sexta-feira, 30 de maio de 2014

Europa e Brasil: o emprego e a urna


Por Saul Leblon, no siteCarta Maior:

Berço do Renascimento e das ideias libertárias, a Europa se transformou em um enorme depósito de desempregados.

Vinte e seis milhões de trabalhadores foram cuspidos do mercado de trabalho pelo arrocho neoliberal que se arrasta por seis anos.

Vinte e cinco por cento dos eleitores do continente responderam à desordem dando seus votos às ideias xenófobas, de extrema direita, eurocéticas e fascistas nas eleições deste domingo, na renovação do parlamento europeu.

O conservadorismo brasileiro faz olhar de paisagem.

A mídia trata o terremoto como um sismo em terras distantes.

Um assunto estranho a sua pauta.

Não é.

Os interesses que modularam o funeral do Estado Social europeu nas últimas décadas, e jogaram a pá de cal nesta crise, estão mais do que nunca atuantes na disputa presidencial em curso no Brasil.

O palanque conservador nomeia o arrocho fiscal, de consequências sabidas, como a principal alavanca corretiva para os gargalos da economia brasileira.

Trata-se de recuar o Estado para o mercado agir e a sociedade prosperar.

É a ‘contração expansiva’.

Bordão do discurso ortodoxo, ela resultou no estado de sítio econômico imposto à Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda etc

A semeadura foi colhida nas urnas de domingo.

A extrema direita capturou um em cada quatro votos depositados nas urnas.

Seu lema remete à legenda dos salvadores da pátria dos anos 30.

Suásticas de ilustrativa rigidez prometiam então substituir a desordem econômica alarmante por uma ordem policial atuante.

Nenhuma outra dimensão da luta política condensa de forma tão significativa o conflito de interesses subjacente às eleições brasileiras de 2014 quanto a pergunta:

- Que futuro os candidatos reservam ao emprego no país?

A economia brasileira terá que criar 6,7 milhões de vagas nos próximos cinco anos. Pouco mais de 1,2 milhão por ano, para responder ao aumento da população economicamente ativa.

O cálculo é da Organização Internacional do Trabalho, a OIT.

No ciclo de governos do PT (de 2003 a 2013), o Brasil criou cerca de 15,8 milhões de empregos.

Os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso deixaram um saldo de apenas 800 mil vagas na economia.

Assim: um corte de milhão de vagas no primeiro mandato e um acréscimo de 1,8 milhão de empregos nos quatro anos seguintes.

A criação média de empregos no Brasil sob a presidência do PSDB, portanto, foi de 100 mil postos por ano.

No ciclo de governos progressistas (2003/2013) foi de 1,5 milhão/ano.

Ao mês, o PT gerou mais vagas do que cada ano de mandato tucano.

As condições econômicas foram distintas, pode-se argumentar.

Sem dúvida.

Assim como é forçoso recordar: desde 2007/2008 o mundo mergulhou na maior crise do capitalismo dos últimos 80 anos.

O que teria sido do país se os sábios banqueiros do PSDB estivessem no comando da economia então?

Não estavam e 11 milhões de empregos foram criados no período: quase 1,6 milhão de vagas por ano.

Ignorar a lógica econômica que condicionou o resultado das eleições europeias é perturbador.

Os mercados festejaram.

As bolsas europeias subiram com força na segunda-feira e nesta terça, enquanto os números consolidados dimensionavam os talhos no futuro da democracia.

A Frente Nacional (FN), de extrema direita, passará a dispor de 24 cadeiras parlamentares, tendo alcançado cerca de 25% dos votos na França – 18 pontos acima do último pleito (leia a análise de Eduardo Febbro, de Paris; nesta pág.).

Na Inglaterra, o direitista Partido da Independência se tornou a bancada mais forte, ultrapassando o Partido Trabalhista de David Cameron.

Na Áustria, o Partido da Liberdade (FPÖ) conquistou 20,5% dos votos em todo o país.

Nos países escandinavos, as propostas da extrema direita abriram espaços inéditos no Parlamento de Estrasburgo, no qual 140 dos 751 assentos serão ocupados por deputados para os quais o ideário chauvinista e antissemita não é estranho.

