Por Cynara Menezes
Cerca de 70% dos ¨loucos¨ do hospício não tinham de fato problemas mentais. Eram filhos rebeldes internados à força pela família.
No conto Sorôco, sua mãe, sua filha (Primeiras Estórias, 1962), João Guimarães Rosa conta a história de um homem que leva a mãe e a mulher para a estação do trem que as transportará para o hospício em Barbacena (MG).
“O que os outros se diziam: que Sorôco tinha tido muita paciência. Sendo que não ia sentir falta dessas transtornadas pobrezinhas, era até um alívio. Isso não tinha cura, elas não iam voltar, nunca mais. De antes, Sorôco agüentara de repassar tantas desgraças, de morar com as duas, pelejava. Daí, com os anos, elas pioraram, ele não dava mais conta, teve de chamar ajuda, que foi preciso. Tiveram que olhar em socorro dele, determinar de dar as providências de mercê. Quem pagava tudo era o Governo, que tinha mandado o carro. Por forma que, por força disso, agora iam remir com as duas, em hospícios. O se seguir.”
Entre 1903 e meados da década de 1980 multidões de pessoas supostamente loucas eram enviadas ao Hospital Colônia de Barbacena. Provavelmente como a mãe e a filha do viúvo Sorôco, a maioria dos que foram parar ali não precisava ser internada: cerca de 70% dos “loucos” de Barbacena não tinham de fato problemas mentais. Eram filhos rebeldes internados à força pela família, homossexuais, mendigos, prostitutas, viciados em drogas, mulheres rejeitadas pelos maridos. “Um depósito de improdutivos, indesejados, desafetos”, como define o cineasta mineiro Helvécio Ratton em seu documentário Em Nome da Razão (1979). Mais ou menos como algumas de nossas cadeias hoje em dia.
As imagens em preto e branco feitas por Ratton nos transportam imediatamente para o inferno: pessoas nuas, jogadas pelo chão, jovens, idosos e até crianças. O cineasta conseguiu penetrar os muros do hospital graças ao psiquiatra italiano Franco Basaglia, referência mundial na reformulação do tratamento de doenças mentais, que liderava naquele momento o movimento anti-manicomial e abriu as portas de Barbacena a um grupo de defensores dos Direitos Humanos. Entre eles, o jovem Helvécio Ratton, que tinha 30 anos quando fez o documentário. Basaglia comparou Barbacena a um campo de concentração nazista. Calcula-se que 60 mil pessoas tenham morrido no Colônia.
Fiquei impressionada particularmente com a imagem de uma moça que Ratton mostra em seu documentário, cantando, à capela, seu dramático cotidiano no hospital… Quem seria? Uma sambista? Certamente alguém que jamais seria internada nos dias de hoje. Outro rapaz, levado para lá pela polícia, retorna para a família lobotomizado, como um robô.
Recentemente, a jornalista Daniela Arbex publicou o livro Holocausto Brasileiro (Geração Editorial) em que reconta a tragédia do Hospital Colônia de Barbacena a partir de documentos históricos, de reportagens como a de Luiz Alfredo Ferreira para a revista O Cruzeiro, em 1961, e relatos de sobreviventes. Daniela falou com o blog por e-mail:
Cynara Menezes – Qual o perfil dos internos em Barbacena?
Daniela Arbex – 70% não sofriam de doença mental. Muitos eram alcoolistas, prostitutas, meninas que haviam perdido a virgindade antes do casamento, pessoas tímidas. Havia de tudo, inclusive os considerados insanos.
CM – Me parece, vendo o filme, que havia também alguns autistas…
DA – Sim, muitas crianças enviadas para lá tinham algum tipo de deficiência física ou mental. Eram os enjeitados pela sociedade e suas famílias. Havia cerca de 30 crianças na unidade.
CM – No caso específico das mulheres: rebeldia era uma razão para internação?
DA – Era, sim. Muitas meninas foram enviadas para o Colônia como forma de punição por terem desafiado as normas vigentes. A maioria morreu por lá.
CM – Após escrever o livro, isso alterou de alguma maneira tua percepção sobre a prática de internar doentes mentais ou viciados em drogas?
DA – O livro consolidou a visão que eu já tinha sobre a necessidade de humanização dos nossos modelos de atendimento. Recuperação e tratamento caminham lado a lado com acolhimento.
Leiam o livro e vejam o filme de Helvécio Ratton. Para se dar conta, como ele costuma dizer, “do que os seres humanos são capazes de fazer com outros seres humanos”.
Publicado em 31 de outubro de 2013
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
Darcy Ribeiro: brasileiro e desenvolvimentista
Se ainda estivesse vivo teria completado 91 anos, no dia 26 de outubro passado. Vamos relembrar um pouco da sua trajetória de vida:
Darcy Ribeiro foi um antropólogo, escritor e político brasileiro conhecido por seu foco em relação aos índios e à educação no país.
Nascimento: 26 de outubro de 1922, Montes Claros, Minas Gerais
Falecimento: 17 de fevereiro de 1977, Brasília
Considerações sobre Darcy Ribeiro:
Por Paulo Kliass (cartamaior.com.br):
Também assim quero me lembrar de Darcy Ribeiro para sempre. Também assim: Darcy acreditando profundamente na capacidade transformadora do bicho humano, rejeitando limites, desafiando barreiras, convocando desafios. Não era homem de sonhar com pouco. Sonhava grande, e se lançava aos sonhos para transformá-los em realidade e assim, mudar essa realidade que estava ali, cercando, imposta.
E lembrar também o que ele disse certo dia de santa ira e lúcida rebelião: “Na América Latina só temos duas saídas: ser resignados, ou ser indignados; e eu não vou me resignar nunca”.
Não fez outra coisa na vida além de traduzir essa frase-guia em cada ato, cada ousadia, cada sonho.
Frases de Darcy Ribeiro:
Darcy Ribeiro foi um antropólogo, escritor e político brasileiro conhecido por seu foco em relação aos índios e à educação no país.
Nascimento: 26 de outubro de 1922, Montes Claros, Minas Gerais
Falecimento: 17 de fevereiro de 1977, Brasília
Considerações sobre Darcy Ribeiro:
Darcy Ribeiro fez parte de uma geração de brasileiros que deixaram como marca uma engajada militância em torno de um projeto diferente de país.
Por Paulo Kliass (cartamaior.com.br):
Se ainda estivesse vivo em 26 de outubro passado, Darcy Ribeiro teria completado 91 anos de idade. Lamentavelmente, porém, ele nos deixou em fevereiro de 1997, ainda com 74 anos. Uma grande perda, de alguém que deixou um expressivo legado para as futuras gerações, contribuições elaboradas ao longo de um vida de muita luta e de muita criação. Entre livros acadêmicos, romances e os resultados de sua ação na esfera política e governamental, o mestre plantou sementes essenciais para a conformação da brasilidade.
Darcy é autor de algumas dezenas de livros. Mas muitos analistas consideram “O povo brasileiro”, publicado em 1995, como sua obra síntese. Ali ele busca as raízes da formação popular da nacionalidade e, na tradição do pensamento crítico, os vetores básicos para a construção de um projeto desenvolvimentista inclusivo e soberano. Algo que ele chamava, com graça e vigor, de “socialismo moreno”.
Por Eric Nepomuceno:
(cartamaior.com.br)
Descalço.
Darcy Ribeiro, até nisso, foi embora como viveu. Chegava em casa e tirava os sapatos. Dizia que era por causa de seu sangue índio. Eu sempre achei que não: que era para sentir o chão nos pés.
Muito diferente que sentir os pés no chão: sentir o chão nos pés, porque era aquele chão, o da realidade, que ele quis mudar, transformar, como quis transformar o Brasil e a América Latina. O mundo.
Darcy Ribeiro, até nisso, foi embora como viveu. Chegava em casa e tirava os sapatos. Dizia que era por causa de seu sangue índio. Eu sempre achei que não: que era para sentir o chão nos pés.
Muito diferente que sentir os pés no chão: sentir o chão nos pés, porque era aquele chão, o da realidade, que ele quis mudar, transformar, como quis transformar o Brasil e a América Latina. O mundo.
Também assim quero me lembrar de Darcy Ribeiro para sempre. Também assim: Darcy acreditando profundamente na capacidade transformadora do bicho humano, rejeitando limites, desafiando barreiras, convocando desafios. Não era homem de sonhar com pouco. Sonhava grande, e se lançava aos sonhos para transformá-los em realidade e assim, mudar essa realidade que estava ali, cercando, imposta.
E lembrar também o que ele disse certo dia de santa ira e lúcida rebelião: “Na América Latina só temos duas saídas: ser resignados, ou ser indignados; e eu não vou me resignar nunca”.
Não fez outra coisa na vida além de traduzir essa frase-guia em cada ato, cada ousadia, cada sonho.
Frases de Darcy Ribeiro:
¨O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso¨.
Darcy Ribeiro
“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu"
Darcy Ribeiro
“Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando, lutando como um cruzado pelas causas que me comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolaridade das crianças, a reforma agrária...”
Darcy Ribeiro no livro Testemunho (Ed. Apicuri)
Darcy Ribeiro no livro Testemunho (Ed. Apicuri)
terça-feira, 29 de outubro de 2013
Combate à seca: divórcio entre poder público e a sociedade
Necessidades das comunidades locais são deixadas de lado, enquanto outros interesses geram lucros para as industrias. Além do artigo que analisa esta questão, a reportagem da tv folha denuncia atrasos na entrega das cisternas de plástico (pvc)
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A cisterna de cimento feita por pedreiros locais e a cisterna de plástico comercializadas pelas empresas
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Por Mário Osava da IPS (Inter Press Service)
(envolverde.com.br)
As decisões do governo brasileiro para combater a seca na região Nordeste são um exemplo das desavenças entre o poder político e parte da sociedade, que explodiram em junho em inesperados protestos nas ruas. Ainda que abraçando uma solução nascida da população, de disseminar reservatórios para armazenar água da chuva, o governo de Dilma Rousseff o fez de tal forma que nega aspectos essenciais da iniciativa, desconhecendo uma experiência bem-sucedida de uma década, segundo autores dessa ideia.
“Não nos ouviram”, lamentou Naidison Baptista, coordenador da Articulação Seminário Brasileiro (ASA), a rede que reúne quase mil organizações não governamentais, comunitárias, sindicais, religiosas e camponesas, criada em 1999 para garantir água potável às famílias rurais pobres e vulneráveis às secas. A presidente Dilma anunciou, em julho de 2011, que até o final de seu mandato, em 2014, o Estado distribuirá 750 mil cisternas na zona do semiárido, por meio do programa Água para Todos, incluído em seu plano de erradicação da miséria.
Isso teria representado o triunfo definitivo e com juros do movimento iniciado pela ASA, que registra 476.040 cisternas rurais construídas até o dia 17 deste mês, quase metade de sua meta. Com as prometidas pelo governo, se universalizaria o benefício entre a população necessitada. No semiárido, o interior do Nordeste de escassas chuvas, cuja extensão supera os territórios somados de Alemanha e França, vivem 22 milhões dos 198 milhões de brasileiros. Quase 8,6 milhões deles são camponeses, segundo o censo de 2010.
Entretanto, as cisternas oferecidas pelo Ministério de Integração Nacional, encarregado do programa do governo, são de plástico, feitas industrialmente e distribuídas por intermédio dos governos estaduais e municipais. “É o velho modelo sem participação da população”, observou Baptista à IPS. Volta-se à relação paternalista das doações de governantes, gerando dependência dos beneficiados, pois não conhecem a origem nem sabem como manter o produto. Sem se envolver no processo de sua construção, não cuidam, ressaltou.
Já as cisternas da ASA são feitas de cimento por pedreiros locais e instaladas pelos próprios moradores, que se capacitam na gestão da água para que dure os oito meses de estiagem e permaneça sempre potável. Assim, as obras dinamizam a economia local, ao consumir material e serviço de fornecedores próximos, ampliando o trabalho remunerado em um mercado que carece de empregos. É uma solução “endógena, autônoma”, que contribui para a convivência com o semiárido e distribui renda, ressaltou Baptista.
Por sua vez, o programa governamental concentra a renda em poucas empresas distantes e reforça a tradicional “indústria da seca”, expressão que designa a exploração da tragédia, cobrando altos preços pela água suja que é entregue em caminhões-tanque ou trocando por votos. Além disso, uma cisterna de plástico custa R$ 5.090, reconhece o Ministério de Integração, mais que o dobro do custo de uma de cimento. Isso, multiplicado por centenas de milhares, resulta em “um mercado de grande lucro” para a indústria, apontou Baptista.
A ASA lançou a campanha Cisternas de Plástico PVC – Somos Contra, depois da decisão do governo em 2011. É uma “armadilha” porque exclui a população local do processo e da reprodução da técnica, acrescentou Baptista. O governo federal diz que a produção industrial em grande escala é necessária para acelerar a disseminação dos sistemas de armazenagem de água potável e agrícola, em um momento de forte e prolongada seca. Mas é uma “falsa” justificativa, já que a ASA pode mobilizar até três mil organizações locais e multiplicar suas ações se contasse com financiamento correspondente, responde Baptista.
