terça-feira, 30 de junho de 2015

Entrevista sobre o livro ¨Cartas de Esperança em Tempos de Ditadura¨

Leia o comentário e assista o vídeo da entrevista do organizador do livro, Leandro Garcia Rodrigues, no programa Religare, da TV Horizonte. A entrevista inicia com a abordagem sobre a posição da Igreja Católica frente ao regime militar.

Resenha: "Cartas de Esperança em Tempos de Ditadura"

Por: Everton Marcos Grison

                      ... O livro publicado com o título: Cartas de Esperança em tempos de Ditadura: Frei Betto e Leonardo Boff escrevem a Alceu Amoroso Lima (217 páginas), com organização, introdução e notas do Dr. Leandro Garcia Rodrigues e publicado pela Editora Vozes, vem somar-se a um grande interesse nas pesquisas historiográficas e literárias brasileiras, que reconhecem as cartas como importante documento histórico, além de contribuir de forma inestimável, para o conhecimento da população em geral, acerca do período dos “anos de chumbo” do Brasil. Tal epistolário é composto de 22 cartas, “... denso em temáticas abordada, chega ao público leitor oferecendo uma nova forma de se encarar o texto epistolar – como testemunho, relato, desabafo e denúncia” (p. 10). No total de 22 cartas, 04 são de Alceu e 18 são de Frei Betto em um testemunho e testamento vivo da e para a humanidade.
            O livro é composto de um ensaio/introdução de belíssima erudição, com referenciais filosóficos, históricos e literários, demarcando claramente o lugar do leitor em meio à pesquisa epistolar. Nos anexos são encontradas imagens dos originais das cartas, textos publicados em jornais por Alceu Amoroso Lima, no período em que os dominicanos estiveram presos, e textos de Frei Betto sobre Alceu. Também estão presentes algumas cartas trocadas entre Alceu e Leonardo Boff, as homenagens feitas por Boff na ocasião dos 85 anos de vida de Alceu, além da homilia da missa de sétimo dia do jornalista. Finalizando o livro, um ensaio cheio de vida e emoção, de autoria de Leonardo Boff, ressaltando as características mais determinantes do cavaleiro do pensamento Alceu Amoroso Lima.

Alceu significou no pensamento brasileiro o feliz encontro entre o saber cientifico e sua imbricação com a filosofia em função do esclarecimento do problema humano na dimensão pessoal, social, histórica e religiosa... Sua denúncia nunca perdeu seu alto nível. Soube sempre situar-se num horizonte inatacável e aberto, para além do ideológico, moda do dia, sem qualquer concessão ao rancor ou à lamúria. Atacado e até caluniado, jamais se defendeu. A verdade brilha com luz própria, não emprestada; ela mesma se encarrega de desfazer as mentiras. (p: 204, 207).
            

Assista o vídeo do programa Religare, da TV Horizonte, sobre o livro -  clique abaixo:



















segunda-feira, 29 de junho de 2015

Caminhantes percorrem cenários que inspiraram " Grande Sertão: Veredas"

O Tempo

OSDSDS
Preparo. Os mineiros Gabriel de Oliveira e Almir Paraka ajudam a cuidar do roteiro do Caminho do Sertão


Eles não se conhecem ainda. São militantes, ativistas, pesquisadores, ambientalistas, músicos, poetas; de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Goiânia, Belo Horizonte e interior de Minas. Movidos pelas mais diversas causas, 50 caminhantes vão mergulhar juntos, no próximo sábado, em uma jornada que tem tudo para ser no mínimo transformadora. Entre veredas e buritis, eles vão percorrer 160 km em sete dias de caminhada pelos cenários sertanejos do clássico “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa. Como escreveu o autor, um dos mais importantes do país: “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.

Essa travessia se propõe ser uma imersão cultural, em que literatura e geografia se misturam e se completam. De Sagarana, distrito de Arinos, no Noroeste, ao Parque Nacional Grande Sertão Veredas, em Chapada Gaúcha, no Norte – próximo à divisa com Bahia e Goiás –, o grupo vai trilhar a pé parte do caminho feito pelo protagonista Riobaldo rumo ao Liso do Sussuarão. Pelo trecho, cenários e pessoas do cerrado mineiro se fundem, dando vida à ficção roseana.
Em trajetos que percorrem em média 20 km a 30 km por dia, os caminhantes poderão vivenciar a fauna e a flora típicas do sertão mineiro. No entanto, mais do que a desafiadora aventura, a ideia é também possibilitar troca de experiências e aprendizado com a simplicidade própria do povo sertanejo. Em cada pouso nas comunidades, a jornada dos caminhantes se entrelaça, por meio de histórias, folias de reis, tradições e memórias, aos saberes e fazeres dos habitantes dos vales dos rios Urucuia e Carinhanha. Como disseram os organizadores, baseados em Rosa, “ninguém atravessa essa paisagem impunemente – ao final, revela-se e apura-se que o sertão está dentro da gente”.

“Estando lá a gente entende de onde vem tanta inspiração. Os personagens são muito intensos”, afirma o produtor cultural Leonardo Yu Marins, 29, que participou da primeira edição do projeto. “Eu me senti dentro da obra. A gente encontra os personagens o tempo inteiro pelo caminho, montados no cavalo, fumando cigarro de palha, fazendo folia de reis”.

Marins nunca havia feito uma caminhada tão longa e recomenda a experiência. “Fácil não é. É um exercício bem intenso em vários sentidos, da questão física à psicológica. Mas o contexto todo te motiva. No fim dá uma sensação de dever cumprido e de envolvimento com o lugar. É uma troca de experiências muito forte. Apesar de cada um (dos caminhantes) ser de um canto, no fundo tínhamos algo em comum e nos identificamos”.

