terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A cara do brasileiro pelas lentes de Assis Horta

 
O fotógrafo Assis Horta, 95, fotografou personalidades, cidades e monumentos históricos, mas é com os retratos de cerca de 70 mil anônimos que ganha espaço de honra no foyer do Palácio do Planalto 

 
 
 A exposição “Assis Horta – A democratização do retrato fotográfico através da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]” resgata a história brasileira por meio de retratos dos primeiros trabalhadores e operários a fazerem fotos 3 x 4 para suas carteiras de trabalho.




Exposição do fotógrafo Assis Horta em Brasília vai até 8 de janeiro.
Convite para exibir fotos no Planalto partiu da presidente Dilma Rousseff

O acervo ganhou o 12º Prêmio Marc Ferrez de Fotografia da Funarte em 2012 na categoria Reflexão Crítica sobre Fotografia e foi apresentado de maio a junho deste ano no Museu do Diamante, em Diamantina.
São cerca de 200 cliques, entre fotos para o documento e fotos posadas, de trabalhadores de Diamantina (MG) que, antes da obrigatoriedade do registro fotográfico na carteira de trabalho, em 1943, não tinham acesso a essa tecnologia.
 
Fotógrafo há 79 anos, Horta acompanhou de perto esse processo. Dono de um estúdio de fotografia em Diamantina fotografou famílias que nunca tinham feito qualquer registro do tipo. Algumas tão pobres relata ele, que tinham de pedir emprestadas as roupas em que apareceriam nas fotos.
“Eu tinha três chapéus e um terno, que emprestava para todo mundo que não tinha roupa para posar”, disse, ao ressaltar seu cuidado com a revelação das fotos. Em todo o seu material em preto e branco, vê-se especial cuidado com a textura das roupas, com a expressão dos fotografados e com a necessidade de esconder ou ressaltar a simplicidade de trabalhadores de fábricas mineiras.



Em sua carreira de fotógrafo profissional fez amigos, entregou fotos fiado, presenteou famílias e, de volta, conta Horta, chegou até a fazer suas alianças de casamento com uma pepita de ouro que serviu de pagamento para as fotos de um garimpeiro.
 
Registrou todo tipo imagem até o advento das máquinas digitais, no fim do século passado. A idade, o encarecimento do papel fotográfico e a preferência por máquinas analógicas e chapas de vidro fizeram Horta parar. “Eu gosto de ter o negativo. De fazer o positivo e o negativo, não gosto de foto digital.”
 
A mostra em Brasília trata-se de um recorte da trajetória do fotógrafo, que também documentou o processo de tombamento de Diamantina, Ouro Preto e outras cidades históricas mineiras para o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Atuou também no IEPHA/MG (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais).
 
Na exposição, os visitantes poderão também fazer seu próprio registro, aos moldes do que era feito por Horta há mais de 60 anos. Uma réplica de seu painel, uma de suas marcas registradas, foi instalado no foyer do palácio e serve de fundo para quem quiser se aventurar no mundo da fotografia.

O fotógrafo Assis Horta expõe no Palácio do Planalto - Ed Ferreira/ Estadão
Ed Ferreira/ Estadão
 
Por pouco, ou não tão pouco assim, o arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) não cumpriu o que havia prometido ao fotógrafo mineiro Assis Horta. "Niemeyer me dizia que ia morrer com 120 anos", lembra o amigo. O mestre das curvas faleceu em dezembro de 2012, aos 104, e foi velado numa de suas obras-primas, o Palácio do Planalto. O mesmo palácio recebe agora a exposição Assis Horta: A democratização do retrato fotográfico através da CLT que, de certa maneira, marca um reencontro entre esses dois companheiros que, diferenças ideológicas à parte (Niemeyer era comunista e Assis, filiado à conservadora UDN), lutaram juntos pela defesa do patrimônio histórico brasileiro.

Com curadoria do fotógrafo e designer Guilherme Horta - que não é parente de Seu Assis, apesar do sobrenome -, a mostra revela como a sanção, em 1943, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), desencadeou uma pequena revolução cultural no Brasil.