O coletivo dos professores banqueiros do PSDB - e seu ativo retransmissor midiático - está longe de endossar o nacionalismo de uma Europa machucada pelo alto preço da subordinação a uma moeda manejada em benefício de Berlim, Bruxelas e da alta finança.

Mas as ideias econômicas que alimentam seus candidatos formam costelas do mesmo espinhaço a partir do qual ganharam vida própria os Le Pen, o Aurora Dourada, os Nigel Farage e assemelhados.

A saber:

a) o país vive uma pressão inflacionária decorrente do excesso de demanda;

b) este deriva do abusivo aumento do poder de compra dos trabalhadores, puxado pelo reajuste real de 60% do salário mínimo nos governos Lula/Dilma;

c) a renda das famílias cresce ininterruptamente há mais de 4 anos ;

d) sustenta o insustentável: a expansão da demanda interna - atendida, em mais de 20%, no caso de manufaturados, pelas importações;

e) a solução para o estresse macroeconômico, somatizado em alta de preços, passa por um tratamento de choque: alta dos juros, arrocho fiscal do Estado, desemprego e achatamento salarial.

A mídia cuida de dar a esse receituário um sentido de urgência, travestido na narrativa diuturna de um país aos cacos.

Ingredientes objetivos evocados no confronto político de uma época muitas vezes são idênticos dos dois lados da disputa.

O que distingue as margens do rio é menos a sua composição e mais a natureza determinante que se atribui a cada um dos elementos.

Resistir passa por identificar politicamente os fatores que podem diferenciar a qualidade social da transição para um novo ciclo.

Hoje, por exemplo:

- a inflação reflete pressões conjunturais de safra, mas também outras que vieram para ficar, decorrentes de uma mudança estrutural na economia;

- o setor de serviços (telefonia, saúde, energia, bancos etc.), que teve gordas fatias capturadas pelo capital estrangeiro (leia neste blog ‘Um tabu que sangra o Brasil’) elevou sua participação no PIB, de 63% para 68,5% nos últimos oito anos;

- a inflação dos serviços tem crescido acima de 8% ao mês (dois ou três pontos acima da média);

- combate-se isso com mais oferta, fiscalização e, sobretudo, regras de reinvestimento;

- nenhuma ‘abertura comercial’ do tipo ‘deixai o mercado agir por conta própria’ vai resolver: serviços são de difícil importação;

- tampouco a alta dos juros supera o impasse; na verdade, apenas agravará seu outro polo : o enfraquecimento do setor industrial;

- o recuo da industrialização vem de longe: em 1985 o setor fabril produzia 27% da riqueza agregada ao PIB brasileiro; em 1996 a fatia retrocederia oito pontos e mais quatro agora, situando-se em 14%;

- a desindustrialização pesada do ciclo tucano foi impulsionada justamente pela panaceia livre mercadista que se pretende reeditar: privatizações, câmbio desfavorável, juro alto e abertura comercial suicida.

Os governos do PT agiram sobre essa lógica parcialmente. E de forma lenta.

Manteve-se até 2008 a dupla turbina do juro alto e câmbio valorizado.

A política econômica dos últimos anos, no entanto, introduziu um redefinidor potente na equação.

Ele dificulta sobremaneira a aplicação da vacina ortodoxa novamente.

Os programas sociais, o salário recomposto e a forte geração de emprego elevaram o mercado de massa à inédita condição de ator principal do enredo econômico brasileiro.

A centralidade desse novo protagonista vincula o ajuste preconizado pelo conservadorismo a uma taxa de desemprego de teor inflamável equivalente à produzida pela troika na UE.

Tampouco, porém, a nova escala social cabe no figurino da infraestrutura e da logística existente.

Estudos de organismos do Banco Mundial, citados pelo jornal Valor esta semana, indicam que o estoque de infraestrutura existente no país equivale a 16% do PIB.

A média nos países desenvolvidos é de 71% do PIB.

O novo mercado de massa reúne 53% da população, que nos últimos 12 anos elevou, por exemplo, em 182% o número de passageiros nos aviões e fez crescer em 182,5% o trânsito nas rodovias.