A decisão federal exigiu um ajuste institucional, que transferiu o protagonismo aos governos locais, em detrimento das organizações da sociedade civil. Como primeira consequência, o Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) suspendeu sua ajuda ao Programa Um milhão de Cisternas (P1MC), que a ASA realizava desde 2003 com apoio diversificado de bancos, empresas e doadores estrangeiros, além do governo nacional.
Contudo, uma mobilização de aproximadamente 15 mil pessoas, no dia 20 de dezembro de 2011, em Petrolina, polo de fruticultura irrigada do Nordeste, fez o MDS voltar atrás e assinar novos acordos com a ASA. As cisternas de polietileno proliferaram desde o ano passado, mas são rejeitadas em certas comunidades. Algumas prefeituras, como a de Serra Talhada, em Pernambuco, também não as aceitaram.
O plástico deforma com o Sol forte e “a água fica muito quente, afetando o estômago”, se queixou Rosalina Maria de Jesus, uma indígena com “mais ou menos 70 anos”, do povo Pankararú, também de Pernambuco. As cisternas industriais afetadas pelo calor foram substituídas e corrigidas nas fábricas, mas restou a desconfiança de que não resistirão muito tempo ao Sol tropical. Em alguns municípios lotam praças durante semanas ou meses diante da lentidão das prefeituras em entregá-las às famílias.
Em um desses casos, Maracás, na Bahia, 830 cisternas de PVC pegaram fogo depois de 40 dias de permanência em um terreno municipal. As de cimento, que duram muitas décadas, foram criadas por um jovem camponês que, em 1955, emigrou para São Paulo, onde aprendeu a construir piscinas. Depois de voltar para a Bahia, inventou as placas pré-moldadas que permitem, em poucas horas, fazer o depósito que está matando a sede e salvando vidas infantis antes ceifadas pela água contaminada.
Os dois tipos de cisterna convivem na aldeia Pankararú como em muitos municípios. As de plástico refletem um avanço, dentro do governo, da velha concepção de “combate à seca”, que acumulou fracassos na história do Nordeste. Sua maior obra atual é a transposição do rio São Francisco, criado para levar água a 12 milhões de pessoas, principalmente urbanas.
O megaprojeto iniciado em 2007 assombra a opinião pública por seu custo crescente, hoje de R$ 8,2 bilhões e contínuas interrupções na construção de seus 713 quilômetros de canais a céu aberto, fazendo temer um novo “elefante branco” no semiárido. Já a ASA promove a “convivência com o semiárido”, cujo exemplo mais notável são as cisternas para a população rural difusa, a mais afetada pelas secas.
A ambiguidade do atual governo, que destina a iniciativas da sociedade, como a ASA, recursos ínfimos em comparação com os elevados investimentos em megaprojetos, estimula os atuais protestos de rua. Na população cresce a desconfiança e se crê que as decisões nacionais se converteram em negócios entre governantes e grandes empresas.
Envolverde/IPS
A reportagem a seguir, exibida no "TV Folha" (TV Cultura) no dia 27 de outubro,
mostra os contratempos de famílias no interior do Ceará que aguardam a entrega
de cisternas prometidas pelo governo federal
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
Saneamento básico: situação vergonhosa
Situação do país em relação ao saneamento básico é um sinal de que ainda somos uma nação basicamente subdesenvolvida.
Por Reinaldo Canto
(cartacapital.com.br)
A falta de saneamento básico é um problema silencioso, mas um dos mais graves do país.
É de se lamentar a triste situação que vivemos por estas bandas quando o assunto é saneamento básico. Até mesmo se comparado a países mais pobres economicamente que o nosso, o quadro brasileiro é na verdade vexatório e humilhante. Envergonhado, melhor dizendo, deveria se sentir cada habitante deste Brasil continental.
Somos tão ricos em tantos quesitos e desprezíveis em atender a um número expressivo, 1/3 das casas brasileiras que em pleno século XXI não contam com o tratamento e a coleta de esgoto e graças a isso ainda vivem com índices de qualidade de vida, dignos do século XIX. A pior situação está no norte do país, onde apenas 21,6% dos lares tinham serviço de saneamento em 2011. Segundo o IBGE são 21 milhões de brasileiros com menos de 14 anos de idade sem rede de esgoto, água encanada ou coleta de lixo.
Na América Latina somos o 19º colocado em saneamento básico, segundo relatório sobre as cidades latino-americanas, feito pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat). Estamos tristemente próximos, numa indigente colocação, no rol de nações entre as mais pobres do mundo quando levamos em conta critérios como o de saneamento básico e distribuição de renda.
Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que 71,8% dos municípios ainda não possuíam, em 2011, uma política de saneamento básico. A "Pesquisa de Informações Básicas Municipais" revelou que 1.569 cidades possuíam políticas dessa natureza, o que corresponde a somente 28,2% dos 5.564 municípios brasileiros.
Difícil é entender como foi possível chegar a esse estado de coisas. Culpa de políticos que diziam: “obra enterrada não dá voto”? Parte da responsabilidade não poderia também ser creditada à sociedade, incapaz de enxergar os benefícios extraordinários de uma água tratada, esgoto coletado, e até mesmo de lutar para que tivéssemos sempre rios limpos, saudáveis e vitais para a saúde da coletividade?
O nosso atraso é gigantesco e histórico, mas não pode ser motivo de paralisia. No mês passado, a ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – realizou seu 27º Congresso em Goiânia e fez uma radiografia dos grandes desafios que a questão do saneamento básico tem pela frente no Brasil.
Entre os pontos mais importantes destacados pela chamada Carta de Goiânia, documento que resumiu as principais conclusões do evento, está a necessidade de triplicar os valores de investimento atuais para cerca de 30 bilhões de reais por ano. Em conversa com este colunista, o presidente nacional da ABES, Dante Ragazzi Pauli, afirmou que as metas pretendidas pelo governo federal de atingir a universalização da coleta e tratamento de esgoto no país até 2030 está muito longe de acontecer. Segundo ele, “no ritmo atual, isso deverá acontecer em 40 ou 50 anos”.
Recursos ainda insuficientes
A Lei 11.445 de 2007, conhecida como Lei do Saneamento estabeleceu a universalização do saneamento básico como um “compromisso de toda a sociedade brasileira”.
Graças a essa lei, apesar de todos os problemas, houve a liberação de um bom dinheiro para o setor. Segundo o Ministério das Cidades, na primeira fase do PAC 1 – o Programa de Aceleração do Crescimento, o saneamento recebeu cerca de 40 bilhões de reais entre os anos de 2007 e 2010.
Já no PAC 2 são mais 41,1 bilhões de reais para investimento em ações de saneamento no quadriênio 2011-2014. São 1.144 obras de abastecimento de água e esgotamento sanitário que beneficiarão 1.116 municípios em todas as regiões do País.
A título de informação, no último dia 24/10 a presidenta Dilma Roussef anunciou a liberação de novos recursos na ordem de 10,5 bilhões de reais para serem utilizados em obras de saneamento básico no país. A verba irá para obras de sistemas de drenagem de águas pluviais, redes de abastecimento de água e esgoto sanitário.
A cobertura de saneamento básico no Brasil tem melhorado, é verdade, mas a realidade permanece sendo de esgotos a céu aberto principalmente nas áreas mais carentes. São 15 bilhões de litros de esgoto sem tratamento despejados todos os dias em rios, córregos, passando por ruas e favelas e prejudicando a saúde de milhões de brasileiros.
Propostas no lugar das reclamações de sempre
Reclamar do governo e do país em geral já é um esporte nacional. Não há setor no Brasil que não reclame e com boa dose de razão! Mas ao lado das queixas devem também estar propostas que contribuam para a solução de problemas. Em seu encontro a ABES faz uma série de recomendações no apoio ao trabalho realizado pelo setor privado nas obras de saneamento, entre elas, a ampliação das fontes de financiamento, a agilização na análise e liberação de pedidos de financiamento e a redução de tributos.
“As Prefeituras também precisam de mais apoio e cooperação da União e dos governos estaduais” ressalta Dante Ragazzi. Segundo ele, a maioria dos municípios é carente, não só em recursos, mas também em pessoal qualificado para a elaboração de projetos. Aliás, a Carta da ABES lembra que em 31 de dezembro deste ano, os governos municipais deverão entregar seus planos de saneamento. Pelo que temos visto em relação à Política Nacional de Resíduos Sólidos, quando menos de 10% das cidades brasileiras apresentaram seus planos de gestão de resíduos no prazo estabelecido em 2012, não é de esperar algo muito diferente em relação ao saneamento básico.
Tema irá continuar em destaque
Felizmente, existem entidades, empresas e gestores públicos que tem procurado agir para mudar essa triste situação. Os cerca de 5 mil participantes das mais diversas regiões do país que participaram do Congresso da ABES deixaram claro que o tema atrai a atenção e o interesse de muita gente.
Esperemos que isso se transforme em ações e benefícios reais para a sociedade brasileira, principalmente para as pessoas mais pobres deste país. Afinal, para podermos ser chamados verdadeiramente de Nação, precisamos ao menos, oferecer água limpa e tratar os esgotos das casas de todos os brasileiros.
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
Dia do Dentista: dia de reflexão sobre avanços e desafios da política nacional de saúde bucal
Neste dia, 25 de outubro, comemora-se o dia do dentista. Além das comemorações comuns desta data, ela nos mostra que, também, é momento de reflexão sobre a atuação de nossa importante classe de profissionais da saúde.
É fundamental uma avaliação sobre como buscar formas de ampliar a oferta e qualidade dos serviços prestados, assim como o nosso processo de trabalho, tendo como meta à produção do cuidado; onde ocorre o encontro dos saberes e fazeres entre sujeitos usuários e sujeitos profissionais.
A capa do livro, ao lado, sobre Saúde Coletiva em Odontologia, ilustra os contrastes sociais. O Brasil é marcado pela profundidade destes contrastes e pela exclusão de parcela expressiva da nossa população aos elementares direitos sociais.
Na área da saúde a construção do SUS é um exemplo da luta por justiça social. No dia a dia de nossas cidades e na zona rural, muitas imagens expressam o quanto as desigualdades sociais humilham, degradam e fazem sofrer milhões de pessoas.
A promoção de saúde bucal está inserida num conceito amplo de saúde que transcende a dimensão meramente técnica do setor odontológico.
Significa a construção de políticas públicas saudáveis, o desenvolvimento de estratégias direcionadas a todas as pessoas da comunidade. Os profissionais da equipe de saúde bucal devem desenvolver a capacidade de propor alianças, seja no interior do próprio sistema de saúde , seja nas ações desenvolvidas com outras áreas ( intersetorialidade).
Pensando na importância deste tema, publico partes do artigo do Prof. Paulo Capel Narvai,, dentista sanitarista, especialista, mestre e doutor e livre docente em Saúde Pública da USP :
Avanços e desafios da Política Nacional de Saúde Bucal no Brasil
( Tempus- Actas de Saúde Coletiva - Saúde Bucal. V. 5, nº3, 2011)
¨ No dia-a-dia das nossas cidades e na zona rural, muitas imagens expressam o quanto desigualdades sociais humilham, degradam e fazem sofrer milhões de pessoas. São imagens cruéis, expressão e símbolo da chaga da exclusão social. Muitas dessas imagens são do corpo humano, dentre elas imagens de bocas e dentes. As condições dentárias são, sem dúvida, um dos mais significativos sinais de exclusão social. Seja pelos problemas de saúde localizados na boca, seja pelas imensas dificuldades encontradas para conseguir acesso aos serviços assistenciais, dentes e gengivas registram o impacto das precárias condições de vida de milhões de pessoas em todo o país.
A escolaridade deficiente, a baixa renda, a falta de trabalho, enfim, a má qualidade de vida produz efeitos devastadores sobre gengivas, dentes e outras estruturas da boca. O conhecimento científico disponível corrobora essas associações. Problemas na boca dão origem a dores, infecções e
sofrimentos físicos e psicológicos. Por essa razão, o enfrentamento, em profundidade, dos problemas nesta área exige mais do que ações assistenciais desenvolvidas por profissionais competentes. Requer políticas públicas com ações intersetoriais, a integração de ações preventivas, curativas e de reabilitação e enfoque de promoção da saúde, universalização do acesso, responsabilidade pública de todos os segmentos sociais e, sobretudo, compromisso do Estado com o envolvimento de instituições das três esferas de governo. Como, aliás, determina com toda clareza a Constituição da República.
Para que o direito humano à saúde bucal não seja letra morta em documentos oficiais, como leis e relatórios variados, deve ser objeto de ações públicas e privadas que lhe deem concretude. Em decorrência, as ações realizadas nessa área, seja pelo Estado seja por particulares, devem se constituir, cabe reiterar, em políticas públicas formuladas, implementadas e avaliadas na esfera pública, com ampla e democrática participação da sociedade. Em “Saúde Bucal no Brasil: muito além do céu da boca”, livro que publiquei em 2008 com Paulo Frazão, afirmamos que o conflito fundamental que caracteriza a Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) em curso no Brasil, na primeira década do século XXI, é travado entre as correntes que identificamos como ‘saúde bucal coletiva’ (SBC) e ‘odontologia de mercado’ (OM), pois ambas, sendo articuladas e fazendo parte de correntes político-ideológicas, procuram influenciar os rumos da PNSB, na defesa de seus respectivos interesses.
POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE BUCAL
A política de saúde bucal em curso no Brasil no início da segunda década do século XXI é bem-sucedida, sob vários aspectos. É fato inegável, também, que foi com o advento do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) que a PNSB se consolidou no âmbito do SUS e produziu resultados marcantes, que serão abordados mais à frente, não obstante o descrédito popular na potência do SUS para equacionar seus problemas de saúde e o refluxo dos movimentos sociais. Também é correto que “nunca antes na história deste país” – reiterando a frase-bordão tantas e tantas vezes repetida por Lula, na condição de Presidente da República, em vários cantos do Brasil – tantos recursos públicos foram investidos na PNSB.¨
( Paulo Capel Narvai)
BRASIL SORRIDENTE
( Ministério da Saúde)
Instituído em 2004, o Brasil Sorridente, coordenado pelo Ministério da Saúde, já é o maior programa de assistência odontológica pública e gratuita do mundo. Desde que foi criada, a estratégia aumentou em 15 vezes a quantidade de atendimentos à população: saltou de 10 milhões para 150 milhões de consultas por ano. A cobertura populacional do programa também cresceu substancialmente (400%): passou de 18,2 milhões de brasileiros assistidos para 92 milhões de pessoas beneficiadas.
Desde a criação do programa, houve também um grande aumento de equipes de Saúde Bucal na Estratégia Saúde da Família. Quando o Brasil Sorridente foi lançado, existiam 4.200 equipes, e hoje são mais de 22 mil equipes, presentes em 4.486 municípios. As equipes de saúde bucal – compostas por cirurgião-dentista, auxiliar de saúde bucal e técnico de saúde bucal – realizam, além do tratamento clínico, ações de promoção e prevenção à saúde junto às comunidades. Caso necessitem de tratamento odontológico mais complexo, os pacientes são encaminhados aos Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), onde têm acesso a cirurgias ou a tratamentos de canal, por exemplo, ou aos laboratórios regionais de prótese.
Os investimentos no Brasil Sorridente passaram a proporcionar à população tratamentos que antes eram oferecidos quase que exclusivamente pelo setor privado.
Atualmente, são 915 CEOs em pleno funcionamento – estruturas que não existiam até a criação do Brasil Sorridente.
Uma grande novidade do programa é a implantação de próteses dentárias. O coordenador de saúde bucal do Ministério da Saúde, Gilberto Pucca, explica que antes da criação do Brasil Sorridente, de cada quatro pessoas no Brasil que completavam 60 anos, três perdiam os dentes por falta de atendimento. “Esse era o retrato da saúde bucal no Brasil. Precisávamos recuperar essas pessoas que tinham perdido os dentes. Muito mais que a questão estética, a ausência de dentes interfere diretamente na vida social da pessoa, causando problemas emocionais e fisiológicos, prejudicando o funcionamento de todo o corpo”, observa Gilberto Pucca. “Por isso, a recuperação da mastigação reflete diretamente na saúde, na auto-estima e na qualidade de vida do paciente. E hoje temos 1.304 municípios com Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPDs) credenciados pelo SUS”, enfatiza.
Nos LRPDs foram produzidos, até o último mês de agosto, 256.336 próteses dentárias. Até o final do ano, a meta é chegar a 400 mil unidades – quantidade 12,5 vezes maior que a produção de próteses, no país, antes da criação do Brasil Sorridente.
Outra medida de prevenção e promoção da saúde é o investimento na fluoretação da água do abastecimento público. A medida já era cumprida na década de 1970, mas existia uma grande dificuldade para ser cumprida na maioria dos estados e municípios. Com o Brasil Sorridente, o Ministério da Saúde disponibilizou recursos para implantar a fluoretação nas cidades que não possuíam e com isso reduzir a incidência de cáries na população. “A cárie é um dos principais problemas de saúde pública e 65% já recebem a fluoretação. A nossa expectativa é que alcancemos 100% do abastecimento público”, afirma o coordenador.
Unidades móveis – Populações que vivem em locais de difícil acesso aos serviços convencionais de saúde, como assentamentos rurais ou quilombolas, não foram esquecidas pelo plano de ampliação da rede de assistência odontológica no SUS. Para eles, foram criadas as Unidades Odontológicas Móveis (UOMs), que funciona como um consultório odontológico itinerante para a realização de serviços por Equipes de Saúde Bucal que atuam na Estratégia Saúde da Família.
Cada unidade conta um consultório equipado com cadeira odontológica, kit de pontas (motor), cadeira do dentista (mocho), refletor, amalgamador e fotopolimerizador (equipamentos que fazem o preparo dos produtos utilizados nas restaurações dos dentes), aparelho de raios-X e autoclave (para esterilização dos instrumentais). As UOMs contam com ar-condicionado, lavatório, reservatórios de água, armários para armazenagem de material e gerador de energia. Atualmente, 180 unidades estão funcionando no país e, até 2014, serão entregues à população mais mil novos veículos.
Cirurgiões Dentistas – Com o aumento do acesso ao serviço de saúde bucal no país foi possível ampliar a oferta de trabalho para os profissionais que atuam nessa área. Hoje, a cada três profissionais, um têm vínculo com o Sistema Único de Saúde. Quase 30% do total de cirurgiões-dentistas do país – mais de 64 mil profissionais – atuam no Brasil Sorridente. O programa também conta com outros 25 mil trabalhadores, entre técnicos e auxiliares em saúde bucal e de próteses dentárias.
Segundo Gilberto Puca, o profissional que trabalha no SUS deve ser um bom clínico geral e conhecer os sistemas de epidemiologia para estar por dentro da realidade local em que está atuando.
Até 2014, o Ministério da Saúde investirá R$ 3,6 bilhões no Brasil Sorridente. Os recursos são destinados à melhoria da tecnologia, estrutura e contratação de profissionais para o programa, com o objetivo de se ampliar ainda mais o acesso dos brasileiros às ações de saúde bucal no SUS.
(M. S.)
Paulo Capel Narvai:
¨ INVESTIMENTOS
A consolidação e notável aprofundamento da PNSB na primeira década do século XXI não seria viável sem adequado financiamento. Por isso, cabe destacar o avanço representado pelo financiamento proporcionado à PNSB nos governos de Lula. Além das transferências financeiras regulares da esfera federal para Estados e Municípios, por meio dos blocos de financiamento, sem especificidade por modalidade assistencial, os gastos federais com investimentos específicos em saúde bucal, passaram de 56,5 para 427 milhões por ano, no período de 2003 a 20057, atingindo cerca de 600 milhões, em 2008. No período de 2003 a 2008, foram investidos aproximadamente R$ 2,4 bilhões. Sem esse aporte de recursos não teria sido possível impulsionar a implementação dos CEO e inserir equipes de saúde bucal na estratégia de saúde da família.
DESAFIOS DA PNSB
No âmbito da atenção básica, é crucial estar atento às distorções que a prática pode impor em várias localidades. O fato de que, nos primeiros anos (2001-2002) de inserção da saúde bucal no PSF, 7,2% das equipes de saúde bucal habilitadas atendiam exclusivamente escolares, alerta para a importância de se combater a reprodução de práticas que não apontam para a busca da universalidade do cuidado. Em alguns estados, esse valor ultrapassava 15%.
Analisando 136 municípios do Paraná com ESB no PSF em 2002, Baldani et al.16 verificaram estrangulamentos ligados ao encaminhamento dos casos de maior complexidade, elevado número de contratos temporários de trabalho e necessidade de formação de profissionais generalistas com perfil adequado. O financiamento compartilhado da saúde bucal no PSF, entre as três esferas de governo, é ainda quimera e precisa ser enfrentado e superado, não obstante iniciativas como as do Rio Grande do Sul, que em 2003, aprovou um incentivo estadual, e do Paraná que fez o mesmo em 2004.
O PSF, implantado em 1994, convive, em cada local onde é desenvolvido, com um dilema: para ser, efetivamente, uma estratégia de construção do SUS, e não apenas “mais um programa” vertical “do Governo Federal”, é essencial que, em cada município, sua implantação e desenvolvimento ocorram com acompanhamento e controle do respectivo Conselho de Saúde e com base em práticas democráticas de gestão.
Quando isso não ocorre, observa-se um simulacro de intervenção pública na saúde, sem potência para de fato contribuir para “reorganizar o modelo de atenção” a partir da atenção básica, seu significado mais profundo.
O desafio estratégico que se coloca às forças políticas que se empenharam para inserir a saúde bucal no PSF é não permitir que se restrinja à presença de cirurgiões-dentistas no PSF, e que a atuação não reproduza modelos excludentes. Nesse aspecto, será decisivo, no plano mais restrito dos atores sociais mais diretamente ligados à área de saúde bucal, o resultado do enfrentamento entre as proposições com origem na Odontologia de Mercado e as vinculadas ao campo da Saúde Bucal Coletiva.
Até o presente, tem sido possível compatibilizar essas proposições em suas generalidades, mas é evidente o antagonismo quando se avança para a composição das equipes de saúde bucal e para a definição das ações relacionadas às práticas assistenciais. Basta constatar que, do total de 20.424 ESB em dezembro de 2010, apenas 8,3% eram equipes completas (modalidade II), com a presença, portanto, do Técnico em Saúde Bucal. A se manter esse cenário, são grandes as chances de o PSF, na área de saúde bucal, reproduzir o modelo hegemônico e perder potência transformadora.
No que diz respeito à integralidade dos níveis de atenção, o pressuposto teórico é que os CEO se consolidem como unidades de assistência odontológica de nível secundário operando de modo complementar e articulado com a atenção básica. Contudo, há muitos relatos de acesso direto de usuários aos CEO, em várias localidades, em praticamente todas as regiões brasileiras. Impedir o denominado “atalho ao CEO”, e, portanto, sua descaracterização na rede de atenção, é um dos mais significativos desafios à PNSB e que requer a atenção tanto dos gestores quanto dos movimentos sociais e trabalhadores da saúde, por meio dos conselhos e conferências de saúde. O avanço representado pelos CEO no serviço público odontológico decorre, essencialmente, da ruptura com a lógica de ofertar apenas cuidados odontológicos básicos no SUS, integrando tais unidades, necessariamente, a sistemas de referência e contra-referência (em 2003, apenas 3,3% dos atendimentos odontológicos eram de média e alta complexidade).
O desafio que claramente emerge desse processo é não sucumbir às pressões clientelísticas e resistir à tentação de transformar os CEO em portas de entrada do sistema de atenção. Nesse sentido, a descaracterização dos CEO seria um retrocesso para a PNSB.
Outra descaracterização para a qual é preciso estar atentos diz respeito à concepção de que esses centros de especialidades devem ser centros de especialistas odontológicos. Ouvem-se frequentemente menções à “necessidade” de que apenas “especialistas pelo CFO” ocupem postos de trabalho nessas unidades. Pretende-se, nessa lógica, que cada CEO reproduza, de algum modo, a segmentação por microespecialidades que caracteriza a corporação profissional odontológica. Não é pequeno, portanto, o risco de que esse tipo de unidade assistencial do SUS seja capturado pela Odontologia de Mercado e, nele, sua lógica desintegrada seja imposta e reproduzida.
Trata-se, portanto, de um enorme desafio, dada a força hegemônica que a OM detém.
Nesse sentido, é preciso superar também uma tendência de desvincular o CEO do SUS no plano da comunicação visual definida pelo MS para o Brasil Sorridente. A análise mais detida das padronizações adotadas para essa comunicação visual permite constatar que, nesse plano, as referências simbólicas ao SUS são escassas ou mesmo inexistentes.
A ampliação do apoio à PNSB por parte dos setores organizados da sociedade, em conselhos de saúde de diferentes esferas de gestão, é desafio permanente e requer atenção especial pelos que, em níveis federal, estadual e municipal coordenam as políticas públicas setoriais. Nesse aspecto, também as conferências de saúde são estratégicas. Realizada em 2004 a 3ª Conferência Nacional de Saúde Bucal aprovou um relatório que, quase uma década depois, ainda é referência importante para o que fazer na área de saúde buca.
Porém, o silêncio sobre a convocação e realização da 4ª CNSB preocupa, pois é tempo, quase uma década depois, de reavaliar o conjunto de propostas emanado da 3ª CNSB e atualizar essa agenda subsetorial.
Um desafio que requer atenção especial relaciona-se com a desigualdade no acesso à água fluoretada. Enquanto nas regiões Sudeste e Sul a cobertura supera os 75% da população, com alguns Estados superando 90%, como Paraná e São Paulo, as regiões Norte e Nordeste apresentam baixas taxas de cobertura, como Pernambuco e Maranhão, e com alguns Estados sem qualquer município com fluoretação das águas, caso do Amapá. O esforço para fluoretar águas de abastecimento é, como se sabe, de grande significado em saúde pública, não apenas pelo benefício direto da prevenção de cáries, mas também pelo que significa em termos de qualificação dos sistemas de tratamento e distribuição de água.
