir os direitos – e até para se omitir – diante de corruptos, corruptores e amigos do poder, e outro que existe para negar os direitos de Lula, atuando como verdadeiros carrascos do maior líder político e popular do país.
O Brasil não vai se reencontrar com a democracia e o estado de direito, nem voltará a respeitar o sistema judicial enquanto este não voltar a respeitar a Constituição e o garantir o respeito ao devido processo legal para todos os cidadãos, quer se chamem ou não Luiz Inácio Lula da Silva. Está nas mãos da cúpula do Judiciário corrigir os desvios dos setores partidarizados do sistema.
Lembramos, por fim, que todos os abusos que foram ou vierem a ser cometidos contra Lula serão denunciados internacionalmente e aditados ao procedimento em curso no Comitê de Direitos Humanos da ONU para averiguar as arbitrariedades e a manipulação do sistema judicial brasileiro contra o ex-presidente Lula.
Só existe uma explicação para as arbitrariedades e perseguições contra o ex-presidente: o medo que eles têm de Lula, pois, mesmo preso injustamente, é o maior líder popular do país e a personalidade brasileira mais respeitada ao redor do mundo.
Lula inocente! Lula Livre!
Comissão Nacional Executiva do PT

domingo, 16 de dezembro de 2018

COP24: Resultado ambíguo e fraco, por Frei Rodrigo Péret

Por Frei Rodrigo Péret 

COP24: Resultado ambíguo e fraco

Depois de duas semanas de negociações nas conversações climáticas da COP24 em Katowice, na Polônia, no país do carvão, o resultado é muito ambíguo e fraco, em relação à seriedade e urgência da questão do clima. 

O confronto foi sobre regras e financiamento.

O chamado “Livro Regras” do Acordo de Paris acordado na noite de sábado (15), que é um conjunto de regras destinadas a ajudar a conter o aquecimento global, foram consideradas muito fracas por muitos grupos do movimento ambientalista. Este regulamento por si só não será suficiente para acelerar a implementação do Acordo de Paris e evitar que a poluição de carbono atinja níveis críticos.

Questões fundamentais como a forma de aumentar os compromissos dos países em reduzir a emissões existentes, levando em conta pareceres científicos e como fornecer financiamento aos países pobres para fazerem o mesmo, foram adiadas para os próximos anos. A ideia de responsabilização legal por causar a mudança climática vem sendo sistematicamente rejeitada pelos países mais ricos, que temem enormes contas a pagar no futuro.

A declaração final nas negociações da ONU omite uma referência anterior a reduções específicas nas emissões de gases de efeito estufa até 2030, e apenas saúda a “conclusão em tempo” do relatório do IPCC, não suas conclusões.

Muitos países ricos estão relutantes em abandonar seus combustíveis fósseis, que são uma importante fonte de emprego. Países mais vulneráveis e pobres sentiram que as regras não são rigorosas o suficiente em relação às nações mais ricas. Ao final de todas as negociações, as nações mais vulneráveis exigiram que as mais ricas cumprissem sua meta de 100 bilhões de dólares para o Fundo Climático Verde e reduzissem as condições econômicas restritivas.

Ficou, porém, sem resposta de onde virão os 100 bilhões de dólares por ano de financiamento climático prometidos na COP21, em Paris, pelos países desenvolvidos mais ricos. Com os Estados Unidos tendo se retirado do acordo de Paris, a questão do financiamento climático está se mostrando muito difícil de resolver.

O papel do Brasil

O Brasil ameaçou rejeitar qualquer acordo, querendo se beneficiar com uma emenda devido sua grande cobertura de floresta tropical.  Os outros países contestaram dizendo que  isso poderia permitir uma “dupla contagem” de créditos de carbono, prejudicando a integridade do sistema. O Brasil se recusou a ceder e, nas últimas horas, os negociadores decidiram colocar a questão em uma futura conferência.

A posição do Brasil, sob o futuro presidente Bolsonaro, recusando que o país seja sede a próxima COP e querendo implementar  uma política de abertura da Amazônia ao capital corporativo transnacional, ameaçando sua proteção, pressagia os problemas que estão por vir.

O momento é de crise.

