Jesus nasceu num dia, num lugar, em circunstâncias concretas. Fascina-nos esse lado de acontecimento histórico bem definido e limitado. É a humanidade situada que prende o Verbo nas malhas do tempo e do espaço.
Mas Jesus nasce também cada dia na nossa vida. Há um Natal de sempre. Por ser um Natal de sempre, vela-nos e desvela-nos simultaneamente o mistério divino. Vela-nos, porque nos deixa surpresos e perplexos diante da pequenez de uma criança-sacramento da divindade. Revela-nos, porque só pode ser de Deus a originalidade de assumir a forma humana de uma criança para manifestar-se.
No Natal de hoje, concreto e situado, ele é antes uma pergunta que uma resposta. Onde Jesus está a nascer? Outrora foi na manjedoura. E hoje? Ele nasce debaixo dos viadutos, no meio dos meninos de rua, nas periferias da miséria urbana, nas favelas, nos acampamentos dos Sem-terra, nos galpões dos catadores de papel e em tantos outros lugares da exclusão humana.
Os pastores de hoje são tantos e tantos, que, quer nas pastorais, quer em projetos humanistas, se aproximam dessas pessoas na intenção pura do acolhimento, sem juízo e sem pretensões salvadoras. Exatamente no espírito da voz do anjo interior que lhes diz que nesses lugares lhes "nasceu hoje um Salvador" (Lc 2,11)) e não que eles nasceram salvadores.
Natal é a lição da humanidade de Deus no sentido de que Deus na pessoa do Verbo assumiu nossa humanidade e de que o coração de Deus se vestiu de "humanidade" (Tt 3,4). Paradoxo de nossa linguagem! Para exprimir a faceta da misericórdia, da bondade, da benevolência, da delicadeza, da acolhida por parte de Deus usamos o termo "humanidade", como se nós humanos fôssemos exemplos de tais virtudes.
Mas na carta a Tito, Paulo quis marcar o escandaloso contraste entre a absoluta grandeza de Deus e nossa miséria, não pela distância, mas, pelo contrário, pela capacidade infinita de Deus de aproximar-se de nós, cabendo na fragilidade de uma criança. Deus nos surpreende não pelo poder a modo dos grandes desse mundo, mas pela simplicidade, pela fraqueza, pela gratuidade indefesa de nascer menino.
Natal supera a simples memória do evento. Insere-nos na onda do mistério, do "sacramentum", diria S. Leão Magno, ao anunciar e realizar a presença da salvação entre nós na forma mais cativante da comunhão por parte de Deus de nossa humanidade.
Além do Natal de Belém, dos infinitos natais na história, a Igreja celebra cada dia o Natal na Liturgia Eucarística. É nesse momento que percebemos o presente que Jesus nos fez. Antes de tudo, de ter vindo à terra, nascendo. Além disso, de continuar nascendo no Sacramento até o final dos tempos pelo ministério de sua Igreja e nela de seus sacerdotes. Se a festa de Natal se celebra uma só vez por ano, os natais eucarísticos se multiplicam. Se somos gratos pelo Natal anual, mais ainda devemos sê-lo pelos natais de cada Eucaristia.
Texto de 2007
João Batista Libânio é teólogo e jesuíta
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