sábado, 22 de março de 2014

Marcha da Família: a obscura persistência do erro e a carta aberta aos organizadores

Dois artigos sobre o retorno da Marcha : o primeiro:  sobre a afrontosa e obscura persistência do erro, do Jornal O Povo online e o segundo artigo: a carta aberta aos organizadores da Marcha, do jornalista Marcos Sacramento.




De O POVO:

Marcha da Família: a afrontosa e obscura persistência do erro


O cinquentenário do golpe de estado civil-militar de 1964 aproxima-se, e com ele a necessidade de reforçar o compromisso para com a democracia e de acentuar a natureza equivocada daquela iniciativa politicamente desastrada, para que nunca mais volte a se repetir no Brasil.


Infelizmente, setores antidemocráticos, persistentes, ao invés de fazerem autocrítica pelo incentivo dado àquele atentado contra a democracia, programam para hoje manifestações de louvação à ditadura e, impenitentemente, planejam incitamentos de caráter golpista contra as instituições democráticas reerguidas com tanto sacrifício.


O pretexto para a ação dos saudosistas da ditadura são os 50 anos da Marcha da Família com Deus pela Liberdade – um evento programado, naquele ano, por segmentos das classes abastadas e de alguns estratos da classe média tradicional da cidade de São Paulo, em favor da intervenção militar contra o governo constitucional de João Goulart. A Marcha foi articulada para tentar dar legitimidade à ação armada traiçoeira que se planejava contra as instituições, como se o desejo de um único segmento da sociedade pudesse ser imposto pela força à maioria dos cidadãos, expressa nas urnas.


Ora, nenhum segmento da sociedade tem legitimidade para rasgar uma Constituição oriunda do poder constituinte originário do povo, nem mesmo as Forças Armadas (no caso, foi uma facção militar), que são uma instituição subordinada ao poder eleito e que fazem juramento de respeitar a Constituição. A ideia de que a democracia só deve ser acatada enquanto o adversário não mexer nos meus interesses é a negação da própria democracia.


Evidentemente, era perfeitamente legítimo que segmentos civis descontentes procurassem demonstrar sua discordância às políticas do governo, inclusive, através de manifestações pacíficas. O inaceitável foi a opção pelo caminho ilegal e ilegítimo do golpe de estado para substituir o governo do qual discordavam, passando por cima da Constituição. No entanto, foi essa a concepção que estava na base da equivocada Marcha da Família com Deus pela Liberdade.


Mais repudiável ainda é a provocação dos antidemocratas renitentes, de hoje, que tentam reeditá-la, mesmo estando informados sobre as desgraças e os descaminhos trazidos pela ditadura.
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Por Marcos Sacramento
Do Diário do Centro do Mundo:

 Caros organizadores da Marcha da Família 2,

Embora falte pouco para o evento, vou cometer a ousadia, um tanto romântica, de sugerir uma mudança na pauta. Por que não marcham pela Cláudia da Silva Ferreira, a auxiliar de serviços gerais morta em um tiroteio no Rio de Janeiro e arrastada enquanto era socorrida pela viatura da PM?

A morte de Cláudia foi emblemática. Combinou pobreza, truculência policial, racismo e violência contra a mulher. O mais horrível é que se não fosse filmado o caso seria mais um a engrossar estatísticas da criminalidade.

Cláudia é mártir e merece que marchem por ela. Como vocês já estarão nas ruas, nada mais justo que homenageá-la. Você poderiam, também, marchar em homenagem às 16,9 mil mulheres assassinadas no país entre os anos de 2009 e 2011.

Marchem para denunciar o racismo endêmico que garante dois pretos ou pardos em cada três vítimas de homicídio, marchem contra a posição do país no topo do ranking de desigualdade social, marchem pelos aposentados que depois de trabalhar a vida inteira ainda precisam puxar um carro de picolé ou de pipoca para complementar a renda.

Mas por favor, não ponham as mazelas na conta do PT ou da Dilma. Isso é coisa de conversa de botequim, de gente mal informada. Você sabem muito bem que os problemas dos nosso país não foram causados só pelas duas letrinhas ou pelos dois últimos presidentes da república. Não sou petista, sequer voto no partido, só não tolero falatório sem fundamento.

Os problemas vêm de séculos, dos tempos da colonização, de uma formação econômica baseada na escravidão e de um sistema político feito por e para favorecer a elite. Tem causas múltiplas, não se restringe ao PT ou ao PSDB, ao DEM ou ao PSOL. Nosso empresariado tem uma boa parcela de responsabilidade ao financiar políticos em benefício próprio ou empreender visando apenas o lucro, sem responsabilidades sociais.

Por que não protestam contra o dono da Rede TV, que inaugurou uma mansão de 17 800 metros quadrados enquanto funcionários da emissora estavam com salários atrasados?

Ou então pelo caso de sonegação de impostos da Rede Globo, conhecem essa história? O “cidadão de bem” que vocês tanto defendem vai se horrorizar com ela.

Marchem pelas vítimas dos “justiceiros”. Ano passado, um caminhoneiro atropelou e matou uma criança de dois anos, aqui no Espírito Santo. Foi linchado e morto. João Querino de Paula era o nome dele. Marchem por ele, que não teve direito a ampla defesa e contraditório. Marchem pela menina atropelada, vítima da falta de infraestrutura das periferias, onde a combinação de vias sem sinalização de trânsito com a ausência de áreas de lazer contribui para ceifar vidas.

Marchem pelo tenente Leidson Acácio Alves Silva, morto com um tiro na cabeça durante patrulha no Rio.

Mas deixem os militares de fora do protesto. Vocês sabem que eles ficaram no poder entre 1964 e 1985, sentem até saudade dessa fase, mas talvez tenham se esquecido que esse regime ditatorial catalisou as desigualdades sociais e deixou a economia brasileira em frangalhos.

Enfim, há muitos motivos para marchar. Daria para encher parágrafos e mais parágrafos de motivos nobres para vocês irem às ruas. Deixem essa paranoia de que estamos a beira de uma ditadura comunista para os hang outs de Lobão e Olavo de Carvalho. Quem acredita nisso crê até no Walter Mercado, aquele do “ligue djá”, lembram?

Abandonem a logorreia beligerante à Reinaldo Azevedo (toc, toc, toc) e Rodrigo Constantino (vade retro) e combatam o bom combate, a busca por um país mais justo, sem desigualdades.

O filme “Gran Torino” pode ser uma boa lição para vocês. Ele conta a história de um veterano da Guerra da Coréia coberto de preconceitos e ressentimentos com orientais. Até que as circunstâncias o levam a salvar um vizinho asiático. Walt, personagem de Clint Eastwood, escolheu seguir o caminho do bem e combateu o bom combate.

Vocês também são capazes disso, acreditem.


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