José Carvalho de Noronha faz um balanço dos 25 anos do SUS
Revista Manguinhos | Cristiane d’Avila
Sistema Único de Saúde (SUS) é um copo meio cheio ou meio vazio, como corretamente ilustrou uma recente edição da revista Radis? Tomado por essa inquietação, o médico sanitarista, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica (Icict/Fiocruz), professor, ex-secretário de Saúde do Estado do Rio de Janeiro e diretor do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), José Carvalho de Noronha faz um balanço dos 25 anos do SUS. Propagador do movimento Saúde+10, que defende a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país para o SUS, ele lembra que se o Estado brasileiro mantivesse em 2013 o mesmo percentual proposto para a saúde pela Constituição de 1988, o SUS teria neste ano um orçamento de aproximadamente R$ 195 bilhões. Entretanto, a dotação do Ministério da Saúde é de cerca de R$ 84 bilhões.
A seguir, a entrevista com José Noronha.
O senhor é parte da história do SUS. Pode rememorá-la em linhas gerais?
O pensamento crítico que gerou a reforma sanitária e, consequentemente, o SUS, deriva de quatro vertentes intelectuais: os movimentos democráticos contra a ditadura militar, que contaminaram a sociedade e os profissionais de saúde em geral; a coalizão das forças políticas derrubadas com João Goulart; a concepção da multidisciplinaridade como proposta para mudar o futuro, tanto entre os profissionais de saúde como entre educadores e intelectuais em geral; e o surgimento de núcleos na saúde pública imbuídos dos conceitos da medicina social, provenientes principalmente de pensadores latino-americanos, que bebiam nas fontes dos pensamentos reformistas sanitários da Revolução Francesa e das revoluções liberais da Europa no século 19.
Operou-se nesse período uma mudança conceitual no estudo da saúde no país?
Sim, pois havia, no campo específico da saúde pública, tensões imbuídas do entendimento da doença como decorrência de um processo social e econômico, que iam de encontro à ideia da doença como endemia, como ausência de higiene. Começa a emergir então a concepção da saúde como construção coletiva. Essa é a matriz dos intelectuais da Reforma Sanitária. Essa matriz traduziu-se num conjunto de diretrizes políticas, consubstanciadas no documento Democratização e saúde, do Cebes, elaborado em sua versão inicial por três pesquisadores da medicina social, Hesio Cordeiro, José Luis Fiori e Reinaldo Guimarães. O Cebes então lançou esse documento para uma ampla discussão na sociedade.
Findo esse processo, Sergio Arouca, então presidente do Cebes, o apresenta no primeiro grande marco da Reforma Sanitária, que é o 1º Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, organizado pela Câmara dos Deputados em 1979, ano em que também é criada a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Em que contexto foi elaborada a Constituição de 1988?
Quando começam a ganhar força os movimentos de bairro, principalmente das periferias de Salvador, do Rio e de São Paulo, muitos vinculados aos movimentos eclesiais de base e à Teologia da Libertação, e se coloca a questão da urbanização e da assistência à saúde naquelas periferias, cria-se uma agenda de lutas, e a Reforma Sanitária passa a ser compreendida como parte do processo de mudança da sociedade brasileira. Com a derrota da campanha das Diretas Já na coalizão de partidos que comporá a Aliança Democrática e o governo Tancredo Neves, caberá à esquerda a gestão do Ministério da Previdência e de parte do Ministério da Saúde. Em 1986 ocorre a 8ª Conferência Nacional de Saúde, fruto dos movimentos intelectuais, de lideranças municipalistas e comunitárias, apoiada por segmentos importantes da coalizão, o que coroa o processo do chamado Movimento da Reforma Sanitária. Dois anos depois tem lugar a Assembleia Nacional Constituinte.
Além de importantes avanços em um conjunto de direitos políticos e sociais, um aspecto importante da Constituição promulgada é a separação da ordem social do capítulo da ordem econômica, com desta que para a introdução de uma visão inovadora e integradora da proteção social que é a Seguridade Social. Esta define as ações articuladas de previdência, saúde e assistência social como papel central do Estado.
Para a saúde, o artigo 196 transforma-se num desiderato a ser recitado como um mantra que sintetiza todo esse debate, estabelecendo a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido por políticas sociais e econômicas que reduzam o risco de adoecimento e pelo acesso universal e igualitário a ações e serviços de saúde.