É urgente fixar o limite de aquecimento global em 1,5 graus, como atesta o relatório do mês passado, do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – da ONU). Caso contrário,   diz o relatório, serão maiores os riscos de inundações, derretimento do gelo do Ártico, elevação do nível do mar, eliminação de recifes de corais existentes, extinção de espécies e aumento de extrema pobreza. De outro lado, no campo da geopolítica, a ascensão da extrema direita está removendo a proteção do clima da agenda política em muitos países. Trump retirou os Estados Unidos do acordo de Paris; Bolsonaro recusou que o Brasil seja sede a próxima COP e prepara  uma política de abertura da Amazônia ao capital corporativo transnacional; na Europa, a implementação de políticas de proteção do clima encontra resistência em muitos países;

O multilateralismo cada vez mais complicado

Todos os países têm seus próprios objetivos e posições, informados por ideologias e preocupações tendo em conta suas economias e cidadãos, como as questões de emprego. Com o avanço da extrema direita esse cenário piora.

Durante a COP23, os EUA se uniram à Rússia, Arábia Saudita e Kuwait para impedir a aprovação do relatório do IPCC, que é fundamental sobre o aquecimento global. O relatório relata o que aconteceria se a temperatura média global subisse 1,5 grau Celsius,  como garantir que eles não aumentassem,  e que foi amplamente considerado como um alerta para os formuladores de políticas quando foi lançado.

A Austrália reafirmou seu compromisso com o carvão e participando de um evento paralelo conduzido pelo governo dos EUA que promoveu o uso de combustíveis fósseis. A Polônia, que é o maior produtor de carvão da UE e do qual depende cerca de 80% para a eletricidade do país, em comparação com uma média de 30% entre os países membros da Agência Internacional de Energia, está longe de abandonar essa fonte.

Isso levou à muitas críticas de países vulneráveis como pequenas nações insulares e grupos ambientalistas.

Um desafio para a sociedade civil

Dentre as lutas da sociedade civil internacional para enfrentar as lacunas deixadas pelas COPs, está a de fortalecer as comunidades, povos e suas organizações nos territórios.

Um dos principais objetivos das negociações da COP deste ano era o de garantir uma "transição justa" para longe dos combustíveis fósseis. Para a sociedade civil, a luta é garantir uma transição justa para um futuro sustentável. Fugir das falsas soluções e de políticas de financiamento de adaptação às mudanças, cujas tecnologias na verdade fortalecem os mesmos países, grupos e corporações que são responsáveis pelas mudanças climáticas.  O capitalismo não é o antidoto para si mesmo.

O desafio é construir uma transição que deve ser socialmente inclusiva e justa, sem deixar ninguém para trás. Uma transição que emerge do diálogo e une diferentes abordagens e experiências concretas, de sindicatos, povos indígenas, grupos de desenvolvimento, camponeses, comunidades tradicionais, grupos ambientalistas e movimentos sociais. Empoderando as populações e fortalecendo uma plataforma comum necessária para gerar um movimento popular global mais forte.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

A expansão dos bens comuns e sua preservação são um imperativo ético e a garantia de paz e justiça social, afirma Frei Rodrigo Péret

 24ª edição da Conferência do Clima da ONU, a COP24, em Katowice, na Polônia.

Frei Rodrigo Peret ao Vatican News: "Mudar nosso estilo de vida e viver com uma sobriedade que não nos leve a ‘ter menos’, mas a ‘ter mais daquilo que realmente conta e realmente é um valor’”.
Cristiane Murray – Cidade do Vaticano
Igor Bastos – Katowice
No dia dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o meio ambiente domina a pauta desta segunda-feira, 10 de dezembro, na 24ª edição da Conferência do Clima da ONU, a COP24, em Katowice, na Polônia.

