Nota do Cebes sobre o atual momento brasileiro
O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES, manifesta indignação, repúdio e profunda preocupação com o ataque à democracia e a erosão das instituições republicanas, geradas pela enraizada promiscuidade entre as elites econômicas e agentes dos altos escalões do Estado. Se mesmo após a restauração do regime democrático as relações entre o Executivo e o Legislativo continuavam sendo afetadas por esta promiscuidade, hoje o processo Lava Jato tornou mais que evidente que as instituições guardiões do Estado de Direito e da Democracia, a Justiça e o Ministério Público, também não escapam da promiscuidade.
A corrupção é endêmica no capitalismo a despeito do discurso das virtudes da livre concorrência, mas no Brasil ela é potencializada por um sistema eleitoral que favorece a associação de interesses econômicos e políticos e o saque aos recursos públicos como retribuição dos financiamentos de campanhas. A falta de transparência na gestão das empresas estatais e no manejo dos fundo públicos é o outro elemento que impede o controle social e facilita a corrupção.
O assalto a Petrobras por um conluio espúrio entre grandes empresas brasileiras e estrangeiras e políticos, foi favorecido pelo decreto no. 2745 baixado em 1998 por FHC. que desobriga a empresa de seguir a Lei das Licitações, substituindo-a pelo Procedimento Licitatório Simplificado que permite uma simples licitação por convite. A não aprovação da Política Nacional de Participação pelo Congresso também contribuiu para a falta de transparência na gestão dos recursos públicos.
As operações em andamento contra a corrupção público-privado com participação do Ministério Público e Polícia Federal são necessárias e devem ser aprofundadas. Devem atingir com os mesmos pesos e medidas todo o leque partidário e dos governos pós ditadura militar. Entretanto, a ação destas instituições está sendo atravessada pela pressão da grande mídia que no passado apoiou ostensivamente a ditadura militar e nunca esteve ao lado dos que lutavam por democracia, liberdades e direitos.
Sob o pretexto de defender a lei, desrespeitam a lei. O STF violou a Constituição ao liberar a execução de pena de prisão após condenação em segundo grau, a deleção premiada virou um instrumento de barganha para manipular o acusado, e cidadãos são intimidados e sujeitados a prisões preventivas, em operações vazadas para a grande mídia. Há uma evidente seletividade das operações para determinados partidos e mandatários que deixa descobertas as demais fontes que igualmente erodem o Estado de Direito e a Democracia. Enquanto a operação lava jato continuou com todo vapor, processos e denuncias que envolvem mandatários do governo federal anterior ou mesmo de governos estaduais do PSDB desaparecem do mapa.
A ruptura com o estado de direito adquiriu uma expressão clara quando no dia 4 de março pp. o ex-presidente Luiz Inácio da Silva foi conduzido sob coerção para depor, não tendo recebido sequer uma intimação prévia. Agora esse processo chegou ao cumulo pelo pedido de prisão preventiva do ex-presidente pelo Ministério Público de São Paulo sob os pífios e despropositados argumentos de “conveniência da instrução” alegando que o ex-presidente se vale de sua condição para se colocar “acima ou à margem da lei”. Diante de um quadro de agravamento das tensões por medidas arbitrárias , até mesmo, a grande mídia considerou este pedido “tresloucado e midiático”.
A grande batalha contra a corrupção apela aos sentimentos moralistas e religiosas de grandes segmentos da população e fomenta a já grande despolitização. Assim, passa despercebida a disputa incessante entre dois grandes projetos que nem sempre seguem as linhas partidárias : de um lado a ação devastadora do capital financeiro promovendo um vertiginoso crescimento das desigualdades e da concentração de riqueza e de outro, a tentativa contra-hegemônica de construir um projeto que implique em uma nova ordem mundial, inclusiva e solidária que contribua para a redução das desigualdades, a promoção da paz e a garantia dos direitos sociais e individuais da cidadania. No Brasil esta disputa desfavoreceu reformas estruturais e recrudesceu a partir de 2015 quando o impacto da crise econômico e financeiro mundial, inicialmente temperado por medidas de incentivos à economia, produziu seus cruéis efeitos .
Enquanto parcelas da população vão para as ruas atribuindo toda e qualquer forma de corrupção ao Partido dos Trabalhadores, sem se pautar em qualquer projeto político, o projeto neoliberal avança: a entrega do pré-sal às multinacionais petrolíferas, cortes em direitos sociais essenciais, como a saúde e uma nova reforma da previdência social em detrimento da população trabalhadora. Por fim, a criminalização o dos movimentos sociais através de uma “Lei Antiterrorismo” apresentada como condição o para a segurança nacional. Salta agora aos olhos, para que serve um discurso de combate à corrupção.
Aliado a todos os movimentos sociais e cidadãos que procuram o desenvolvimento de um Brasil justo e inclusivo, o CEBES conclama para a defesa do Estado Democrático de Direito com vigência plena de direitos individuais e sociais. Exigimos que o Poder Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público cumpram a Constituição, sem condenações prévias, linchamentos éticos e morais e destruição de reputações e sem que todo o trâmite jurídico institucional democrático seja cumprido.
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