Como superar esse descompasso no menor prazo de tempo possível é a pergunta que grita na equação política brasileira, sendo cada vez mais audível nas ruas.

O conservadorismo quer resolver o impasse cortando o mal pela raiz.

Devolvendo a pasta de dente ao tubo do desemprego e do arrocho saneador.

Foi a solução endossada pela socialdemocracia europeia com as consequências contabilizadas no último domingo.

Cabe ao campo progressista brasileiro aprofundar a lógica oposta, abraçada pela esquerda que emerge das cinzas da rendição socialdemocrata.

Ou seja, dar ao novo protagonista social o espaço democrático necessário para renovar a correlação de forças do desenvolvimento brasileiro.

A eleição de outubro deve servir a esse credenciamento.

O resto é arrocho.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

quarta-feira, 28 de maio de 2014

O “mercado” chora de barriga cheia, ganhando muito e detonando o Brasil


O caderno Mercado, da Folha, traz uma matéria que, em qualquer país, seria manchetão na primeira página. De todos os jornais. Aqui, não mereceu uma mísera chamadinha na capa de nenhum, nem mesmo da Folha, que deu a matéria.

bovespa


O cálculo é o seguinte. Tirando a Vale e a Petrobrás do páreo, as empresas brsileiras listadas na bolsa tiveram um desempenho extraordinário! O EBtida, que é o lucro antes dos impostos, disparou 25% no primeiro trimestre do ano, na comparação com o mesmo período de 2013. O lucro cresceu 20,7%.
Ora, ora!
Um país cujas empresas registram um crescimento tão incrível do lucro está mesmo vivendo uma crise profunda, não é?
É o fim do mundo!
Do Tijolaço:
As duas maiores empresas brasileiras têm um imenso potencial, que só os tolos podem desconhecer.
Mas também têm, no curto prazo, de atravessar um período de menos lucros sem parar de investir.
A Vale, por conta da queda da demanda – e do preço – do minério de ferro no mercado internacional, que caiu de 180 dólares por tonelada métrica, em abril de 2011, para 115 dólares, hoje.
A Petrobras porque tem um período de maturação da exploração das reservas do pré-sal que só agora começa a produzir numa escala mais significativa, embora esteja exigindo, há sete anos, um volume de investimentos que leva às alturas as despesas da companhia.
Mas e o resto das empresas brasileiras, que choram miséria e só fala em desaquecimento e pessimismo?
Hoje a Folha faz uma conta muito interessante.
Calcula o comportamento da bolsa sem o peso que representa a falta de apetite dos investidores nas duas grandes empresas, que não podem devolver – ou por queda nos preços ou por necessidade de investir – resultados gordos e rápidos.
E conclui que “o lucro somado das 62 companhias presentes no Ibovespa dispara quando as duas empresas são excluídas do cálculo”.
Elas tiveram um crescimento de 13, 3 % nas receitas e de 20,7% nos lucros.
Nada mau para uma país em que, segundo a imprensa, a economia “está se desmanchando”.
E choram, chiam, pedem isso e aquilo.
Qualquer um sabe que os problemas da Vale e da Petrobras são de curto prazo e, no médio e longo prazos serão de novo as “estrelas” do mercado.
Mas quem é que quer saber de médio e longo prazo no Brasil?
O “negócio” é apostar faminto nas tais “medidas impopulares” para o capital encher as burras e fazer as malas.
Do Tijolaço :

terça-feira, 27 de maio de 2014

Como o papa Francisco expôs a brutalidade do muro do “apartheid” de Israel




revistaforum.com.br:       

A prece do papa junto à muralha de separação jogou luz àquilo que veio a se tornar o símbolo da ocupação de Israel nas terras palestinas

Por Alex Kane, em Alternet | Tradução: Vinicius Gomes

Tudo o que bastou para tornar memorável a primeira visita do papa Francisco ao Oriente Médio foi uma prece. Enquanto o cortejo do papa estava atravessando Belém, ele fez uma parada inesperada.