Em que momento se inicia a privatização da saúde, algo tão criticado hoje?
A saúde nunca deixou de ser privada. A Constituição de 1988 estabeleceu que todas as ações e serviços de saúde são de interesse público, mas deixa a iniciativa privada livre para atuar mediante a disciplinarização dessas atividades. O artigo 196 é normativo, pois institui um direito e permite, portanto, a construção e a integração de um processo governamental, não inibindo a privatização. Ela está presente, até hoje, no modelo assistencial, na contratação de hospitais, laboratórios e clínicas pelo próprio SUS para atenção à saúde. A privatização que impõe mais danos ao financiamento é a liberdade total da iniciativa privada que nasce no ABC paulista, com os planos e seguros de saúde, que se disseminam. Naquele momento, quando se lança a Constituição, vários segmentos, inclusive fundações públicas, criam seus planos próprios, por fora do SUS, competindo com os recursos públicos, que são finitos.
Os governos de então fortaleceram esse processo?
Com a eleição de Fernando Collor, há um subfinanciamento setorial que vai pôr o SUS em crise, os hospitais que servem ao SUS entram em decadência e a rede hospitalar começa a ser sucateada. Se, por um lado, esse subfinanciamento amplia a atenção básica e a base política, ele acarretará o aumento da demanda pelos planos de saúde. Ou seja, quando se tem o mesmo recurso, se amplia a atenção básica para uma camada excluída e se universaliza a atenção, deixa-se de fora uma parcela da população que, a partir dos anos 90, vai recorrer aos planos e seguros privados. Com a avalanche neoliberal fortalecida por Fernando Henrique Cardoso e os arranjos das privatizações, esse processo ganha um impulso enorme.
Essa nova privatização não era aquela combatida nos anos 70, que criticava a contratação de hospitais e clínicas particulares para prestação de serviços ao SUS. A privatização que aprofunda a iniquidade do sistema de saúde brasileiro ocorre no momento em que 50 milhões de brasileiros recorrem aos planos privados, que são subsidiados por renúncia fiscal ou por transferência aos preços de produtos e mercadorias. O apogeu dessa serpente é a criação da Agência Nacional de Saúde (ANS), no final do governo FH, enaltecida como defesa do consumidor, mas que não regula todo o setor e acaba fortalecendo o mercado dos planos de saúde. É essa privatização que corrói os recursos do SUS.
Há mais de cinco anos que a receita bruta dos planos de assistência médico-hospitalar e odontológica é maior que a do Ministério da Saúde.
É possível então afirmar que o SUS foi vitimado por políticas de governo, que desvirtuaram sua missão?
Sou um médico sanitarista formado em medicina social, portanto olho a história como ela é, e tenho dificuldade de dissociar política de estado e política de governo. Eu olho a reforma sanitária como um processo histórico. A presença do Estado brasileiro na política de saúde começa com Oswaldo Cruz e, sobretudo, com o governo Vargas.
Nossos parques assistenciais têm 500 anos de história, as Santas Casas surgiram no século 16, eu vejo tudo isso como um movimento histórico. Estado é infraestrutura e governo são as ações dos agentes políticos em determinado período.
O senhor é um dos organizadores do livro A saúde no Brasil em 2030: diretrizes para a prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro, fruto do projeto Saúde Brasil 2030, conduzido pela Fiocruz. Como se pode utilizar uma ferramenta de gestão, de prospecção estratégica, na saúde?
Temos que usar essa ferramenta para sabermos onde intervir. Como a Fiocruz é uma agência estratégica de Estado, há essa preocupação de se olhar para o futuro. A Escola Nacional de Saúde Pública é um símbolo da preocupação da Fundação, desde Sergio Arouca, com esse olhar prospectivo. Em função disso, assinamos um convênio com a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para trazermos para a Fiocruz esses estudos prospectivos no campo das políticas de saúde. Estamos trabalhando com aspectos que, a partir da análise das mudanças de nosso perfil demográfico e epidemiológico e das tendências das políticas sociais e econômicas em curso em um horizonte de 20 anos, permitam avaliar o que estamos fazendo hoje e se a ação presente nos aproxima ou afasta de um futuro mais desejável e viável.
Como o estudo está sendo conduzido?
Partimos de um horizonte inercial em que operam várias restrições. Se elas continuam em operação e não adotamos nenhum sistema de controle, o que vai acontecer com o sistema de saúde brasileiro em 20 anos? Precisamos saber o quanto essas condições podem se degradar e saber se esse limite pode ser superado, para que tenhamos o artigo 196 cada vez mais cumprido.