O comprometimento da Igreja

Organizações da sociedade civil e da Igreja lançam na cidade polonesa o plano final e o plano de ação do Fórum Social Temático sobre Mineração e a Economia Extrativista, fruto da reunião realizada em Johanesburgo em novembro.
Frei Rodrigo Péret, do Serviço Franciscano de Justiça, Paz e Ecologia, defende que a necessidade da expansão dos bens comuns, já que a natureza, o clima, a água, os recursos e todas as formas de vida não estão à venda; são os bens comuns que temos que proteger e compartilhar com todos os povos e gerações futuras. O direito aos bens comuns e o respeito à sua preservação são um imperativo ético e a garantia de paz e justiça social.
“ Todo ecossistema tem o direito de viver e florescer, a água tem o direito fluir e os pássaros, de bebê-la e voar'. Os rios e a terra são entidades de direitos, e precisamos reconhecer sua sacralidade ”
“A Igreja vem se preocupando há algum tempo com a questão da mineração, seus impactos e as violações dos direitos humanos. Sabemos também da importância de se rediscutir a mineração tendo em vista seus impactos na questão climática”.
“O carvão é uma realidade muito forte aqui na Polônia, mas também em relação a toda a indústria extrativista, principalmente os recursos e bens comuns que são utilizados na extração e que provocam uma série de outros impactos”.
“O encontro na África do Sul teve a presença de 60 países, 389 pessoas, 40% das quais eram ligadas a organizações cristãs, basicamente católicas. Isto mostra a importância e os resultados da formação da consciência a partir da Encíclica do Papa Francisco Laudato si. É-nos colocado um apelo para mudarmos nosso estilo de vida e viver com sobriedade, mas uma sobriedade que nos leve não a ‘ter menos’, mas a ‘ter mais daquilo que realmente conta e realmente é um valor. "

“Sabemos que a mineração vem causando impactos, muitos deles irreversíveis nas comunidades, seja nos seus modos de vida, seja também em relação às gerações futuras com os impactos que ela causa na vida cotidiana e também no meio ambiente. O grande feito do Fórum é colocar comunidades afetadas, movimentos sociais, instituições, igrejas, em conjunto para buscar saídas e criar uma plataforma comum de trabalho e de uma agenda que possa fazer com que as transições e as alternativas que já estão sendo construídas em várias comunidades pelo mundo afora possam se articular e começar a se transformar num modelo alternativo a tantas dificuldades que nós temos vivido nestas últimas décadas a partir da economia extrativista”.

Fonte: VATICAN NEWS

sábado, 8 de dezembro de 2018

O governo que corre o risco de acabar antes de começar, por Ricardo Kotsho



Ricardo Kotsho

A cada dia, um novo susto: é o Bolsogate do dinheiro voando nas contas do assessor milionário do filho, é a baixaria dos eleitos pelo esquizofrenico PSL se estapeando nas redes sociais, é o ministério frankenstein teocrático-jurídico-militar-populista-olavariano-de-carvalho, são os mentidos e desmentidos que se sucedem, sem ninguém saber para onde, afinal, eles querem levar o país.
Só sabemos até agora dos objetivos do novo governo: leiloar para estrangeiros as terras da Amazonia e as reservas do pré-sal, privatizar a educação e a saúde, criminalizar os movimentos sociais, evangelizar os índios com celulares, exterminar os direitos trabalhistas e acabar com a pobreza matando os pobres de fome.
Como farão isso ainda não está muito claro, mas contam até agora com o silêncio obsequioso dos partidos de oposição, da sociedade civil e da mídia grande, com poucas e honrosas exceções.
Agem como um exército de ocupação, que fará as suas próprias leis, a cargo dos superministros da Economia e da Justiça, ambos objetos de investigação _  o financista, pelo MP e pela PF, e o ex-juiz, no CNJ.
Com um general escalado para lidar com o Congresso e outros oito militares no primeiro escalão, o presidente eleito armou sua retaguarda, antes que se tornassem publicas as atípicas movimentações financeiras do primeiro-amigo, o PM Fabrício Queiroz e sua família, em conexão com os Bolsonaro.
Ao tentar explicar o inexplicável, o futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, outro investigado por corrupção no caixa dois, encerrou uma entrevista coletiva na sexta-feira e virou as costas para os jornalistas.
Já não se encontra ninguém para defender este governo que corre o risco de acabar antes de começar.
Nem mesmo se dignam a isso os isentões do voto em branco, que ajudaram a eleger o capitão reformado, “para acabar com essa raça do PT”, e agora já se mostram arrependidos.
Em nome do combate à corrupção, elegeram um monte de tipos estranhos, sem saber de quem se tratava, e acabaram enchendo o galinheiro da velha política de raposas novinhas.
Centenas de municípios brasileiros continuam sem médicos porque os cubanos foram embora e os brasileiros ainda não apareceram.
Exportadores brasileiros estão em pânico com os primeiros desmandos da “política externa” bolsonariana-trumpista, declarando guerra ao resto do mundo para combater os “vermelhos”, banqueiros fazem cara de paisagem para ver o que acontecerá no Posto Ipiranga depois de janeiro e o povo bestificado a tudo só assiste.
Nem o mais delirante ficcionista político seria capaz de criar um enredo tão horripilante, faltando apenas 23 dias para a posse.
Vida que segue.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

As instituições e as arbitrariedades, por Luis Nassif

Golpe derradeiro contra o estado de direito

Por Luis Nassif, no Jornal GGN:

Peça 1 – sobre o conceito de democracia

Um dos pressupostos básicos de uma democracia é o espaço que se confere à oposição. A compreensão de que o partido de oposição tem o direito de existir, lançar candidatos, defender propostas e se revezar no poder é o pressuposto básico de qualquer democracia que se pretenda séria.

