quarta-feira, 29 de março de 2017

Terceirizar é destruir a democracia, por Ângela Carrato



TERCEIRIZAR É DESTRUIR DE VEZ
 A DEMOCRACIA BRASILEIRA

Por Ângela Carrato
Do Facebook/Estação Liberdade

Os anos do pós-Segunda Guerra Mundial podem ser definidos, nos Estados Unidos e na Europa, como um período relativamente estável em que se buscou a valorização do emprego e a adoção de políticas públicas capazes de reduzir a exploração do trabalho pelo capital.

As vitórias da conservadora Margareth Thatcher, na Inglaterra, em 1979, e do republicano Ronald Reagan, pouco depois, nos Estados Unidos, em meio a crises estruturais do capitalismo, foram decisivas para inverter este quadro. Entravam em cena o que estudiosos denominam de “pragas da pior espécie”: a pragmática neoliberal e a reestruturação produtiva global.

O Brasil, que até meados dos anos 1980, estava mergulhado em uma ditadura civil-militar, não teve tempo sequer de respirar antes de se ver envolvido na nova realidade, comandada pelos países do capitalismo central. Mesmo assim, em 1988, a nova Constituição brasileira conseguia a façanha de conter, em parte, as forças internas e externas do atraso e incluir em seus capítulos e artigos inúmeras medidas de inegável alcance social.

A Constituição de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), passaram a ser referências para os trabalhadores na luta contra as exigências de um empresariado cada vez mais articulado para garantir a exploração máxima. Exploração que, para ser bem sucedida, a partir de então, deveria incluir a destruição dos laços de solidariedade e de consciência de classe entre os trabalhadores.

“ÚLTIMAS NOVIDADES”
Atendendo aos interesses do capital, surgiram em universidades e em think tanks localizados em países do capitalismo central, uma série de conceitos rapidamente difundidos e apresentados como “últimas novidades” para o mundo do trabalho. Entravam em cena o “capital humano”, o “trabalho em equipe”, o “envolvimento participativo”, os “colaboradores”, a “remuneração por metas”, tudo envolto e impulsionado pelas “maravilhas” da revolução digital.

Num primeiro momento, a novidade chegou a exercer algum fascínio no mundo do trabalho, diante das promessas de que o pesado fardo diário pudesse ser aliviado, especialmente em se tratando das atividades que exigem maior esforço físico e de que uma nova era também havia chegado para as atividades qualificadas.

As consequências reais no mundo do trabalho, no entanto, não demoraram a aparecer. Entravam em cena a terceirização e seu sinônimo, a flexibilização, com suas consequências: precarização do trabalho, subemprego, assédios, mortes e suicídios. As empresas privadas foram as primeiras a adotar a novidade, mas elas acabaram igualmente disseminadas pelas empresas estatais e pelas companhias de economia mista.  Há muito o site da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), por exemplo, não menciona mais funcionários. Eles foram transformados em “colaboradores”.

O empregado e o funcionário são conceitos precisos. Eles têm jornadas de trabalho fixadas, férias, salários e são filiados a sindicatos específicos. Já o colaborador está envolvido em uma neblina espessa. Algo como estar no limbo, onde se oscila entre pertencer e não pertencer à empresa ou à organização.

Outro conceito correlato muito em moda nas empresas e organizações é o da transparência. Ele está presente no site da Copasa e também, por exemplo, no da Vale, a  ex-Vale do Rio Doce. Em ambos os casos, a alegada transparência, elegida à condição de “valor empresarial”, inexiste. A Copasa tem sido uma empresa cujas decisões são pouco acessíveis ao público interno e externo e a Vale dispensa maiores comentários. Basta lembrar que é responsável direta pelo maior crime ambiental e humano da história da mineração no Brasil. Crime que completou  mais de um ano impune.

FHC APROVOU E LULA ENGAVETOU
A pressão do capital tem sido responsável pelo processo de terceirização que começou lento e ganhou aceleração no Brasil em 1998. Naquele ano, o então presidente Fernando Henrique Cardoso enviou ao Congresso e foi aprovado um projeto de lei para acabar com as restrições ao trabalho terceirizado, engavetado em 2003, na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva.