Essa metodologia dá condições de se “prever” um futuro?
Não é futurologia. Trabalhamos junto com as propostas de desenvolvimento elaboradas pelo Ipea em 2010 e nos inspiramos em duas referências: uma de Gramsci, em que pensamos o presente, um horizonte de possibilidades, associandoo a uma vontade de realizar um futuro possível; e o paradigma desenvolvimentista de Celso Furtado, baseado em padrões macroeconômicos que permitam a construção de uma sociedade mais justa, que nos dão ferramentas para pensar nosso cenário nos próximos 20 anos.
Avaliamos também o financiamento do SUS com a atual base fiscal. Mesmo com as renúncias fiscais, pensamos nas possibilidades de existirem margens fiscais plausíveis de serem exploradas, ou seja, que impostos podemos criar ou restaurar, se podemos taxar grandes fortunas, se é possível limitar a dedução do Imposto de Renda de pessoa física para contribuição dos planos, com efeito na educação. Portanto, é preciso avaliar a capacidade de financiamento do SUS, considerando o papel da saúde também como elemento motor de uma política de desenvolvimento.
É possível fazer um balanço positivo do SUS?
Acho que, apesar de estarmos sofrendo pressões muito fortes no sentido de aumentar a iniquidade da oferta de serviços de saúde, avançamos muito nestes 25 anos do SUS.
Temos um Programa de Saúde da Família com cobertura bastante ampliada, que aumentou o acesso aos serviços de saúde. Pelo próprio efeito dessas políticas de saúde, no momento em que aumento a qualidade de vida, aumentam as demandas pelos serviços de saúde. Erradicamos a poliomielite, o sarampo e a rubéola, conseguimos enfrentar a epidemia de H1N1 sem maiores danos, temos um sistema de vigilância epidemiológica extremamente potente. Além disso, temos o segundo maior programa de transplante público do mundo, o programa de Aids, o programa antitabagista. Hoje não temos mais a figura do indigente. Há muito que se comemorar nestes 25 anos, mas precisamos avançar de maneira a garantir plenamente o que reza o artigo 196 da Constituição.
Revista Manguinhos | Cristiane d’Avila
Sistema Único de Saúde (SUS) é um copo meio cheio ou meio vazio, como corretamente ilustrou uma recente edição da revista Radis? Tomado por essa inquietação, o médico sanitarista, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica (Icict/Fiocruz), professor, ex-secretário de Saúde do Estado do Rio de Janeiro e diretor do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), José Carvalho de Noronha faz um balanço dos 25 anos do SUS. Propagador do movimento Saúde+10, que defende a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país para o SUS, ele lembra que se o Estado brasileiro mantivesse em 2013 o mesmo percentual proposto para a saúde pela Constituição de 1988, o SUS teria neste ano um orçamento de aproximadamente R$ 195 bilhões. Entretanto, a dotação do Ministério da Saúde é de cerca de R$ 84 bilhões.
A seguir, a entrevista com José Noronha.
O senhor é parte da história do SUS. Pode rememorá-la em linhas gerais?
O pensamento crítico que gerou a reforma sanitária e, consequentemente, o SUS, deriva de quatro vertentes intelectuais: os movimentos democráticos contra a ditadura militar, que contaminaram a sociedade e os profissionais de saúde em geral; a coalizão das forças políticas derrubadas com João Goulart; a concepção da multidisciplinaridade como proposta para mudar o futuro, tanto entre os profissionais de saúde como entre educadores e intelectuais em geral; e o surgimento de núcleos na saúde pública imbuídos dos conceitos da medicina social, provenientes principalmente de pensadores latino-americanos, que bebiam nas fontes dos pensamentos reformistas sanitários da Revolução Francesa e das revoluções liberais da Europa no século 19.
Operou-se nesse período uma mudança conceitual no estudo da saúde no país?
Sim, pois havia, no campo específico da saúde pública, tensões imbuídas do entendimento da doença como decorrência de um processo social e econômico, que iam de encontro à ideia da doença como endemia, como ausência de higiene. Começa a emergir então a concepção da saúde como construção coletiva. Essa é a matriz dos intelectuais da Reforma Sanitária. Essa matriz traduziu-se num conjunto de diretrizes políticas, consubstanciadas no documento Democratização e saúde, do Cebes, elaborado em sua versão inicial por três pesquisadores da medicina social, Hesio Cordeiro, José Luis Fiori e Reinaldo Guimarães. O Cebes então lançou esse documento para uma ampla discussão na sociedade.
