Frei Gilvander Moreira
Estamos no meio do turbilhão de uma crise plural: política, econômica, ecológica, ética, das Instituições etc. Urge recriarmos relações éticas e estruturas de fraternidade para que a crise plural não nos impeça de caminhar, ainda nesta vida, para o bem.
Em tempo natalino e em todos os dias do ano novo, como vivenciarmos então relações éticas que viabilizem (mais do que transformação) a transfiguração das instituições e de nós mesmos?
A desconexão cultural existente entre o ser humano e a natureza ameaça ambos e não pode continuar. “Salvemo-nos com o Planeta”. Devolvamos ao Natal seu caráter de celebração da vitória da vida projetada para solidarizar pessoas e povos, religiões e culturas em torno da causa da Paz, Shalom!
Advento, expectativa para a grande festa. Natal, o divino a nos envolver. Celebramos Deus irrompendo de dentro da história humana, em Jesus de Nazaré. Em tantos que o precederam e cuja riqueza partilha e, depois, em tantos que sorveram a riqueza de seu Evangelho a favor de povos e culturas.
Em Jesus de Nazaré, Deus se fez frágil como um bebezinho dependente, que precisava ser amado. Ele também precisou ser alimentado, cuidado... amado e desejado...Caso contrário, ele não seria humano... Jesus não nasceu Cristo; se tornou Cristo, ungido, filho de Deus. “Humano assim só poderia ser divino”, exclamou o papa Paulo VI. Jesus se fez ecumênico, aberto ao outro, a todos.
Conviveu e burilou a dignidade e a grandeza em nós. Ele anunciava, por seu modo de ser e de agir, o seguinte: “Veja o vigor, a missão, o divino existente em cada ser humano, nas comunidades e nas culturas. Não busque fora o que fervilha em você e nos outros. É das relações (humanas, ecológicas) que a inspiração e idealismo de libertadores brotam.” Na Encarnação de Deus na história, no galileu de Nazaré, se misturam cotidianamente fé e política, sagrado e profano, pessoal e social, céu e terra.
Sem dualismos, com o nascimento de Jesus ficou decretado cultivar a unidade que há de reinar na imensa vastidão dos infinitos pontos que entrelaçam a vida.
Natal, portanto, é tempo - ao reverenciar o evento-Jesus – de vislumbrar e assumir em toda criança – de preferência em pobres, doentes e excluídas de toda cultura e religião, de cores e de etnias - um símbolo da presença amorosa de Deus.
O Natal pode ser terapêutico, uma vez que contemplar a presença divina no que é simplesmente humano e em cada criatura, ser vivo que compõe a biodiversidade.
O Natal do Nazareno seja nosso natal. Natal como irrupção da luz e da força divina presente no humano e em todas as criaturas, essa grande comunidade de vida, da qual fazemos parte.
Com Dom Hélder Câmara, abramos o coração e exclamemos: Que Tua mensagem se torne carne de nossa carne, sangue de nosso sangue, razão de ser de nossa vida. Que ela nos arranque do comodismo da boa consciência! Seja exigente, incômoda; pois, então, nos trará paz profunda, paz diferente, a tua paz”.
Sejamos Natal: dádiva do Deus amor nas relações humanas e ecológicas. Eis uma rica oportunidade que vale a pena abraçar. Cada pessoa, todo grupo se engaje na construção da paz e da justiça em seu meio, inserindo na História algo do Deus libertador a congraçar-nos em universal fraternidade.
É hora de encarnarmos a regra de ouro: “Não faça aos outros aquilo que não quer que lhe seja feito”. Ou seja, mais do que um pensar ético, um agir ético é imprescindível para realizarmos o desafio de transfigurar as instituições e as pessoas.
Que cada pessoa expresse a outra seus votos de um feliz e abençoado Natal - com a amplidão e a profundidade de uma saudação indiana, namastê: o Deus que está em mim saúda o Deus que está em você. Alegremo-nos em restituir ao mundo a sacralidade histórica da criança de Belém em prol de vida com boa qualidade em famílias e instituições.
Frei Gilvander Moreira *
* Carmelita, mestre em Exegese Bíblica, professor de teologia Bíblica, assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Via Campesina
Nenhum comentário:
Postar um comentário