O papa Francisco saiu do carro e andou pelas lajes de concreto que separam Belém de Jerusalém na Cisjordânia ocupada. Ele colocou sua cabeça contra a muralha, enquanto os soldados israelenses da ocupação observavam de cima. Foi então que as câmeras começaram a fotografar tudo. O papa rezou próximo a uma pichação que falava sobre a luta dos palestinos: “Papa, nós precisamos que alguém fale sobre justiça, Belém se parece com o gueto de Varsóvia”, lia-se na muralha.

Foi um gesto simples, mas extremamente simbólico que aconteceu durante a visita de três dias do papa na região. O pontífice orou na barreira que veio a se tornar o símbolo da ocupação de Israel em terras palestinas, que começou em 1967, após a Guerra dos Seis Dias. A construção da barreira de separação está entre as mais controversas ações que Israel tomou nos últimos 10 anos. Enquanto autoridades israelenses alegam que sua construção se deve à contenção de suicídios com bombas, os palestinos apontam que a barreira serpenteia através de suas terras: 85% da muralha de separação está localizada na Cisjordânia ocupada, impedindo a livre movimentação na região. Ela também cobre os maiores assentamentos ilegais, engolfando efetivamente as comunidades que ali vivem – violando leis internacionais.

O papa não disse nada sobre isso. De fato, não falou uma só palavra a respeito da barreira de separação, mas a foto dele rezando ali foi histórica e será a mais lembrada imagem de sua viagem. Ela chamou atenção para a muralha que, em 2004, foi considerada ilegal pela Corte Internacional de Justiça, dizendo que sua construção “impede severamente o exercício do povo palestino ao seu direito de autodeterminação, sendo assim, uma falha na obrigação de Israel a esse direito”; e, apesar de seu silêncio, muitos palestinos ficaram contentes pelo ato do papa de rezar junto à muralha: “Aquilo tem um enorme significado. Enorme”, disse a cristã palestina Belinda Shamma, ao correspondente da Times. “Ele está tentando dizer ao mundo que o que está acontecendo aos palestinos é injusto… Nós estamos morrendo por dentro”.
Os oficiais israelenses também entenderam o peso simbólico da prece do papa. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, escreveu em seu Twitter que ele “explicou ao papa que a construção da cerca de segurança salvou muitas outras vítimas que o terror palestino planejava realizar”.
O papa também realizou outros gestos históricos, como se tornar o primeiro pontífice a voar diretamente para dentro da Cisjordânia – ao invés de primeiro pousar em Israel – e se referir ao Estado da Palestina. “Existe uma necessidade de intensificar os esforços e iniciativas para o reconhecimento dos direitos de qualquer individuo e à segurança mútua”, disse ele – que, com sucesso, convidou tanto o presidente da Autoridade Palestina, Mahmouhd Abbas, e o presidente israelense, Shimon Peres, a se reunirem com ele no Vaticano; mesmo que pouco resultado concreto seja esperado dessa reunião.
Os gestos simbólicos do papa de apoio aos palestinos aconteceram durante a viagem onde ele também se encontrou com líderes israelenses – realizando inclusive uma visita ao túmulo de Theodor Herzi, o fundador do movimento político do Sionismo, que buscava mitigar o antissemitismo europeu ao criar um Estado judeu na Palestina, mas que também teve como consequência a expulsão de centenas de milhares de palestinos em 1948, quando Israel foi criado.
Além disso, o papa Francisco visitou junto de sobreviventes do Holocausto em Israel, em outra parada improvisada, o memorial para vítimas do terrorismo. Antes de embarcar em sua excursão na Cisjordânia e Israel, ele parou na Jordânia, onde se encontrou com oficiais e rezou uma missa no estádio de Amã para uma audiência que incluía refugiados cristãos da Síria, Iraque e Palestina.
Quanto à crise na Síria, o papa se encontrou com alguns refugiados que o interminável conflitou criou. Ele saudou a Jordânia por ter aceito cerca de 600 mil refugiados do país vizinho: “Eu rezo mais uma vez para que a razão prevaleça e que com a ajuda da comunidade internacional, a Síria irá redescobrir seu caminho para a paz”, disse o pontífice.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

O direito à saúde pede menos "diferenciação"



