Por vício de disputa partidária, a maioria dos comentários críticos sobre a realidade política tupiniquim, nesta quadra da vida do país, se destina ao campo institucional. A gritaria maior – com razão – foi direcionada nas últimas horas à nomeação do novo ministro do STF.
Contudo, gostaria de sugerir que esta não é a novidade mais perigosa do mundo político nacional. O perigo está rondando como o espectro invertido percebido por Marx e em virtude da concessão radical que parte da esquerda fez à direita, parece existir uma cortina de fumaça que dificulta a visão da tempestade que se forma (pode ser apenas ameaça de chuva, mas o tempo revelará o seu verdadeiro destino).
Cito a nova direita.
A nova direita é jovem e de classe média universitária. O mais importante é que rouba as bandeiras e formato da esquerda mais festiva para se inserir num campo que parece jovial (na forma), mas cujo conteúdo é no mínimo confuso, diversionista, mas que numa análise mais apurada, revela valores de direita.
Comecemos por esta “novidade” do concurso público para assessoria de gabinete de vereadores. Surgiu pelas mãos do vereador eleito para a Câmara de Rio Branco Emerson Jarude (PSL). O incrível é que foi recém copiada por duas vereadoras do PSOL de Belo Horizonte. Aqui, cabe um destaque. A justifica de PSL e PSOL é exatamente a mesma, sem nenhuma mudança de conteúdo e com frases mimeticamente exatas. Pensemos um pouco. Um mandato parlamentar é uma representação da vontade do eleitor. Na nossa tradição política, denomina-se de “representação delegada”, ou seja, está estritamente vinculada à vontade do mandante que votou. Neste caso, a composição da assessoria parlamentar é um direito político concedido pelo voto. Trata-se, portanto, não de um serviço público vinculado à uma carreira, mas a um desejo político do eleitor. Ao instalar um concurso público, o voto vai para o espaço e o eleito passa a possibilitar o ingresso de quem não pensa como o eleitor, apenas porque teria “currículo” técnico adequado a algum valor que não é o político. O que sugere que o eleito não tem um mandato popular. Caso contrário, seria difícil acreditar que não haveria entre seus apoiadores e eleitores alguém que não fosse advogado ou motorista (cargos em disputa pelo concurso anunciado). Em suma, há uma imensa confusão – para dizer o menos provável – em relação ao que significa o mandato parlamentar. Tentar fugir do clientelismo para cair neste empresariamento da política é afundar de vez a democracia que duramente construímos neste país. Pior: é dar à direita um presente de Natal antecipado e desideologizar a disputa de projetos. Algo que caminha para sugerir o fim dos cargos comissionados, um direito político secular, íntimo da lógica democrática (que, aliás, não é fruto de abuso no Brasil, pelo contrário, significando 16% do total de cargos públicos do país).
Em seguida, surge uma direita que utiliza as bandeiras históricas da luta por direitos civis em nosso país. Uma direita que edulcora tais bandeiras. Em relação às bandeiras anti-racistas, se esgueira por aí o tal empreendedorismo, como se fosse um direito que não é realizado no Brasil porque os negros não se organizaram para tanto. O esvaziamento da análise sobre os motivos para os negros serem os mais presos em nosso país, não conseguirem chegar em número significativo ao ensino médio, se tornarem os que mais repetem nas escolas, os que sofrem mais com atendimento médico ou os salários mais baixos é de uma desfaçatez desconcertante. Um “mundo rosa” parece surgir no horizonte, bastando fazer negócios em favelas e periferias sofridas. É uma nova roupagem para o velho discurso ultraliberal: a culpa do desemprego é do desempregado que não se preparou e não teve garra para se empregar ou criar seu próprio negócio. Por aí, o discurso ideológico (no sentido clássico de inverter o mundo real a partir de uma fantasia discursiva) tenta capturar incautos que serão os consumidores dos produtos vendidos pelos autores deste “boa nova”. Algo parecido com a Teologia da Prosperidade ou mera coincidência?
No que diz respeito à luta feminista, se insinua um discurso raivoso, anti-humanista, que coloca no sexo oposto o erro da natureza e a origem da opressão às mulheres. O discurso assexuado só vence barreiras e inebria a inteligência básica porque exagera na forma. Tantas grosserias e violência verbal assustam, intimidam e dificultam o diálogo. Alguns, menos atentos, caem nesta rede de adrenalina e pouca massa cinzenta.
Finalmente, os Militantes Pokemon. Trata-se de uma juventude que sente-se realizada pelo número de curtidas. Alguns, tentam se passar por uma esquerda nova, taça de vinho na mão ou chapéu Panamá com fita de cetim. Fazem gracejos e disparam sua metralhadora giratória para, na quantidade, sugerir alguma qualidade. Os discursos são vazios, pouco fundamentados historicamente ou conceitualmente. Não interessa a verdade, mas a ilação. Ameaçam sem ter um pingo de força real. Não aparecem em reuniões nas periferias ou comunidades rurais. Estão sempre nos gabinetes fechados ou à frente de seu computador ou iphone. Esta é sua “militância social”. Algo que se assemelha em muito ao colunismo social que calunia de lado e ameaça se assemelhando à chantagem. Poucos fazem história ou são lembrados como alguém que contribuiu para a espécie. Mas conseguem mais que os 15 minutos de fama detectados por Andy Warhol.
Aí está a nova direita. Uma direita de grife, sem grandes pretensões para além das curtidas nas redes sociais, mas que se aproveita da fama instantânea para se apropriar de lutas populares históricas. O mais interessante é que sentem a necessidade de se aproximarem da lógica da esquerda para transmuta-la. O que revela fragilidade conceitual e teórica. Não vai muito além da esquina. O que sabem fazer é pastiche. E como sabem.
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