sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Dia do Dentista: dia de reflexão sobre avanços e desafios da política nacional de saúde bucal


Neste dia, 25 de outubro, comemora-se o dia do dentista. Além das comemorações comuns desta data, ela nos mostra que, também, é momento de reflexão sobre a atuação de nossa importante classe de profissionais da saúde.
É fundamental uma avaliação sobre como buscar formas de ampliar a oferta e qualidade dos serviços prestados, assim como o nosso processo de trabalho, tendo como meta à  produção do cuidado; onde ocorre o encontro dos saberes e fazeres entre sujeitos usuários e sujeitos profissionais.



A capa do livro, ao lado, sobre Saúde Coletiva em Odontologia, ilustra os contrastes sociais. O Brasil é marcado pela profundidade destes contrastes e pela exclusão de parcela expressiva da nossa população aos elementares direitos sociais.
Na área da saúde  a construção do SUS é um exemplo da luta por justiça social. No dia a dia de nossas cidades e na zona rural, muitas imagens expressam o quanto as desigualdades sociais humilham, degradam  e fazem sofrer milhões de pessoas.
A promoção  de saúde bucal está inserida num conceito amplo de saúde que transcende a dimensão meramente técnica do setor odontológico.
Significa  a construção de políticas públicas saudáveis, o desenvolvimento de estratégias direcionadas a todas as pessoas da comunidade. Os profissionais da equipe de saúde bucal devem desenvolver a capacidade de propor alianças, seja no interior do próprio sistema de saúde , seja nas ações desenvolvidas com outras áreas ( intersetorialidade).



Pensando na importância deste tema, publico partes do artigo do Prof. Paulo Capel Narvai,, dentista sanitarista, especialista, mestre e doutor e livre docente em Saúde Pública da USP :

Avanços e desafios da Política Nacional de Saúde Bucal no Brasil
( Tempus- Actas de Saúde Coletiva - Saúde Bucal. V. 5, nº3, 2011)

¨ No dia-a-dia das nossas cidades e na zona rural, muitas imagens expressam o quanto desigualdades sociais humilham, degradam e fazem sofrer milhões de pessoas. São imagens cruéis, expressão e símbolo da chaga da exclusão social. Muitas dessas imagens são do corpo humano, dentre elas imagens de bocas e dentes. As condições dentárias são, sem dúvida, um dos mais significativos sinais de exclusão social. Seja pelos problemas de saúde localizados na boca, seja pelas imensas dificuldades encontradas para conseguir acesso aos serviços assistenciais, dentes e gengivas registram o impacto das precárias condições de vida de milhões de pessoas em todo o país.

 A escolaridade deficiente, a baixa renda, a falta de trabalho, enfim, a má qualidade de vida produz efeitos devastadores sobre gengivas, dentes e outras estruturas da boca. O conhecimento científico disponível corrobora essas associações. Problemas na boca dão origem a dores, infecções e
sofrimentos físicos e psicológicos. Por essa razão, o enfrentamento, em profundidade, dos problemas nesta área exige mais do que ações assistenciais desenvolvidas por profissionais competentes. Requer políticas públicas com ações intersetoriais, a integração de ações preventivas, curativas e de reabilitação e enfoque de promoção da saúde, universalização do acesso, responsabilidade pública de todos os segmentos sociais e, sobretudo, compromisso do Estado com o envolvimento de instituições das três esferas de governo. Como, aliás, determina com toda clareza a Constituição da República.

Para que o direito humano à saúde bucal não seja letra morta em documentos oficiais, como leis e relatórios variados, deve ser objeto de ações públicas e privadas que lhe deem concretude. Em decorrência, as ações realizadas nessa área, seja pelo Estado seja por particulares, devem se constituir, cabe reiterar, em políticas públicas formuladas, implementadas e avaliadas na esfera pública, com ampla e democrática participação da sociedade. Em “Saúde Bucal no Brasil: muito além do céu da boca”, livro que publiquei em 2008 com Paulo Frazão, afirmamos que o conflito fundamental que caracteriza a Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) em curso no Brasil, na primeira década do século XXI, é travado entre as correntes que identificamos como ‘saúde bucal coletiva’ (SBC) e ‘odontologia de mercado’ (OM), pois ambas, sendo articuladas e fazendo parte de correntes político-ideológicas, procuram influenciar os rumos da PNSB, na defesa de seus respectivos interesses.


POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE BUCAL

A política de saúde bucal em curso no Brasil no início da segunda década do século XXI é bem-sucedida, sob vários aspectos. É fato inegável, também, que foi com o advento do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) que a PNSB se consolidou no âmbito do SUS e produziu resultados marcantes, que serão abordados mais à frente, não obstante o descrédito popular na potência do SUS para equacionar seus problemas de saúde e o refluxo dos movimentos sociais. Também é correto que “nunca antes na história deste país” – reiterando a frase-bordão tantas e tantas vezes repetida por Lula, na condição de Presidente da República, em vários cantos do Brasil – tantos recursos públicos foram investidos na PNSB.¨
( Paulo Capel Narvai)


BRASIL SORRIDENTE
( Ministério da Saúde)

 Instituído em 2004, o Brasil Sorridente, coordenado pelo Ministério da Saúde, já é o maior programa de assistência odontológica pública e gratuita do mundo. Desde que foi criada, a estratégia aumentou em 15 vezes a quantidade de atendimentos à população: saltou de 10 milhões para 150 milhões de consultas por ano. A cobertura populacional do programa também cresceu substancialmente (400%): passou de 18,2 milhões de brasileiros assistidos para 92 milhões de pessoas beneficiadas.
Desde a criação do programa, houve também um grande aumento de equipes de Saúde Bucal na Estratégia Saúde da Família. Quando o Brasil Sorridente foi lançado, existiam 4.200 equipes, e hoje são mais de 22 mil equipes, presentes em 4.486 municípios. As equipes de saúde bucal – compostas por cirurgião-dentista, auxiliar de saúde bucal e técnico de saúde bucal – realizam, além do tratamento clínico, ações de promoção e prevenção à saúde junto às comunidades. Caso necessitem de tratamento odontológico mais complexo, os pacientes são encaminhados aos Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), onde têm acesso a cirurgias ou a tratamentos de canal, por exemplo, ou aos laboratórios regionais de prótese.

Os investimentos no Brasil Sorridente passaram a proporcionar à população tratamentos que antes eram oferecidos quase que exclusivamente pelo setor privado.
Atualmente, são 915  CEOs em pleno funcionamento – estruturas que não existiam até a criação do Brasil Sorridente.

Uma grande novidade do programa é a implantação de próteses dentárias. O coordenador de saúde bucal do Ministério da Saúde, Gilberto Pucca, explica que antes da criação do Brasil Sorridente, de cada quatro pessoas no Brasil que completavam 60 anos, três perdiam os dentes por falta de atendimento. “Esse era o retrato da saúde bucal no Brasil. Precisávamos recuperar essas pessoas que tinham perdido os dentes. Muito mais que a questão estética, a ausência de dentes interfere diretamente na vida social da pessoa, causando problemas emocionais e fisiológicos, prejudicando o funcionamento de todo o corpo”, observa Gilberto Pucca. “Por isso, a recuperação da mastigação reflete diretamente na saúde, na auto-estima e na qualidade de vida do paciente. E hoje temos 1.304 municípios com Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPDs) credenciados pelo SUS”, enfatiza.
Nos LRPDs foram produzidos, até o último mês de agosto, 256.336 próteses dentárias. Até o final do ano, a meta é chegar a 400 mil unidades – quantidade 12,5 vezes maior que a produção de próteses, no país, antes da criação do Brasil Sorridente.

Outra medida de prevenção e promoção da saúde é o investimento na fluoretação da água do abastecimento público. A medida já era cumprida na década de 1970, mas existia uma grande dificuldade para ser cumprida na maioria dos estados e municípios. Com o Brasil Sorridente, o Ministério da Saúde disponibilizou recursos para implantar a fluoretação nas cidades que não possuíam e com isso reduzir a incidência de cáries na população. “A cárie é um dos principais problemas de saúde pública e 65% já recebem a fluoretação. A nossa expectativa é que alcancemos 100% do abastecimento público”, afirma o coordenador.

Unidades móveis – Populações que vivem em locais de difícil acesso aos serviços convencionais de saúde, como assentamentos rurais ou quilombolas, não foram esquecidas pelo plano de ampliação da rede de assistência odontológica no SUS. Para eles, foram criadas as Unidades Odontológicas Móveis (UOMs), que funciona como um consultório odontológico itinerante para a realização de serviços por Equipes de Saúde Bucal que atuam na Estratégia Saúde da Família.
Cada unidade conta um consultório equipado com cadeira odontológica, kit de pontas (motor), cadeira do dentista (mocho), refletor, amalgamador e fotopolimerizador (equipamentos que fazem o preparo dos produtos utilizados nas restaurações dos dentes), aparelho de raios-X e autoclave (para esterilização dos instrumentais). As UOMs contam com ar-condicionado, lavatório, reservatórios de água, armários para armazenagem de material e gerador de energia. Atualmente, 180 unidades estão funcionando no país e, até 2014, serão entregues à população mais mil novos veículos.