Supremo Tribunal Federal (STF) será palco hoje (26) de mais uma batalha entre direito à saúde garantido na Constituição e defensores da mercantilização
por Ana Luiza D`Àvila Viana e Davi Carvalho publicado 26/05/2014 Rede Brasil Atual
NELSON JR./SCO/STF
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STF será o palco de mais uma batalha entre visões antagônicas sobre a saúde no Brasil
O Supremo Tribunal Federal (STF) será palco hoje (26) de mais uma batalha entre os defensores do direito à saúde como garantido na Constituição Federal e aqueles que entendem que a saúde pode ser comercializada. Em audiência pública, os ministros do STF participarão do debate sobre um recurso apresentado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul. A instituição pede o estabelecimento de critério para internação hospitalar pelo sistema público, baseado na capacidade de pagamento por serviços de saúde.

Em primeira instância, a Justiça decidiu desfavoravelmente ao pleito do Conselho, que movera ação civil pública contra o município gaúcho de Canela, exigindo que adotasse o critério da “diferença de classe” para a internação hospitalar no município, com a finalidade de melhorar o tipo de acomodação do paciente e possibilidade de contratação de profissional de sua preferência mediante pagamento.

Duas questões são importantes na discussão da proposta de Internação Hospitalar com 'Diferença de Classe’ no Sistema Único de Saúde: a primeira é saber se a saúde é um bem negociável. A segunda é entender como essa iniciativa concorre para o aprofundamento das desigualdades sociais no padrão de assistência à saúde no país.

Para clarear as discussões, vamos recorrer a dois documentos referência no campo médico e sanitário: a Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), firmada em 12 de julho de 1946; e a Constituição Brasileira de 1988.
Segundo as duas, inspiradas pelos mesmos ideais, a saúde deve ser considerada um direito fundamental do homem, com a mesma posição de igualdade em relação ao direito à vida e a liberdade.
O processo de melhora do estado de saúde constitui um direito fundamental de qualquer ser humano, sem distinção de raça, religião, opinião política e de condição econômica e social. Segundo esse principio, em nenhum caso os determinantes econômicos podem limitar o direito fundamental da pessoa. Por isso, a assistência à saúde deve ser sempre um instrumento de concretização do direito ao acesso.

Mais igualdade

No Brasil, o restabelecimento do Estado democrático de direito, com o fim da ditadura civil- militar, não se encerra com a retomada das eleições livres e normalização da política partidária. Desde 1984, a sociedade luta pela solidificação e qualificação da democracia.
Para isso, criou uma série de normas e legislações que garanta o pleno acesso aos direitos humanos e concretizá-los como políticas públicas no Brasil, conformando um Estado Social.
O Estado Social se propõe a diminuir os impactos do mercado na criação voraz de desigualdades, o que somente a política e a criação de estruturas voltadas para o interesse coletivo podem fazer.
Por isso, o Estado Social olha o futuro, visando diminuir diferenças de partida (desde o nascimento), assegurando maiores chances para aqueles não portadores de ativos (na forma de renda, propriedades, capital social).
Inspirado nesse ideais, o movimento da reforma sanitária das décadas de 1970 e 1980 conquistou, junto aos constituintes, a criação do SUS, conforme o artigo 196 da Constituição de 1988:
"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".
A força e coragem expostas nesse parágrafo devem ser compreendidas como um grito da sociedade brasileira por mais cidadania. Foi e é um claro posicionamento do povo brasileiro em relação ao passado e, principalmente, ao futuro que se deseja. É, claramente, uma defesa política do acesso à saúde e ao bem estar como direito fundamental.

