sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Frei relata disputa de poder por diamantes no Zimbábue

Preso no Zimbábue, frei brasileiro relata disputa de poder por diamantes

Franciscano Rodrigo Péret teve que deixar país rapidamente às vésperas de golpe militar

O Globo
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Frei Rodrigo Péret atua a nível internacional para proteger comunidades que vivem da mineração - Reprodução/Facebook
RIO e UBERLÂNDIA — O frei franciscano brasileiro Rodrigo Péret viveu dias de tensão no Zimbábue às vésperas do golpe militar que, nesta semana, forçou o presidente Robert Mugabe a abandonar o poder e confinar-se na sua mansão na capital, Harare. Numa missão com mais dois brasileiros e outros 19 ativistas de sete países em favor das comunidades pobres que vivem da mineração no país africano, foi preso ao participar de um encontro com as famílias vítimas de remoções forçadas e um brutal massacre em 2008. Foi levado a uma cela precária e apertada, sob a acusação de ter entrado numa área de acesso restrito, mas sem explicações claras das autoridades, que controlam rigidamente a garimpagem de diamantes, um setor altamente lucrativo e exploratório em grande parte do território nacional, com forte influência chinesa.

Membro da Comissão Pastoral da Terra de Uberlândia, o frei atua ativamente a nível internacional pelos direitos das comunidades que vivem em zonas de garimpo. Seu trabalho é estudar os impactos dessa atividade nas populações locais, discutindo modelos comunitários e artesanais que possam surgir como alternativa à grande mineração. Chegou no dia 8 de novembro ao Zimbábue, país extremamente rico em pedras preciosas, numa missão ambiental da rede Diálogos dos Povos. Mas a visita de fato só durou dois dias: os ativistas foram presos durante um encontro com cerca de 2 mil membros da comunidade Mukwada, na região de Marange, onde se concentram campos de garimpo muito ricos em diamantes.

Em 27 de outubro de 2008, cerca de 1,3 mil famílias desta área, que trabalhavam em atividades de mineração artesanal, começaram a ser brutalmente removidas por forças do Exército, das Forças Armadas da Inteligência de Harare, na Operação Sem Retorno. Com nome bastante expressivo, a ação tornou-se um massacre que marcou a História regional. Foram 214 mortos em três semanas de brutalidade. O trabalho forçado, as remoções em massa e os abusos sexuais eram violações registradas diariamente. Segundo organizações internacionais, como a Human Rights Watch, as mulheres relatavam sofrer tratamentos altamente degradantes pela polícia. Elas eram obrigadas, por exemplo, a se despirem completamente, para que agentes homens inserissem os dedos nas suas genitálias, supostamente à procura de diamantes escondidos.

O grande objetivo da Operação Sem Retorno era destruir a resistência dos mineiros artesanais que ali viviam, considerados ilegais pelas autoridades, para proteger os interesses de exploração da Anjin Investiments e da Jinan Mining, subsidiárias da companhia chinesa Anhui Foreign Economic Construction Company (AFECC). Hoje em dia, no entanto, quem controla cerca de 50% do setor na região é o próprio governo do Zimbábue, através da Zimbabwe Consolidate Diamondbacks Company (em português, Companhia Consolidada de Diamantes do Zimbábue). A legislação nacional coloca nas mãos do presidente o comando sobre toda a atividade mineradora, enquanto o conceito de propriedade privada não existe para as comunidades.

E as relações entre China e Zimbábue são antigas. Durante a guerra contra o governo da Rodésia, dominado por brancos, o então líder rebelde Mugabe voltou-se para Pequim para obter apoio ao grupo militante da União Nacional Africana. Pequim e Harare estabeleceram formalmente relações diplomáticas no dia da independência do Zimbábue, 18 de abril de 1980. À medida que o isolamento internacional do africano cresceu ao longo dos anos, ele buscou ainda mais a ajuda chinesa.Em 2003, o Zimbábue buscava novos parceiros internacionais depois que as relações com a Europa foram dificultadas. A China logo dominou a nova política. Entre 2010 e 2015, o país asiático concedeu ao Zimbábue mais de 1 bilhão de dólares em empréstimos a juros baixos, e o governo retribuiu a ajuda ao tornar o yuan chinês sua moeda oficial.

No encontro com os ativistas da missão do frei Péret, em que o massacre de 2008 era relembrado com pesar pelo seu oitavo aniversário, chegaram autoridades para reprimir o evento comunitário. Com ele, estavam os também brasileiros Maria Julia Gomes Andrade e Jarbas Vieira, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), além de ativistas de países como Quênia, Uganda, África do Sul e Zâmbia.

— A mineração cria áreas de sacrifício. E, no Zimbábue, o país é praticamente todo uma grande área de sacrifício. Em Marange, eles reivindicavam o mínimo: o diálogo com o governo para que fosse criado um fundo comunitário para infra-estrututra básica. As indenizações individuais nem passam pela cabeças deles, porque existe uma perspectiva de vida comunal. Eles só querem energia, água, escola e um posto de saúde — diz o frei, relatando o encontro de que participou, interrompida por agentes de segurança: — Chegou a polícia da imigração, tentou atrapalhar a cerimônia e nos pediram os passaportes, que estavam regulares e com vistos de negócios. Então, a Inteligência de Mugabe assumiu, e fomos presos sem saber o motivo. Quando chegamos a Harare, soubemos que o nosso crime era ter ultrapassado um lugar restrito. Mas não estávamos nas áreas de extração de diamante. É uma área habitada, com uma aldeia de 6 mil pessoas.

DECLARAÇÃO DE CULPA




Presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, compareceu a formatura universitária em momento de incerteza política após intervenção militar - Ben Curtis / AP
Depois de os 22 ativistas e os seus dois motoristas zimbabuanos passarem uma noite no cárcere em Harare — numa cela altamente precária, escura e cheia de homens entre 19 e 25 anos —, os membros da missão conseguiram ser libertados com a ajuda da embaixada brasileira e de advogados em favor dos direitos humanos. Numa audiência em tribunal, tiveram que se declarar culpados, para acelerar sua libertação e, em seguida, saída do Zimbábue. Cada um pagou US$ 100, por decisão do juíz. No entanto, os ativistas souberam que ainda estavam na mira da Inteligência, que queria prendê-los assim que saíssem da corte. Às pressas, conseguiram deixar o país em segurança.

A rápida saída veio quando o Zimbábue estava prestes a entrar numa grave crise política, em que os militares forçaram Mubage a deixar o poder e confinar-se na sua mansão residencial. Por dias, não houve confirmação oficial de onde estavam ele e sua esposa, a poderosa primeira-dama Grace Mugabe. 

Até esta sexta-feira, o ditador apenas fez uma aparição pública, mas não está clara qual a sua situação política ou o seu futuro próximo. Segundo Péret, o clima no país durante sua estadia era pacífico, mas já rondavam diversos rumores sobre a iminente queda do presidente e especulações sobre as eleições gerais convocadas para 2018.

— Com tanta riqueza mineral e um governo autoritário, que controla a extração porque a própria legislação permite que tudo fique sob a tutela do presidente, a gente entende melhor o que acontece neste momento. Há, por trás, uma série de outros interesses, porque é muita riqueza. Por isso, é muito importante entender os impactos dessa atividade, que provoca conflitos na África inteira — explica.

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