Findo esse processo, Sergio Arouca, então presidente do Cebes, o apresenta no primeiro grande marco da Reforma Sanitária, que é o 1º Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, organizado pela Câmara dos Deputados em 1979, ano em que também é criada a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Em que contexto foi elaborada a Constituição de 1988?
Quando começam a ganhar força os movimentos de bairro, principalmente das periferias de Salvador, do Rio e de São Paulo, muitos vinculados aos movimentos eclesiais de base e à Teologia da Libertação, e se coloca a questão da urbanização e da assistência à saúde naquelas periferias, cria-se uma agenda de lutas, e a Reforma Sanitária passa a ser compreendida como parte do processo de mudança da sociedade brasileira. Com a derrota da campanha das Diretas Já na coalizão de partidos que comporá a Aliança Democrática e o governo Tancredo Neves, caberá à esquerda a gestão do Ministério da Previdência e de parte do Ministério da Saúde. Em 1986 ocorre a 8ª Conferência Nacional de Saúde, fruto dos movimentos intelectuais, de lideranças municipalistas e comunitárias, apoiada por segmentos importantes da coalizão, o que coroa o processo do chamado Movimento da Reforma Sanitária. Dois anos depois tem lugar a Assembleia Nacional Constituinte.
Além de importantes avanços em um conjunto de direitos políticos e sociais, um aspecto importante da Constituição promulgada é a separação da ordem social do capítulo da ordem econômica, com desta que para a introdução de uma visão inovadora e integradora da proteção social que é a Seguridade Social. Esta define as ações articuladas de previdência, saúde e assistência social como papel central do Estado.
Para a saúde, o artigo 196 transforma-se num desiderato a ser recitado como um mantra que sintetiza todo esse debate, estabelecendo a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido por políticas sociais e econômicas que reduzam o risco de adoecimento e pelo acesso universal e igualitário a ações e serviços de saúde.
Em que momento se inicia a privatização da saúde, algo tão criticado hoje?
A saúde nunca deixou de ser privada. A Constituição de 1988 estabeleceu que todas as ações e serviços de saúde são de interesse público, mas deixa a iniciativa privada livre para atuar mediante a disciplinarização dessas atividades. O artigo 196 é normativo, pois institui um direito e permite, portanto, a construção e a integração de um processo governamental, não inibindo a privatização. Ela está presente, até hoje, no modelo assistencial, na contratação de hospitais, laboratórios e clínicas pelo próprio SUS para atenção à saúde. A privatização que impõe mais danos ao financiamento é a liberdade total da iniciativa privada que nasce no ABC paulista, com os planos e seguros de saúde, que se disseminam. Naquele momento, quando se lança a Constituição, vários segmentos, inclusive fundações públicas, criam seus planos próprios, por fora do SUS, competindo com os recursos públicos, que são finitos.
Os governos de então fortaleceram esse processo?
Com a eleição de Fernando Collor, há um subfinanciamento setorial que vai pôr o SUS em crise, os hospitais que servem ao SUS entram em decadência e a rede hospitalar começa a ser sucateada. Se, por um lado, esse subfinanciamento amplia a atenção básica e a base política, ele acarretará o aumento da demanda pelos planos de saúde. Ou seja, quando se tem o mesmo recurso, se amplia a atenção básica para uma camada excluída e se universaliza a atenção, deixa-se de fora uma parcela da população que, a partir dos anos 90, vai recorrer aos planos e seguros privados. Com a avalanche neoliberal fortalecida por Fernando Henrique Cardoso e os arranjos das privatizações, esse processo ganha um impulso enorme.
Essa nova privatização não era aquela combatida nos anos 70, que criticava a contratação de hospitais e clínicas particulares para prestação de serviços ao SUS. A privatização que aprofunda a iniquidade do sistema de saúde brasileiro ocorre no momento em que 50 milhões de brasileiros recorrem aos planos privados, que são subsidiados por renúncia fiscal ou por transferência aos preços de produtos e mercadorias. O apogeu dessa serpente é a criação da Agência Nacional de Saúde (ANS), no final do governo FH, enaltecida como defesa do consumidor, mas que não regula todo o setor e acaba fortalecendo o mercado dos planos de saúde. É essa privatização que corrói os recursos do SUS.