Em 2008 teve início, como parte da PNSB, a distribuição de kits contendo escova de dente e creme dental, através das Equipes de Saúde da Família e do Programa de Saúde do Escolar, para apoiar a realização de atividades preventivas, realizadas pelas Auxiliares e Técnicos em Saúde Bucal das ESB, nas Unidades Básicas de Saúde ou até mesmo em visitas domiciliares.
Foram priorizados 1.242 municípios com baixos índices socioeconômicos. Entre 2008 e 2010 foram enviados 72 milhões desses kits. A medida foi bem recebida, pois se constituiu numa resposta efetiva às propostas de várias conferências de saúde, e em particular das conferências de saúde bucal, nesse sentido. Contudo, essa distribuição não vem tendo continuidade, gerando insatisfação nos beneficiários, comprometendo a credibilidade da PNSB. Com a descontinuidade, o efeito positivo inicial se perdeu e, no plano simbólico, o efeito passou a ser negativo. Como se trata de medida que, articulada a ações programáticas, tem papel estratégico num contexto como o brasileiro, deve-se reavaliar as razões da descontinuidade e, corrigindo o que for necessário, retomar essa iniciativa.
Outra iniciativa que requer monitoramento e controle gerencial rigoroso diz respeito à decisão de empregar unidades móveis para assistência odontológica, uma vez que, de modo geral, as experiências brasileiras com o uso desse tipo de unidade não são bem avaliadas, por gestores e usuários. Ao contrário, são bem conhecidas as dificuldades gerenciais relacionadas com a manutenção do veículo e com a alocação de recursos humanos compatíveis com os deslocamentos territoriais requeridos por esse tipo de veículo. Avariados e sem condutores, unidades móveis são vistas frequentemente imobilizadas em garagens oficiais. Mantê-las em operação é,
portanto, enorme desafio, aliado à necessidade de compatibilizar essa tecnologia com os princípios que regem a atenção básica.
Não obstante a relevância desses desafios é crucial não perder de vista que o principal desafio posto à PNSB é não permitir que se descole das demais políticas de saúde, integrando-se efetivamente ao SUS e articulando-se às demais políticas públicas destinadas ao enfrentamento e superação da miséria e das desigualdades sociais, recusando, portanto, sua redução a um mero programa odontológico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para que a PNSB possa seguir avançando na busca da integralidade da atenção e realizar seu objetivo estratégico de mudar o modelo de atenção à saúde bucal caracterizado na 7ª Conferência Nacional de Saúde, o conjunto de ações que a compõem não poderá ficar restrito nem à saúde da família, no plano da atenção básica, nem aos CEO, na atenção secundária.
Terá, necessariamente, de ir além e operar, concomitantemente no âmbito das micropolíticas e no das macropolíticas, produzindo transformações tanto nos serviços de saúde, nas relações que concretamente se estabelecem entre profissionais de saúde e usuários do SUS, quanto nas políticas públicas nas três esferas de governo
Embora os CEO sejam atualmente a face de maior visibilidade da PNSB ela é muito mais do que os CEO. Concretizar isto é o principal desafio estratégico posto a essa política pública, cujos maiores riscos são, de um lado essa redução e, de outro, a descontinuidade do financiamento. O futuro da saúde bucal no SUS dependerá da forma como for equacionado, nos próximos anos, o desafio fundamental de fortalecer a sociedade civil, respeitar os movimentos sociais populares e consolidar a democracia.
Manter a saúde bucal na agenda da gestão das políticas públicas exigirá esforços tão ou mais consistentes quanto os realizados nos primeiros 20 anos do SUS. Nesse processo será fundamental o papel do Estado, tanto na garantia do aprofundamento da democracia e dos princípios republicanos na vida nacional, quanto na implementação de soluções adequadas para regular os conflitos gerados pelo exercício de direitos coletivos e a preservação das liberdades individuais.
Avançar nessa direção implica, conforme tem sido apontado por diferentes atores sociais, superar o ideário liberal-privatista e, levando em conta o interesse público, desenvolver e fortalecer a capacidade de gestão das políticas públicas, da política de saúde e da PNSB, colocando- as em sintonia com os interesses populares.
Implica, em suma, avançar nas concepções e práticas que possibilitem romper a hegemonia da Odontologia de Mercado, transformar o modelo de atenção e, com isso, avançar na desodontologização da saúde bucal e na universalização dos cuidados odontológicos, preconizados pela Saúde Coletiva, tornando concreto para todos, também em seu componente bucal, o direito humano à saúde.¨
Revista Tempus Actas de Saúde Coletiva
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
Libra não é a Vale. Dilma não é FHC. Porque libra ¨é bem diferente de privatização¨
Por Fernando Brito
Do site tijolaço.com.br :
Porque Libra ¨ é bem diferente de privatização¨
A oposição de direita e a oposição que pensa estar agindo como esquerda afinaram ontem o discurso.
Dizem que o leilão de Libra foi “a maior privatização da História do Brasil”.
Como parece que se tornou o debate algo paupérrimo, onde vale mais rotular e xingar do que pensar e esclarecer, tento ajudar aqui a mostrar o que disse Dilma Rousseff ao afirmar que o que foi feito “é bem diferente de privatização”.
Como recolhi do velho Leonel Brizola que as palavras devem ser usadas para revelar e não para esconder os pensamentos, vou tentar, pela via do exemplo, sem me aprofundar teoricamente no tema, mostrar como é diferente o que aconteceu em Libra daquilo que nos acostumamos a ver aqui como privatização.
Valho-me, para isso, de um outro caso emblemático, o da privatização – sem aspas – da Vale.
O que se passou ali foi a venda da empresa a grupos privados – deixemos à parte que tenha sido por um subpreço de algo como 3% do que ela valia, e que metade disso tivesse sido feito em “moeda podre”, o que reduz ainda mais o valor. Vendida a Vale, suas jazidas e direitos minerários, nada mais é nosso, mas do proprietário privado. É ele quem vai decidir quanto e quanto ferro será retirado, como será vendido, se será ou não destinado ao beneficiamento. Ao Estado cabem apenas os royalties pela mineração, aliás em valores ridículos.
O minério de ferro, agora, é deles.
E Libra, é igual?
Nem parecido, vejam:
- A jazida segue sendo estatal e o consórcio recebe o direito de, por uma parte do petróleo retirado, explorar para a União.
- Ao adquirir a concessão, o consórcio não leva um parafuso ou uma broca pertencente ao povo, muito menos uma atividade funcionando e gerando caixa. Ao contrário: terá de investir muito – e por muito tempo – até que o negócio seja capaz de produzir um real de mercadoria a vender.
- A velocidade, a forma e a oportunidade de retirar e vender o petróleo vão ser definidas pelo consórcio em comum acordo com o Estado Brasileiro, pois a PPSA (a Petrosal) tem poder de veto sobre as decisões exploratórias e comerciais, além de acompanhar e auditar os custos exploratórios, para que seu abatimento no óleo extraído não se superfature.
- É uma empresa pública – de economia mista, mas controlada pelo Estado – que vai operar os poços, liderando as escolhas sobre como e onde comprar equipamentos, contratações de serviços, recrutamento de pessoal. Isto é, nada será comprado ou contratado no exterior a não ser que seja indispensável ou manifestamente desvantajoso fazê-lo no mercado interno.
É por isso que, embora tanto o minério de ferro quanto o petróleo sejam, pela Constituição brasileira, propriedade da União e, portanto, de cada brasileiro e brasileira, na prática, o ferro foi privatizado e o petróleo, não.
É só ver que, do óleo que agora está a quilômetros de profundidade sob o leito marinho, Libra vai dar perto de um trilhão de dólares ao Estado brasileiro para investir em educação, saúde, tecnologia, programas sociais. Porque o Estado, sobre o que é seu, fica com a parte do leão.
E do ferro que retira aos milhões de toneladas do solo destes filhos da mãe gentil, a Vale só dá ao Brasil os impostos que qualquer empresa tem de pagar e um trocadinho – 2% do valor, descontado transporte – do minério retirado. E os adoradores do privado, ainda ronronam como gatinhos, em louvor aos gênios que fizeram este negócio desastroso para o país.
Quando se quer igualar coisas tão diferentes assim, podem crer, ou se está deixando de pensar ou, como é pior e mais comum, querendo que as pessoas deixem de pensar.
E, deixando de pensar, possam ser enganadas.
Dizem que o leilão de Libra foi “a maior privatização da História do Brasil”.
Como parece que se tornou o debate algo paupérrimo, onde vale mais rotular e xingar do que pensar e esclarecer, tento ajudar aqui a mostrar o que disse Dilma Rousseff ao afirmar que o que foi feito “é bem diferente de privatização”.
Como recolhi do velho Leonel Brizola que as palavras devem ser usadas para revelar e não para esconder os pensamentos, vou tentar, pela via do exemplo, sem me aprofundar teoricamente no tema, mostrar como é diferente o que aconteceu em Libra daquilo que nos acostumamos a ver aqui como privatização.
Valho-me, para isso, de um outro caso emblemático, o da privatização – sem aspas – da Vale.
O que se passou ali foi a venda da empresa a grupos privados – deixemos à parte que tenha sido por um subpreço de algo como 3% do que ela valia, e que metade disso tivesse sido feito em “moeda podre”, o que reduz ainda mais o valor. Vendida a Vale, suas jazidas e direitos minerários, nada mais é nosso, mas do proprietário privado. É ele quem vai decidir quanto e quanto ferro será retirado, como será vendido, se será ou não destinado ao beneficiamento. Ao Estado cabem apenas os royalties pela mineração, aliás em valores ridículos.
O minério de ferro, agora, é deles.
E Libra, é igual?
Nem parecido, vejam:
- A jazida segue sendo estatal e o consórcio recebe o direito de, por uma parte do petróleo retirado, explorar para a União.
- Ao adquirir a concessão, o consórcio não leva um parafuso ou uma broca pertencente ao povo, muito menos uma atividade funcionando e gerando caixa. Ao contrário: terá de investir muito – e por muito tempo – até que o negócio seja capaz de produzir um real de mercadoria a vender.
- A velocidade, a forma e a oportunidade de retirar e vender o petróleo vão ser definidas pelo consórcio em comum acordo com o Estado Brasileiro, pois a PPSA (a Petrosal) tem poder de veto sobre as decisões exploratórias e comerciais, além de acompanhar e auditar os custos exploratórios, para que seu abatimento no óleo extraído não se superfature.
- É uma empresa pública – de economia mista, mas controlada pelo Estado – que vai operar os poços, liderando as escolhas sobre como e onde comprar equipamentos, contratações de serviços, recrutamento de pessoal. Isto é, nada será comprado ou contratado no exterior a não ser que seja indispensável ou manifestamente desvantajoso fazê-lo no mercado interno.
É por isso que, embora tanto o minério de ferro quanto o petróleo sejam, pela Constituição brasileira, propriedade da União e, portanto, de cada brasileiro e brasileira, na prática, o ferro foi privatizado e o petróleo, não.
É só ver que, do óleo que agora está a quilômetros de profundidade sob o leito marinho, Libra vai dar perto de um trilhão de dólares ao Estado brasileiro para investir em educação, saúde, tecnologia, programas sociais. Porque o Estado, sobre o que é seu, fica com a parte do leão.
E do ferro que retira aos milhões de toneladas do solo destes filhos da mãe gentil, a Vale só dá ao Brasil os impostos que qualquer empresa tem de pagar e um trocadinho – 2% do valor, descontado transporte – do minério retirado. E os adoradores do privado, ainda ronronam como gatinhos, em louvor aos gênios que fizeram este negócio desastroso para o país.
Quando se quer igualar coisas tão diferentes assim, podem crer, ou se está deixando de pensar ou, como é pior e mais comum, querendo que as pessoas deixem de pensar.
E, deixando de pensar, possam ser enganadas.
terça-feira, 22 de outubro de 2013
Bresser Pereira aponta ocaso do neoliberalismo
"Sem alarde, sem discursos ideológicos, o que vemos é o abandono do liberalismo econômico e o fortalecimento do desenvolvimentismo. Em lugar do agressivo laissez faire neoliberal, os Estados voltam a se preocupar em defender suas empresas e promover o desenvolvimento", diz o cientista político¨.
¶ Do site 247.com :
O cientista político Luiz Carlos Bresser Pereira, ex-ministro de FHC, enxerga uma transição do neoliberalismo para o desenvolvimentismo, após a crise financeira de 2008. Leia abaixo:
Cinco anos depois
Luiz Carlos Bresser Pereira
Há cinco anos, em outubro de 2008, desencadeava-se a crise financeira global que mudou o mundo tanto quanto a crise de 1929. Esta crise bancária de grandes proporções ainda não foi superada pelos países ricos, e continua rebaixando a taxa de crescimento dos países de renda média como o Brasil.
Os EUA e o Japão estão lentamente retomando o desenvolvimento; a zona do euro permanece estagnada, mas isto não se deve à crise, e sim ao grande equívoco que é o euro.
Terá sido essa crise suficientemente poderosa para modificar o capitalismo? Sim. A crise determinou o fim dos 30 Anos Neoliberais do Capitalismo (1989-2008).
