¨Tentativa canhestra e mal ensaiada de interferir no processo democrático, com uma edição antecipada para tentar solapar a soberania popular, exige que a presidente Dilma Rousself discuta a sério a democratização dos meios de comunicação em seu provável segundo mandato, argumenta Paulo Moreira Leite, do blog 247; ¨o golpe da semana só fará aumentar o número de cidadãos e de instituições convencidos de que a sobrevivência da democracia brasileira depende, entre outras coisas, que se cumpra a legislação que regula o funcionamento econômico da mídia¨, diz ele, atitude criminosa de Veja, a 48 horas de uma eleição, merece resposta institucional.¨
Numa tradição que confirma a hipocrisia das conversas de palanque
sobre alternância de poder, os escândalos eleitorais costumam ocorrer no país
sempre que uma candidatura identificada com os interesses da maioria dos
brasileiros ameaça ganhar uma eleição.
Não tivemos
“balas de prata” - nome que procura dar ares românticos a manobras que são
apenas sujas e vergonhosas - para impedir as duas eleições de Fernando Henrique
Cardoso nem a vitória de Fernando Collor. Mas tivemos tentativas de golpes
midiáticos na denúncia de uma ex-namorada de Lula em 1989; no terror financeiro
contra Lula em 2002; na divulgação ilegal de imagens de reais e dólares
clandestinos dos aloprados; e numa denúncia na véspera da votação, em 2010, para
tentar comprometer Dilma Rousseff com dossiês sobre adversários do governo.
Em outubro de
2014, quando a candidatura de Dilma Rousseff avança em direção às urnas com uma
vantagem acima da margem de erro nas pesquisas de intenção de voto,
'Veja' chega às bancas com uma acusação de última hora contra a presidente e
contra Lula.
O mais novo vazamento de
trechos dos múltiplos depoimentos do doleiro Alberto Yousseff expressa uma
tradição vergonhosa pela finalidade política, antidemocrática pela substância.
Não, meus amigos. Não se quer informar a população a partir de dados confiáveis.
Também não se quer contribuir com um único grama para se avançar no
esclarecimento de qualquer fato comprometedor na Petrobrás. Sequer o advogado de
Yousseff reconhece os termos do depoimento. Tampouco atesta sua veracidade sobre
a afirmação de que Lula e Dilma sabiam das “tenebrosas transações” que ocorriam
na empresa, o que está dito na capa da revista.
Para
você ter uma ideia do nível da barbaridade, basta saber que, logo no início,
admite-se que só muito mais tarde, através de uma investigação completa, que
ninguém sabe quando irá ocorrer, se irá ocorrer, nem quando irá terminar, “se
poderá ter certeza jurídica de que as pessoas acusadas são culpadas.”
Não é só. Também se admite que Yousseff “não apresentou
provas do que disse.”
Precisa mais? Tem mais.
Não se ouviu o outro lado com a atenção devida, nem se
considerou os argumentos contrários com o cuidado indispensável numa
investigação isenta.
O que se quer é corromper a
eleição, através de um escândalo sob encomenda, uma farsa óbvia e mal ensaiada.
Insinua o que não pode dizer, fala o que não pode demonstrar, afirma o que não
conferiu nem pode comprovar.
Só o mais descarado
interesse pelos serviços políticos-eleitorais que poderia prestar na campanha
presidencial permitiu a recuperação de um personagem como Alberto Yousseff.
Recapitulando: há uma década ele traiu um acordo de delação premiada numa
investigação sobre crimes financeiros, e jamais poderia ter sido levado a sério
em qualquer repartição policial, muito menos numa redação de jornalistas, antes
que cada uma de suas frases, cada parágrafo, cada palavra, fosse submetida a um
trabalho demorado de investigação. Até lá, deveria ser colocada sob suspeita.
Mas não. Um depoimento feito há 48 horas, contestado pelo advogado, por um
cidadão que não é conhecido por falar a verdade, virou capa de revista. Que
piada.
Isso ocorre porque vivemos num país onde, 30
anos depois do fim da ditadura militar, os inimigos do povo conquistaram direito
a impunidade. Esse é o dado real.