Entenda. Criado em 2014, o projeto O Caminho do Sertão é um dos principais produtos oriundos de um trabalho de desenvolvimento social e territorial feito há mais de uma década na região. A intenção é que o roteiro se torne rota permanente de turismo ecocultural e literário de base comunitária, que desperte o interesse de públicos diversos para o valor e a diversidade locais.

“No esforço de entender o pertencimento daquelas comunidades ao território, a gente se aproxima de Rosa. A obra dele serve para trabalhar a cultura da região, promover a autoestima pessoal e auxiliar a identificação das pessoas com a riqueza do território”, afirma o empreendedor social e ativista cultural Almir Paraka, 52, um dos idealizadores do projeto e ex-deputado estadual.
Iniciativa
Realização
. O projeto é promovido por Agência de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Vale do Rio Urucuia, Instituto Cultural e Ambiental Rosa e Sertão e Centro de Referência em Tecnologias Sociais do Sertão.
Descritivo
Travessia. 
A caminhada começa em Sagarana, o primeiro assentamento de reforma agrária da região e onde ocorre anualmente o festival Sagarana: Feito Rosa para o Sertão. O ponto final é Chapada Gaúcha, onde em julho acontece o Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas – a travessia termina no evento. “O caminho nasce como uma tentativa de homenagear o Encontro dos Povos, e é produto de um esforço, na cadeia do turismo, de promover a melhoria da autoestima do povo sertanejo”, explica Almir Paraka. Feita em julho de 2014, a primeira edição teve trajeto de 150 km e reuniu 70 pessoas.

Seleção. A segunda caminhada acontece de 4 a 12 de julho e está sendo organizada de forma voluntária e colaborativa pelos caminhantes de 2014. Os 50 participantes foram escolhidos entre 243 inscritos, com prioridade para moradores da região, lideranças que militam na área, ativistas de movimentos sociais, pesquisadores e amantes da obra de Guimarães Rosa.

Programação. As caminhadas começam por volta das 6h e se estendem pela manhã e às vezes até o início da tarde. Ao terminar o trajeto do dia, os caminhantes são recepcionados com música pela comunidade, almoçam e montam barracas, normalmente nos quintais das casas. À noite, a comunidade apresenta folias e danças.

Custo. Nas trilhas, veículos de apoio transportam barracas e mochilas dos participantes, prestando primeiros- socorros e transporte em emergências. As despesas com transporte até Sagarana e de retorno à cidade de origem são de responsabilidade dos participantes. Cada caminhante paga R$ 195 para custar todas as refeições.

sábado, 27 de junho de 2015

A luta pela terra: reintegração de posse na região da Izidora pode emperrar de vez

Rádio Itatiaia:


Coluna doEduardo Costa







A luta pela terra

A reintegração de posse naquela área conhecida como Izidoro, no limite de municípios de Belo Horizonte e Santa Luzia está suspensa e promete mais emoções. 

Agora, o advogado Obregon Gonçalves está juntando documentos a uma ação civil pública de três promotoras para ver a prova de propriedade dos terrenos. Está seguro de que a lei, de 1914, cedendo o imóvel para instalação de um hospital (sanatório) foi revogada; portanto, o dono é a Prefeitura. Sem falar que o prefeito Célio de Castro decretou, em 2001, parte dos lotes como Zona Especial para Fins Sociais... Então, as famílias já estariam ocupando o que lhes pertence...

Há mais perguntas: quantos terrenos existem lá no Isidoro, uma área tão grande que é considerada a décima regional de Belo Horizonte? Há informações de que uma área, de 657 mil metros quadrados, hoje pertence a empresa de pessoas da família do ex-presidente da Assembleia, Diniz Pinheiro... Foi vendida à família Pinheiro pelos Werneck, por 1,969 milhões mas, para fins de ITBI foi avaliada em 3 milhões... Detalhe, a venda foi feita parcelada, e o pagamento das parcelas não foi registrado em cartório, o que, segundo advogados, impede a contratação de financiamento pela Caixa Econômica Federal, a exemplo do que está sendo cogitado no Isidoro, em área da Família Werneck.

Outro terreno pertence a uma empresa que tem na direção pessoa da família de José Geraldo Ribeiro, aquele que foi secretário de ações rumorosas nos governos de Hélio Garcia, virou deputado federal e foi cassado por ser um dos anões do orçamento... Gente que roubava o dinheiro da União, através de emendas... Detalhe é que a área foi utilizada como garantia em Execução da União, contra a empresa filantrópica chamada Associação Cultural Caldas da Rainha, que não aplicou recursos federais como devia, tendo a Justiça Federal determinado o leilão da área dada em garantia. Na hora H, agora em 2013, alguém pagou 1,5 milhão e suspendeu o leilão. É o caso então de a Justiça Federal investigar quem fez o depósito e, dependendo do resultado, até impedir que o terreno seja alvo de financiamento federal, caso a área esteja incluída no projeto em curso na Caixa Econômica.

Sobre as empresas encarregadas de construir os prédios, está no negócio a Construtora Bela Cruz Empreendimentos Imobiliários Ltda., pertencente ao Grupo Direcional. A Bela Cruz tem capital de R$ 1.000,00 e foi criada em Agosto de 2.013, quando estavam em andamento as negociações com a Caixa Econômica Federal para financiamento do Projeto Isidoro. O endereço da Construtora Bela Cruz é o mesmo endereço comercial das controladoras, integrantes do Grupo Direcional. E criaram outra, a Direcional Participações, com capital social também de mil reais... Então, como entender que a Direcional Participações seja a segunda garantidora de um negócio de um bilhão de reais, com financiamento de 756 milhões do governo federal e aporte complementar de 177 milhões por parte da Prefeitura?

São perguntas...


Para ouvir a reportagem digite:

http://www.itatiaia.com.br/uploads/audios/file/21888/20_-_EDUARDO_X_OCUPA__ES_-_25_06_15.mp3



quinta-feira, 25 de junho de 2015

É preciso que a sociedade se una e se mobilize para combater o retrocesso

Mobilização da sociedade é o antídoto contra o grave e iminente retrocesso

Se os movimentos sociais e organizações da sociedade civil continuarem a lutar separadamente, todos cairemos.


Carta Maior:

Maurício Guetta
Lula Marques/Agência PT
O cenário político desenhado para os próximos anos não deixa dúvida: viveremos, cada vez mais, graves ameaças de retrocessos em praticamente todos os temas relacionados aos direitos humanos, com especial destaque aos direitos socioambientais.

Direitos conquistados por indígenas e comunidades tradicionais, notadamente sobre as terras necessárias para a sua sobrevivência física e cultural, são objeto de inúmeras proposições legislativas, destinadas a alijá-los. São propostas que versam sobre uma infinidade de temas, tais como alterações constitucionais voltadas a petrificar a demarcação de terras tradicionais, a anular terras indígenas já demarcadas, homologadas e implantadas, bem como a permitir o desenvolvimento de atividades minerárias, hidrelétricas e agropecuárias em terras indígenas, apenas para citar algumas das mais impactantes.

A ofensiva contra os chamados direitos territoriais se estende amplamente ao direito fundamental de toda a coletividade de viver em um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Após desfigurar por completo o Código Florestal, o maior retrocesso legislativo ambiental da história do País – com consequências desastrosas para qualidade/quantidade de água, a produção de energia (já que o Brasil tem a energia hidrelétrica como base de sua matriz energética) e o combate às mudanças climáticas –, a bancada do agronegócio e suas aliadas (as bancadas evangélica, da mineração, da construção civil, da bala, dos meios de comunicação etc.) seguem sua ofensiva contra as unidades de conservação da natureza, com proposições legislativas tendentes a anular ou reduzir os limites de algumas dessas áreas ambientalmente protegidas e permitir a extração de minérios, a ampliação de latifúndios e a construção de mais hidrelétricas na Amazônia.

Trata-se da expansão das fronteiras de exploração dos recursos naturais brasileiros, em boa parte voltados para atender ao mercado internacional, em detrimento da qualidade de vida da população brasileira e dos direitos das populações vulneráveis, naquilo que alguns denominam de neocolonialismo. 

Longe de ser exclusividade dos direitos socioambientais, a agenda de retrocessos aos direitos humanos, estrategicamente arquitetada pelo Congresso conservador, é de assustar até os mais desavisados. São ameaças aos direitos urbanísticos, trabalhistas, à igualdade racial, à educação, à saúde, à justiça social, à igualdade de gênero, à liberdade sexual, à redução das desigualdades no sistema criminal, das crianças e adolescentes e outros tantos.

Tudo para atender aos interesses econômicos de empresas privadas financiadoras de campanhas eleitorais e/ou aos preceitos do fundamentalismo religioso.

Por falar nisso, a frágil democracia brasileira, ela própria, também vive período decisivo para o seu futuro. A reforma política, tão almejada pela sociedade brasileira, muito provavelmente não será reforma, mas, ao contrário, se destinará a estabelecer um conjunto de medidas que, como efeito prático, ampliará ainda mais o inescrupuloso controle da política brasileira pelo poder econômico privado, responsável por rotineiros descaminhos políticos e desvios de conduta no Legislativo e no Executivo. Tudo na contramão dos pleitos de movimentos sociais, unidos em torno da Plataforma pela Reforma do Sistema Político.

A manobra inconstitucional e antirregimental de Eduardo Cunha, realizada no último 27 de maio para reverter a derrota que havia sofrido no dia anterior, permitiu a aprovação, pela Câmara dos Deputados, da inclusão de uma aberração no texto de nossa tão aclamada Constituição cidadã: o financiamento empresarial para partidos políticos (não para candidatos). Sem adentrar aos detalhes sobre as consequências desastrosas que adviriam de sua aprovação definitiva, trata-se de proposta formal e materialmente inconstitucional. Formal, porque a matéria já havia sido votada e, ante a vedação contida no artigo 60, § 5.º, da Constituição, não poderia ter sido recolocada em pauta na mesma legislatura. Material, porque todo o texto constitucional estabelece como premissas basilares do sistema político-jurídico os princípios republicano e democrático, estatuídos logo em seu artigo inaugural, que ordena: “todo poder emana do povo.”

Apesar da evidente violação ao processo legislativo, a esperança de vermos combalidos os desmandos autoritários do presidente da Câmara caiu por terra quando a Ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, indeferiu o pedido feito por dezenas de deputados e chancelou a manobra de Cunha, em decisão proferida na última semana. Aliás, não parece ser obra do acaso o fato de o Ministro Gilmar Mendes seguir impedindo a continuidade do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o financiamento privado de campanhas, ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil e que já conta com maioria de votos pela inconstitucionalidade. Em abril, as financiadoras de campanha celebraram o aniversário de um ano de paralisação do processo, com a certeza de que continuarão a ditar os rumos da res publica.