Poucos continuam hoje a afirmar que o mercado é capaz de regular toda a economia com eficiência, e, portanto, que é recomendável tudo desregular, liberalizar, privatizar.
As teses liberais foram novamente desmentidas, e o liberalismo econômico foi mais uma vez desmoralizado, em conjunto com a teoria econômica neoclássica que lhe servia de legitimação "científica".
No auge da crise ficou claro para todos que o Estado é a instituição fundamental de cada nação. Que nos momentos de crise, é com ele que a nação conta. Que a regulamentação e intervenção moderadas que pratica são fundamentais para o bom funcionamento da economia.
Sem alarde, sem discursos ideológicos, o que vemos é o abandono do liberalismo econômico e o fortalecimento do desenvolvimentismo. Em lugar do agressivo laissez faire neoliberal, os Estados voltam a se preocupar em defender suas empresas e promover o desenvolvimento.
Os governos dos dois países onde nasceu o neoliberalismo --EUA e Reino Unido-- decidiram promover sua reindustrialização, algo impensável há dez anos, quando se afirmava que o mercado se encarregava de alocar os fatores de produção de forma sempre ótima.
A Rodada Doha foi abandonada. As medidas de proteção comercial se multiplicam em todos os países.
"The Economist" lamentou recentemente que o mundo voltava a "criar cercas". O sistema financeiro voltou a ser regulado, ainda que de maneira insuficiente e que o problema expresso na frase "too big to fail" não tenha sido resolvido.
Tudo isto significa que o liberalismo econômico voltou a dar lugar ao desenvolvimentismo como forma de organizar o capitalismo.
Esta é uma mudança para melhor. O capitalismo deixa de ser tão instável e ineficiente como foi nos anos neoliberais. Mas nada garante que tenhamos voltado ao desenvolvimentismo social-democrático dos 30 Anos Dourados do Capitalismo.
O neoliberalismo logrou flexibilizar os contratos de trabalho, para tornar os países ricos mais competitivos em relação aos asiáticos, mas não logrou destruir o Estado do Bem-Estar Social instituído no pós-guerra.
Vivemos, atualmente, um período de transição. O destino do capitalismo está em suspenso. A Europa, onde floresceu a forma mais avançada de capitalismo -o capitalismo desenvolvimentista e social --está paralisada pelo euro.
Faltam, neste momento, ideias novas para que este impasse, e, mais amplamente, para que o impasse criado pela crise global sejam superados.
sábado, 19 de outubro de 2013
Nos Primórdios do IEPHA/MG
Por Luiz Ricardo Péret
¨ Minas Gerais possui um dos maiores e mais significativos acervos do patrimônio histórico e artístico brasileiro. Em seu território situam-se mais de 60% dos bens culturais que constituem esse patrimônio. No estado sempre existiu uma consciência do valor de sua história e de seu patrimônio. Ainda em 1773, no poema Vila Rica, Cláudio Manuel da Costa já exaltava a beleza e o esplendor dos templos, chafarizes e pontes da antiga capital, chegando inclusive a compará-la a Roma, pela grandeza e riqueza de seus monumentos.
Arquitetos, mestres-de-obras, pintores, escultores e artífices de toda espécie criavam com o seu talento e perícia profissional um acervo artístico - principalmente de arte religiosa - que, além de ser usufruído pelos mineiros daquele tempo, veio a se tornar também a grande herança cultural legada às gerações futuras. Por meio da ação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG), muito se impediu da destruição desse patrimônio, pelos homens ou pela ação do tempo¨.
( iepha.mg.gov.br)
Dr. Renato Soeiro (à esq.) - Diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e o Prof. Luciano Amédée Péret - Diretor Executivo do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerrais, em reunião na sede do IEPHA/MG, no ano de 1974.
A criação do IEPHA
A criação do Iepha, em 1971, se deu a partir da determinação do Governo Federal de criar nos estados e municípios estruturas que ampliassem e dessem condições operacionais à atuação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan (atual Iphan). Essa determinação foi registrada pelo chamado “Compromisso de Brasília”, assinado, em 1970, pelo Governo Federal e por governadores ou representantes de 22 estados.
Coube ao então governador Rondon Pacheco, que participara do encontro de Brasília, determinar as providências referentes à criação em Minas Gerais do órgão estadual de patrimônio histórico e artístico. Um grupo de pioneiros na preservação do patrimônio cultural mineiro foi responsável pelos primeiros passos do Iepha: o advogado Abílio Machado, o poeta e ensaísta Affonso Ávila, o arquiteto Luciano Amedée Péret e o restaurador Jair Afonso Inácio. Pela Lei nº 5.775, de 30 de setembro de 1971, foi criado o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, entidade autônoma, sob forma de fundação, que passou a reger-se pelo Estatuto integrante do Decreto nº 14.374, de 10 de março de 1972.
Arquitetos, mestres-de-obras, pintores, escultores e artífices de toda espécie criavam com o seu talento e perícia profissional um acervo artístico - principalmente de arte religiosa - que, além de ser usufruído pelos mineiros daquele tempo, veio a se tornar também a grande herança cultural legada às gerações futuras. Por meio da ação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG), muito se impediu da destruição desse patrimônio, pelos homens ou pela ação do tempo¨.
( iepha.mg.gov.br)
Dr. Renato Soeiro (à esq.) - Diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e o Prof. Luciano Amédée Péret - Diretor Executivo do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerrais, em reunião na sede do IEPHA/MG, no ano de 1974.
A criação do IEPHA
A criação do Iepha, em 1971, se deu a partir da determinação do Governo Federal de criar nos estados e municípios estruturas que ampliassem e dessem condições operacionais à atuação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan (atual Iphan). Essa determinação foi registrada pelo chamado “Compromisso de Brasília”, assinado, em 1970, pelo Governo Federal e por governadores ou representantes de 22 estados.
Coube ao então governador Rondon Pacheco, que participara do encontro de Brasília, determinar as providências referentes à criação em Minas Gerais do órgão estadual de patrimônio histórico e artístico. Um grupo de pioneiros na preservação do patrimônio cultural mineiro foi responsável pelos primeiros passos do Iepha: o advogado Abílio Machado, o poeta e ensaísta Affonso Ávila, o arquiteto Luciano Amedée Péret e o restaurador Jair Afonso Inácio. Pela Lei nº 5.775, de 30 de setembro de 1971, foi criado o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, entidade autônoma, sob forma de fundação, que passou a reger-se pelo Estatuto integrante do Decreto nº 14.374, de 10 de março de 1972.
O SURGIMENTO DO IEPHA
Jornal Estado de Minas - Suplemento Especial em comemoração aos 20 anos do IEPHA/MG - Novembro 1991
Por Abílio Machado Filho
... É de justiça que eu comece por lembrar a imediata e entusiástica acolhida do então Governador Rondon Pacheco à proposta de criação do IEPHA/MG, aceitando inclusive a idéia de faze-lo sob a forma de fundação : assim ele teria autonomia e flexibilidade para manter um pequeno quadro permanente de servidores, com remuneração condigna e para contratar estudos e serviços com quem melhor pudesse faze-los.
O IEPHA/MG foi criado em perfeita sintonia com o então IPHAN, na época dirigido por Renato Soeiro ... Minha segunda lembrança está na constituição do primeiro Conselho Curador, que o estatuto previa de cinco membros, três dos quais seriam os dirigentes do órgão, como Presidente, Vice-Presidente e Diretor Executivo. A escolha foi orientada pela idéia de que a presidência deveria ser ocupada por um administrador experiente que, além da capacidade executiva, tivesse o espírito ligado ao nosso patrimônio : e que tivessem assento no Conselho um representante da Igreja, detentora da maior parte dos bens tombados de Minas, um historiador, um pesquisador do barroco e um engenheiro, arquiteto ou especialista em assuntos de arte e história.
Daí decorreram as nomeações de Juko Carneiro de Mendonça, D. Oscar de Oliveira e Luciano Amédée Péret, estes três com funções executivas, e mais Francisco Iglésias e Affonso Ávila. Algum tempo depois, Francisco Iglésias, por determinação da UFMG, teve de afastar-se do Conselho sendo substituído pelo saudoso historiador Tarquínio José Barboza de Oliveira, cujos inestimáveis serviços a Minas, no IEPHA e em outros setores, estão reclamando estudo e registro...basta mencionar seu concurso, como revisor e anotador dos três primeiros volumes da edição dos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira feita pelo Estado de Minas Gerais e Câmara dos Deputados.
Outra lembrança feliz está na aquisição de bens patrimoniais para o IEPHA/MG : sabido que fundação, no direito brasileiro significa um patrimônio para gerar recursos destinados à execução de um objetivo. Assim, foram incluídos no patrimônio do IEPHA/MG a casa , em Cordisburgo, onde nasceu Guimarães Rosa e depois a sede do órgão na rua da Bahia. Seguiu-se a compra da Fazenda Boa Esperança, em Belo Vale, cuja importância não é preciso esclarecer: com relação a esse fato, registro o aplauso que em visita nos levou o Prof. Antônio Lara Resende um dos maiores educadores mineiros; ele passou parte de sua infância na fazenda, conforme conta no primeiro volume de suas deliciosas Memórias...No capítulo das aquisições é preciso lembrar a compra da casa de Ouro Preto : nessa casa pensava-se abrigar um movimento para registrar um pouco da tradição de Ouro Preto no campo da música e do folclore.
A penúltima aquisição foi a da casa, em Mariana, onde morou Alphonsus de Guimarães...e a última a Chácara do Barão, no Serro.
Reunião de trabalho na sede do IEPHA - primeiro à direita, de costas, Luciano Amédée Péret e o terceiro à direita, Abílio Machado.
Sede Própia do IEPHA/MG, localizada à rua da Bahia
Sede própria do IEPHA, vista lateral
IEPHA/MG ( 1971 à 1983)
Desde sua criação realizou alguns trabalhos de importância na área de restauração, como a do conjunto de Congonhas, feita em convênio com o Iphan, a da Casa de Guimarães Rosa, em Cordisburgo, onde se instalou um museu consagrado à vida e obra do escritor mineiro, e a do antigo Senado Estadual, em Belo Horizonte, prédio onde está instalado o Museu Mineiro. Entre os bens adquiridos na época estão a Fazenda Boa Esperança, em Belo Vale, a Casa de Alphonsus de Guimarães, em Mariana, e a Chácara do Barão, no Serro.
Presidiram a instituição, nesse período, José Joaquim Carneiro de Mendonça e o arquiteto José Geraldo de Faria, tendo como diretor técnico, em ambas as gestões, o arquiteto e professor Luciano Amédée Péret - mais tarde presidente, entre 1979 e 1983.
Na primeira década do IEPHA estiveram administrando o Estado, respectivamente, os seguintes governadores: Rondon Pacheco, Aureliano Chaves, Ozanan Coelho e Francelino Pereira.
Mesmo com uma estrutura operacional muito simples, foram realizados, nesses primeiros anos, um conjunto considerável de obras e dezenas de tombamentos. Foram restaurados diversos bens tombados no nível federal, dando-se cumprimento aos princípios firmados no “Compromisso de Brasília”. Por outro lado, a política de tombamentos estaduais priorizou Belo Horizonte, que contou com um terço dos bens tombados nessa fase, a começar pelo Palácio da Liberdade, então ameaçado de ser substituído por uma edificação moderna.
No período de 1980 a 1983, devido a um grave problema de recalque em suas fundações, foi realizada a consolidação estrutural e a restauração do monumento, à cargo do arquiteto Luciano Amédée Péret.
Ao assumir a administração do Estado, o governador Francelino Pereira determinou várias providências que resultaram em uma reestruturação geral dos quadros técnico e administrativo e na definição de Programas Prioritários de Ação do Iepha. A estrutura técnico-administrativa passou a contar com três superintendências – Conservação e Restauração; Pesquisa, Tombamentos e Divulgação; e Museus e Outros Acervos – e uma Secretaria Geral, subordinadas à Diretoria Executiva.
