sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O país assiste a um enorme acerto das grandes corporações


MURILO ROCHA

20 anos em dois meses
O Tempo

Democracia sempre foi um termo um tanto quanto abstrato no Brasil, um dos países mais desiguais do mundo. Mas, em 2016, ele foi escancaradamente sepultado. Michel Temer (PMDB), por exemplo, não recebeu nem um voto sequer para exercer o cargo de presidente da República. Foi eleito vice em uma chapa na qual o programa referendado pelas urnas ele não representa. Assumiu o poder por meio de uma manobra hoje sabidamente fraudulenta sob todos os aspectos. E, mesmo assim, em um curto espaço de tempo, já promove mudanças políticas e econômicas profundas e incertas para o futuro do país. A PEC do Teto dos Gastos Públicos, por exemplo, aprovada nessa semana, um mecanismo questionável e radical para o equilíbrio das contas do governo, foi aprovada por um Congresso corrupto a toque de caixa. Um congelamento de investimentos públicos por 20 anos, atingindo educação, saúde, infraestrutura e até o salário mínimo, foi decidido por um grupo de deputados e senadores em menos de dois meses. Parte desses mesmos parlamentares, vale lembrar, recebeu nos últimos anos R$ 15 milhões de propina da Odebrecht, segundo delação de Cláudio Melo Filho, para aprovar projetos de interesse da empreiteira.

“O efeito principal e inevitável da proposta de emenda constitucional elaborada para forçar um congelamento orçamentário como demonstração de prudência fiscal será o prejuízo aos mais pobres nas próximas décadas”. A constatação não é de nenhum petista ou sindicalista: é do relator especial da ONU para extrema pobreza e direitos humanos, Philip Alston. Para ele, a PEC 55 colocará “o Brasil em uma categoria única em matéria de retrocesso social”. Alston ainda alerta para o óbvio. Temer e seus fiadores no Congresso – Renan Calheiros (PMDB), Rodrigo Maia (DEM), Aécio Neves (PSDB), Paulinho da Força (Solidariedade) etc. – representam uma elite derrotada nas eleições, no voto popular. O projeto deles, como demonstrou todas as enquetes e pesquisas feitas a respeito da PEC 55, não tem o apoio da maioria da população. Mas isso não importa. Seus interesses estão atrelados ao mercado – nome fantasia em que se escondem banqueiros, especuladores financeiros, grandes empresários.

Se tomarmos por base o cenário de hoje e o projetado para as próximas décadas, R$ 20 bilhões deixarão de ser investidos em saúde por ano (dados do Conselho Nacional de Saúde) e R$ 25,5 bilhões em educação (estudo da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados). E o salário mínimo, hoje de R$ 880, seria de R$ 400 caso a medida já vigorasse há 20 anos.

O país assiste a um enorme acerto das grandes corporações para se manterem no poder à revelia da desgraça e da insatisfação popular. Nesse esquema vale tudo, inclusive fechar os olhos para as denúncias contra Renan Calheiros e mantê-lo no cargo, com aval do STF. Afinal, sem Renan as medidas de Temer correm o risco de não vigorar no Legislativo. E essa turma ainda precisa aprovar a reforma da Previdência, aquela na qual o trabalhador comum precisará trabalhar pelo menos 49 anos para ter a integralidade do benefício pelo qual ele pagou.

E ainda tem gente seriamente preocupada com vandalismo em manifestações.

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