O Tempo
Como se sabe, a lama tóxica aniquilou, em poucas horas, o distrito de Bento Rodrigues. Dezenove pessoas morreram, e um total de 600 moradores ficou desabrigado. Mas o que são esses números frente à dimensão real da tragédia, como a da criança que foi levada dos braços do pai? Como a de uma cidade que deixou de existir?
Sessenta e dois milhões de toneladas é o equivalente a um cubo da altura da torre Eiffel. Esse é o volume de lama tóxica que arrasou Bento Rodrigues e seguiu para o rio Doce, cujo curso representa(va) a principal bacia hidrográfica incluída na região Sudeste.
Com os níveis de oxigênio perto de zero, o rio Doce assistiu à morte de milhares de peixes. Diversos institutos e pesquisadores já declararam a morte do rio, que não se sabe se vai se recuperar. Caso isso venha a ocorrer, pode levar décadas ou até séculos.
Cidades inteiras ficaram sem água e até hoje sofrem as consequências da contaminação do principal rio de sua região. Mas os responsáveis pela tragédia não foram sequer responsabilizados. E trabalham para maquiar o estrago. Um acordo com o poder público permitiu que a gestão do recurso das multas fosse feito por uma fundação gerida pela própria empresa, sem participação da sociedade.
Não que durante esse ano a empresa tenha demonstrado exemplar compromisso ambiental. Logo após a tragédia, em nota no seu site, a Samarco afirmou que a lama “era inerte”. No entanto, a 300 km de Bento Rodrigues, o rio Doce já apresentava índices concentração de metais até 1.300.000% acima do normal.
Em seguida, a Samarco chamou de “boatos” as informações sobre o risco de novo rompimento, nos reservatórios de Santarém e de Germano. Depois, reconheceu que as duas barragens ainda podem ruir. Cenas dignas dos piores filmes de terror.
Em 2014, a Samarco registrou o maior lucro líquido das empresas em Minas Gerais. Foram R$ 2,8 bilhões distribuídos para seus acionistas. Mas a empresa está em décimo lugar em recolhimento de tributos, graças à benesses fiscais e a uma tributação injusta. A cidade de Mariana fica com o equivalente a 0,7% dos lucros.
Nesse contexto de privatização dos lucros e socialização dos prejuízos, até onde vamos tolerar a atividade da mineração ocorrer de maneira predatória e irresponsável? Nas últimas décadas, a cada dois anos, aconteceu um desastre de graves proporções com barragens de rejeitos em Minas Gerais. Segundo um levantamento do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), há no Brasil 16 barragens que apresentam riscos de rompimento.
Visando se contrapor a essa situação destruidora, um grupo de pessoas preocupadas com o ambiente e a vida realiza uma ação chamada Rejeito, com um ato público no próximo sábado. O texto de chamada é muito consistente e coloca os pingos nos is da relação entre água e mineração: “Já sabemos que onde há minério de ferro há água de qualidade, que as formações ferríferas são reservatórios naturais de água que, se preservadas, são garantia de qualidade e segurança hídrica nos períodos de maior estiagem. A mineração destrói as características de conservação da água destes aquíferos, e, não bastando esse fato, há vários projetos em curso de transposição de água e transporte de minério por minerodutos. São projetos que preveem, cada um deles, uso de água suficiente para abastecer cidades de 400 mil habitantes (consumindo 160 l/dia per capita, média de BH)”.
Alguma escolha precisa ser feita. Queremos continuar minerando dessa maneira ou queremos ter água? Se a mineração é uma atividade tão predatória, não deveria ser controlada pela sociedade, enfaticamente reduzida, e altamente taxada para gerar recursos para o Estado investir em recuperação ambiental?
Neste sábado, um grupo de pessoas estará reunido para rejeitar o modelo de atraso e dependência econômica vigente. Debate que precisa ser fortalecido, com urgência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário