Manchetômetro: o dia em que os jornais quiseram esconder Lula e o papa Francisco
Em ações coincidentes, Folha, Estadão e O Globo deram espaço reduzido a fatos relevantes envolvendo figuras de notória popularidade no Brasil e no mundo
por Rede Brasil Atual
REPRODUÇÃO/LE MONDE/FOLHA
Lula, capa na França, some dos jornais brasileiros e crítica do papa à mídia é retratada como "confusão" pela Folha
São Paulo – Pesquisadores do Manchetômetro – observatório dos meios de comunicação do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj – publicaram artigo nesta quarta-feira (6) com uma análise do comportamento dos três principais jornais do país – Folha, Estadão e O Globo –, que trataram de esconder dos seus leitores fatos com "óbvio potencial noticioso" envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o papa Francisco.
No dia 17 de maio, o Le Monde, maior jornal francês, publicou carta assinada por Lula na qual o ex-presidente explicita os motivos de sua candidatura e denuncia "campanha sistemática" de difamação promovida pelos principais meios de comunicação contra ele e o PT.
No mesmo dia, em missa realizada no Vaticano, o papa Francisco criticou intrigas promovidas pela mídia e ações da Justiça que culminam em golpes de Estado, sem tratar de um caso específico.
Para o Manchetômetro, além de serem figuras "de inconteste popularidade", os eventos relacionados a Lula e ao papa são "sensíveis" para a mídia brasileira por razões objetivas: "o primeiro por dar a Lula um espaço bem diverso daquele que a grande imprensa nacional lhe vem dando, e o segundo, por ser uma crítica frontal à própria atuação da mídia". Ainda assim, O texto de Lula e a mensagem do papa foram praticamente ignorados pelos jornais brasileiros.
"A despeito deste importante jornal francês ser frequentemente citado na mídia brasileira, o texto de Lula, outro personagem onipresente nas páginas de nossa imprensa, foi praticamente ignorado", apontam os pesquisadores Juliana Gagliardi e João Feres Junior.
Já sobre as declarações do líder da Igreja Católica, a Folha online publicou matéria e ilustrou com uma foto do pontífice com o rosto encoberto pela sua roupa erguida pelo vento. "A imagem sugere confusão ou mesmo vergonha, e tem o claro intuito de desqualificar os argumentos de Francisco", anotam os integrantes do Manchetômetro.
Dias antes, O Globo havia "conferido grande autoridade" ao Le Monde, com matéria na qual o ex-editor do jornal francês anunciava riscos à liberdade de informação. Em 2014, o portal G1– também pertencente à Globo – dava matéria com o título "Papa tem rosto coberto após vento forte no Vaticano".
Os pesquisadores destacam a contradição. "Ainda que o papa Francisco seja um personagem de absoluta relevância, a ponto do vento em sua roupa ter merecido espaço anos antes no portal G1, O Globo não fez nenhuma menção à homilia do dia 17 e a sua crítica à mídia."
Ao final, os pesquisadores do Manchetômetro criticam os critérios jornalísticos adotados pelos para atribuir ou sonegar valor noticioso a fatos determinados, e a maneira articulada com que os principais jornais fazem isso. Eles dizem que, no Brasil, ações desse tipo são ainda mais graves devido ao nível de concentração da imprensa, e defendem a necessidade da democratização dos meios de comunicação.
"Vemos aqui duas evidências claras de agendamento, ou seja, da prática de escolher, de acordo com interesses corporativos ou políticos, as matérias que são e as que não são publicadas, mesmo quando seu potencial noticioso seja óbvio. Do ponto de vista da saúde do debate público em nosso pais o problema é mais grave, contudo."
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