No início, a justificativa do empresariado era de que a terceirização das atividades-meio iria permitir-lhe “focar” nas atividades-fim. Depois, o argumento adotada pela Fiesp, CNI e TV Globo em defesa da flexibilização total passou a ser “a necessidade de se aumentar a competitividade entre as empresas”. Além das empresas privadas, as estatais e as de economia mista também aderiram à “onda”

Se a terceirização parcial já era ruim, o Projeto de Lei que foi aprovado pela Câmara dos Deputados, na semana passada, é muito pior. Ele permite a flexibilização total das relações de trabalho, sepultando na prática a CLT.

A flexibilização foi aprovada inicialmente pela Câmara dos Deputados, quando seu então presidente, o hoje presidiário Eduardo Cunha (PMDB), desenterrou um antigo projeto que tramitava na Casa e conseguiu aprová-lo entre as medidas que ficaram conhecidas como “pautas bombas”, destinadas a solapar a base política da presidente Dilma Rousseff. Como alertou na época o ex-presidente Lula, “esse projeto é um retrocesso a antes do governo Getúlio Vargas. Estamos voltando a 1930, tentando estabelecer uma relação de trabalho onde só tem um ganhador, que é o patrão”.

TERCEIRIZAÇÃO OU ESCRAVIDÃO?
A crise política que culminou com o golpe, travestido de impeachment, de Dilma Rousseff, fez com que inúmeras medidas antipopulares e que, em uma democracia nunca seriam aprovadas, tivessem tramitação relâmpago e se tornassem leis. O objetivo do governo ilegítimo Temer é privatizar tudo o que ainda resta para ser privatizado e para que isso seja possível, faz-se necessário a destruição dos direitos do trabalho.

Entidades de trabalhadores, auditores-fiscais, procuradores do trabalho e juízes trabalhistas igualmente garantem que a flexibilização total e irrestrita, como foi aprovada, é nocivo aos trabalhadores e à própria sociedade. Mesmo “revoltados” que foram às ruas gritar “Fora Dilma” e portavam faixas em apoio à “flexibilização total”, começam a mudar de ideia e se mostram constrangidos diante de fatos inegáveis.

De acordo com levantamento da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), ao comparar trabalhadores que realizavam a mesma função em 2010, os terceirizados recebiam em média 27% a menos do que os contratados diretos, tinham uma jornada semanal 7% maior e permaneciam menos tempo no mesmo trabalho (em média 2,6 anos, ante 5,8 anos para os trabalhadores diretos). Estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) revelou que, dos 40 maiores resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão nos últimos quatro anos, 36 envolviam empresas terceirizadas.

Os terceirizados, aliás, são os empregados que mais sofrem acidentes. Na Petrobrás, mais de 80% dos mortos em serviço entre 1995 e 2013 eram subcontratados. A segurança é prejudicada porque companhias de menor porte não têm as mesmas condições tecnológicas e econômicas. Além disso, elas recebem menos cobrança para manter um padrão equivalente ao seu porte. Isto tem se repetido em Minas Gerais, na Copasa.  Em setembro de 2016, o Sindágua denunciou a morte de um trabalhador terceirizado pela empresa em Extrema, no Sul do Estado, “que vem engrossar a estatística das vítimas da ausência de treinamento e da negligência absoluta com normas necessárias de segurança”.

Some-se a isso que especialistas acreditarem que a aprovação da terceirização total, como se deu, significará uma espécie de liberação da corrupção nas terceirizações do setor público.  Quem se lembra do bicheiro Carlos Cachoeira e do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, envolvidos em terceirização de serviços públicos? Em outros casos, contratos fraudulentos de terceirização também foram usados para desviar dinheiro do Estado.

Por último e não menos importante, empresas menores pagam menos impostos. Como o trabalho terceirizado transfere funcionários para empresas menores, isso diminuirá a arrecadação do Estado. Ao mesmo tempo, a ampliação da terceirização deve provocar uma sobrecarga adicional ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao INSS, num momento em que o governo insiste na retórica da necessidade de se reduzir gastos.

A terceirização ou flexibilização é, portanto, sinônimo de desconstruir todo o sistema trabalhista, parte integrante da democracia brasileira. Reverter a terceirização é uma tarefa para toda a sociedade brasileira.

Esta luta, que está apenas começando e já tem manifestação marcada para o próximo dia 31 de março, só será vitoriosa, se a maioria da sociedade compreender que uma democracia não comporta o massacre do trabalho pelo capital.

Ou, se preferirem, uma democracia que autoriza tal massacre, já deixou de ser democracia.
(Ângela Carrato)

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