segunda-feira, 21 de abril de 2014

A ¨tempestade perfeita¨ da imprensa

Por Luciano Martins Costa
Do Observatório da Imprensa: 

(ilustração: altamiroborges.blogspot.com.br)
Objetivo deste time: induzir um clima constante de pessimismo

O jornal Valor Econômico publicou em manchete, no dia 07 de abril, reportagem relatando como especuladores perderam dinheiro ao apostar em um desastre na economia brasileira. “Os ventos do mercado mudaram de direção, a tempestade perfeita não veio, e isso reduziu bastante os ganhos de quem apostou na alta do dólar e na queda das ações”, dizem os autores do texto. Na manhã do dia 08, analistas já registraram que a frustração provocou um desvio da manada de investidores, das carteiras de maior risco para opções mais conservadoras.

O episódio revela como uma parte do movimento financeiro se processa no campo da irracionalidade, onde o chamado wishful thinking, expressão que pode ser traduzida por “autoengano” ou “autosugestão”, substitui frequentemente os indicadores formais da economia.

Mas o mais grave é constatar que esse autoengano é frequentemente provocado pela imprensa hegemônica, com a publicação seguida de manchetes negativas que induzem um grande número de pessoas a um clima de pessimismo. Alguns entendem que podem ganhar dinheiro com uma crise, mas a realidade acaba desmentindo os profetas do apocalipse, e está pronta a receita para o prejuízo.

No caso presente, a expressão “tempestade perfeita” vem sendo repetida por jornais e revistas desde o final do ano passado. Ela apareceu pela primeira vez, associada a críticas à política econômica do governo, numa análise do economista e ex-ministro Delfim Netto, publicada no Estado de S. Paulo no dia 13 de novembro de 2013.

Seu alerta era condicionado a medidas que, segundo ele, deveriam ser tomadas pelo governo para controlar as contas externas, o câmbio e os gastos públicos. No entanto, a previsão foi tomada pela imprensa como muito provável e, curiosamente, um dos primeiros veículos a enxergar a tormenta que não havia foi o Valor, em artigo de um de seus editores executivos, publicado no mesmo dia (ver aqui). Em seguida, a revista Exame, da Editora Abril (ver aqui), elevou a profecia ao grau de catástrofe inevitável.

Muitos investidores passaram, então, a valorizar as nuvens escuras.

Mudança dos ventos
O Valor Econômico voltou atrás ao produzir o caderno especial “Cenários 2014”, no mês seguinte, desmentindo seu editor executivo (ver síntese aqui). No entanto, os três jornais genéricos de circulação nacional – Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo – seguiram anunciando o apocalipse.

Até que se produziu a conjunção sonhada pelos especuladores: o anúncio do rebaixamento do Brasil por parte da agência de avaliação de risco Standard & Poor’s, o escândalo da Petrobras e, finalmente, a pesquisa Datafolha sobre intenção de voto, que supostamente iria marcar a queda das chances de reeleição da presidente Dilma Rousseff. Mas aconteceu que os ventos econômicos mudaram de direção, afastando as nuvens negras e o cenário eleitoral na verdade mostra que a atual presidente pode ser reeleita no primeiro turno.

Foto: Alguma preocupação com a ética? Em melhorar a Petrobras? Que nada...é só política. Álvaro Dias deixa clara a estratégia em entrevista ao Blog do Noblat.

Reprodução, no 247:
http://goo.gl/e7ngcd

Também no Globo (bloqueado):
http://goo.gl/gR4Q0e

A situação econômica ainda é de instabilidade, contexto que deve perdurar ao longo do ano, em parte sob influência da disputa eleitoral. O que a imprensa não diz é que uma parcela significativa dessa instabilidade é provocada pela própria imprensa.

Façamos, por exemplo, uma varredura no noticiário de terça-feira (8/4): pelos mesmos jornais que seguem apostando em manchetes negativas, o leitor fica sabendo, em reportagens com menor destaque, que houve uma “enxurrada” de capital estrangeiro no Brasil no mês de março. O BNDES já captou no primeiro trimestre um total de recursos superior ao previsto para todo o ano de 2014, em condições consideradas excelentes, o que demonstra a credibilidade dos títulos brasileiros. Nas notas curtas, pode-se ler uma lista de investimentos de empresas multinacionais, entre eles a criação de uma fábrica de grandes motores da Rolls-Royce no Rio de Janeiro.

Agora, vejamos como a imprensa produz no público opiniões equivocadas. Meio escondida nas edições digitais dos jornais, pode-se garimpar um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( IPEA) anunciando que a Copa do Mundo pode render R$ 30 bilhões ao Produto Interno Bruto em 2014, criando 48 mil empregos só no setor de turismo.

E qual é a percepção que o noticiário sobre o mesmo assunto induz no público? Pesquisa Datafolha publicada com destaque na terça-feira afirma que 55% dos brasileiros acreditam que a Copa vai trazer prejuízos.

É assim que funciona.

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