terça-feira, 15 de outubro de 2013

Conhecendo mais sobre Guimarães Rosa : Parte I

A partir de hoje reproduzo a reportagem do site elfikurten.com.br sobre a vida do médico, diplomata e escritor João Guimarães Rosa. Farei em  4 partes. Hoje, a primeira parte descreve a infância, seus estudos, família e viagens.


JOÃO GUIMARÃES ROSA - o demiurgo do sertão
João Guimarães Rosa em seu escritório de trabalho, no ano de 1964.
[Acervo Fundo João Guimarães Rosa - IEB/USP]
“Minha biografia, sobretudo minha biografia literária, não deveria ser crucificada em anos. As aventuras não tem tempo, não tem princípio nem fim. E meus livros são aventuras: para mim, são minha maior aventura.”
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".

Médico, Diplomata e Escritor
1908 - 1967

Cordisburgo - o "burgo do coração".
"...nasci em Cordisburgo, uma cidadezinha não muito interessante, mas para mim, sim, de muita importância. Além disso, em Minas Gerais; sou mineiro. E isto sim é o importante, pois quando escrevo sempre me sinto transportado para esse mundo: Cordisburgo."
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".

Joãozito, como era chamado pela família, nasce em 27 de junho de 1908, com sobrenome de poeta: Rosa, filho de Florduardo. Nasce no mesmo ano em que morre Machado de Assis, numa cidade chamada Cordisburgo, que quer dizer o “burgo do coração”.

“Cordisburgo era pequenina terra sertaneja, trás montanhas, no meio de Minas Gerais. Só quase lugar, mas tão de repente bonito: lá se desencerra a Gruta do Maquiné, mil maravilha, a das Fadas.”

Seu pai, Florduardo Pinto Rosa, juiz-de-paz e comerciante, e sua mãe, Francisca Guimarães Rosa, chamada D. Chiquitinha, tiveram outros cinco filhos. Cordisburgo, conta Vilma, filha de Rosa, “era a linha reta de uma rua, poucas casas muito simples, a pequenina igreja, um céu puro, muito azul. E a vastidão dos campos a se estender, sem limites visíveis."

O menino Joãozito
Menino Joãozito
Quando criança, seus prazeres encontrava estudando sozinho, brincando de geografia, colecionando insetos, e lendo. Adulto, dirá que gostaria de escrever “um pequeno tratado para meninos quietos”.

“Mas tempo bom de verdade, só começou com a conquista de algum isolamento, com a segurança de poder fechar-me num quarto e trancar a porta. Deitar no chão e imaginar estórias, poemas, romances, botando todo mundo conhecido como personagem, misturando as melhores coisas vistas e ouvidas...”

Foi o Dr. José Lourenço, do Curvelo, quem descobriu a miopia do garoto. Situação relatada mais tarde na novela “Campo Geral”, na estória do   menino Miguilim. Só em Belo Horizonte, aos 9 anos, Rosa começará a usar óculos.

Seu tio, Vicente Guimarães, dois anos apenas mais velho que ele, lembra de Rosa como um “menino diferente: sossegado, caladão, calmo, observador, singelo. Lia muito...”

E conta, de que modo ele lia, ritmando a leitura, num hábito que conservará por toda a vida:
“Sua posição predileta para a leitura era sentado no chão, de pernas cruzadas, a modos de Buda, com o livro aberto sobre as pernas, curvado até bem próximo deste e com dois pauzinhos nas mãos, batendo sobre as páginas, ora um, depois o outro, compassadamente, em ritmo variado, ligeiro ou mais lento, conforme na leitura se movesse o pensamento.”

João Guimarães Rosa  em 1930.
(Foto: Acervo Nova Fronteira)
Com sete anos incompletos, em 1915, já sabendo ler, inicia seus estudos primários na escola de Mestre Candinho. Começa a estudar francês quando ganha de um viajante, amigo de seu pai, uma gramática e um dicionário para ler revistas francesas que chegavam à cidade. Estudava línguas – dirá ele - para não me afogar inteiramente na vida do interior. Quanto a seu poliglotismo, assim irá defini-lo mais tarde:

“Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.”
- trecho de carta-entrevista para sua prima Lenice Guimarães de Paula Pitanguy.

