quinta-feira, 23 de julho de 2015

O rosto enquanto epifania, segundo Emmanuel Lévinas



O rosto enquanto epifania segundo Emmanuel Levinas


José Tarcísio da Costa


O presente artigo tem como objetivo abordar a problemática do rosto segundo Emmanuel Levinas. A partir disso, temos algumas questões para tentar compreender: em primeiro lugar, quem é o outro, ou seja, o homem? Ao falar do rosto, qual é a visão filosófica de Levinas para este tema tão amplo? É possível uma relação sem levar em consideração o rosto?

Quando falamos de rosto lembramos logo de algo físico que caracteriza o ser humano, porque ele na sua constituição tem algo de especial que o diferencia das outras coisas que o rodeiam. Há muitas pessoas que utilizam de meios cosméticos para terem uma boa aparência diante das outras pessoas; fazem cirurgias para poderem aperfeiçoar o rosto por pensarem que podem chegar à perfeição. Porém, muitas dessas pessoas acabam desiludidas porque não conseguem ter um rosto perfeito. A aparência conta muito na hora da relação, por isso muitos investem em maquiagens para passarem uma boa impressão. Mas, não é propriamente esse rosto a que Levinas se refere.

Segundo o filósofo, “‘a verdadeira essência do ser humano se apresenta em seu rosto’ (O ser é exterioridade), o que implica partir do rosto como ‘epifania’ do outro. Ele não é tanto uma parte corporal ou uma imagem, mas uma figura do além do visível” (CAMUS, 2010, p. 237). Com isso podemos afirmar que o rosto é aquilo que caracteriza o ser humano e o diferencia dos demais seres; o rosto é a revelação de cada pessoa enquanto outrem que se relaciona a partir desse mesmo rosto. O rosto não é somente algo físico ou corporal, mas uma imagem que transcende o que é apresentado pelo corpo.

O termo epifania é entendido por Levinas como revelação, sob influência da cultura judaica e a ideia de Deus se revela ao seu povo escolhido. Segundo Levinas,
O rosto, como epifania, revela e expressa a alteridade do outro. O rosto, em sua epifania, não é simplesmente aquilo que aparece na forma de luz, sensível ou inteligível. A partir da sua exterioridade, o rosto do outro se exprime como revelação, que na sua nudez, é penúria. (MELO, 2001, p. 22).

Em Levinas, podemos falar também de uma epifania na religião, pois o Deus de Abraão, Isaac e Jacó se revela para aqueles que Ele escolhe. Esse Deus convida o seu povo a uma relação na qual Ele é o senhor e o povo seus eleitos, nessa relação há uma Aliança, e é nessa aliança que se firmam as leis e a moral do povo judeu. Um Deus que, diferentemente dos deuses gregos, se abre e se manifesta a quem Ele deseja.
A epifania de Deus se dá pela relação face-a-face, entre eu e o outro, especialmente o pobre, identificado como órfão, a viúva, o estrangeiro. (…) A epifania do olhar deve ser entendida de modo inteiramente diverso da manifestação (…). O olhar (…) me atinge diretamente porque penetra sem mediações e, no entanto, permanece absolutamente exterior ao mundo, de exterioridade não espacial, como um estranho não mundo no mundo. (…) O rosto em que outrem se volta para mim não se incorpora na representação do rosto. (PAIVA; ESTEVAM, 2010, p. 398-400).

Ao falar do rosto do outro, numa abertura para a divindade, Levinas está influenciado pelo decálogo, isto é, os dez mandamentos, e se conduz pelo quinto mandamento “não matarás”. E nessa relação com outrem é necessário “ouvir a sua miséria que clama justiça não consiste em representar-se uma imagem, mas em colocar-se como responsável, ao mesmo tempo como mais e como menos do que ser que se apresenta no rosto” (PAIVA; ESTEVAM, 2010, p.400).

A epifania traz consigo algumas obrigações, ou seja, diante de outrem eu não posso ficar inerte, sem nenhuma atitude, ele me chama, me questiona e exige de mim uma resposta perante o seu olhar, isto é, seu rosto.
Se por um lado, sabemos que o rosto convida a uma relação, por outro não podemos recusar-lhe uma resposta; uma relação passa necessariamente pelo rosto, que se apresenta dentro de um contexto. Ele, rosto, é ainda a parte do corpo mais desprotegida, porque não possui nenhuma máscara que o proteja.
A nudez do rosto é um desenraizamento do contexto do mundo, do mundo que significa como contexto. O rosto é precisamente aquilo pelo qual se produz originalmente o acontecimento excepcional do em face, que a fachada do prédio e das coisas não faz senão imitar. (PAIVA; ESTEVAM, 2010, p. 401).

Certamente falar do rosto em Levinas abre caminhos para uma atitude ética perante o outro. Não podemos reduzir o rosto a um fenômeno físico, ele convida a uma relação para além do face-a-face, isto é, uma relação de alteridade. Apesar de vivermos numa sociedade em que nos preocupamos tanto com a aparência, ainda assim é possível uma alteridade se formos capazes de acolher o rosto para além das aparências.

Referências
CAMUS, Sebastian et al. 100 obras-chave de filosofia. Trad. Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 2010.
PAIVA, Márcio Antônio de; ESTEVAM, José Geraldo. A relação ética como religião em Emmanuel Levinas. Síntese, Belo Horizonte, v. 37., n. 119., p. 383-406, set. 2010.
MELO, Edvaldo Antônio de. O rosto como fonte originária do sentido ético em Levinas. 2001. 40 f. TCC (Graduação em Filosofia) – PUC-Minas, Departamento de Filosofia e Teologia, Belo horizonte, 2001.


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