terça-feira, 9 de dezembro de 2014

"Das capitanias hereditárias aos porões de alguns empreiteiros"





Do Jornal do Brasil


W. C. Farrel*

Nasce na colônia, por determinação do Rei de Portugal D. João III, segue no Império com outra roupagem, sobrevive na Primeira República e aprimora-se nos dias atuais. As capitanias hereditárias e seus capitães-donatários são marca indelével do Brasil de todos os tempos. E em todas as suas formas com um objetivo comum entre si: a pilhagem do bem público.

As semelhanças entre ontem e hoje são inúmeras. Em outro sistema, os das sesmarias, pagava-se um dízimo à Coroa. Agora, o dinheiro enche os bolsos dos políticos, de quase todos os partidos que compõem e representam o Estado Brasileiro.

Fala-se em 70 parlamentares. Supera-se a história de Ali Babá. Nela eram só 40 ladrões.
Caminhar no tempo da história da corrupção crônica nacional há de tirar dos perplexos  a perplexidade que lhes assalta o espírito com o que vem à tona no escândalo da Petrobras. Resta-lhes a indignação.

O Brasil sempre foi guiado pela imoral e ilegal concessão de bens e serviços a famílias privilegiadas. Disso nos indignamos há séculos.

A quem duvida, um conselho: visite a Biblioteca Nacional, no Cento do Rio, e vasculhe os arquivos da imprensa.

Outro conselho: só faça isso se você tiver muitos, mas muitos cabelos, porque eles vão, um a um, se arrepiar diante de tantos escândalos. Então, se você é do tipo que insinua uma calvície, desista: haverá na biblioteca mais bandalheiras do que cabelos em sua cabeça.

Naquela época, ganhar cartório do poder era um troco.

Então vejamos para  lembrar e refletir: o que aconteceu com os barões do café? O presidente Getulio Vargas determinou afundar nossos estoques de café para valorizar o preço. Era o nosso mais forte produto na pauta  de exportação. Representava 80% das exportações brasileiras. Afundaram o café e prejudicaram o produtor. Em compensação, o que recebeu aviso para afundar, fundou um dos maiores bancos do Brasil.

E as licenças de importação na época da guerra? Quem tinha esse privilégio? Os amigos dos homens da Cechin?

Quais foram as consequências para os que ganharam na bacia das almas autorizações para exploração de minerais, alguns de grande valor militar como o nióbio? Nenhuma.

E aqueles privilegiados com as cotas de exportação de aço? Pagaram  por seus privilégios? Não se tem notícia.

E as concessões na aviação que impediram nossa competitividade no setor e puniu e pune os consumidores até hoje? Elas vão bem e nelas não há quem ouse mexer.
 
Como também não se toca nas concessões das comunicações. A concentração de poder de alguns grupos é inimaginável em qualquer democracia avançada ou mesmo abaixo da Linha do Equador, e poderia ser considerada de muito privilégio.

Recentemente, essa interminável cadeia de privilégios manifestou-se na privatização de muitas empresas nacionais, seja na área de telefonia ou de mineração, caso da Vale. Em um caso, escaparam escutas telefônicas em que agentes do estado admitiam estar no limite da irresponsabilidade na condução do processo privatista. Em outro, vendeu-se um ativo de monumental riqueza do povo brasileiro pelo preço de um cacho de bananas em fim de feira.
 
E as operações de café com o nome de mulheres? O que aconteceu? 
Os crimes dos precatórios de Alagoas e Recife, o que aconteceu?
E a operação Banestado? Filhos, mãe de governadores, políticos, empresários que lavaram dinheiro. O que aconteceu? Não houve caducidade. Ainda há tempo de prender esses corruptos. 
O que se sucedeu com os autores destas manobras? Nada. Vivem hoje muito bem, estão ricos, entraram para o sistema financeiro, criaram consultorias pagas a preço de ouro e se divertem com seus cavalos de raça no exterior.
 
Nem D. João III teria ideia lá nos idos de 1534 de todos os males de seu ato. Monarca conhecido com "O Piedoso", qual seria a reação de D. João III se pudesse olhar através dos séculos os danos que sua política de concessões faria àquela longínqua e promissora colônia chamada Brasil? Imaginaria que até emenda para permitir uma reeleição seria comprada no Congresso? Claro que não.
 
Nem de longe haveria de lhe passar pela cabeça, que mais de cinco séculos depois, rentistas falidos seriam socorridos pelo estado num estranho programa chamado Proer, aquele que se não salvou bancos, salvou banqueiros.
 
Alguns, que deixaram seus correntistas em apuros e seus funcionários à míngua, estão à porta da felicidade e prestes a tomar do tesouro quantias na ordem de 5 bilhões de reais e com a ajuda de um operador político recentemente condenado. Gente sem qualquer piedade com o semelhante.

Passadores de cheques sem fundo com autoridade de poder ministerial em pleno governo de exceção.
Para ilustrar: um desses banqueiros era contumaz viajante à Europa. Na sede de sua empresa, servia-lhe um elevador particular. Que parava no dia em que se dirigia ao aeroporto e só voltava a funcionar no seu retorno. Não importa se neste período os outros ascensores quebrassem. Que os demais usassem a escada. Mais do que extravagância, pura arrogância e prepotência.
 
É na corrente desta miríade de falcatruas que o Brasil está chacoalhado, humilhado e avacalhado hoje pelo escândalo da Petrobras.
Empreiteiros que sempre praticaram ilicitudes ao longo de décadas e diferentes governos, são pilhados pela Justiça por uma sangria de bilhões de dólares dos cofres da maior estatal verde-amarela. Alguns flagrados até com simples anúncio de jornal.
Corromperam funcionários públicos, políticos de diversas agremiações e juram, despudoradamente, ter feito as obras dentro das regras e dos parâmetros legais. Quem quiser acreditar nisso, que acredite em qualquer coisa. Especialmente nos cínicos.
 
Destes empresários, sabe-se agora pelo noticiário, que um  tomou para si a tarefa de organizar o butim contra a Petrobras. Reunia os demais malfeitores e, sob sua liderança, combinava com os pares quem ficava com o "a mais" e em qual obra. A isso ele denominava de O Clube. Sim, talvez o "Clube dos Cafajestes", não aquele de boêmios, mas os cafajestes da contravenção.
 
Seriam mais de 10 bilhões ilegalmente desviados. Mas o congelamento de seus bens e empresas, pelas primeiras medidas judiciais, chegam a 720 milhões, nem um décimo do total desviado. Por que não bloquear também o patrimônio de suas empresas? No Aeroporto da Pampulha, alguns deles já estão transferindo suas aeronaves de milhões de dólares para outros laranjas. Donos de estádios de futebol, donos de companhias de comunicação, donos de estradas e de aeroportos. Aí, há justificativa porque debocham do superfaturamento, são avisados que vão ser presos, pegam as estradas sem serem molestados e fogem de seus aeroportos sem serem vistos.
Mas seja como for, nesta hora estão quase todos no Paraná, sem champanhe importada, carrões e poucas mudas de roupa.
Mas conta a lenda que mesmo na cela, o Clube continua a atuar e na última ata de reunião destes malfeitores, assinada por todos, cantarolavam o conhecido refrão:
"Oh Zum, zum, zum, zum... está faltando um". 
A esta altura o faltoso já perdeu o sono.
* Investidor e Analista de Investimentos 


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