quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Conhecendo mais sobre Guimarães Rosa : Parte III

Na terceira parte da matéria, do site elfikurten.com.br, Guimarães Rosa, o escritor :


João Guimarães Rosa, na viagem ao Sertão Mineiro, em 1952.
[Foto: Eugênio Siva/ revista 'O Cruzeiro']
As vacas e os cavalos
"... não se esqueça de meus cavalos e de minhas vacas. As vacas e os cavalos são seres maravilhosos. Minha casa é um museu de quadros de vacas e cavalos. Quem lida com eles aprende muito para sua vida e a vida dos outros. Isto pode surpreendê-lo, mas sou meio vaqueiro, e como você também é algo parecido com isto, compreenderá certamente o que quero dizer. Quando alguém me narra algum acontecimento trágico, digo-lhe apenas isto: “Se olhares nos olhos de um cavalo, verás muito da tristeza do mundo!” Eu queria que o mundo fosse habitado apenas por vaqueiros. Então tudo andaria melhor."
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".




O ESCRITOR
A boiada
"Creio que será uma excursão interessante e proveitosa, que irei fazer de cadernos abertos e lápis em punho, para anotar tudo o que possa valer, como fornecimento da cor local, pitoresco e exatidão documental, que são coisas muito importantes na literatura moderna."
- João Guimarães Rosa, em carta ao pai, 6 nov.1945.

"Você conhece os meus cadernos, não conhece? Quando eu saio montado num cavalo, por Minas Gerais, vou tomando nota de coisas. O caderno fica impregnado de sangue de boi, suor de cavalo, folha machucada. Cada pássaro que voa, cada espécie, tem vôo diferente. Quero descobrir o que caracteriza o vôo de cada pássaro, em cada momento."  

“(...) Chico, saudades daí tenho sempre. Como vão todos? (...)
João Guimarães Rosa, na viagem ao Sertão Mineiro, em 1952.
[Foto: Eugênio Siva/ revista 'O Cruzeiro']
E na Sirga? Como vai o pessoal de lá? Estou sempre me lembrando deles, dos
bons companheiros. O papagaio está gordo e alegre, magnífico. Aprendeu muita conversa carioca, mas não se esqueceu do repertório sertanejo: canta, chora como menino pequeno, e sabe chamar as vacas, com notável entusiasmo – o que faz, sem falta, todas as madrugadas!
Agora, Chico, o forte abraço do primo e amigo Joãozito.”
- João Guimarães Rosa, em Carta a Chico Moreira, 06 out. 1952.

A língua e a metafísica

"...o aspecto metafísico da língua, que faz com que minha linguagem antes de tudo seja minha. (...) Meu lema é: a linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o espelho de sua personalidade não vive; e como a vida é uma corrente contínua, a linguagem também deve evoluir constantemente. Isto significa que, como escritor, devo me prestar contas de cada palavra e considerar cada palavra o tempo necessário até ela ser novamente vida. O idioma é a única porta para o infinito, mas infelizmente está oculto sob montanhas de cinzas."
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".


O sentimento religioso, transcendente, presente na obra rosiana não implica dogmatismo: Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio., diz o narrador Riobaldo, em Grande Sertão: veredas. Fala semelhante encontra-se no que o próprio Rosa afirma como sendo seu “credo” pessoal:

"Eu não sei o que sou. Posso bem ser cristão de confissão sertanista, mas também pode ser que eu seja taoísta à maneira de Cordisburgo, ou um pagão crente à la Tolstói. No fundo, tudo isto não é importante. É um assunto poético e a poesia se origina da modificação de realidades linguísticas.Eu quero tudo: o mineiro, o brasileiro, o português, o latim, talvez até o esquimó e o tártaro. Queria a linguagem que se falava antes de Babel."
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".