Para piorar, o Governo Federal vive dias de tensão e alta vulnerabilidade. Se é verdade que as conquistas progressistas em direitos fundamentais na Constituição de 1988 somente foram possíveis, entre outros fatores, pela fragilidade política do então Presidente da República José Sarney, é igualmente possível que a atual debilidade política do Governo de Dilma Rousseff seja um dos fatores responsáveis por permitir alterações significativas em nossa legislação. Só que, desta vez, as mudanças, se de fato ocorrerem, virão em forma de conservadorismo extremado e alijamento de direitos.

Um Executivo politicamente combalido, um Legislativo dominado por interesses privados e forças conservadoras e um Judiciário indiferente perante os atentados à ordem democrática: são esses os ingredientes para o desmantelamento de nossas conquistas em direitos fundamentais promovidas pela Carta Constitucional.

Apesar de todos os pesares, em tempos de retrocesso, devemos ser capazes de olhar adiante, para além da onda pessimista, e nos espelharmos em mobilizações que têm sido responsáveis por frear o ímpeto conservador-fundamentalista. Os dois exemplos de mobilizações sociais em torno de pautas socioambientais mais recentes nos mostram que é possível barrar medidas violadoras dos direitos básicos dos brasileiros, inclusive de minorias, garantidos pela Constituição.

A primeira, que reúne não apenas organizações indígenas, indigenistas e socioambientais, mas também associações de magistrados, advogados, procuradores da república, centrais de trabalhadores e parlamentares vêm conseguindo barrar a aprovação da teratológica Proposta de Emenda Constitucional n.º 215-A/2000 na Câmara dos Deputados, destinada a destruir terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação da natureza.

Além de ter evitado, no final de 2014, a sua votação na Comissão Especial – composta majoritariamente por ruralistas –, a mobilização conseguiu algo que nos parece inédito: contar com o repúdio formal de 48 Senadores à proposta antes mesmo da sua chegada ao Senado Federal.  

A segunda, com mais de 150 movimentos sociais, organizações e redes da sociedade civil de todo o Brasil, ligados às lutas indígenas, de comunidades tradicionais, socioambientais, do campo e da agricultura familiar, se uniu para impedir retrocessos impostos pelo Governo Federal e pelas indústrias farmacêutica, de cosméticos e do agronegócio no novo marco legal da biodiversidade (ou da biopirataria, como preferem alguns). Não é coincidência o fato de ter o Senado Federal acolhido boa parte das demandas dessa mobilização, apesar de sua parcial derrubada na Câmara, ocorrida a mando do lobby da coalizão empresarial interessada na recém-aprovada Lei n.º 13.123/2015.

Quem diria que o Senado Federal, notoriamente tido como casa legislativa conservadora, seria uma das principais esperanças contra o avanço de retrocessos impostos pela Câmara dos Deputados, a antiga casa do povo.

Se os movimentos sociais e organizações da sociedade civil continuarem a lutar separadamente, cada um com suas pautas específicas e isoladas, todos cairemos. Ou nos unimos de vez, numa onda progressista e popular destinada a virar o jogo, ou assistiremos à destruição dos direitos conquistados em 1988.

Em defesa da Constituição cidadã, dos direitos humanos, sociais, políticos e socioambientais, é preciso que a sociedade se una, deixando de lado, pelo menos por ora, suas eventuais rusgas ideológicas. Ou nos empenhamos juntos nessa luta, ou viveremos tempos sombrios de retrocessos. Mobilizem-se!
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Maurício Guetta é advogado do Instituto Socioambiental – ISA e professor de Direito Ambiental da PUC/SP.


quarta-feira, 24 de junho de 2015

Encíclica do papa traz ecos da América Latina, diz Leonardo Boff




Carta Capital: 

Opinião

Encíclica do papa traz ecos da América Latina, diz Leonardo Boff

por Deutsche Welle — 
O teólogo Leonardo Boff comenta a encíclica "verde" escrita pelo papa Francisco. Brasileiro destaca que documento é inspirado em teólogos latino-americanos que ficaram ao lado dos pobres