Quando se trata a oposição como inimigo, quando é submetida ao chamado direito penal do inimigo, criminalizada e impedida de competir politicamente, tem-se, objetivamente, uma ditadura.

Vamos tentar, primeiro, entender como o jogo político brasileiro cedeu à mais completa e ampla selvageria. E, depois, avaliar se o regime atual é de democracia ou de ditadura.


Peça 2 – o efeito Orloff no Brasil

No já clássico “Como as democracias morrem” (Steven Levistky), há um histórico sobre o processo político, nos Estados Unidos, que resultou na disputa política selvagem levando ao fator Donald Trump. É, em tudo, similar ao que está ocorrendo no Brasil. É um efeito Orloff.

A emancipação do eleitor de baixa renda

Durante quase todo o período da história política norte-americana, houve uma convivência civilizada entre os Partidos Democrata e Republicano. Esse pacto se dava à custa da supressão dos direitos políticos dos negros e latinos do sul, garantindo uma ala conservadora do Partido Democrata no sul convivendo com a ala conservadora do Partido Republicano.

Essa paz de brancos começou a ruir com a emancipação negra e a imigração. Os novos eleitores passaram a apoiar desproporcionalmente o Partido Democrata. Os democratas não-brancos representavam 7% do partido em 1950. Em 2012 já eram 44%, enquanto os eleitores brancos representavam quase 90% do Partido Republicano.

Foi um dos motivos da quebra de regras de civilidade na política, com a radicalização cada vez maior da maioria branca.

Os evangélicos e a questão moral

Enquanto os democratas se tornavam cada vez mais um partido das minorias étnicas, o Partido Republicano ia radicalizando, como o partido do americano branco. A radicalização aumentou com a crescente participação das igrejas evangélicas na política a partir dos anos 70, em reação à decisão da Suprema Corte no caso Roe contra Wade, legalizando o aborto.

A partir da eleição de Ronald Reagan, em 1980, o Partido Republicano adotou posições crescentemente pró-evangélicas, com oposição do aborto, apoio ao direito de oração nas escolas públicas, oposição ao casamento gay.

Em 2016, 76% dos evangélicos brancos se identificavam com os republicanos, enquanto os eleitores democratas se tornavam mais seculares. A porcentagem de democratas brancos que frequentavam igrejas caiu de 59% nos anos 1960 para menos de 30% nos anos 2.000.

A questão social e a perda de status

Um dos pontos que abordei bastante, para tentar explicar a radicalização da mídia brasileira pós-2005 - e que incluí em O Caso de Veja - era a perda de status social da classe média, com a ascensão das classes de menor renda.

O livro descreve o mesmo fenômeno nos Estados Unidos, citando o ensaio do historiador Richard Hofstadter em 1964, em “The Paranoid Style in American Politics”. Ele denominava de “ansiedade de status”: quando o status, a identidade e o sentido de pertencimento de grupos sociais são percebidos como estando sob ameaça, induz a um estilo de política que é “excitável demais, desconfiado demais, agressivo, pretensioso e apocalíptico demais”. A luta contra o status declinante da maioria foi o combustível que passou a abastecer a animosidade da direita americana até resultar no Tea. Party e na direita branca. Nada diferente do que ocorreria depois no Brasil.

Diz o livro: “Políticos republicanos de Newt Gingrich a Donald Trump aprenderam que, numa sociedade polarizada, tratar rivais como inimigos pode ser útil –e que promover a política como guerra pode apelar àqueles que receiam ter muito a perder”.

Nos Estados Unidos e no Brasil, a consequência foi a erosão da confiança e das grades de proteção que garantiam a democracia contra lutas sectárias mortais.