João Guimarães Rosa
Em longa carta, de 11 de maio de 1947, para Vicente Guimarães, escreve:
"A língua portuguesa, aqui no Brasil, está uma vergonha e uma miséria. Está descalça e despenteada;.... É preciso distendê-la, destorcê-la, obrigá-la a fazer ginástica, desenvolver-lhe músculos. Dar-lhe precisão, exatidão, agudeza, plasticidade, calado, motores. E é preciso refundi-la no tacho, mexendo muitas horas. ... A nossa literatura, com poucas exceções, é um valor negativo, um cocô de cachorro no tapete de um salão. Naturalmente palavrosos, piegas, sem imaginação criadora, imitadores, ocos, incultos, apressados, preguiçosos, vaidosos, impacientes, não cuidamos da exatidão...... Quem pode, deve preparar-se, armar-se, e lutar contra esse estado de coisas. É uma revolução branca, uma série de golpes de estado."


Em carta a João Condé, de 1946:
"De certo que eu amava a língua. Apenas, não a amo como a mãe severa, mas como a bela amante e companheira... Mas ainda haveria mais, se possível...: além, dos estados líquidos e sólidos, porque não tentar trabalhar a língua também em estado gasoso?"

"Cada língua guarda em si uma verdade interior que não pode ser traduzida."



O contista
Em entrevista a Günter Lorenz "Dialogo com Guimarães Rosa":

"...retornei à “saga”, à lenda, ao conto simples, pois quem escreve estes assuntos é a vida e não a lei das regras chamadas poéticas."


"Naturalmente digo isso, porque é um dado biográfico, pois não aconteceu que, um belo dia, eu simplesmente decidisse me tornar escritor; isto só fazem certos políticos. Não, veio por si mesmo; cresceu em mim o sentimento, a necessidade de escrever e, tempos depois, convenci-me de que era possuidor de uma receita para fazer verdadeira poesia."


João Guimarães Rosa [Acervo Fundo JGR - IEB/USP]
"... sou um contista de contos críticos. Meus romances e ciclos de romances são na realidade contos nos quais se unem a ficção poética e a realidade."

"Escrevo, e creio que este é o meu aparelho de controle: o idioma português, tal como o usamos no Brasil; entretanto, no fundo, enquanto vou escrevendo, eu traduzo, extraio de muitos outros idiomas. Disso resultam meus livros, escritos em um idioma próprio, meu, e pode-se deduzir daí que não me submeto à tirania da gramática e dos dicionários dos outros."

"...sobre minha relação com a língua. É um relacionamento familiar, amoroso. A língua e eu somos um casal de amantes que juntos procriam apaixonadamente, mas a quem até hoje foi negada a bênção eclesiástica e científica. Entretanto, como sertanejo, a falta de tais formalidades não me preocupa. Minha amante é mais importante para mim."

"Não preciso inventar contos, eles vêm a mim, me obrigam a escrevê-los."

"Os livros nascem, quando a pessoa pensa; o ato de escrever já é a técnica e a alegria do jogo com as palavras."

"Quem cresce em um mundo que é literatura pura, bela, verdadeira, real deve algum dia começar a escrever, se tiver uma centelha de talento para as letras."

Quando escreveu Grande Sertão: veredasrevela em carta ao amigo Silveirinha, o embaixador Antonio Azeredo da Silveira:
"Eu passei dois anos num túnel, um subterrâneo, só escrevendo, só escrevendo eternamente. Foi uma experiência transpsíquica, eu me sentia um espírito sem corpo, desencarnado - só lucidez e angústia."


João Guimarães Rosa, na viagem ao Sertão Mineiro, em 1952.
[Foto: Eugênio Siva/ revista 'O Cruzeiro']
O sertão
"...no sertão fala-se a língua de Goethe, Dostoievski e Flaubert, porque o sertão é o terreno da eternidade, da solidão, onde Inneres und Ausseres sina nicht mehr zu trennen, segundo o Westöstlicher Divon . No sertão, o homem é o eu que ainda não encontrou um tu; por isso ali os anjos ou o diabo ainda manuseiam a língua. O sertanejo, (...) “perdeu a inocência no dia da criação e não conheceu ainda a força que produz o pecado original.”
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".