Cirurgiões Dentistas – Com o aumento do acesso ao serviço de saúde bucal no país foi possível ampliar a oferta de trabalho para os profissionais que atuam nessa área. Hoje, a cada três profissionais, um têm vínculo com o Sistema Único de Saúde. Quase 30% do total de cirurgiões-dentistas do país – mais de 64 mil profissionais – atuam no Brasil Sorridente. O programa também conta com outros 25 mil trabalhadores, entre técnicos e auxiliares em saúde bucal e de próteses dentárias.
Segundo Gilberto Puca, o profissional que trabalha no SUS deve ser um bom clínico geral e conhecer os sistemas de epidemiologia para estar por dentro da realidade local em que está atuando.
Até 2014, o Ministério da Saúde investirá R$ 3,6 bilhões no Brasil Sorridente. Os recursos são destinados à melhoria da tecnologia, estrutura e contratação de profissionais para o programa, com o objetivo de se ampliar ainda mais o acesso dos brasileiros às ações de saúde bucal no SUS.
(M. S.)


Paulo Capel Narvai:

¨ INVESTIMENTOS

A consolidação e notável aprofundamento da PNSB na primeira década do século XXI não seria viável sem adequado financiamento. Por isso, cabe destacar o avanço representado pelo financiamento proporcionado à PNSB nos governos de Lula. Além das transferências financeiras regulares da esfera federal para Estados e Municípios, por meio dos blocos de financiamento, sem especificidade por modalidade assistencial, os gastos federais com investimentos específicos em saúde bucal, passaram de 56,5 para 427 milhões por ano, no período de 2003 a 20057, atingindo cerca de 600 milhões, em 2008. No período de 2003 a 2008, foram investidos aproximadamente R$ 2,4 bilhões. Sem esse aporte de recursos não teria sido possível impulsionar a implementação dos CEO e inserir equipes de saúde bucal na estratégia de saúde da família.

DESAFIOS DA PNSB

 No âmbito da atenção básica, é crucial estar atento às distorções que a prática pode impor em várias localidades. O fato de que, nos primeiros anos (2001-2002) de inserção da saúde bucal no PSF, 7,2% das equipes de saúde bucal habilitadas atendiam exclusivamente escolares, alerta para a importância de se combater a reprodução de práticas que não apontam para a busca da universalidade do cuidado. Em alguns estados, esse valor ultrapassava 15%.

 Analisando 136 municípios do Paraná com ESB no PSF em 2002, Baldani et al.16 verificaram estrangulamentos ligados ao encaminhamento dos casos de maior complexidade, elevado número de contratos temporários de trabalho e necessidade de formação de profissionais generalistas com perfil adequado. O financiamento compartilhado da saúde bucal no PSF, entre as três esferas de governo, é ainda quimera e precisa ser enfrentado e superado, não obstante iniciativas como as do Rio Grande do Sul, que em 2003, aprovou um incentivo estadual, e do Paraná que fez o mesmo em 2004.

O PSF, implantado em 1994, convive, em cada local onde é desenvolvido, com um dilema: para ser, efetivamente, uma estratégia de construção do SUS, e não apenas “mais um programa” vertical “do Governo Federal”, é essencial que, em cada município, sua implantação e desenvolvimento ocorram com acompanhamento e controle do respectivo Conselho de Saúde e com base em práticas democráticas de gestão.
Quando isso não ocorre, observa-se um simulacro de intervenção pública na saúde, sem potência para de fato contribuir para “reorganizar o modelo de atenção” a partir da atenção básica, seu significado mais profundo.