A ascensão da mídia de direita

No Brasil, de 2005 até no pós-impeachment, a mídia brasileira foi majoritariamente de direita, explorando o novo mercado que se abria e atacando todos que não concordassem com suas teses, repetindo o padrão Rupert Murdoch e sua Fox News.

Segundo o livro, “a ascensão da mídia de direita (nos Estados Unidos) também afetou os mandatários republicanos. Durante a administração Obama, os comentaristas da Fox News e personalidades radiofônicas de direita adotaram quase todos uma posição “sem concessões”, atacando maliciosamente qualquer político republicano que rompesse com a linha do partido. E, com isso, jogando o partido cada vez mais para a direita, em um fenômeno que, no Brasil, produziu os mesmos efeitos sobre o PSDB.

Todos esses fatores explicam a radicalização política brasileira que resultou no bolsonarismo – um fenômeno muito mais duradouro e independente de líderes do que a figura pública de Bolsonaro.

Mas o que explicaria a arrancada final, de aniquilamento de um partido político relevante, conduzido por pessoas com histórico democrata e de respeito aos direitos humanos?

Peça 3 – os atores no golpe final na democracia

Há sinais cada vez mais nítidos de que está a caminho uma tentativa de inviabilização do PT como partido político. Esses sinais já chegaram a Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Seria o golpe final na etapa de democracia mitigada no país.

As instituições brasileiras padecem, hoje em dia, da síndrome da ordem unida.

Percebendo como inevitável o advento do poder militar, tratam de se antecipar ao que julgam que os militares pensam. Pagam o óbolo para a travessia do Egeu rumo ao novo inferno que se avizinha.

Hoje em dia, todas as instituições – do STF (Supremo Tribunal Federal) à PGR (Procuradoria Geral da República) – praticam as arbitrariedades que julgam ser do gosto do poder militar. Não precisa nem ordenar.

No caso do STF, houve a decisão estapafúrdia do presidente Dias Toffolli, de colocar um militar como assessor, para orientá-lo sobre as suscetibilidades do poder militar.

No caso da PGR, a atuação recente da Procuradora Raquel Dodge transforma seu antecessor, Rodrigo Janot, em um mero aprendiz no desmonte das garantias jurídicas. As demagogias punitivistas de Luis Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin seguem essa receita do seguro pessoal.

As três peças centrais atuais desse golpe final contra a democracia são a Procuradora Geral da República Raquel Dodge, o vice procurador e subprocurador eleitoral Humberto Jacques de Medeiros, e, como representante da Lava Jato, o juiz brasiliense Vallisney de Souza Oliveira.

Dodge, Humberto e o TSE

Raquel Dodge tem avançado em duas frentes: as ações espetaculosas contra políticos e as investidas no âmbito do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) – essa última frente sob a responsabilidade de Humberto Medeiros.

Medeiros considerou normal a movimentação no WhastApp – dois dias antes da própria empresa admitir as manipulações. Depois, revelou tardiamente as medidas sugeridas pelo próprio WhatsApp para combater as fakenews. Recentemente, instruiu a PGR a dar parecer favorável às contas de Bolsonaro.

Ao mesmo tempo, ambos – Dodge e Medeiros – denunciaram Lula pela campanha eleitoral, exigindo a restituição de R$ 14,5 milhões gastos no período em que Lula era candidato.

O MPF (Ministério Público Federal) é o maior defensor da cooperação internacional. Tem sido o órgão de fato na gestão das parcerias, atropelando o próprio Ministério da Justiça. Tem se manifestado em inúmeras ocasiões em defesa dos tribunais internacionais.

Dodge preferiu atropelar todo esse histórico, inclusive sua própria história, de egressa da área dos direitos dos cidadão, minimizar o parecer da missão especial da ONU – considerando o direito de Lula se candidatar -, a expectativa que cercou, até o último momento, a autorização para Lula se candidatar ou não, e tratar toda uma estratégia eminentemente política como burla, exigindo a devolução dos gastos de campanha, tudo com uma retórica típica de comentarista da Jovem Pan.

A Lava Jato e a organização criminosa

Na outra frente, há o fator Antonio Palocci. Os procuradores da Lava Jato não aceitaram a delação de Palocci - coincidentemente logo após ele sugerir que poderia incluir instituições financeiras e órgãos de mídia. Alegou-se que não apresentara provas.