"No sertão, cada homem pode se encontrar ou se perder. As duas coisas são possíveis. Como critério, ele tem apenas sua inteligência e sua capacidade de adivinhar."
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".


Os rios
"Escrevendo, descubro sempre um novo pedaço de infinito. Vivo no infinito; o momento não conta. Vou lhe revelar um segredo: creio já ter vivido uma vez. Nesta vida, também fui brasileiro e me chamava João Guimarães Rosa. Quando escrevo, repito o que vivi antes. E para estas duas vidas um léxico apenas não me é suficiente. Em outras palavras: gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. O crocodilo vem ao mundo como um magister da metafísica, pois para ele cada rio é um oceano, um mar da sabedoria, mesmo que chegue a ter cem anos de idade. Gostaria de ser um crocodilo, porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma do homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como os sofrimentos dos homens. Amo ainda mais uma coisa de nossos grandes rios: sua eternidade. Sim, rio é uma palavra mágica para conjugar eternidade."
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".




João Guimarães Rosa, em carta de 25 de novembro de 1963, a Edoardo Bizzarri, então tradutor italiano de Corpo de Baile:

'Sou profundamente religioso, ainda que fora do rótulo estrito e das fileiras de qualquer confissão ou seita; antes talvez, como o Riobaldo do Grande Sertão: Veredas, pertenço eu a todas. E especulativo demais. Daí todas as minhas, constantes, preocupações religiosas, metafísicas, embeberem os meus livros. Talvez meio existêncialista-cristão (alguns me classificam assim), meio neoplatônico (outros me carimbam disto), e sempre impregnado de hinduísmo (conforme terceiros). Os livros são como eu sou...

João Guimarães Rosa
Ora, você já notou, decerto, que como eu, os meus livros, em essência, são anti-intelectuais - defendem o altíssimo primado da intuição, da revelação, da inspiração, sobre o bruxulear presunçoso da inteligência reflexiva, da razão, da megera cartesiana. Quero ficar com o Tao, com os Vedas e Upanixades, com os Evangelistas e São Paulo, com Platão, com Plotino, com Bergson, com Berdiaeff - com Cristo principalmente.
[...]
Meu lema é: a linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o espelho de sua personalidade não vive; e como a vida é uma corrente contínua, a linguagem também deve evoluir constantemente. Isto significa que como escritor devo me prestar contas de cada palavra e considerar cada palavra o tempo necessário até ela ser novamente vida. O idioma é a única porta para o infinito, mas infelizmente está oculto sob montanha de cinzas.

Sou precisamente um escritor que cultiva a idéia antiga, porém sempre moderna, de que o som e o sentido de uma palavra pertencem um ao outro. Vão juntos. A música da língua deve expressar o que a lógica da língua obriga a crer. Sobre esta idéia antiga, os hermetistas árabes e judeus, entre outros, encheram bibliotecas de especulações místicas, na certeza de alcançar o divino pela pronúncia exata de seu nome.

No Sertão fala-se a língua de Goethe, Dostoievski e Flaubert, porque o Sertão é o terreno da eternidade, da solidão, onde 'o interior e o exterior não podem mais estar separados'.

Nos meus livros tem importância, pelo menos igual ao sentido da estória, se é que não muito mais: a poética ou poeticidade da forma, tanto a sensação mágica, visual, das palavras, quanto a eficácia sonora delas; e mais as alterações viventes do ritmo, a música subjacente, as fórmulas-esqueletos das frases - transmitindo ao subconsciente vibrações emotivas sutis. Tudo em três planos (como os ensinos das antigas religiões orientais):

the underlying charm (enchantment)
the level-lying common meaning
the 'overlying' idea (metaphysic).'
 
 
Na quarta e ultima parte, a eleição para a Academia Brasileira de letras (ABL), o adiamento para tomar posse, devido ao receio de seu coração não aguentar tanta emoção, e após 4 anos a posse na ABL  e o desaparecimento prematuro após três dias da posse.
 
  

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