A seguir relação de Bens Tombados pelo IEPHA/MG, com pareceres e relatórios conclusivos de responsabilidade do arquiteto Luciano Amédée Péret :
- Palácio da Liberdade - Belo Horizonte
Decreto nº 16956, de 27 de janeiro de 1975
- Fazenda da Posse - Santana dos Montes
Decreto nº 16965, de 30 de janeiro de 1975
- Arquivo Público Mineiro - Belo Horizonte
Decreto nº 16983, de 07 de fevereiro de 1975
-Fazenda da Boa Esperança - Belo Vale
Decreto nº 17009, de 27 de fevereiro de 1975
-Parque Municipal Américo Giannetti - Belo Horizonte
Decreto nº 17 086, de 13 de março de 1975
- Antigo Conselho Deliberativo - Belo Horizonte
Decreto17087, de 13 de março de 1975
- Conjunto Histórico constituído da Capela de Nossa Senhora do Rosário, casa e sítio da Quinta do Sumidouro - Fidalgo, Pedro Leopoldo
Decreto nº 17729, de 27 de janeiro de 1976
- Igreja Matriz de Santa Luzia do Rio da Velhas - Santa Luzia
Decreto nº 17779, de 09 de março de 1976
- Catedral de Nossa Senhora da Boa Viagem e Praça que a circunda - Belo Horizonte
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Igreja Matriz de Santo Antônio - Mateus Leme
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
-Capela de Nossa Senhora da Conceição - Couto Pereira
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos - Couto Pereira
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Sede e dependências da Fazenda dos Macacos - Cristiano Otoni
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
-Casa à Rua Direita, 101 - Santa Luzia
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Edifício do Necrotério do Cemitério Bonfim - Belo Horizonte
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Sede da Fazenda dos Martins - Brumadinho
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Monumento Comemorativo do Centenário da Independência Nacional ( o Pirulito, na época se encontrava na Praça Diogo Vasconcelos, na Savassi. Em setembro de 1980, o Pirulito retornou à Praça Sete.) - Belo Horizonte
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
-Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Igreja de Nossa Senhora da Lapa - Ravena, Sabará
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Praça da Liberdade - Belo Horizonte
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Lagoa e Lapa do Sumidouro - Pedro Leopoldo
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Edifício Palácio da Justiça Rodrigues Campos - Belo Horizonte
Decreto nº 18641, de 10 de agosto de 1977
- Prédio do Fórum da Cidade de Oliveira
Decreto nº 19112, de 28 de março de 1978
- Capela de Nossa Senhora da Soledade - Lobo Leite, Congonhas
Decreto nº 19113, de 28 de março de 1978
- Capela de Nossa Senhora da Ajuda - Alto Maranhão, Congonhas
Decreto nº 19 114, de 28 de março de 1978
- Mosteiro de Macaúbas - Santa Luzia
Decreto nº 19347, de 22 de agosto de 1978
- Capela de Nossa Senhora do Rosário e Capela de Santa Efigênia - Mestre Caetano, Sabará
Decreto nº 19463, de 16 de outubro de 1978
- Parque Cabangu e seu acervo - Santos Dumont
Decreto nº 19482, de 24 de outubro de 1978
- Igreja de Santa Isabel de Hungria - Caxambu
Decreto nº 19513, de 26 de outubro de 1978
- Serra do Ouro Branco - Ouro Branco
Decreto nº 19530, de 07 de novembro de 1978
- Antigo Senado Mineiro ( Museu Mineiro) - Belo Horizonte
Decreto nº 19 596, de 05 de dezembro de 1978
- Igreja Santíssimo Sacramento - Jequitibá
Decreto nº 19872, de 20 de março de 1979
- Capela de São Sebastião - Araxá
Decreto nº 19908, de 22 de maio de 1979
- Igreja do Sagrado Coração de Jesus - Belo Horizonte
Decreto nº 19953, de 06 de julho de 1979
- Igreja de São Francisco de Assis - Minas Novas
Decreto nº 20557, de 13 de maio de 1980
- Capela de São Gonçalo - Minas Novas
Decreto nº 20557, de 13 de maio de 1980
- Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres - Milho Verde, Serro
Decreto nº 20581, de 26 de maio de 1980
- Igreja Matriz de São Gonçalo - São Gonçalo do Rio das Pedras, Serro
Decreto nº 20581, de 26 de maio de 1980
- Casa de João Pinheiro - Caeté
Decreto nº 20582, de 26 de maio de 1980
- Igreja Matriz de Santa Cruz - Chapada do Norte
Decreto nº 20689, de 23 de julho de 1980
Quarenta e dois anos se passaram, desde a sua criação, e o corpo técnico da instituição mantém a tradição, os valores e o espírito dos primeiros trabalhos desenvolvidos em prol da conservação, restauração, proteção e promoção dos bens culturais. Mesmo diante das diversas mudanças no contexto institucional e de concepção que marcaram a trajetória do IEPHA/MG, o fortalecimento de seu caráter de defensor do patrimônio refletiu na sua própria atuação, com a ampliação e consolidação do conceito de patrimônio cultural
Fontes:
-Acervo Luciano Amédée Péret
- Iepha.mg.gov.br
- Suplemento Especial do Jornal Estado de Minas: Iepha 20 anos. Artigo de Abílio Machado Filho: O surgimento do IEPHA. Novembro de 1991.
Presidiram a instituição, nesse período, José Joaquim Carneiro de Mendonça e o arquiteto José Geraldo de Faria, tendo como diretor técnico, em ambas as gestões, o arquiteto e professor Luciano Amédée Péret - mais tarde presidente, entre 1979 e 1983.
Na primeira década do IEPHA estiveram administrando o Estado, respectivamente, os seguintes governadores: Rondon Pacheco, Aureliano Chaves, Ozanan Coelho e Francelino Pereira.
Mesmo com uma estrutura operacional muito simples, foram realizados, nesses primeiros anos, um conjunto considerável de obras e dezenas de tombamentos. Foram restaurados diversos bens tombados no nível federal, dando-se cumprimento aos princípios firmados no “Compromisso de Brasília”. Por outro lado, a política de tombamentos estaduais priorizou Belo Horizonte, que contou com um terço dos bens tombados nessa fase, a começar pelo Palácio da Liberdade, então ameaçado de ser substituído por uma edificação moderna.
No período de 1980 a 1983, devido a um grave problema de recalque em suas fundações, foi realizada a consolidação estrutural e a restauração do monumento, à cargo do arquiteto Luciano Amédée Péret.
Ao assumir a administração do Estado, o governador Francelino Pereira determinou várias providências que resultaram em uma reestruturação geral dos quadros técnico e administrativo e na definição de Programas Prioritários de Ação do Iepha. A estrutura técnico-administrativa passou a contar com três superintendências – Conservação e Restauração; Pesquisa, Tombamentos e Divulgação; e Museus e Outros Acervos – e uma Secretaria Geral, subordinadas à Diretoria Executiva.
A seguir relação de Bens Tombados pelo IEPHA/MG, com pareceres e relatórios conclusivos de responsabilidade do arquiteto Luciano Amédée Péret :
- Palácio da Liberdade - Belo Horizonte
Decreto nº 16956, de 27 de janeiro de 1975
- Fazenda da Posse - Santana dos Montes
Decreto nº 16965, de 30 de janeiro de 1975
- Arquivo Público Mineiro - Belo Horizonte
Decreto nº 16983, de 07 de fevereiro de 1975
-Fazenda da Boa Esperança - Belo Vale
Decreto nº 17009, de 27 de fevereiro de 1975
-Parque Municipal Américo Giannetti - Belo Horizonte
Decreto nº 17 086, de 13 de março de 1975
- Antigo Conselho Deliberativo - Belo Horizonte
Decreto17087, de 13 de março de 1975
- Conjunto Histórico constituído da Capela de Nossa Senhora do Rosário, casa e sítio da Quinta do Sumidouro - Fidalgo, Pedro Leopoldo
Decreto nº 17729, de 27 de janeiro de 1976
- Igreja Matriz de Santa Luzia do Rio da Velhas - Santa Luzia
Decreto nº 17779, de 09 de março de 1976
- Catedral de Nossa Senhora da Boa Viagem e Praça que a circunda - Belo Horizonte
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Igreja Matriz de Santo Antônio - Mateus Leme
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
-Capela de Nossa Senhora da Conceição - Couto Pereira
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos - Couto Pereira
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Sede e dependências da Fazenda dos Macacos - Cristiano Otoni
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
-Casa à Rua Direita, 101 - Santa Luzia
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Edifício do Necrotério do Cemitério Bonfim - Belo Horizonte
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Sede da Fazenda dos Martins - Brumadinho
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Monumento Comemorativo do Centenário da Independência Nacional ( o Pirulito, na época se encontrava na Praça Diogo Vasconcelos, na Savassi. Em setembro de 1980, o Pirulito retornou à Praça Sete.) - Belo Horizonte
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
-Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Igreja de Nossa Senhora da Lapa - Ravena, Sabará
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Praça da Liberdade - Belo Horizonte
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Lagoa e Lapa do Sumidouro - Pedro Leopoldo
Decreto nº 18531, de 02 de junho de 1977
- Edifício Palácio da Justiça Rodrigues Campos - Belo Horizonte
Decreto nº 18641, de 10 de agosto de 1977
- Prédio do Fórum da Cidade de Oliveira
Decreto nº 19112, de 28 de março de 1978
- Capela de Nossa Senhora da Soledade - Lobo Leite, Congonhas
Decreto nº 19113, de 28 de março de 1978
- Capela de Nossa Senhora da Ajuda - Alto Maranhão, Congonhas
Decreto nº 19 114, de 28 de março de 1978
- Mosteiro de Macaúbas - Santa Luzia
Decreto nº 19347, de 22 de agosto de 1978
- Capela de Nossa Senhora do Rosário e Capela de Santa Efigênia - Mestre Caetano, Sabará
Decreto nº 19463, de 16 de outubro de 1978
- Parque Cabangu e seu acervo - Santos Dumont
Decreto nº 19482, de 24 de outubro de 1978
- Igreja de Santa Isabel de Hungria - Caxambu
Decreto nº 19513, de 26 de outubro de 1978
- Serra do Ouro Branco - Ouro Branco
Decreto nº 19530, de 07 de novembro de 1978
- Antigo Senado Mineiro ( Museu Mineiro) - Belo Horizonte
Decreto nº 19 596, de 05 de dezembro de 1978
- Igreja Santíssimo Sacramento - Jequitibá
Decreto nº 19872, de 20 de março de 1979
- Capela de São Sebastião - Araxá
Decreto nº 19908, de 22 de maio de 1979
- Igreja do Sagrado Coração de Jesus - Belo Horizonte
Decreto nº 19953, de 06 de julho de 1979
- Igreja de São Francisco de Assis - Minas Novas
Decreto nº 20557, de 13 de maio de 1980
- Capela de São Gonçalo - Minas Novas
Decreto nº 20557, de 13 de maio de 1980
- Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres - Milho Verde, Serro
Decreto nº 20581, de 26 de maio de 1980
- Igreja Matriz de São Gonçalo - São Gonçalo do Rio das Pedras, Serro
Decreto nº 20581, de 26 de maio de 1980
- Casa de João Pinheiro - Caeté
Decreto nº 20582, de 26 de maio de 1980
- Igreja Matriz de Santa Cruz - Chapada do Norte
Decreto nº 20689, de 23 de julho de 1980
Quarenta e dois anos se passaram, desde a sua criação, e o corpo técnico da instituição mantém a tradição, os valores e o espírito dos primeiros trabalhos desenvolvidos em prol da conservação, restauração, proteção e promoção dos bens culturais. Mesmo diante das diversas mudanças no contexto institucional e de concepção que marcaram a trajetória do IEPHA/MG, o fortalecimento de seu caráter de defensor do patrimônio refletiu na sua própria atuação, com a ampliação e consolidação do conceito de patrimônio cultural
Fontes:
-Acervo Luciano Amédée Péret
- Iepha.mg.gov.br
- Suplemento Especial do Jornal Estado de Minas: Iepha 20 anos. Artigo de Abílio Machado Filho: O surgimento do IEPHA. Novembro de 1991.
Desfralde a bandeira do Poetinha : é melhor ser alegre que ser triste...
(Google)
É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
(...)
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração (...)
Poeta popular, Vinicius de Moraes foi um intelectual de múltiplas facetas
Paulo Virgilio - Repórter da Agência Brasil
Uma das personalidades da cultura brasileira de maior projeção popular, Vinicius de Moraes, cujo centenário o país celebra neste sábado, foi muito mais do que o poeta de primeira linha e o letrista de músicas que há cinco décadas são executadas e regravadas em todo o mundo. O Poetinha, como ele mesmo – que cultivava os diminutivos como forma de carinho – gostava de ser chamado, foi um intelectual de múltiplas facetas.
Formado em direito e diplomata de carreira até ser aposentado compulsoriamente em 1969, pela ditadura militar, Vinicius foi também cronista e escreveu para jornais e revistas reportagens cheias de lirismo sobre as cidades onde viveu. Exerceu a crítica de cinema, com análises aprofundadas sobre filmes e cineastas dos anos 40 e 50, e foi um importante autor teatral.
Foi exatamente essa última faceta – a de dramaturgo - que motivou a aproximação do poeta, para quem a vida era “a arte do encontro”, com Antonio Carlos Jobim, em 1956. O encontro, fundamental na trajetória de ambos e um marco na cultura brasileira, aconteceu porque Vinicius estava à procura de um compositor para as músicas de sua peça Orfeu da Conceição, que pretendia encenar no Theatro Municipal do Rio.
Definida pelo autor como “tragédia carioca em três atos”, a peça é uma transposição da história do mito grego de Orfeu para uma favela do Rio de Janeiro. Escrito em 1954, o texto também estava sendo adaptado para o cinema, com o título de Orfeu Negro, pelo cineasta francês Marcel Camus. O filme, que ficou pronto em 1959, ganhou – como produção francesa – a Palma de Ouro do Festival de Cannes e o Oscar de melhor filme estrangeiro.
A parceria com Tom, iniciada com as canções para a peça – as mais conhecidas são Se Todos Fossem Iguais a Você e Lamento no Morro, deu início a um movimento de renovação da música popular brasileira. Dois anos depois, em 1958, com João Gilberto e a sua inovadora batida no violão, e o lançamento do LP Canção do Amor Demais, com Elizeth Cardoso interpretando composições da dupla, esse movimento, que começava a ganhar forma, logo iria ser chamado de Bossa Nova.