Sabemos, por
exemplo, que se houvesse interesse real para investigar e punir os casos de
corrupção seria possível começar pelo mensalão do PSDB-MG, pelo propinoduto do
metrô paulista, pela compra de votos da reeleição.
As
vítimas daquilo que se pode chamar de erros da imprensa, mesmo quando se trata
de fabricações, não merecem sequer direito de resposta — no caso mais recente, o
ministro Gilmar Mendes segurou uma sentença contra a mesma 'Veja' com base numa
decisão liminar. Olha só.
Num país onde as
instituições são respeitadas e os funcionários públicos cumprem deveres e
obrigações, a Polícia Federal não poderia deixar-se usar politicamente dessa
maneira, num comportamento que compromete os direitos de cada cidadão e ordem
republicana.
Diante da incapacidade absoluta de
enfrentar um debate político real, com propostas e projetos para o país, o que
se pretende é usar uma investigação policial para ganhar pelo tapetão aquilo que
não se consegue alcançar pelas urnas — o único caminho honesto para a defesa de
interesses num regime democrático. Num país onde a alternância no poder nunca
passou do revezamento entre legendas cosméticas, em 2014 os conservadores
brasileiros são obrigados a encarar o horizonte de sua quarta derrota eleitoral
consecutiva, a mais dolorosa entre todas. Depois de falar de alternância no
poder, talvez fosse o caso de falar em alternância de métodos, não é mesmo?
Imaginando que estavam diante de uma campanha próxima de
um passeio, com uma adversária enfraquecida e sem maiores talentos oratórias,
salvaram-se, por um triz, do vexame de ficar de fora do segundo turno.
A verdade é que não há salvação, numa democracia, fora
do voto. Toda vez que se procura interferir na vontade do eleitor através de
atalhos, o que se produz são situações de anormalidade democrática, onde o
prejudicado é o cidadão.
Essas distorções
oportunistas cobram um preço alto para a soberania popular. Não há almoço grátis
- também na política.
O exercício de superpoderes
políticos tem levado a Polícia Federal a se mobilizar para se transformar numa
força autônoma, que escolhe seu diretor-geral que não presta contas a ninguém a
não a ser a seus próprios quadros.
O melhor exemplo
de uma organização capaz de funcionar dessa maneira foi o FBI norte-americano,
nos tempos de John Edgar Hoover. Instalado durante longos 49 anos no comando da
organização, Hoover colecionava dossiês, fazia chantagens e perseguições a
políticos à direita e à esquerda. Agia por conta própria e também atendia
pedidos que tinha interesse em atender - mas recusava aqueles que não lhe
convinham. Era o chefe de uma pequena ditadura policial. Lembra de quem usava
essa palavra?
Da mesma forma, os golpes midiáticos só
podem ocorrer em países onde os meios de comunicação têm direito a atirar
primeiro para perguntar depois, atingindo cidadãos e autoridades que não tem
sequer o clássico direito de resposta para recompor as migalhas de uma reputação
destruída pela invencionice e falta de escrúpulos. Não custa lembrar. Graças a
um pedido de vistas providencial do ministro do STF Gilmar Mendes, 'Veja' deixou
de cumprir um direito de resposta em função da publicação de “fato sabidamente
inverídico.”
A imprensa erra e fabrica erros sem
risco algum, o que só estimula uma postura arrogância e desprezo pelos direitos
do eleitor. Imagine você que hoje, quando a própria revista admite que publicou
uma denúncia que não pode provar, é possível encontrar colunistas que já falam
em impeachment de Dilma. Está na cara que eles já perderam a esperança de eleger
Aécio.
Mas cabe respeitar o funcionamento da Justiça,
o prazo de investigações e tudo mais. Ou vamos assumir desde já que o golpe
midiático é golpe mesmo?
Com esse comportamento, a
mídia brasileira prepara o caminho de sua destruição na forma que existe hoje.
Como se não bastassem os números vergonhosos do Manchetômetro, que demonstram
uma postura parcial e tendenciosa, o golpe da semana só fará aumentar o número
de cidadãos e de instituições convencidos de que a sobrevivência da democracia
brasileira depende, entre outras coisas, que se cumpra a legislação que regula o
funcionamento da mídia. Está claro que este será um debate urgente a partir de
2015.
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