Em 1988, o desejo da sociedade foi escrito para nos fazer lembrar da relação entre democracia, direitos sociais universais e cidadania. Não foram deixadas dúvidas sobre o legítimo clamor por igualdade e justiça, que supera as clivagens de classe ou status. O anseio por um Estado que garanta políticas de bem-estar para todos é inquestionável.
A escolha foi pela construção de um país que ofereça um conjunto ilimitado de serviços para a a população. Em lugar de mínimos sociais, cabe ao Estado assegurar proteção ao longo de toda a vida. Logo, não se aceita reduzir direitos a “pacotes”. O Brasil quer cidadania plena.
Porém, a trajetória política do país se distanciou dessas insígnias, quando uma nova ordem conservadora quis reverter todas as conquistas do período de diminuição das desigualdades e de alargamento dos direitos sociais no mundo.
A desmercantilização do acesso (via SUS pela gratuidade ou via planos pela isenção fiscal ilimitada) convive hoje com acelerada mercantilização da oferta e com  estímulo crescente à capitalização e formação de grandes conglomerados oligopolistas que englobam serviços, finanças e indústria, via crédito subsidiado e outras políticas de fomento.
Essa coexistência têm efeitos negativos do ponto de vista da eficiência do sistema de saúde e da equidade, visto que perpetua as desigualdades no acesso, utilização e qualidade dos serviços entre as pessoas segundo a capacidade de pagamento e de usufruto da atenção disponível nos distintos segmentos.
Tende, ainda, a colocar os serviços públicos como complementar aos privados, nos casos de “clientes” que não interessam ao mercado (idosos, pessoas com doenças crônicas ou que requerem tratamentos de alto custo).
Por tudo isso, em 2014, a sociedade brasileira se une, representada por diferentes movimentos sociais, entidades ligadas à reforma sanitária, trabalhadores, estudantes, professores e pesquisadores da área da saúde. Todos contra qualquer tipo de distinção na atenção à saúde. Afinal, saúde não pode ser mercadoria.
Ao se estabelecer uma diferenciação no acesso a bens e serviços de saúde são feridos os princípios de universalidade e igualdade assegurados pela Constituição, que renuncia a garantir benefícios específicos a cidadãos de diferentes classes sociais.
Avançar nesse sentido, além de inconstitucional, é promover o retorno ao passado autoritário, desigual na essência e contra as políticas pró-cidadania que têm garantido conquistas importantes para a sociedade brasileira nas últimas décadas.
Ainda com o objetivo de qualificar nossa democracia é hora de assegurar todos os direitos universais, sem discriminação e diferenciação de classe para que consigamos evoluir a um padrão civilizatório digno dos melhores países do mundo desenvolvido.

Novo olhar

Não é mais possível reduzir saúde a questões pontuais, como infraestrutura, tecnologia ou contratação de profissionais. É fundamental refinar o olhar e perceber que saúde dialoga com acesso a moradia, saneamento, transporte, alimentação de qualidade e educação.
Não é mais possível fechar os olhos às relações entre meio ambiente e qualidade de vida.
Por isso, é ingênuo pensar que soluções para melhoria de serviços e gestão em saúde perpassam a adoção de práticas privadas em ambientes públicos. Cada vez mais, as discussões sobre direitos, democracia e desenvolvimento são transversais e integradas. O olhar setorial já não é considerado alternativa aos desafios atuais das áreas sociais.
A sociedade brasileira, cotidianamente, enfrenta questões que não nos permitem esquecer  nossa história de exclusão,desigualdade e injustiça. Vivemos um exercício diário e árduo de construção de uma verdadeira democracia, em detrimento da falta de oportunidades e direitos, e resíduos de um período em que brasileiros mais pobres e desprotegidos eram apenas seres à espera da cidadania. Não precisamos de mais diferenciação. Nossa sociedade necessita de mais igualdade.

Ana Luiza D'Àvila Viana é professora do Departamento de Medicina Preventiva/Faculdade de Medicina (USP) e membro da rede Plataforma Política Social. 
Davi Carvalho é jornalista, especializado em economia e política social, membro da rede Plataforma Política Social.




sábado, 24 de maio de 2014

ONU: Brasil já cumpriu dois objetivos do Milênio

Brasil cumpre meta da ONU e reduz mortalidade infantil, fome e miséria


A meta de reduzir a mortalidade infantil em dois terços em relação aos níveis de 1990 até 2015 foi cumprida em 2011, quatro anos antes do prazo

O Brasil atingiu a meta assumida no compromisso "Objetivos de Desenvolvimento do Milênio" de reduzir em dois terços os indicadores de mortalidade de crianças de até cinco anos. O índice, que era de 53,7 mortes por mil nascidos vivos em 1990, passou para 17,7 em 2011. Os números integram o 5º Relatório Nacional de Acompanhamento, divulgado nesta sexta-feira (23), em Brasília, pelo governo.