A exigência de uma foto 3 x 4 já nas primeiras páginas da Carteira de Trabalho e Previdência Social fez com que milhares de pessoas batessem à porta de estúdios fotográficos, onde posaram para retratos (muitos, pela primeira vez na vida) e acabaram transformando o olhar que o País tinha do próprio povo.

O acervo reunido no Planalto tem a força documental, que ajuda a entender o Brasil daqueles tempos e revela como a fotografia, antes restrita à burguesia, passou a desbravar a classe operária, suas famílias e amigos, captando as transformações sociais de uma época. Ao todo, foram reunidos no foyer do Planalto 200 retratos clicados por Assis Horta de 1940 a 1970.

"A exposição revela o gênio do povo brasileiro, nossa mistura. Queríamos trazer todas aquelas pessoas retratadas para o Palácio do Planalto, já que o maior patrimônio de um país é o seu povo", comenta o curador, rodeado de olhares curiosos, enigmáticos, convidativos, surpresos, sisudos dos personagens eternizados pela câmera de fole de Assis Horta, apoiada sobre um tripé de madeira.

Para Guilherme, Seu Assis fez com que o retrato entrasse na vida do trabalhador, mostrando a sua cara, atenuando a saudade, dignificando-o. "Fascinante reconhecer o gene do nosso povo através de um fotógrafo com rara sensibilidade para a execução do retrato", destaca o curador.

Os negativos eram revelados pelo fotógrafo em câmara escura e depois ampliados no formato solicitado pelo cliente. Havia aqueles que pediam até emprestadas as roupas em que apareciam nas fotos, por não ter dinheiro para comprar chapéu nem terno. "Tenho guardado o nome de todos (os fotografados), nunca joguei nenhum negativo fora", diz Seu Assis, o olhar emocionado, destacando que guarda todo o acervo, com o nome e a data da foto de cada pessoa retratada.

Dentro do estúdio do Photo Assis, em Diamantina, a ordem era ficar quieto na frente da câmara e ai daqueles que não seguissem as instruções. As pessoas gostavam das fotos e depois retornavam para ser clicadas outra vez. Não queriam apenas mostrar a sua cara, mas aparecer de corpo inteiro, ao lado de familiares e outras pessoas queridas.

Um garimpeiro generoso voltou com um presente: ouro, para que o fotógrafo tivesse o material para a aliança de casamento - a mulher de Seu Assis, Maria Conceição Horta, com que esteve casado por 71 anos, morreu há um ano."Fui um homem apaixonado a vida toda. E a vida toda foi só ela", comenta o guardião de tantas memórias, antes de mostrar, com uma feliz doçura, a foto guardada na carteira de dinheiro. "Olha que gracinha ela."



Vencedora do XII Prêmio Marc Ferrez de Fotografia da Funarte no ano passado, na categoria de Reflexão Crítica sobre Fotografia, a exposição fica aberta ao público até o dia 8 de janeiro. "É fundamental para o meu pai ter, aos 95 anos, esse tipo de reconhecimento ao trabalho", diz Isnard, o quarto dos dez filhos de Seu Assis.

Clique abaixo para assistir o vídeo sobre  a exposição:
http://www.youtube.com/watch?v=Ye-kpT_SwGM&feature=player_detailpage

ASSIS HORTA: A DEMOCRATIZAÇÃO DO RETRATO FOTOGRÁFICO ATRAVÉS DA CLT
Palácio do Planalto. De segunda a sábado, das 9h às 18h; no domingo, das 9h30 às 14h. Entrada franca. Até 8 de janeiro.

Fonte:
- focusfoto.com.br
- estadão.com.br
 

2 comentários:

  1. Muito bom o trabalho sobre Prof. Luciano (de quem muito me lembro nos tempos do início da EE da FUMEC), especialmente em Congonhas e Sabará. Agradeço o post sobre meu pai Assis Horta e sua lembrança como fotógrafo no IEPHA. Gostaria de lhe enviar um catálogo da mostra do Planalto. Isnard.

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    1. Obrigado pelo comentário. Todos lá de casa lembramos com saudade do seu pai....gostaria de encontrá-lo....conversarmos a respeito do IEPHA....quantas histórias...papai tem várias fotos tiradas pelo Assis...Congonhas, por exemplo.
      Quando vocês tiverem em BH....poderíamos combinar. Um bom papo com você e seu pai
      Abraços!

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