Seus primeiros textos foram jornais feitos à mão, escritos quase sempre em folhas de papel de embrulho da loja do pai, sendo ele o diretor e único redator. Cada número trazia artigo, conto, noticiário, seção humorística e critica de costumes sociais. Nenhum exemplar foi guardado. Também escrevia cartas para os irmãos, com charadas cheias de logogrifos, desenhos hieroglíficos que irá manter por toda a vida, dando futuramente as indicações para Poty, o ilustrador de seus livros.

“Desde menino, muito pequeno, eu brincava de imaginar intermináveis estórias, verdadeiros romances; quando comecei a estudar Geografia – matéria de que sempre gostei – colocava os personagens e cenas nas mais variadas cidades e países. Mas, escrever mesmo, só comecei foi em 1929, com alguns contos, que naturalmente, não valem nada. Até essa ocasião (21 anos), eu só me interessava, e intensamente, pelo estudo, da Medicina e da Biologia.”

Seus contos, que “não valiam nada”, lhe valeram o prêmio em dinheiro e a publicação na Revista O Cruzeiro, em 1929.


"... nós, os homens do sertão, somos fabulistas por natureza. Está no nosso sangue narrar estórias; já no berço recebemos esse dom para toda a vida. Desde pequenos, estamos constantemente escutando as narrativas multicoloridas dos velhos, os contos e lendas, e também nos criamos em um mundo que às vezes pode se assemelhar a uma lenda cruel. Deste modo a gente se habitua, e narra estórias que corre por nossas veias e penetra em nosso corpo, em nossa alma, porque o sertão é a alma de seus homens (...) Eu trazia sempre os ouvidos atentos, escutava todo o que podia e comecei a transformar em lenda o ambiente que me rodeava, porque este, em sua essência, era e continua sendo uma lenda."
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".


Estudos, família e viagens
Desde que sai de seu vilarejo natal, Cordisburgo, por volta dos 10 anos de idade, para ir estudar em Belo Horizonte e morar com os avós, Rosa não para mais. Termina o curso primário no Grupo Escolar Afonso Pena. Em 1919, vai para o Colégio Santo Antônio, em São João d'el Rei, uma escola de frades franciscanos, mas de lá logo sai, pois não se acostuma com as refeições locais. De volta a Belo Horizonte, matricula-se no Colégio Arnaldo, de padres alemães.

Guimarães Rosa e a filha Vilma
Em 1925, aos 16 anos, matricula-se na Faculdade de Medicina, formando-se em 1930, e encerrando os estudos como o orador da turma. Nesse mesmo ano, casa-se com Lígia Cabral Penna, com quem terá duas filhas, Vilma e Agnes. Estabelece-se em Itaguara, e inicia sua carreira de médico no interior do Estado. Participa como voluntário da revolução Constitucionalista de 1932, e depois ingressa como oficial médico do 9º Batalhão de Infantaria, em Barbacena. De 1933 a 1935, trabalha no Serviço de Proteção ao Índio. O caminho chegaria ao Rio de Janeiro em 1934, onde presta concurso no Itamarati. Daí sairia para o mundo como diplomata. Em 1938, é nomeado Cônsul Adjunto em Hamburgo, e segue para a Europa. Lá conhece Aracy Moebius de Carvalho (Ara), que virá a ser sua segunda mulher. Desquita-se de Lígia, em 1942. Quem conta é sua filha Vilma:
“Papai havia conhecido dona Aracy Moebius de Carvalho em Hamburgo. Ela era funcionária graduada, no consulado. Papai e dona Aracy se casaram pelas leis de outro país, e também mamãe, com o advogado Arthur Auto Nery Cabral...”

João Guimarães Rosa e Aracy Moebius de Carvalho em Hamburgo.
[Foto Acervo Família Tess]
O rol de viagens continua por toda a sua vida, passando por Bogotá, Paris, viagens pelo Brasil (Mato Grosso, Pantanal e o sertão das Gerais) até chegar, em 1962, a chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras. Sobre este cargo, ele comenta: agora me ocupo de problemas de limites de fronteiras e por isso vivo muito mais limitado”.
 
Na próxima publicação, a segunda parte com informações sobre a formação e atuação como médico e diplomata.
 
 
Fonte:
- site: elfikurten.com.br

Um comentário:

  1. Assisti recentemente um documentário sobre Aracy e comecei a pesquisar mais sobre a vida dela e de Guimarães Rosa.
    E assim, seu artigo foi muito interessante de ler.

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