A meta foi atingida antes do prazo estipulado, 2015. O Brasil cumpriu integralmente dois dos oito Objetivos do Milênio (ODM) das Nações Unidas (ONU) com anos de antecedência

O número de mortes de crianças com até cinco anos caiu no Brasil, aponta relatório divulgado nesta sexta-feira (23/5) pela presidente Dilma Rousseff. Segundo o documento que acompanha os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio firmado com a ONU, o país atingiu a meta de diminuir em dois terços a mortalidade infantil, antes da data esperada.

Os dados do relatório mostram que a incidência de mortes de crianças com menos de cinco anos passou de 53,7 óbitos por mil nascidos vivos em 1990, para 17,7 em 2011. Segundo o tratado, o Brasil deveria cumprir a meta depois que fossem avaliados os dados de 2015, daqui a quatro anos.
O relatório detalha que a queda da incidência de mortalidade foi mais intensa na faixa etária de um a quatro anos. Agora, o problema acontece, em especial, no período neonatal, que são os primeiros 27 dias de vida. O Nordeste também acompanhou o decréscimo, aponta o documento. Na região, a taxa de mortalidade na infância caiu de 87,3, em 1990, para 20,7 óbitos por mil nascidos vivos, em 2011.

Responsável pela produção do documento, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) informou que a conquista da meta tem a ver com a melhoria do acesso à água e saneamento básico. Em 1990, apenas 70% da população tinha acesso à água e 53%, moravam em residências com ligação à rede coletora de esgoto ou com fossa séptica. Em 2012, as porcentagens aumentaram para, respectivamente, 58,5% e 77%.

Mortalidade na infância
O relatório preparado pelo governo mostra que a queda mais significativa registrada na mortalidade na infância ocorreu na faixa entre um e quatro anos de idade. Atualmente, o problema está concentrado sobretudo nos primeiros 27 dias de vida do bebê, o período neonatal. Embora o documento ressalte que o Brasil conseguiu cumprir a meta à frente de uma série de países, o texto admite que o nível de mortalidade até os cinco anos ainda é elevado. A desigualdade regional sofreu uma redução, no entanto, Norte e Nordeste ainda apresentam taxas superiores a 20 óbitos de crianças com menos de cinco anos por mil nascidos vivos. Na região Sul, são 13 por mil nascidos vivos.

Acesso à água
O relatório também ressalta o alcance integral da meta de reduzir à metade o porcentual da população sem acesso a saneamento. A meta foi atingida em 2012. De acordo com o trabalho, em 1990 53% da população vivia em moradias com rede coletora de esgoto ou com fossa séptica. Em 2012, o porcentual subiu para 77%. O acesso à água também melhorou nesse intervalo, de 70% para 85,5%.

Pobreza extrema
A meta brasileira para essa área é mais ambiciosa que a mundial. O compromisso era reduzir a pobreza extrema a um quarto do nível de 1990 até 2015. De acordo com o relatório, em 2012, o nível da pobreza extrema era menos de um sétimo do nível de 1990. Pelos cálculos do governo, 3,6% da população vive com menos de R$ 70 mensais.

De acordo com o trabalho, a pobreza extrema entre idosos está praticamente erradicada, graças à inclusão em programas sociais e à política de valorização real do salário mínimo. A desigualdade racial persiste, embora em menor grau. Em 2012, a probabilidade da extrema pobreza entre negros era o dobro da verificada na população branca. Um em cada 20 negros era extremamente pobre. Entre brancos, o risco é de um entre 46.

Educação primária
Em 2012, 23,2% dos jovens de 15 a 24 anos não haviam completado o ensino fundamental. Embora o porcentual ainda seja expressivo, o relatório argumenta que os números brasileiros já foram muito piores. Em 1990, 66,4% dos jovens não haviam completado os anos de estudo. O porcentual de crianças de 7 a 14 anos frequentando o ensino fundamental passou de 81,2% para 97,7%. Informações da Agência Brasil