De repente, a delação ressurge pelas mãos da Polícia Federal, focando exclusivamente os governos Lula e Dilma. E serve de base para o juiz Vallisney de Souza Oliveira aceitar a acusação de organização criminosa formulado pelo procurador, com base na delação não aceita pelo MPF.

O que está por trás desse jogo de sombras? Por que a Lava Jato não aceita uma delação que traz para a primeira cena novos personagens – mercado e mídia – e, logo depois, a delação ressurge pelas mãos da PF em cima exclusivamente da receita usual da Lava Jato?

Uma das narrativas possíveis é a seguinte.

1- Provavelmente Palocci apresentou um documento inicial sobre os termos da delação oferecida, incluindo mercado financeiro e mídia.

2- Por razões políticas, questões táticas ou motivações obscuras, a Lava Jato não quis mexer com mercado e mídia. Ao mesmo tempo, não poderia ignorar os termos iniciais propostos por Palocci. Ou seja, qualquer delação de Palocci para o MPF teria que necessariamente incluir as propostas iniciais apresentadas.

3- A saída dos procuradores, então, foi recusar a delação proposta por Palocci, zerar os seus termos e refazê-la via Polícia Federal, em cima do mesmo conteúdo de todos os demais delatores.

Quando se sair desse período de ilegalidades e lusco-fuscos, será possível saber as razões objetivas desse jogo Palocci-MPF-PF.

Peça 4 – o estado policial

Hoje, o filho mais extravagante de Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, afirmou no Twitter que as políticas de atenção aos viciados em crack – da gestão Fernando Haddad – apenas ajudaram a aumentar os preços do crack no mercado paulista. A afirmação estapafúrdia foi “curtida” pelo general Alberto Heleno.

Episódios desse tipo vão consolidando o que se espera do governo Bolsonaro no plano moral e ideológico. Será o tema exclusivo da prole Bolsonaro, o game para ele se divertir e fingir que governa.

Por outro lado, a indicação do almirante-de-esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior para Ministro das Minas e Energia mostra a consolidação dos militares como eixo racional do governo Bolsonaro. Albuquerque Junior é diretor geral de desenvolvimento nuclear e tecnológico da Marinha, faz parte do conselho de administração da Nuclebrás, e participou de um dos maiores feitos tecnológicos brasileiros: o desenvolvimento nuclear, especialmente o enriquecimento do urânio.

Como se viu no artigo “Xadrez da nova corte e as fragilidades de Bolsonaro”, o núcleo dos financiadores de campanha - o advogado Gustavo Bebiano, o dono do PSL, Luciano Bivar, e o lobista carioca Paulo Marinho – planejavam controlar os principais contratos do governo. Um dos campos mais visados era justamente nas Minas e Energia, onde pretendiam emplacar Paulo Pedrosa, executivo controvertido, ex-Secretário Executivo do Ministério de Minas e Energia.

Além da intenção de privatizar a Eletrobras por uma ninharia, o nome de Pedrosa despertou desconfianças em vários setores empresariais, dos distribuidores de gás aos de combustíveis.

A indicação de Albuquerque Júnior mostra que o grupo militar está conseguindo estender redes de proteção para impedir as grandes tacadas contra ativos públicos.

Por outro lado, o vazamento de uma operação da Polícia Federal contra o futuro superministro Paulo Guedes, demonstra claramente que o estamento jurídico-militar – representado pelo futuro Ministro da Justiça Sérgio Moro – tentará manter todo o Ministério Bolsonaro sob rédea curta.

Fica-se assim, então:

1- O núcleo militar se consolidando nas áreas críticas e ligadas à infraestrutura, conferindo a racionalidade capaz de dar sobrevida ao governo, mesmo com o besteirol do núcleo presidencial, e criando blindagem contra os grandes negócios que estavam sendo planejados.

2- Ao grupo bolsonariano – família, mais ministros medievais – será entregue o playground das disputas morais e ideológicas.

3- O núcleo jurídico-militar se consolidará em torno de Sérgio Moro, instituindo de forma profissional a república policialesca e se tornando um poder autônomo, acima de Bolsonaro. Sob os holofotes, é capaz que a mística de Moro se esfumace rapidamente.

4- STF, PGR, os Barroso, Dodge e assemelhados antecipando-se às ordens militares, radicalizando para se credenciarem sob as asas de Sérgio Moro e, com seus maus exemplos, escancarando as portas do arbítrio na ponta.