“Vinicius de Moraes foi um divisor de águas na história da música popular brasileira. Um poeta de livro que de repente se torna letrista e traz para as letras da música brasileira uma grande densidade poética”, define o crítico musical Tárik de Souza. Mais do que parceiros, Vinicius de Moraes colecionou amigos, companheiros de boemia e da vida cotidiana. A troca ia muito além das rimas e notas musicais.
Para Tárik, que apresenta na Rádio MEC FM o programa Bossamoderna, Vinicius exerceu um papel de catalisador na música popular, estimulando o surgimento de novos compositores. “Ele foi o primeiro parceiro do Edu Lobo, o primeiro parceiro do João Bosco, incentivou o Francis Hime e vários outros artistas a se dedicarem realmente à música, a partir de parcerias com ele. Vinicius tinha essa generosidade de lançar artistas e de abrir novas frentes, como ele fez com Toquinho, que foi o seu último grande parceiro”
É grande a lista. Além dos já citados, inclui Carlos Lyra, Baden Powell (que formavam, juntamente com Tom, o que o poeta chamava de sua “santíssima trindade”), Chico Buarque e muitos outros. Lyra, um dos integrantes da “trindade” de Vinicius, conta como foi seu primeiro contato com o poeta. “Liguei para a casa dele: ‘Vinicius de Moraes? Aqui é o Carlos Lyra”.. e ele, com aquela mania de diminutivos, respondeu: ‘Ah, Carlinhos, ouvi muito falar de você. O que você quer de mim?’ E eu: ‘quero umas letrinhas...’. E ele:’então venha já pra minha casa’. E aí começou a amizade e a parceria”.
Vinicius fez letras também para o clássico choro Odeon, de Ernesto Nazareth (1863-1934), e para duas composições de Pixinguinha (Lamentos e Mundo Melhor). Na área da música erudita, Cláudio Santoro e Edino Krieger tiveram versos de Vinicius para composições suas. A obra do Poetinha inclui ainda canções em que ele foi autor de letra e música, dispensando as parcerias, como Pela Luz dos Olhos Teus, Serenata do Adeus e Rancho das Flores. E poemas seus, publicados anteriormente em livros, ganharam música, como os sonetos da Separação, musicados por Tom Jobim, e da Fidelidade, pelo pernambucano Capiba. O poema Rosa de Hiroxima ganhou nos anos 70 música de Gerson Conrad, líder da banda Secos e Molhados, de estrondoso sucesso na época em que lançou o cantor Ney Matogrosso.
O poeta e compositor Vinícius de Moraes, que completaria 100 anos neste sábado
Da Agência Brasil
É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
(...)
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração (...)
Poeta popular, Vinicius de Moraes foi um intelectual de múltiplas facetas
Paulo Virgilio - Repórter da Agência Brasil
Uma das personalidades da cultura brasileira de maior projeção popular, Vinicius de Moraes, cujo centenário o país celebra neste sábado, foi muito mais do que o poeta de primeira linha e o letrista de músicas que há cinco décadas são executadas e regravadas em todo o mundo. O Poetinha, como ele mesmo – que cultivava os diminutivos como forma de carinho – gostava de ser chamado, foi um intelectual de múltiplas facetas.
Formado em direito e diplomata de carreira até ser aposentado compulsoriamente em 1969, pela ditadura militar, Vinicius foi também cronista e escreveu para jornais e revistas reportagens cheias de lirismo sobre as cidades onde viveu. Exerceu a crítica de cinema, com análises aprofundadas sobre filmes e cineastas dos anos 40 e 50, e foi um importante autor teatral.
Foi exatamente essa última faceta – a de dramaturgo - que motivou a aproximação do poeta, para quem a vida era “a arte do encontro”, com Antonio Carlos Jobim, em 1956. O encontro, fundamental na trajetória de ambos e um marco na cultura brasileira, aconteceu porque Vinicius estava à procura de um compositor para as músicas de sua peça Orfeu da Conceição, que pretendia encenar no Theatro Municipal do Rio.
Definida pelo autor como “tragédia carioca em três atos”, a peça é uma transposição da história do mito grego de Orfeu para uma favela do Rio de Janeiro. Escrito em 1954, o texto também estava sendo adaptado para o cinema, com o título de Orfeu Negro, pelo cineasta francês Marcel Camus. O filme, que ficou pronto em 1959, ganhou – como produção francesa – a Palma de Ouro do Festival de Cannes e o Oscar de melhor filme estrangeiro.
A parceria com Tom, iniciada com as canções para a peça – as mais conhecidas são Se Todos Fossem Iguais a Você e Lamento no Morro, deu início a um movimento de renovação da música popular brasileira. Dois anos depois, em 1958, com João Gilberto e a sua inovadora batida no violão, e o lançamento do LP Canção do Amor Demais, com Elizeth Cardoso interpretando composições da dupla, esse movimento, que começava a ganhar forma, logo iria ser chamado de Bossa Nova.
“Vinicius de Moraes foi um divisor de águas na história da música popular brasileira. Um poeta de livro que de repente se torna letrista e traz para as letras da música brasileira uma grande densidade poética”, define o crítico musical Tárik de Souza. Mais do que parceiros, Vinicius de Moraes colecionou amigos, companheiros de boemia e da vida cotidiana. A troca ia muito além das rimas e notas musicais.
Para Tárik, que apresenta na Rádio MEC FM o programa Bossamoderna, Vinicius exerceu um papel de catalisador na música popular, estimulando o surgimento de novos compositores. “Ele foi o primeiro parceiro do Edu Lobo, o primeiro parceiro do João Bosco, incentivou o Francis Hime e vários outros artistas a se dedicarem realmente à música, a partir de parcerias com ele. Vinicius tinha essa generosidade de lançar artistas e de abrir novas frentes, como ele fez com Toquinho, que foi o seu último grande parceiro”
É grande a lista. Além dos já citados, inclui Carlos Lyra, Baden Powell (que formavam, juntamente com Tom, o que o poeta chamava de sua “santíssima trindade”), Chico Buarque e muitos outros. Lyra, um dos integrantes da “trindade” de Vinicius, conta como foi seu primeiro contato com o poeta. “Liguei para a casa dele: ‘Vinicius de Moraes? Aqui é o Carlos Lyra”.. e ele, com aquela mania de diminutivos, respondeu: ‘Ah, Carlinhos, ouvi muito falar de você. O que você quer de mim?’ E eu: ‘quero umas letrinhas...’. E ele:’então venha já pra minha casa’. E aí começou a amizade e a parceria”.
Vinicius fez letras também para o clássico choro Odeon, de Ernesto Nazareth (1863-1934), e para duas composições de Pixinguinha (Lamentos e Mundo Melhor). Na área da música erudita, Cláudio Santoro e Edino Krieger tiveram versos de Vinicius para composições suas. A obra do Poetinha inclui ainda canções em que ele foi autor de letra e música, dispensando as parcerias, como Pela Luz dos Olhos Teus, Serenata do Adeus e Rancho das Flores. E poemas seus, publicados anteriormente em livros, ganharam música, como os sonetos da Separação, musicados por Tom Jobim, e da Fidelidade, pelo pernambucano Capiba. O poema Rosa de Hiroxima ganhou nos anos 70 música de Gerson Conrad, líder da banda Secos e Molhados, de estrondoso sucesso na época em que lançou o cantor Ney Matogrosso.
sexta-feira, 18 de outubro de 2013
Conhecendo mais sobre Guimarães Rosa : Parte IV (final)
A última parte da matéria sobre Guimarães Rosa : a posse na Academia Brasileira de letras e seu falecimento após três dias da cerimônia de consagração literária.
Do site elfikurten.com.br
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
“ - A Academia é muito para mim. Sou tão pequeno como a cidade em que nasci - disse-me”.
Do site elfikurten.com.br
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
É o dia 16 de novembro de 1967. João Guimarães Rosa, aos 59 anos, veste o fardão e prepara-se para ir à Academia Brasileira de Letras tomar posse na cadeira n.º 2, que tem como patrono o escritor Álvares de Azevedo, e pertenceu a seu amigo e antigo chefe no Itamarati, João Neves da Fontoura.
Eleito em 6 de agosto de 1963, há quatro anos adia esta posse. Rosa pensa que seu coração não irá agüentar tanta emoção. Mas agora, deve enfrentar a cerimônia e receber a consagração. Na época, seu nome era cogitado para o prêmio Nobel de Literatura. A indicação vinha por iniciativa dos seus editores alemães, franceses e italianos.
“A notícia de sua posse na Academia foi dada por mim.”, conta Otto Lara Rezende. “Uma vez um jornal mencionou seu nome como possível candidato ao Prêmio Nobel. Procurou-me aflito e pediu-me que, por favor, evitasse associar o seu nome ao Nobel. Por quê? “O Nobel mata” – disse ele, brincando a sério. E pediu-me ainda que desse uma nota sobre a candidatura de outro brasileiro ao mesmo Prêmio Nobel....”Pode dar, com ele não acontece nada” – disse. Esse mesmo temor da morte estava associado à sua posse na Academia, talvez porque tomasse a Academia como “consagração”, isto é, fim de uma obra e portanto fim da vida.”
Neste dia, Rosa almoça com a mãe na casa de seu tio, o também escritor Vicente Guimarães Rosa, que atribui o adiamento da posse a uma outra causa: “De seus sete tios amigos, quatro morreram quando viviam os 58 anos. Posse na Academia só mesmo depois dos 59 anos completos e ainda com alguns meses distanciados, me disse, temeroso”.
Já o escritor Antônio Callado pergunta-lhe sobre o porquê de tanto empenho em se eleger para a Academia, ao que Rosa responde:
"O enterro, meu querido, os funerais. Vocês, cariocas, são muito imprevidentes. A academia tem mausoléu e quando a gente morre cuida de tudo."
“Quando se candidatou à Academia pela primeira vez, (continua Otto Lara Rezende) disse-me, num almoço no Itamarati, que só se candidatava por duas razões:
1) porque sua mãe só acreditaria que ele era um grande escritor se entrasse para a Academia;
2) porque não podia negar a glória acadêmica à sua pequena cidade de Cordisburgo”.
Bom seria uma banda, um dobrado fogoso e meia dúzia de foguetes, pedia ele.
A seu amigo Geraldo França de Lima, que vai buscá-lo em casa, Rosa revela o temor de desmaiar na tribuna, de perder a voz, de chorar e sobretudo de o coração parar!
“- Parar, Rosétis (assim ele o chamava), que é isto? Você vai fazer bonito na tribuna. ....
João Guimarães Rosa, posse na ABL, nov/1967. |
“Na quinta-feira, noite de 16 de novembro, não escurecera e lá eu estava”, conta França de Lima. “Jantamos. Ele nada comeu. Beliscou uma lingüiça, que eu lhe trouxera de Araguari. Dois ou três goles de chá. Nada mais. Percebi que havia anormalidade. ...Vi que não se apressava em vestir-se... Pediu-me que escolhesse o sapato, pontudo ou de bico quadrado. Abotoei-lhe o fardão. Não descobríamos a alcinha em que ficava a espada. Rosa perdeu a calma, até conseguirmos achá-la. De repente começa a tremer. Chorava. Hesitava em sair. Tinha medo.... Ao entrarmos no automóvel, tremia e rezava. Pediu ao chofer que andasse devagar, e perguntou-lhe:
- Ubirajara, estou bonito?
- Sim , embaixador. ....
Ao aproximar-se da Academia principiou a ficar emocionado.
- Geraldo, não tenho segredo para você. Mas guarde reserva: eu não chego ao fim deste ano.
Senti-me esmagado, mas levei a revelação em brincadeira:
- Me faça o favor de chegar ao fim do discurso, porque gente de sua família não morre antes dos 80.
Ele apertou a minha mão. Sua mão estava fria e suava”.
Caía forte chuva na cidade. Mesmo assim o Salão da Academia estava repleto.
Minutos antes de entrar, Rosa, mentalmente, repassa trechos de seu discurso. Faz longas pausas e respira fundo para controlar a ansiedade. Revê momentos de sua vida. Relembra Cordisburgo, seu vilarejo natal, e o mundo por onde andou como diplomata e escritor...
O presidente Juscelino Kubitschek e João Guimarães Rosa, na cerimônia de posse na Academia Brasileira de Letras, 1967. [foto Acervo Família Tess] |
O DESEJO NÃO REALIZADO
"No dia em que completar 100 anos, publicarei um livro, meu romance mais importante: um dicionário. E este fará as vezes de minha autobiografia."
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".
Aracy e João Guimarães Rosa, com seus gatos no apartamento, no Rio de Janeiro. |
O DESAPARECIMENTO PREMATURO
Ainda no vigor de seus 59 anos intensamente vividos, ao anoitecer de um domingo de novembro de 1967, Rosa surpreendeu mais uma vez sua família, seu círculo de amigos e a multidão de leitores de sua obra, pouco após o dobre dos sinos, anunciando a Hora do Ângelo. "As pessoas não morrem, elas ficam encantadas", dissera o romancista apenas três dias antes, em concorrida cerimônia na Academia Brasileira de Letras. E naquele ocaso - acaso? - de um 19 de novembro, Rosa ficou para sempre encantado - tornou-se um mito, talvez o maior e mais duradouro dos mitos da cultura brasileira.
