quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Retrocesso conservador, Estado Mínimo e ¨desinformados¨, por Eduardo Fagnani

 aecio e fhc

 

Artigo do Brasil Debate

Por Eduardo Fagnani
(Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho e coordenador da rede  Plataforma Política Social) 
 A volta do Estado Mínimo é apenas um dos retrocessos previsíveis no projeto neoliberal e anti-desenvolvimentista de Aécio Neves. Não há nada mais velho e antissocial do que o enganoso “culto da austeridade”, remédio clássico seguido no Brasil dos anos de 1990 e aplicado na Europa desde 2008 com resultados catastróficos
Política econômica e política social são faces da mesma moeda. Não há como conciliar política econômica que concentre a renda e política social que promova a inclusão social.
O projeto de Aécio Neves é neoliberal, anti-desenvolvimentista e antissocial. Armínio Fraga (ministro da Fazenda de um eventual governo do PSDB) partilha da visão de que “a atual meta de inflação é muito alta”.
Prega a redução gradativa da meta atual (4,5% ao ano), Banco Central independente, gestão ortodoxa do “tripé macroeconômico”, forte ajuste fiscal, desregulação econômica, abertura comercial e câmbio flutuante.  Essa opção aprofundará as desigualdades sociais.
A redução da meta de inflação requer juros elevados (no governo FHC, atingiu mais de 40% ao ano). A primeira consequência é a recessão econômica, afetando a geração de emprego e a ampliação da renda do trabalho – a mais efetiva das políticas de inclusão social e redução da desigualdade.
O ajuste recessivo implícito ampliará o desemprego e inviabilizará o processo em curso de valorização gradual do salário mínimo, reduzindo a renda dos indivíduos, o que realimentará ciclo perverso da recessão.
A segunda consequência da alta dos juros é a explosão da dívida pública (como ocorreu nos anos de 1990, quando passou de 30% para 60% do PIB em apenas oito anos). Os gastos para pagar parte dos juros poderão retornar para patamares obscenos (chegou a 9% do PIB nos anos de 1990), exigindo ampliação do superávit primário, o que restringirá o gasto social, agravando o ajuste recessivo.
Essa receita clássica é incompatível com políticas sociais universais que garantam direitos de cidadania, cujo patamar de gastos limita o ajuste fiscal. Promessas de campanha não serão cumpridas e novas rodadas de reformas para suprimir esses direitos voltarão para o centro do debate. A única “política social” possível é a focalização nos “mais pobres”, cerne do Estado Mínimo.
Para essa corrente, o “desenvolvimento social” prescinde da geração de emprego, renda do trabalho, valorização do salário mínimo e políticas sociais universais. Sequer o crescimento da economia é necessário. Apenas políticas focalizadas são suficientes para alcançar o “bem-estar” social.
Essa suposta opção pelos pobres escamoteia o que, de fato, está por trás de objetivos tão nobres: políticas dessa natureza são funcionais para o ajuste macroeconômico ortodoxo. As almas caridosas do mercado reservam 0,5% do PIB para a promoção do “bem-estar”.
Para os adeptos do Estado Mínimo, ao Estado cabe somente cuidar da educação básica (“igualdade de oportunidades”) da população que se encontra “abaixo da linha de pobreza”, arbitrada pelos donos da riqueza. Os que “saíram da pobreza” devem buscar no mercado privado a provisão de bens e serviços de que necessitam.
Essa “estratégia única” abre as portas para a privatização e mercantilização dos serviços sociais. Não causa surpresa que um conhecido economista do PSDB defenda que a universidade pública deve ser paga.
A volta do Estado Mínimo é apenas um dos retrocessos facilmente previsíveis. Não há nada mais velho e antissocial do que o enganoso “culto da austeridade”, remédio clássico seguido no Brasil dos anos de 1990 e que está sendo aplicado na Europa desde 2008 com resultados catastróficos (na opinião de Paul Krugman, crítico insuspeito).
Tem razão o economista Ha-Joon Chang (Cambridge University) quando afirma que a “a crise financeira global de 2008 tem sido um lembrete brutal que não podemos deixar a nossa economia para economistas profissionais e outros tecnocratas.”
É bom lembrar aos mais jovens que Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central no segundo mandato de FHC, deixou o Brasil (2002) com inflação quase três vezes acima da meta (12,5%), juros Selic superiores a 23% ao ano, dívida líquida quase duas vezes maior que a atual (em proporção do PIB), vulnerabilidade externa preocupante (reservas cambiais equivalentes a cerca de 10% do patamar de 2014) e taxa de desemprego mais que o dobro da vigente.
Na primeira década do século 21, o Brasil logrou importantes progressos sociais. Os fatores determinantes para alcançar aqueles progressos foram o crescimento da economia e a melhor conjugação entre objetivos econômicos e sociais.
Após mais de duas décadas, o crescimento voltou a ter espaço na agenda macroeconômica, com consequências na impulsão do gasto social e do mercado de trabalho, bem como na potencialização dos efeitos redistributivos da Seguridade Social fruto da Constituição de 1988.
Essa melhor articulação de políticas econômicas e sociais contribuiu para a melhora dos indicadores de distribuição da renda do trabalho, mobilidade social, consumo das famílias e redução da miséria extrema.
De forma inédita, conciliou-se crescimento do PIB (e da renda per capita) com redução da desigualdade social. O Brasil saiu do Mapa da Fome e mais de 50 milhões de “desinformados” (na visão do ex-presidente FHC) deixaram a pobreza extrema.
Em suma, o que está em jogo é uma disputa entre: o retrocesso ou o aprofundamento das conquistas sociais recentes; a concentração da riqueza ou o enfrentamento das múltiplas faces da crônica questão social brasileira; os interesses dos gênios da política ou dos “desinformados”, historicamente deserdados.
Crédito da foto da página inicial: EBC

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