Há mais de cinco anos que a receita bruta dos planos de assistência médico-hospitalar e odontológica é maior que a do Ministério da Saúde.
É possível então afirmar que o SUS foi vitimado por políticas de governo, que desvirtuaram sua missão?
Sou um médico sanitarista formado em medicina social, portanto olho a história como ela é, e tenho dificuldade de dissociar política de estado e política de governo. Eu olho a reforma sanitária como um processo histórico. A presença do Estado brasileiro na política de saúde começa com Oswaldo Cruz e, sobretudo, com o governo Vargas.
Nossos parques assistenciais têm 500 anos de história, as Santas Casas surgiram no século 16, eu vejo tudo isso como um movimento histórico. Estado é infraestrutura e governo são as ações dos agentes políticos em determinado período.
O senhor é um dos organizadores do livro A saúde no Brasil em 2030: diretrizes para a prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro, fruto do projeto Saúde Brasil 2030, conduzido pela Fiocruz. Como se pode utilizar uma ferramenta de gestão, de prospecção estratégica, na saúde?
Temos que usar essa ferramenta para sabermos onde intervir. Como a Fiocruz é uma agência estratégica de Estado, há essa preocupação de se olhar para o futuro. A Escola Nacional de Saúde Pública é um símbolo da preocupação da Fundação, desde Sergio Arouca, com esse olhar prospectivo. Em função disso, assinamos um convênio com a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para trazermos para a Fiocruz esses estudos prospectivos no campo das políticas de saúde. Estamos trabalhando com aspectos que, a partir da análise das mudanças de nosso perfil demográfico e epidemiológico e das tendências das políticas sociais e econômicas em curso em um horizonte de 20 anos, permitam avaliar o que estamos fazendo hoje e se a ação presente nos aproxima ou afasta de um futuro mais desejável e viável.
Como o estudo está sendo conduzido?
Partimos de um horizonte inercial em que operam várias restrições. Se elas continuam em operação e não adotamos nenhum sistema de controle, o que vai acontecer com o sistema de saúde brasileiro em 20 anos? Precisamos saber o quanto essas condições podem se degradar e saber se esse limite pode ser superado, para que tenhamos o artigo 196 cada vez mais cumprido.
Essa metodologia dá condições de se “prever” um futuro?
Não é futurologia. Trabalhamos junto com as propostas de desenvolvimento elaboradas pelo Ipea em 2010 e nos inspiramos em duas referências: uma de Gramsci, em que pensamos o presente, um horizonte de possibilidades, associandoo a uma vontade de realizar um futuro possível; e o paradigma desenvolvimentista de Celso Furtado, baseado em padrões macroeconômicos que permitam a construção de uma sociedade mais justa, que nos dão ferramentas para pensar nosso cenário nos próximos 20 anos.
Avaliamos também o financiamento do SUS com a atual base fiscal. Mesmo com as renúncias fiscais, pensamos nas possibilidades de existirem margens fiscais plausíveis de serem exploradas, ou seja, que impostos podemos criar ou restaurar, se podemos taxar grandes fortunas, se é possível limitar a dedução do Imposto de Renda de pessoa física para contribuição dos planos, com efeito na educação. Portanto, é preciso avaliar a capacidade de financiamento do SUS, considerando o papel da saúde também como elemento motor de uma política de desenvolvimento.
É possível fazer um balanço positivo do SUS?
Acho que, apesar de estarmos sofrendo pressões muito fortes no sentido de aumentar a iniquidade da oferta de serviços de saúde, avançamos muito nestes 25 anos do SUS.
Temos um Programa de Saúde da Família com cobertura bastante ampliada, que aumentou o acesso aos serviços de saúde. Pelo próprio efeito dessas políticas de saúde, no momento em que aumento a qualidade de vida, aumentam as demandas pelos serviços de saúde. Erradicamos a poliomielite, o sarampo e a rubéola, conseguimos enfrentar a epidemia de H1N1 sem maiores danos, temos um sistema de vigilância epidemiológica extremamente potente. Além disso, temos o segundo maior programa de transplante público do mundo, o programa de Aids, o programa antitabagista. Hoje não temos mais a figura do indigente. Há muito que se comemorar nestes 25 anos, mas precisamos avançar de maneira a garantir plenamente o que reza o artigo 196 da Constituição.
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