sexta-feira, 1 de maio de 2015

O uso de uma palavra não é aleatório: não houve "confronto" e sim " violência arbitrária" no PR


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Não houve ¨confronto¨ no Paraná. Mas ¨repressão¨ e ¨violência gratuita¨

Por Leonardo Sakamoto, em seu blog

O uso de uma palavra nunca é aleatório. Mesmo quando conversamos com um amigo, a razão de dizermos ¨casa¨ ao invés de ¨lar¨ ou ¨residência¨ , mesmo sem pensar, é um processo elaborado de nosso inconsciente que diz muito sobre quem nós somos, nossa história e nosso lugar de fala. E o que fica fora, o que é interditado, diz mais ainda.
No jornalismo, então, a preocupação deve ser redobrada. Palavras não são apenas palavras. O processo de nomear os fatos dá cor, tom e sentido à nossa realidade e constrói a história do cotidiano.
Não se engane: a Verdade não está aí fora para ser capturada por olhos de sábios comunicadores e traduzida para o restante da população. Mas é o discurso, construído sob determinado ponto de vista, que define as ¨verdades¨.
Ao escolher afirmar que sem-teto ou sem-terra ¨ invadiram¨ e não ¨ocuparam¨ um imóvel deixado vazio pela especulação imobiliária, fazemos uma opção: que, neste contexto, significa defender o direito absoluto à propriedade e não relativizá-lo com  os direitos à moradia, à alimentação ou ao trabalho decente. Todos os quatro, direitos humanos.
Da mesma forma, escolhera a palavra ¨confronto¨ para narrar a ignomínia cometida sobre os manifestantes, nesta quarta (29), no centro de Curitiba, não é contar uma Verdade, mas sim fazer uma escolha - consciente, inconsciente ou guiada por manuais de redação. Escolha, ao meu ver, e com todo o respeito, equivocada.
Pois confronto pressupõe que houvesse mínima paridade entre as forças envolvidas. Pelo armamento dos policiais (bombas de fragmentação, spray de pimenta, gás lacrimogênio, balas de borracha) e a desproporcionalidade no número de feridos ( seriam 20 PMs - dados do governo, portanto, a conferir, e 150 civis, de acordo com a prefeitura, que os acolheu) e na gravidade dos ferimentos (basta ver as imagens circulando na rede), a tradução do que houve está mais para ¨ataque policial¨. ¨violência arbitrária ¨, ¨agressão gratuita¨, ¨ repressão violenta¨.
Isso se não quiser usar ¨covardia¨, ¨massacre¨ ou ¨estupidez¨. Quiçá crime.
Mesmo que a polícia tivesse sido atacada primeiro, o que, ao que tudo indica, não foi o caso, ela teria que adotar métodos para permanecer calma e não revidar. Não só por estar mais armada, mas porque sua função principal não é proteger prédios públicos, ainda mais de seus reais proprietários, o povo do Paraná, mas garantir a dignidade e a integridade desse povo.
Entendo a necessidade de buscar um relato ponderado, com o maior número possível de pontos de vista, equilibrando-os. Mas é necessário ser transparente e mostrar que um dos lados apanhou e o outro bateu e não que os dois estavam em condições de igualdade, como pressupõe, para muitas pessoas, ¨confronto¨.
O mundo é repleto de palavras grávidas de significados. O problema é que elas podem parir um debate público que aponte, julgue e puna os responsáveis por tanto sangue derramado ou gerar um monstro, que servirá para manter a injustiça social como amálgama que une e nos define.

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