A pobreza e a degradação ambiental são dois lados da mesma moeda. Esta é a certeza que permeia a encíclica "verde" do papa Francisco. Nela, também estiveram envolvidas, direta ou indiretamente, duas personalidades influentes na América Latina: o austríaco Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu, e o teólogo brasileiro Leonardo Boff. Em artigo escrito com exclusividade para a Deutsche Welle, Boff responde às principais questões sobre a encíclica ecológica.
Por que a encíclica é especial
É a primeira vez que um papa aborda o tema da ecologia no sentido de uma ecologia integral (que vai além, portanto, da ambiental) de forma tão completa. Grande surpresa: elabora o tema dentro do novo paradigma ecológico, coisa que nenhum documento oficial da ONU até hoje fez. Fundamental é seu discurso com os dados mais seguros das ciências da vida e da Terra. Lê os dados afetivamente (com a inteligência sensível ou cordial), pois discerne que, por trás deles, se escondem dramas humanos e muito sofrimento também por parte da mãe Terra.
Influência da América Latina
O papa Francisco não escreve na qualidade de mestre e doutor da fé, mas como um pastor zeloso, que cuida da casa comum e de todos os seres, não só dos humanos, que moram nela.
Um elemento merece ser ressaltado, pois revela a "forma mentis" (a maneira de organizar o pensamento) do papa Francisco. Este é tributário da experiência pastoral e teológica das igrejas latino-americanas que, à luz dos documentos do episcopado latino-americano (CELAM) de Medellin (1968), de Puebla (1979) e de Aparecida (2007), fizeram uma opção pelos pobres, contra a pobreza e em favor da libertação.
O texto e o tom da encíclica são típicos do papa Francisco e da cultura ecológica que acumulou. Mas me dou conta de que também muitas expressões e modos de falar remetem ao que vem sendo pensado e escrito principalmente na América Latina. Os temas da "casa comum", da "mãe Terra", do "grito da Terra e do grito dos pobres", do "cuidado", da interdependência entre todos os seres, dos "pobres e vulneráveis" da "mudança de paradigma" do "ser humano como Terra" que sente, pensa, ama e venera, da "ecologia integral" entre outros, são recorrentes entre nós
A estrutura da encíclica obedece ao ritual metodológico usado por nossas igrejas e pela reflexão teológica ligada à prática de libertação, agora assumida e consagrada pelo papa: ver, julgar, agir e celebrar.
Primeiramente, revela sua fonte de inspiração maior: São Francisco de Assis, chamado por ele de "exemplo por excelência de cuidado e de uma ecologia integral e que mostrou uma atenção especial aos pobres e abandonados".
Meio ambiente e pobreza
O papa incorpora os dados mais consistentes com referência às mudanças climáticas, à questão da água, à erosão da biodiversidade, à deteriorização da qualidade da vida humana e à degradação da vida social, denuncia a alta taxa de iniquidade planetária, afetando todos os âmbitos da vida, sendo que as principais vítimas são os pobres.
Nesta parte, traz uma frase que nos remete à reflexão feita na América Latina: "hoje não podemos desconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social que deve integrar a justiça nas discussões sobre o ambiente para escutar tanto o grito da Terra quanto o grito dos pobres". Logo a seguir acrescenta: "gemidos da irmã Terra se unem aos gemidos dos abandonados deste mundo". Isso é absolutamente coerente, pois logo no início diz que "nós somos Terra", bem na linha do grande cantor e poeta indígena argentino Atahualpa Yupanqui: "o ser humano é Terra que caminha, que sente, que pensa e que ama".
Condena a proposta de internacionalização da Amazônia que "apenas serviria aos interesses das multinacionais". Há uma afirmação de grande vigor ético: "é gravíssima iniquidade obter importantes benefícios fazendo pagar o resto da humanidade, presente e futura, os altíssimos custos da degradação ambiental"(n.36).
Com tristeza reconhece: "nunca temos ofendido nossa casa comum como nos últimos dois séculos". Face a esta ofensiva humana contra a mãe Terra, que muitos cientistas denunciaram como a inauguração de uma nova era geológica – o antropoceno – lamenta a debilidade dos poderes deste mundo que, iludidos, "pensam que tudo pode continuar como está" como álibi para "manter seus hábitos autodestrutivos", com "um comportamento que parece suicida".
O papel de cientistas e estudiosos do clima
Prudente, o papa reconhece a diversidade das opiniões e que "não há uma única via de solução". A encíclia dedica todo o terceiro capítulo à análise "da raíz humana da crise ecológica". Aqui o papa se propõe a analisar a tecnociência, sem preconceitos, acolhendo o que ela trouxe de "coisas preciosas para melhorar a qualidade de vida do ser humano".
A tecnociência se tornou tecnocracia, uma verdadeira ditadura com sua lógica férrea de domínio sobre tudo e sobre todos. A grande ilusão, hoje dominante, reside na crença de que com a tecnociência se podem resolver todos os problemas ecológicos. Essa é uma diligência enganosa porque "implica isolar as coisas que estão sempre conexas". Na verdade, "tudo é relacionado", "tudo está em relação", uma afirmação que perpassa todo o texto da encíclica como um ritornelo, pois é um conceito-chave do novo paradigma contemporâneo. O grande limite da tecnocracia está no fato de "fragmentar os saberes e perder o sentido de totalidade". O pior é "não reconhecer o valor intrínseco de cada ser e até negar um peculiar valor do ser humano".
Papa Francisco propõe uma "ecologia integral" que vai além da costumeira ecologia ambiental. O espírito terno e fraterno de São Francisco de Assis perpassa todo o texto da encíclica Laudato sí. A situação atual não significa uma tragédia anunciada, mas um desafio para cuidarmos da casa comum e uns dos outros. Há no texto leveza, poesia e alegria no Espírito e inabalável esperança de que se grande é a ameaça, maior ainda é a oportunidade de solução de nossos problemas ecológicos.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Boff foi uma das inspirações para a encíclica do Papa



Encíclica do Papa vai reforçar visão
mais integral de ecologia, diz Leonardo Boff

Uma das inspirações para encíclica "verde", teólogo fala sobre futuro da "casa comum"

Jornal do Brasil

O teólogo e ecólogo Leonardo Boff, colunista do JB, foi uma das vozes que ajudaram a montar a encíclica do papa Francisco dedicada ao meio ambiente, divulgada nesta quinta-feira (18). Em entrevista por e-mail, ele falou sobre como seus textos e contribuições chegaram até Bergoglio, "uma das maiores lideranças mundiais, seja no campo religioso, seja no campo político". Comentou ainda sobre a forma como o papa tem lidado com questões delicadas e também sobre as respostas de potências mundiais às ameaças a "nossa única casa comum".

O Papa Francisco estabeleceu uma "relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta" na encíclica Laudato Si [Louvado seja] - Sobre o cuidado da casa comum, divulgada nesta quinta-feira (18) e publicada em português pelas Edições Paulinas. Em janeiro, durante visita às Filipinas, Francisco demonstrou preocupação com a ecologia, afirmando a "necessidade de ver, com os olhos da fé, a beleza do plano de salvação de Deus, a ligação entre o ambiente natural e a dignidade da pessoa humana".

Para Boff, "o escândalo da pobreza mundial num mundo de altíssimo consumo, a devastação dos ecossistemas e as ameaças que pesam sobre a casa comum, descuidada e maltratada" preocupam constantemente o papa Francisco.