O desafio estratégico que se coloca às forças políticas que se empenharam para inserir a saúde bucal no PSF é não permitir que se restrinja à presença de cirurgiões-dentistas no PSF, e que a atuação não reproduza modelos excludentes. Nesse aspecto, será decisivo, no plano mais restrito dos atores sociais mais diretamente ligados à área de saúde bucal, o resultado do enfrentamento entre as proposições com origem na Odontologia de Mercado e as vinculadas ao campo da Saúde Bucal Coletiva.
 Até o presente, tem sido possível compatibilizar essas proposições em suas generalidades, mas é evidente o antagonismo quando se avança para a composição das equipes de saúde bucal e para a definição das ações relacionadas às práticas assistenciais. Basta constatar que, do total de 20.424 ESB em dezembro de 2010, apenas 8,3% eram equipes completas (modalidade II), com a presença, portanto, do Técnico em Saúde Bucal. A se manter esse cenário, são grandes as chances de o PSF, na área de saúde bucal, reproduzir o modelo hegemônico e perder potência transformadora.

 No que diz respeito à integralidade dos níveis de atenção, o pressuposto teórico é que os CEO se consolidem como unidades de assistência odontológica de nível secundário operando de modo complementar e articulado com a atenção básica. Contudo, há muitos relatos de acesso direto de usuários aos CEO, em várias localidades, em praticamente todas as regiões brasileiras. Impedir o denominado “atalho ao CEO”, e, portanto, sua descaracterização na rede de atenção, é um dos mais significativos desafios à PNSB e que requer a atenção tanto dos gestores quanto dos movimentos sociais e trabalhadores da saúde, por meio dos conselhos e conferências de saúde. O avanço representado pelos CEO no serviço público odontológico decorre, essencialmente, da ruptura com a lógica de ofertar apenas cuidados odontológicos básicos no SUS, integrando tais unidades, necessariamente, a sistemas de referência e contra-referência (em 2003, apenas 3,3% dos atendimentos odontológicos eram de média e alta complexidade).
O desafio que claramente emerge desse processo é não sucumbir às pressões clientelísticas e resistir à tentação de transformar os CEO em portas de entrada do sistema de atenção. Nesse sentido, a descaracterização dos CEO seria um retrocesso para a PNSB.

 Outra descaracterização para a qual é preciso estar atentos diz respeito à concepção de que esses centros de especialidades devem ser centros de especialistas odontológicos. Ouvem-se frequentemente menções à “necessidade” de que apenas “especialistas pelo CFO” ocupem postos de trabalho nessas unidades. Pretende-se, nessa lógica, que cada CEO reproduza, de algum modo, a segmentação por microespecialidades que caracteriza a corporação profissional odontológica. Não é pequeno, portanto, o risco de que esse tipo de unidade assistencial do SUS seja capturado pela Odontologia de Mercado e, nele, sua lógica desintegrada seja imposta e reproduzida.
 Trata-se, portanto, de um enorme desafio, dada a força hegemônica que a OM detém.
 Nesse sentido, é preciso superar também uma tendência de desvincular o CEO do SUS no plano da comunicação visual definida pelo MS para o Brasil Sorridente. A análise mais detida das padronizações adotadas para essa comunicação visual permite constatar que, nesse plano, as referências simbólicas ao SUS são escassas ou mesmo inexistentes.

 A ampliação do apoio à PNSB por parte dos setores organizados da sociedade, em conselhos de saúde de diferentes esferas de gestão, é desafio permanente e requer atenção especial pelos que, em níveis federal, estadual e municipal coordenam as políticas públicas setoriais. Nesse aspecto, também as conferências de saúde são estratégicas. Realizada em 2004 a 3ª Conferência Nacional de Saúde Bucal aprovou um relatório que, quase uma década depois, ainda é referência importante para o que fazer na área de saúde buca.

 Porém, o silêncio sobre a convocação e realização da 4ª CNSB preocupa, pois é tempo, quase uma década depois, de reavaliar o conjunto de propostas emanado da 3ª CNSB e atualizar essa agenda subsetorial.
 Um desafio que requer atenção especial relaciona-se com a desigualdade no acesso à água fluoretada.  Enquanto nas regiões Sudeste e Sul a cobertura supera os 75% da população, com alguns Estados superando 90%, como Paraná e São Paulo, as regiões Norte e Nordeste apresentam baixas taxas de cobertura, como Pernambuco e Maranhão, e com alguns Estados sem qualquer município com fluoretação das águas, caso do Amapá. O esforço para fluoretar águas de abastecimento é, como se sabe, de grande significado em saúde pública, não apenas pelo benefício direto da prevenção de cáries, mas também pelo que significa em termos de qualificação dos sistemas de tratamento e distribuição de água.