João Guimarães Rosa CRONOLOGIA DA VIDA E OBRA DE JOÃO GUIMARÃES ROSA
1908 - No dia 27 de junho, em Cordisburgo, pequeno vilarejo de Minas Gerais, nasce o futuro diplomata-romancista, uma pessoa marcada por forte religiosidade e misticismo. Primeiro dos seis filhos de Florduardo Pinto Rosa e Francisca Guimarães Rosa.
1918 - O menino prodígio, que já conhece a língua francesa e holandesa, inicia seus estudos em uma escola de Belo Horizonte, Minas Gerais. Em seus momentos de lazer, escreve inúmeras cartas em forma de logogrifos e charadas.
1925 - Aos 16 anos, ingressa na Faculdade de Medicina. Durante esse período de estudos universitários, o jovem estudante conquista diversos prêmios com seus contos, entre os quais se destaca "Chronos Kai Anagke", a misteriosa história de um enxadrista que conclui um pacto com o demônio para receber... um prêmio - o tema do pacto será retomado em Grande sertão: veredas, romance que, por sua vez, receberá... diversos prêmios.
1928 – Em 27 de dezembro é nomeado para o cargo de Agente Itinerante da Diretoria do Serviço de Estatística Geral do Estado de Minas Gerais/ Secretaria da Agricultura.
1929 – Tomando posse em 03 de janeiro, no cargo de Agente Itinerante da Diretoria do Serviço de Estatística Geral do Estado de Minas Gerais/ Secretaria da Agricultura, percebendo o salário anual de quatro contos e oitocentos mil-réis. E em 7 de dezembro, publica o conto “Mistério de Highmore Hall” na revista O Cruzeiro, que fora selecionado em concurso promovido pelo mesmo periódico.
1930 – Em 9 de fevereiro, publica o conto “Maquiné” no suplemento dominical de O jornal; - Em 27 de março, é designado para Auxiliar Apurador da Diretoria do Serviço de Estatística Geral do Estado de Minas Gerais/ Secretaria da Agricultura, em caráter de substituição; - Em 21 de junho, publica, na revista O Cruzeiro, o conto “Chronos Kai Anagke (Tempo e destino)", “a mais extraordinária história de xadrez já explicada aos adeptos e não-adeptos do tabuleiro, num conto de João Guimarães Rosa”; No dia 27 de junho, casa-se com Lygia Cabral Penna; Dia 12 de julho, publica, na revista O Cruzeiro, o conto “Caçadores de camurças”. E em 21 de dezembro, forma-se em Medicina, pela Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, tendo sido o orador da turma. Nesse ano, Getúlio Vargas comanda a célebre Revolução que muda radicalmente o destino nacional e marca o espírito de uma geração de brasileiros.
1931 - Em 5 de fevereiro, solicita extração e registro do diploma de médico e inicia a carreira de médico em Itaguara, município de Itaúna (MG). No dia 5 de junho, nasce Vilma, primeira filha de JGR e Lygia Cabral Penna.
1932 - É nomeado para o cargo de Inspetor da Secretaria da Educação e Saúde Pública, no distrito de Itaguara, município de Itaúna (MG), em 28 de abril. Neste ano atua como voluntário da Força Pública, durante a Revolução Constitucionalista, indo servir no setor do Túnel.
1933 - Entra para a Força Pública, por concurso, integrando como Oficial-Médico o 9º Batalhão de Infantaria, sediado em Barbacena (MG). Aprende o russo e o japonês. Em companhia de Geraldo França de Lima, Rosa sonha com as cerimônias de gala da prestigiosa Academia Brasileira de Letras, à época, um prestigioso reduto de intelectuais.
1933 a1935 - Trabalha no Serviço de Proteção ao Índio.
1934 – No dia 17 de janeiro nasce Agnes, a segunda filha de JGR e Lygia Cabral Penna. Em abril, solicita documento de reservista do Serviço Militar, a fim de prestar concurso para o Ministério das Relações Exteriores. E em maio, é nomeado para o cargo de Capitão-Médico do Serviço de Saúde da Força Pública do Estado de Minas Gerais, com vencimentos anuais de 10:200$000. No dia 6 de julho, presta concurso para o Itamarati, sendo aprovado em segundo lugar, graças ao leque de conhecimentos de Rosa que é vasto: do Direito à Geografia, da Filosofia à Botânica. Nomeado Cônsul de Terceira Classe, ingressando então na carreira diplomática, no dia 11 de julho.
1936 - Participa e recebe o primeiro lugar no concurso de poesia da Academia Brasileira de Letras, com o volume de poesias Magma.
1938 - É nomeado Cônsul-Adjunto em Hamburgo, onde conhece sua segunda esposa, Aracy Moebius de Carvalho. Ajudam a salvar dezenas de judeus do extermínio nazista.
1941 - Em 20 de maio, vai a Lisboa na qualidade de correio diplomático da Embaixada do Brasil em Berlim.
1942 - De 28 de janeiro a 23 de maio, é internado, junto com Cícero Dias e Cyro de Freitas Vale, em Baden-Baden, em conseqüência da ruptura de relações entre o Brasil e a Alemanha. E no dia 1 de julho é enviado para a Embaixada em Bogotá, como Segundo Secretário.
1944 - Em junho volta ao Rio de Janeiro, para a Secretaria de Estado.
1945 - Viaja a Cordisburgo e Paraopeba, com o Dr. Pedro Barbosa. Em 25 de outubro, torna-se Sócio Titular da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.
1946 – Publica Sagarana, coletânea de contos que recebe o Prêmio Felipe de Oliveira. Consagração literária. O escritor afirma ter escrito certos contos em estado de transe hipnótico, mediúnico - semeia-se o enigma; - Em 19 de maio, José César Borba publica no Correio da manhã (Rio de Janeiro), entrevista de JGR; - Em 26 de maio, Ascendino Leite publica, em O jornal (Rio de Janeiro), reportagem sobre JGR; - É nomeado Chefe de Gabinete do Ministro João Neves da Fontoura. Enviado a Paris como Secretário da delegação brasileira à Conferência de Paz.
1947 - Em carta a seu tio Vicente Guimarães, Rosa anuncia o início de uma "guerra literária"; - Recebe o Prêmio da Sociedade Felipe d’Oliveira, com Sagarana; - Viaja ao pantanal mato-grossense – Nota de pesquisa: Dessa viagem resulta “Com o Vaqueiro Mariano”, publicado no Correio da manhã, de 26 de outubro de 1947 a 7 de março de 1948.
1948 - Segue para Bogotá, em 19 de março, como Secretário-Geral da delegação brasileira à IX Conferência Pan-Americana. E no dia 10 de dezembro é nomeado Primeiro Secretário da Embaixada do Brasil em Paris.
1949 - É promovido a Conselheiro da Embaixada do Brasil em Paris.
1951 - É promovido a Ministro de Segunda Classe. No dia 29 de março, volta ao Brasil e é, novamente, nomeado Chefe de Gabinete do Ministro João Neves da Fontoura. Em 10 de novembro é aceito como Sócio Efetivo da Sociedade Brasileira de Geografia, antiga Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.
1952 – Em Maio, viaja a Sirga, fronteira de Minas Gerais com a Bahia, acompanhando uma boiada, com Manuelzão; - Viaja à Bahia, com Assis Chateaubriand; e publica em edição restrita, Com o Vaqueiro Mariano.
1953 - É nomeado Chefe da Divisão de Orçamento do Ministério das Relações Exteriores.
1954 - Getúlio Vargas executa a corajosa decisão de escolher o momento para sua travessia final: "Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História." 1956 - Publicação de Corpo de Baile e Grande sertão: veredas. São 1.400 páginas impecáveis publicadas em um único ano. O romancista declara que concluiu sua obra prima em três dias e duas noites, em estado de possessão, sem dormir. O romance recebe três grandes: “Machado de Assis”, Instituto Nacional do Livro; “Carmen Dolores Barbosa”, São Paulo; “Paula Brito”, Municipalidade do Rio de Janeiro.
1957 - Rosa candidata-se à Academia, mas é preterido na eleição.
1958 - É nomeado Embaixador por seu amigo e conterrâneo Juscelino Kubitschek.
1960 a 1961 – Publica, na página literária de O globo, uma série de narrativas, que depois formariam o livro Primeiras estórias.
1961 - Recebe o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra. Publicação de poemas sob os pseudônimos anagramáticos de Soares Guiamar, Sá Araújo Segrim e Meuriss Aragão. Sob forma de logogrifos, o conjunto de seus personagens traz nomes que sugerem desdobramentos ficcionais do próprio autor: Moimeichego (moi-me-ich-ego), Rosendo, Dona Rosalina, Orósio, João Porém... Neste ano é publicado em Portugal pela Ed. Livros do Brasil, o livro Sagarana. E na França, é traduzido parte de Corpo de baile, sob o título Buriti, Editions du Seuil, tradução de J. J. Villard.
1962 - Publica Primeiras estórias; - É traduzida, na França, a segunda parte de Corpo de baile, sob o título Les nuits du sertao, Editions du Seuil, tradução e nota de J. J. Villard. E assume, no Itamarati, a Chefia do Serviço de Demarcação de Fronteiras.
1963 - Candidata-se, pela segunda vez, à Academia Brasileira de Letras, na vaga de João Neves da Fontoura, e visita acadêmicos, em campanha eleitoral, firmemente decidido a obter vitória. É eleito, em 08 de agosto, por unanimidade, membro da Academia Brasileira de Letras. Misteriosamente, começa a adiar, sine die, a cerimônia de posse; - É traduzida, na Itália, parte de Sagarana, sob o título Il duelo, Nuova Accademia Editrice, tradução de Edoardo Bizzarri e P. A. Jannini, apresentação de P. A. Jannini; - E nos Estados Unidos, é traduzido Grande sertão: veredas, sob o título The devil to pay in the Backlands, Alfred A. Knopf, tradução de James L. Taylor e Harriet de Onis, prefácio de Jorge Amado, “The place of Guimarães Rosa in Brazilian Literature”. Neste ano ainda é premiado pelo livro Primeiras estórias pelo Pen Club Brasileiro.
1965 - É adaptado para o cinema Grande sertão: veredas, sob o título Grande sertão, adaptação, produção e direção de Geraldo Renato Santos Pereira. Neste ano, é traduzido, na França, Grande sertão: veredas, sob o título Diadorim - Le diable dans la rue, au milieu du tourbillon, Editions Albin Michel, tradução de J. J. Villard; O conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, com o mesmo título, é adaptado para o cinema com produção e direção de Roberto Santos.
1965 a 1967 - Colabora no jornal Pulso, até 1967, quando recolhe sua produção para editar em livro: Tutaméia.
1966 - Recebe do governador Israel Pinheiro a Medalha da Inconfidência; - É traduzido, na Tchecoslováquia, o conto “A terceira margem do rio”, Svetová Literatura, Ed. Odeon, tradução de Pavla Lidmilova. E em 2 de dezembro, recebe a condecoração da Ordem de Rio Branco. Meyer-Clason anuncia o fim próximo da tradução do conjunto da obra, espaçando-se a correspondência entre ambos. O romancista fixa, por fim, a data da cerimônia de posse da Academia Brasileira de Letras. Estranhamente, o dia escolhido é uma quinta-feira, 16 de novembro de 1967 - no fim do ano seguinte.
1967 – Em abril, vai ao México, representando o Brasil no II Congresso Latino-Americano de Escritores, no qual atua como vice-presidente, até apresentar renúncia motivada pelas críticas feitas pelos delegados de Cuba e do Panamá ao governo dos Estados Unidos. Pronuncia seu único discurso em castelhano. Em julho, publica Tutaméia ("tudo meu"), uma forma de guia de leitura para o conjunto da obra, segundo Assis Brasil. Em julho é adaptado para teatro o conto “Conversa de bois”, sob o título Boi de carro, apresentado pelo Teatrinho Chique-Chique (BA), no II Festival de Marionetes e Fantoches da Guanabara; - Integra a comissão julgadora do II Concurso Nacional de Romance Walmap. Em outubro, elabora, como membro do Conselho Federal de Cultura, extenso pronunciamento sobre o acordo ortográfico. É traduzido, na Espanha, Grande sertão: veredas, sob o título Gran sertón: veredas, Editorial Seix Barral, tradução, nota e glossário de Angel Crespo. Na quinta-feira, 16 de novembro, dia da cerimônia de posse na Academia Brasileira de Letras, adiada durante quatro anos. E no domingo, 19 de novembro, terceiro dia após a cerimônia de consagração literária, falece em sua casa, no Rio de Janeiro.
1968 - É publicado o volume Em Memória de João Guimarães Rosa, pela Editora José Olympio.
1969 - Publica-se, postumamente, Estas estórias.
1970 - Publica-se, postumamente, Ave, palavra.
1997 - Publica-se, postumamente, Magma.
"... às vezes quase acredito que eu mesmo, João,
sou um conto contado por mim mesmo. É tão imperativo..."
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".
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