O projeto de reforma enviado ao Congresso é o maior ataque aos direitos dos trabalhadores em décadas, em especial das trabalhadoras
O projeto de desmonte da Previdência Social enviado ao Congresso Nacional pode ser considerado o maior ataque aos direitos da classe trabalhadora em décadas. Em especial das trabalhadoras urbanas, rurais, professoras, negras e idosas, ao desprezar os diferenciais de gênero, raça e desigualdades regionais, e como essas três dimensões estão interligadas.
No caso das mulheres, a aposentadoria diferenciada existe desde a Constituição de 1967. Trata-se do reconhecimento de que elas vivenciam uma condição mais desfavorável no mercado de trabalho, no qual sofrem discriminação e recebem salários inferiores, e de que são as principais responsáveis pelas tarefas domésticas e de cuidados, portanto sobrecarregadas com a dupla jornada de trabalho.
Quando se trata das mulheres negras, as desigualdades são ainda mais destacadas. Embora representassem 51% das trabalhadoras ocupadas em 2014, eram maioria entre os trabalhos mais precários: 54% dos sem registro, 66% no trabalho sem remuneração e 66% do emprego doméstico sem carteira, no qual há um recuo na tendência de formalização verificado na última década (a contribuição para a Previdência caiu 27% entre 2013 e 2015).
No que se refere às trabalhadoras rurais, uma vez que 70% começam a trabalhar no campo antes dos 14 anos e se ocupam de várias tarefas ao longo do dia, como do plantio na roça e no quintal, o processamento de alimentos e os cuidados, as mudanças serão ainda mais perversas ao se propor a ampliação de 55 para 65 anos.
O projeto pretende prolongar ao máximo o acesso à aposentadoria, de modo que a maioria da classe trabalhadora certamente não alcançará o benefício. E reduzir seu valor para 76% em comparação com os valores da ativa, contra os atuais 85,2% do salário para as mulheres e 77,4% para os homens. Portanto, a medida afeta mais as mulheres.
Expectativa de vida, sexo e região
A expectativa de vida ao nascer apresenta grande variação a depender do sexo, da região ou do estado. No Norte e parte do Nordeste oscila entre 70,3 e 72 anos, enquanto que no Sul pode chegar a 78,7 anos.
Quando se analisam os dados para as mulheres, se é certo que, em média, elas apresentam um diferencial de 7,2 anos em relação à expectativa de vida dos homens, também é correto afirmar que essa diferença tem se reduzido desde a década de 1990. Por outro lado, em vários estados brasileiros, quando se consideram as desigualdades regionais e as condições de vida e trabalho, esses diferenciais tem se reduzido, inclusive a favor de uma maior longevidade dos homens.
Em Santa Catarina, a expectativa de vida dos homens é superior àquela das mulheres em cinco estados do Norte e Nordeste. Na cidade de São Paulo, conforme o Censo de 2010, a expectativa de vida depende do bairro no qual se reside. Varia de 67 a 89 anos para os homens e de 74 a 89 anos para as mulheres. Equivale a dizer que em São Paulo, a maior metrópole brasileira, a expectativa de vida de um homem de bairro abastado pode ser superior em 15 anos a de uma mulher de bairro pobre e de periferia.
Desigualdades no mercado de trabalho
Diversamente do que o projeto apregoa sobre a suposta igualdade no mercado de trabalho, os dados sugerem que a taxa de participação das mulheres em relação aos homens é muito desigual: para elas, 55,3%, enquanto que para eles a taxa era de 77,6% em 2015.
Quanto menor a faixa de rendimento domiciliar per capita, maior a diferença entre mulheres e homens em termos de taxa de participação: a diferença chega a 40,6% entre os sexos para faixas de idade entre 25 a 29 anos e renda per capita entre um quarto e meio salário mínimo.
O afastamento das mulheres do mercado de trabalho nessa faixa etária, em parte, está associado à maternidade e à ausência de creches públicas, o que obriga as mais pobres a se afastarem temporariamente de alguma atividade remunerada para se dedicar às tarefas de cuidados e, quando retornam, isso se dá em condições mais desfavoráveis.
Informalidade
A informalidade e o trabalho sem remuneração fazem parte das vivências profissionais da maior parte das mulheres, embora esse percentual tenha se reduzido nessa última década e voltado a crescer em 2015. Naquele ano, do total de ocupadas com 15 anos ou mais, 40% estavam em atividades como o trabalho doméstico, por conta própria, em atividades não remuneradas ou sem rendimentos. Entre os homens, o percentual para o mesmo período era de 32%, conforme dados da PNAD de 2015.
Entre as trabalhadoras domésticas, maioria mulheres negras, de um total de 5,7 milhões, apenas 31% detinham carteira de trabalho assinada em 2015. São aproximadamente 4 milhões de mulheres sem nenhum tipo de proteção social.
Em relação ao segurado especial, homens e mulheres que exercem atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar, sem o auxílio de empregados, o projeto, ao prever a contribuição individual em substituição ao segurado especial, condenará milhões de trabalhadoras à dependência econômica do único contribuinte da família, o trabalhador do sexo masculino.
Taxa de desemprego maior
Conforme dados da PNAD, o ano de 2016 fechou com uma taxa de desemprego de 13,8% entre as mulheres e de 10,7% entre os homens. No Norte e Nordeste, a taxa de desemprego das mulheres chega a 16% e 16,5%, respectivamente. De modo igual, a taxa de desemprego entre negros era de mais de 14% para o mesmo período.
Persistem as diferenças salariais
Quando se considera a comparação com base nas médias salariais, sem descontar o rendimento hora, as mulheres recebiam, em média, 76% dos rendimentos masculinos, segundo dados da PNAD de 2015. Nesse mesmo ano, 34% auferiam até um salário mínimo, enquanto que entre os homens o percentual era de 24%.
Na comparação entre negros e brancos, as diferenças de rendimento chegam a 55%. Quando se trata das mulheres negras, esse percentual pode chegar a representar 33%: para cada mil reais recebido por alguém de cor branca, uma negra auferirá em torno de 330 reais.
Trabalho doméstico é coisa de mulher?
A responsabilidade das tarefas domésticas continua a ser exclusividade das mulheres, que dedicam o dobro de tempo em relação aos homens. Enquanto elas se ocupam dos afazeres domésticos durante 21 horas semanais, eles gastam apenas 10 horas com essas tarefas. A depender da atividade em que a mulher estiver inserida, essa função pode se ampliar para 30 horas, a exemplo das trabalhadoras da agricultura e da pesca.
Em um cálculo simplificado, ao se considerar o que a jornada total no trabalho remunerado e não remunerado totaliza cinco horas a mais por semana, pode-se concluir que as mulheres trabalham, em média, 240 horas a mais por ano.
Conforme dados da PNAD, entre 2004 e 2015, cresceu em 65% a quantidade de lares chefiados por mulheres, de modo que 40,5% dos domicílios, ou mais de 28 milhões, possuem uma mulher como referência.
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