Confira a entrevista com Leonardo Boff na íntegra:

JORNAL DO BRASIL - JB: Como foram suas conversas com o Papa durante a elaboração da encíclica? Houve um encontro pessoalmente?

Leonardo Boff - É com certo constrangimento que respondo às perguntas desta entrevista, para não dar a impressão de uma importância de minha parte que não tenho. Se me perguntarem: você ajudou o Papa a escrever a encíclica?  Devo dizer: não. Apenas ofereci tijolos com os quais, se ele quisesse, poderia construir alguma coisa. Nunca tive um encontro pessoal com o Papa Francisco, somente indireto. Primeiramente através de uma amiga comum, Clélia Luro, para a qual ele telefonava de Roma todos os domingos por volta das 10h.

Através dela ele mandava os recados a mim e me fazia as solicitações de textos. Primeiramente, me pediu um texto que o ex-Presidente da Assembléia da ONU (gestão 2008-2009), Miguel d'Escoto, e eu havíamos elaborado para ser o marco teórico da nova ONU que está sendo excogitada: "Declaración Universal del Bien Común de la Madre Tierra y de la Humanidad". O texto é urdido dentro do novo paradigma segundo o qual todas as coisas são interconectadas, formando um incomensurável sistema em evolução. Neste texto usávamos muito o termo "casa comum" para referir-nos à Terra.

Depois, quando o Papa esteve no Brasil novamente, por intermédia de uma pessoa, Dom Demétrio Valentini, bispo de Jales-SP, mandei entregar o livro que havia escrito em função de sua vinda ao Brasil: "Francisco de Assis - Francisco de Roma: uma nova primavera para Igreja"(Editora Mar de Ideias, Rio). Além disso, pedi para entregar em espanhol "Francisco de Assis: ternura e vigor" (Vozes), no qual abordava largamente a questão ecológica, pois ele o havia solicitado pela Clélia Luro. Junto mandei em espanhol a "Carta da Terra", com recomendações minhas para que a utilizasse, pois me parecia o mais importante documento sobre ecologia no início do século XXI, fruto de uma vasta consulta de mais de duzentas mil pessoas de todas as orientações, sob a direção de Michail Gorbachev; eu havia participado da redação e havia conseguido incluir o tema do cuidado, "o laço de parentesco com toda a vida" e a espiritualidade.

Escrevi ao Papa que a Carta da Terra afirmava a interdependência entre todos os seres e o valor intrínseco de cada um, contra o antropocentrismo tradicional. Outra vez enviei através do bispo de Altamira no Xingu, Dom Erwin Kräutler, que havia em 2014 ganhado o prêmio Nobel alternativo da Paz pelo Parlamento sueco e que passando por Roma o Papa o convidou para redigir algo sobre a Amazônia. Por ele mandei em espanhol o meu livro mais completo sobre ecologia, "Ecologia: grito da Terra-grito dos pobres" (Trotta), expressão assumida pela encíclica. Enviei o outro igualmente em espanhol "Cuidar la Tierra: hacia una ética universal", publicado no México (Dabar).

O principal foi um livreto com um DVD sobre as quatro ecologias, com belíssimas imagens onde abordo também a ecologia integral. Outros materiais foram enviados ao embaixador argentino na Santa, Sé Eduardo Valdés, amigo de Bergoglio, pois enviando diretamente ao Vaticano nunca se tem a certeza de que as coisas  cheguem às mãos do Papa. Através dele enviei um livro que considerava importante "Proteger la Tierra - cuidar la vida: como evitar el fin del mundo" (Dabar Mexico).

Através do mesmo embaixador enviei vários artigos em espanhol sobre questões ecológicas que saem no JB Online, onde colaboro já há vários anos. Lembro-me que escrevi num bilhete para ser entregue ao Papa, no qual havia uma citação da Carta da Terra que achava que devia constar na encíclica, como de fato consta no número 207: "Como nunca antes na história o destino comum nos obriga a buscar um novo começo... que nossa época possa ser lembrada pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta pela justiça e pela paz e pela alegre celebração da vida" (palavras finais da Carta da Terra).

Nem eu nem o embaixador recebemos qualquer retorno. Qual não foi a surpresa do embaixador Eduardo Valdes quando, no dia anterior à publicação da encíclica, isto é, no dia 17 de junho, o Monsenhor Fernandez do Vaticano se comunicou com ele para lhe agradecer todos os materiais meus que ele havia encaminhado ao Papa Francisco. Para terminar: fiz o que o Papa Francisco me pedia, sem qualquer pretensão de influenciá-lo. A encíclica é dele e ele é seu autor. Comumente, o Papa trabalha com um corpo de peritos que o servem e com outros especialistas convidados. O que posso dizer é que sinto ressonâncias de meus pensamentos e  modos de dizer na encíclica que não são apenas meus, mas de quantos trabalham a partir do novo paradigma de uma ecologia integral. Mas fui apenas um simples servo, como se diz no Evangelho.

JB: O que o senhor poderia dizer a respeito dele e da forma como está conduzindo questões delicadas na Igreja?

Considero o Papa Francisco uma das maiores lideranças mundiais, seja no campo religioso seja no campo político. No campo religioso, usou da ternura de São Francisco para tratar as pessoas, particularmente os mais pobres. Mas tratou com a firmeza de um jesuíta aqueles que macularam a imagem da Igreja cristã com abusos sexuais e crimes financeiros. Neste ponto, ele foi duro e agiu como um médico. Limpou o Vaticano e talvez tenha muito que limpar ainda.

