A questão candente da Saúde
A sociedade brasileira está prenhe de uma grande transformação: ter assegurado o direito a um sistema de saúde de qualidade, público e universal. Qualquer pesquisa, em qualquer estado ou município, demonstra isso. Entretanto, um consenso mais avançado em torno de caminhos para isso não se forjou, o mesmo ocorrendo no terreno da segurança pública.
O contrário vem ocorrendo com a educação: formou-se amplo consenso em torno de ser o fator primordial para gerar maior igualdade de direitos e criar oportunidades de melhoria de vida. Todos preconizam mais verbas, valorização e melhor remuneração dos recursos humanos e fundamentos educacionais mais sólidos. Há disputas em torno de políticas de gestão, mas se aceita ser esse o caminho basal para um Brasil mais civilizado. O consenso permitiu a grande vitória de levar os investimentos em educação a 10% do PIB.
Na saúde, pululam diagnósticos nem sempre coerentes, cria-se polarização e divisão da sociedade, como também se propõem soluções antípodas e não se estabelece o pacto em torno de como cobrir os custos das opções. Essa é uma disputa urgente que precisa ser travadas na sociedade. Não basta ter “vontades parciais”, bastar-se com os “momentos corporativos” sem ascender ao momento “ético-político”, nos termos gramscianos. Precisa-se partir de um projeto nacional, visão estratégica e planejamento que incorpore e subordine as soluções para os dilemas da saúde. E nesse trajeto forjar consenso mais amplo na sociedade, que permita avançar, mesmo que não corresponda inteiramente à visão de qualquer um dos contendores.
O PCdoB realizou seu Encontro Nacional sobre a Saúde para firmar bandeiras e rumos capazes de levar à solução em maior patamar dos dilemas enfrentados hoje. Para disputar um consenso avançado na sociedade, precisa-se de referências estratégicas claras e estabelecer caminhos justos para se alcançar os objetivos – um porto de chegada e um plano de navegação.
O fato é que na Saúde – um dos mais ingentes reclamos, senão o maior, para todo a maioria do povo brasileiro – já se tem um grande acúmulo. O norte estratégico está bem situado: o SUS é a grande conquista dos últimos 30 anos e precisa ser impulsionado. Os grandes passos para isso são os recursos orçamentários, gestão unificada e eficiente, e controle social democrático. Ao mesmo tempo, é necessário mais regulação pública sobre o sistema privado de saúde, dito suplementar.
Esses são três pilares estratégicos para uma saúde pública universal, de qualidade, sustentável, para todos os brasileiros. Como em toda abordagem complexa, há um centro nodal: maior financiamento é a condição sine qua non para as demais. A questão é: por quais caminhos persegui-los?
Antes de mais nada, pela disputa, na sociedade, de um consenso mais avançado em torno das soluções para a saúde no Brasil, ou ao menos uma vontade claramente majoritária. É um movimento mais de “fora-para-dentro-do governo” para, a um só tempo instar o governo a enfrentar interesses em prol da maioria do povo e contar com ele para levar adiante uma pactuação desse porte, que marcará as próximas décadas. A fração avançada do movimento da saúde não pode dividir-se, e os profissionais de saúde não podem se divorciar do povo e seus anseios mais imediatos, mais candentes – se chegamos até o atual nível de conquistas foi porque o povo viu neles seus interesses defendidos. Além disso, é preciso forjar bandeiras unitárias claras e sintéticas que impulsionem o debate na sociedade.
Afora isso, é preciso levar em conta a correlação de forças políticas, sociais e econômicas. O conservadorismo brasileiro é forte, expresso na força das finanças, da mídia, do liberalismo. Para esses segmentos, o mercado é que deve resolver as questões, para o que se propõe privatizações, enfraquecimento do sistema público, não valorização das carreiras e dos recursos humanos públicos, etc. Portanto, do ponto de vista político, a luta que se trava só avança se for assentada num ambiente mais favorável. A vitória de Dilma Rousseff, com a manutenção do atual ciclo de desenvolvimento e afirmação nacional, relançado para uma nova etapa de mudanças, é o único que pode abrir horizontes para a luta da saúde e, mais ainda, evitar o retrocesso nas conquistas já alcançadas.
Falo de um horizonte beneficiado porquanto, num segundo mandato de Dilma, sob as condições atuais do Brasil e dos reclamos do povo, a disputa político-orçamentária pode e deve inclinar-se mais decididamente em torno das políticas universais – como saúde, educação, segurança, mobilidade urbana.
Então, essencialmente, está em curso uma acumulação de forças nessa direção, para um sistema de saúde de qualidade, público e universal. O financiamento público precisa ser elevado e assegurado como percentual da receita orçamentária, e luta está em curso no Congresso Nacional, por meio de projeto que assegura 15% da receita corrente líquida, mas enfrentando obstáculos variados e diversos impulsos na defesa de 10% do PIB, como na Educação. Recursos mais elevados são fundamentais para extensão da rede pública de atendimento à saúde, desde as unidades básicas até as ambulatoriais, hospitalares e especializadas. Igualmente, para formar mais profissionais de saúde, recursos humanos administrativos para o sistema, remunerá-los dignamente e valorizar a carreira pública.
A gestão precisa, antes de mais nada, ser unificada sob direção pública, a partir de rede de atendimento básico, referenciada para os diversos níveis de complexidade, com gestão moderna, pondo sob uma única perspectiva o sistema público e o sistema privado. Isto também custa muito recurso orçamentário, mas é indispensável para compor um sistema perene e eficiente. Há ainda a questão de inventividade quanto aos modelos jurídicos que componham os diversos entes federados, suas diversas instâncias, bem como os acompanham com os entes não-públicos ou públicos de direito privado.
A regulação do sistema privado, por meio da Agência Nacional de Saúde, é imperiosa. O sistema privado de saúde, dito suplementar, é poderoso e não pode ser dispensado, nem estigmatizado. Por muito tempo é indispensável ao conjunto do sistema de saúde. Mas os convênios não têm o direito de escorchar os aderentes, muito menos os pacientes e ainda mais os profissionais que contratam, como ocorre no Brasil.
Por fim, o controle social. Foi uma grande conquista a existência dos Conselhos de Saúde, em todos os níveis da Federação. Eles precisam ser uma verdadeira arma para a luta por um SUS com as características acima, com a participação da sociedade civil e do povo.
A Constituinte de 1986, que promulgou a Constituição, foi um dos grandes exemplos de luta, consenso, unidade na diversidade, mobilização e energia com que os profissionais de saúde e o povo brasileiro conquistaram o SUS. Uma construção histórica. Uma nova etapa se abriu nestes doze anos de governo, enfrentando obstáculos, reticências, avanços e insuficiências, mas nenhum retrocesso. É hora de avançar mais. O Brasil alcançou uma nova etapa neste período, a maioria do povo quer manter o ritmo de mudanças e conquistas, e a Saúde surge como um ponto nodal desses anseios.
Não devemos nos dividir, nem perder de vista o rumo avançado para a nação. É nesse mar que podemos impulsionar mais conquistas para a saúde, tendo apoio do povo e nunca contra ele com interesses corporativos. Como na Educação, ou na Previdência, onde criamos sistemas públicos irreversíveis, vamos fazer do SUS e da Saúde pública brasileira, um marco civilizador da nação.
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