 Em 2008 teve início, como parte da PNSB, a distribuição de kits contendo escova de dente e creme dental, através das Equipes de Saúde da Família e do Programa de Saúde do Escolar, para apoiar a realização de atividades preventivas, realizadas pelas Auxiliares e Técnicos em Saúde Bucal das ESB, nas Unidades Básicas de Saúde ou até mesmo em visitas domiciliares.
 Foram priorizados 1.242 municípios com baixos índices socioeconômicos. Entre 2008 e 2010 foram enviados 72 milhões desses kits. A medida foi bem recebida, pois se constituiu numa resposta efetiva às propostas de várias conferências de saúde, e em particular das conferências de saúde bucal, nesse sentido. Contudo, essa distribuição não vem tendo continuidade, gerando insatisfação nos beneficiários, comprometendo a credibilidade da PNSB. Com a descontinuidade, o efeito positivo inicial se perdeu e, no plano simbólico, o efeito passou a ser negativo. Como se trata de medida que, articulada a ações programáticas, tem papel estratégico num contexto como o brasileiro, deve-se reavaliar as razões da descontinuidade e, corrigindo o que for necessário, retomar essa iniciativa.

Outra iniciativa que requer monitoramento e controle gerencial rigoroso diz respeito à decisão de empregar unidades móveis para assistência odontológica, uma vez que, de modo geral, as experiências brasileiras com o uso desse tipo de unidade não são bem avaliadas, por gestores e usuários. Ao contrário, são bem conhecidas as dificuldades gerenciais relacionadas com a manutenção do veículo e com a alocação de recursos humanos compatíveis com os deslocamentos territoriais requeridos por esse tipo de veículo. Avariados e sem condutores, unidades móveis são vistas frequentemente imobilizadas em garagens oficiais. Mantê-las em operação é,
portanto, enorme desafio, aliado à necessidade de compatibilizar essa tecnologia com os princípios que regem a atenção básica.

Não obstante a relevância desses desafios é crucial não perder de vista que o principal desafio posto à PNSB é não permitir que se descole das demais políticas de saúde, integrando-se efetivamente ao SUS e articulando-se às demais políticas públicas destinadas ao enfrentamento e superação da miséria e das desigualdades sociais, recusando, portanto, sua redução a um mero programa odontológico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Para que a PNSB possa seguir avançando na busca da integralidade da atenção e realizar seu objetivo estratégico de mudar o modelo de atenção à saúde bucal caracterizado na 7ª Conferência Nacional de Saúde, o conjunto de ações que a compõem não poderá ficar restrito nem à saúde da família, no plano da atenção básica, nem aos CEO, na atenção secundária.

 Terá, necessariamente, de ir além e operar, concomitantemente no âmbito das micropolíticas e no das macropolíticas, produzindo transformações tanto nos serviços de saúde, nas relações que concretamente se estabelecem entre profissionais de saúde e usuários do SUS, quanto nas políticas públicas nas três esferas de governo

 Embora os CEO sejam atualmente a face de maior visibilidade da PNSB ela é muito mais do que os CEO. Concretizar isto é o principal desafio estratégico posto a essa política pública, cujos maiores riscos são, de um lado essa redução e, de outro, a descontinuidade do financiamento. O futuro da saúde bucal no SUS dependerá da forma como for equacionado, nos próximos anos, o desafio fundamental de fortalecer a sociedade civil, respeitar os movimentos sociais populares e consolidar a democracia.

Manter a saúde bucal na agenda da gestão das políticas públicas exigirá esforços tão ou mais consistentes quanto os realizados nos primeiros 20 anos do SUS. Nesse processo será fundamental o papel do Estado, tanto na garantia do aprofundamento da democracia e dos princípios republicanos na vida nacional, quanto na implementação de soluções adequadas para regular os conflitos gerados pelo exercício de direitos coletivos e a preservação das liberdades individuais.

Avançar nessa direção implica, conforme tem sido apontado por diferentes atores sociais, superar o ideário liberal-privatista e, levando em conta o interesse público, desenvolver e fortalecer a capacidade de gestão das políticas públicas, da política de saúde e da PNSB, colocando- as em sintonia com os interesses populares.

 Implica, em suma, avançar nas concepções e práticas que possibilitem romper a hegemonia da Odontologia de Mercado, transformar o modelo de atenção e, com isso, avançar na desodontologização da saúde bucal e na universalização dos cuidados odontológicos, preconizados pela Saúde Coletiva, tornando concreto para todos, também em seu componente bucal, o direito humano à saúde.¨
Revista Tempus Actas de Saúde Coletiva  

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