O fato mais visível é que ele trouxe uma primavera à Igreja depois de tempos de volta à grande e velha disciplina. Os cristãos sentem a Igreja como um lar espiritual e não como um pesadelo a ser suportado com desalento. Politicamente ele tem promovido o diálogo entre os povos, aproximado Cuba aos Estados Unidos e vice-versa e pregado insistentemente o encontro como forma de superar preconceitos e fundamentalismos e criar espaço para a paz. E o faz com tanta doçura e convicção que dificilmente alguém deixa de dar-lhe atenção.

O escândalo da pobreza mundial num mundo de altíssimo consumo, a devastação dos ecossistemas e as ameaças que pesam sobre a casa comum, descuidada e maltratada, o preocupam constantemente, pois pressente situações de traços apocalípticos, se nada de sério fizermos para conter o aquecimento global. Creio que a encíclica irá reforçar uma visão mais ampla, sistêmica, integral de ecologia, inserindo especialmente a questão social, mental e profunda. Espero que a discussão agora seja mais enriquecida e não apenas reduzida ao ambientalismo.

JB: O senhor tem visto avanços significativos nesta questão entre as principais potências mundiais?

Há uma inconsciência irresponsável e culposa acerca das ameaças que pesam sobre nosso futuro
Vejo poucos avanços porque os interesses econômicos se sobrepõem à preocupação pela salvaguarda da única casa comum que temos para morar. Há uma inconsciência irresponsável e culposa acerca das ameaças que pesam sobre nosso futuro.

Se o que a comunidade científica mundial diz fosse ouvido, outros seriam os resultados dos encontros organizados pela ONU sobre o aquecimento global e a crescente erosão da biodiversidade que, segundo o conhecido biólogo Edward O. Wilson, oscila entre 27-100 mil espécies que desaparecem definitivamente da evolução, a cada ano.

Vivemos tempos de Noé, onde as pessoas comem e bebem, casam e dão-se a casar sem se dar conta do anúncio de um tsunami. Desta vez será diferente. Não haverá uma Arca de Noé que salve alguns e deixa perecer os demais. Todos poderemos ter o mesmo destino trágico. O Papa fala destas questões, mas como homem de fé, lembra que Deus, é o "o Senhor amante da vida", texto que usa mais de uma vez e que concede à esperança a última palavra e não ao desastre.

JB: Como o senhor vê o futuro da Terra? Há esperança?

Meu sentimento oscila entre a catástrofe e a crise. Como estudioso da questão já há mais de 30 anos e lendo os últimos dados científicos tenho a impressão de que nossa vez já chegou. Fizemos tantas e tão graves agressões  contra a mãe Terra que já não merecemos mais viver sobre ela. Ademais, de ano em ano são mais de três mil espécies que chegam ao seu clímax e naturalmente desaparecem do processo da evolução. Não poderá ter chegado a nossa vez?

Por outro lado, como homem de fé, sei que o desígnio do Criador, inscrito nas circunvoluções do processo cosmogênico, pode levar a nossa pequena nave ao porto mesmo tendo ventos contrários. Mesmo que ocorra uma catástrofe que liquide a vida visível de nosso planeta (só 5% é visível, o resto, os 95% são invisíveis como as bactérias, vírus e fungos) acredito que a última palavra a terá a vida. Como não sei. Faço uma aposta positiva, creio e espero.



sábado, 20 de junho de 2015

Falta Governo e Falta Oposição no País, por Luís Nassif





por Luís Nassif

Tem-se uma quadra complicada na vida do país.

O governo Dilma acabou. Pode ser que renasça mais à frente. Mas, no momento atual, não há comprovação de que os sinais vitais estejam preservados.

Com o esfacelamento do centro de poder, o país tornou-se um salve-se quem puder. Ritos, procedimentos, processos deixam de ser observados, a própria racionalidade é colocada de lado, provocando a ascensão de pequenos tiranetes invadindo todos os poros da vida nacional.

As relações sociais são atropeladas por bandos de trogloditas saindo do baú da inquisição e invadindo as ruas e as instituições.

***

Na Câmara Federal, o presidente Eduardo Cunha passou a atropelar os ritos e a impor sua vontade pessoal e a do baixíssimo clero da casa.

No STF (Supremo Tribunal Federal), o Ministro Gilmar Mendes se vale desde o uso da gaveta até procedimentos, que em outras quadras da história, seriam considerados escandalosos: como obter,  para eventos do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), de sua propriedade, patrocínios de empresas com extensas demandas no Supremo.

Um procurador lotado no TCU (Tribunal de Contas da União), militante de passeatas pró-impeachment, se vê no direito de opinar sobre a viabilidade de empresas-chave na política industrial do pré-sal.

A imprensa ajuda a demolir os financiamentos de serviços do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) duramente construídos nos governos FHC e Lula.

Em Curitiba, um juiz de primeira instância, procuradores e delegados, distribuem prisões preventivas sem a menor preocupação de legitimá-las.

No Banco Central, um grupo de burocratas define a seu talante o nível das taxas de juros da economia, cria um cenário claramente insustentável para a dívida pública, sem que ninguém se interponha no seu caminho.

***

O que garante a governabilidade não são apenas as prerrogativas institucionais da presidência da República, mas a existência de um conjunto coerente de ideias, não só econômicas, mas legitimadoras, capazes de juntar setores dos mais diversos em torno da ideia de nação.

A presidência já não consegue mais estruturar nenhum discurso.

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A segunda âncora deveriam ser os partidos políticos. Mas também não existem programaticamente.

O vácuo de poder e de propostas seria a oportunidade da oposição apresentar-se como verdadeira alternativa de poder. Mas consegue ser ainda pior e menos séria do que a situação que combate.

Hoje em dia,
o jogo político consiste na fabricação diuturna de factoides para aparecer na mídia.

O jogo de cena armado por Aécio Neves e troupe na visita à Venezuela seria um episódio vergonhoso em qualquer circunstância, uma mera molecagem de praia, não tivesse sido protagonizado por um candidato à presidência da República e por senadores da República.

Transformam um problema de trânsito – registrado inclusive por jornais de oposição na Venezuela – e meras manifestações de rua em incidente diplomático. E ainda conseguem a solidariedade do líder do PT na Câmara. O outro candidato oposicionista, José Serra, aproveita o vácuo de poder para parcerias de negócio com o presidente do Senado Renan Calheiros.

É uma quadra vergonhosa da história, uma comprovação trágica de que falta governo e falta oposição ao país tornando absolutamente incerto o desenho da saída política da crise.




sexta-feira, 19 de junho de 2015

O vexame internacional do Aécio e sua turma para criarem um factoide

 ¨A viagem dos senadores oposicionistas a Caracas é parte do programa de confrontação incessante com o governo petista, com a criação sucessiva de situações de crise. A tentativa de produzir um incidente internacional tem o propósito de alimentar a cultura do ódio no campo político e minar a governabilidade¨
 ( Luciano Martins Costa: Observatório da Imprensa)

A história há de registrar o dia em que  alguns parlamentares do Brasil protagonizaram um enorme vexame internacional.
¨Não surpreende que figuras como Aécio Neves, Aloisio Nunes Ferreira e Ronaldo Caiado, que exalam ódio e intolerância por todos os poros e defendem abertamente o golpe contra o mandato constitucional da presidenta Dilma, não tenham a menor noção de uma regra básica da diplomacia, que é o princípio da não ingerência em assuntos internos de outros países.
E pagaram caro por isso. A viagem, cercada de ampla pirotecnia midiática, longe de expressar solidariedade real aos golpistas encarcerados de lá e a seus familiares, tinha o único objetivo de constranger a presidenta Dilma e questionar os fundamentos da política externa do governo brasileiro.
Desde quando tem cabimento uma ação política de parlamentares brasileiros em outro país, sem nenhuma visita marcada aos presos e, tampouco, qualquer audiência prevista com as autoridades da Venezuela ?¨
(Bepe Damasco, Brasil 247)


Luís Nassif, em seu blog:

El Universal  é um jornal de oposição na Venezuela que cobriu a visita dos senadores brasileiros a Caracas. Entrevistou a ex-deputada Maria Corina Machado - que acompanhava a comitiva - que explicou que a viagem foi frustrada devido a um congestionamento provocado pela manutenção de um túnel e protestos de um grupo de funcionários da empresa de manutenção (http://www.eluniversal.com/nacional-y-politica/150618/senadores-brasilenos-retornaron-a-maiquetia-por-mantenimiento-en-tunel).

Diz ela que "en menos de 3 horas los Senadores brasileros ya saben lo que significa vivir en dictadura hoy en Venezuela", luego de publicar "totalmente trancada la autopista Caracas - La Guaira porque están limpiando los túneles y por protesta carretera vieja".
O que ocorreu com a comitiva é simples de entender.
A van que a conduzia foi acompanhada por batedores da polícia venezuelana. A comitiva parou no congestionamento. A presença de batedores despertou a curiosidade de populares. Alguns cercaram o ônibus e deram murros na lataria. Em nenhum momento houve ameaças à sua integridade física, porque os batedores estavam lá garantindo a comitiva.
É um episódio da mesma dimensão dos ataques de populares na Paulista a pessoas que vestiam camisas vermelhas. E menos grave do que os tais Revoltados Online atiçando a malta contra repórteres de uma revista tida como de esquerda. Onde existe malta ocorrem problemas típicos de ajuntamento de malta. Simples assim.
Esta é a história real.
A tentativa de transformar um episódio banal em incidente diplomático é indigna para o parlamento brasileiro. Que o governo da Venezuela pague o desgaste da prisão de oposicionistas. Pretender responsabilizá-lo por problemas de trânsito em Caracas é desmoralizante para o parlamento brasileiro.
Valeram-se do mesmo estratagema de José Serra no episódio da bolinha de papel. Seleciona-se uma região claramente hostil ao candidato, já que agrupando ex-funcionários da Funasa demitidos por ele quando Ministro. A comitiva entra provocando e a reação serve de pretexto para a farsa da bolinha.
Desde o início os parlamentares pretenderam "causar". A começar do fato de terem sido acompanhados por repórteres da Globo, prontos a registrar qualquer incidente e da denúncia canhestra de que o voo tinha sido proibido pelas autoridades venezuelanas. Só faltava! Depois de um estadista de dimensão internacional, como Felipe Gonzales, ter visitado os prisioneiros políticos, a troco de quê proibir uma comitiva liderada por um ex-candidato à presidência do Brasil que tem uma imagem internacional de playboy, acompanhado de um conjunto de brucutus que, pela idade e aspecto vociferante, mais se assemelham a um bando de Hell´s Angels que acabaram de chegar de Woodstock.
Admitia-se esse jogo de "causar" na mídia.
Mas nessa manipulação, foi-se longe demais. Valendo-se da perda de dimensão do Congresso - como as eleições do inacreditável Eduardo Cunha e do repaginado Renan Calheiros - levaram esse factoide ridículo para a casa, provocaram o Itamarati e até exigiram rompimento de relações diplomáticas com a Venezuela.
Onde se pretende chegar com essa fabricação irresponsável de factoides?

Imagens