O documento confidencial da CIA (Serviço de Inteligência dos Estados Unidos) é uma comprovação bastante forte que a tortura e a execução, a política de terrorismo de estado, era realmente autorizada pelo mais alto escalão, não era simplesmente um exagero da 'turma do porão', como eles chamam os agentes da repressão. São provas importantes de que realmente havia uma política de Estado de exterminação.
De acordo com o documento, Geisel autorizou a manutenção da “política de execuções sumárias” de Médici. Cabia a Figueiredo, então chefe do SNI, decidir se um preso pelos órgãos de repressão era "perigoso" e deveria morrer.
Leia o artigo de Tereza Cruvinel sobre o tema:
Jornal do Brasil
Verdade e Memória
Tereza Cruvinel
Quem viveu a ditadura sempre esperou pela confirmação desta verdade, a de que a cúpula do regime, inclusive os generais-presidente, conheciam e autorizavam os crimes hediondos cometidos pelo aparato repressivo. Ela vem neste documento secreto do Departamento de Estado dos EUA, revelado pelo jornalista e pesquisador Matias Spektor, e explica muitos aspectos da transição brasileira, inclusive o fato de a anistia aprovada em 1979 ter sido recíproca, vale dizer, ter vedado a punição dos responsáveis por torturas, desaparecimentos e assassinatos. Do contrário, não só torturadores, mas também ex-presidentes poderiam ser presos e punidos, como aconteceu na Argentina com o sanguinário Videla.
O documento que Spektor chamou de “perturbador” ilumina a História mas deve servir também ao nosso presente tumultuado, em que jovens nascidos na democracia pedem a volta dos militares por não saberem o que foi a ditadura. Em que uma extrema-direita sai do armário espalhando ódio e praticando violências, toleradas e naturalizadas como consequência da polarização política, como se viessem de dois polos, e não apenas do extremo intolerante. Falo dos tiros contra a caravana de Lula e contra seus apoiadores acampados em Curitiba, onde um delegado federal histérico também destruiu estes dias o equipamento de som. Há um assanhamento político perigoso nos quartéis, um general pretende disputar a presidência e mais de 60 serão candidatos a cargos legislativos. Observando as regras democráticas, eles podem participar do processo político, mas não pregando golpes. O problemas do Brasil são muitos e não são fáceis, mas se não forem resolvidos na democracia, na ditadura é que não serão.
O documento revela que o ex-presidente Geisel, logo depois de empossado, foi informado sobre a “política” de execuções que já havia eliminado 104 “subversivos e terroristas”. Depois de uma reflexão ele comunicou a seus generais que ela deveria prosseguir mas que “grandes precauções deveriam ser tomadas para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados”. O CIE (órgão repressivo do Exército) informaria de cada prisão o chefe do SNI, general Figueiredo, que autorizaria a execução. Este relato faz esfarelar certa historiografia que tenta redimir Geisel, apresentando-o como artífice de uma abertura que tinha como meta a democratização.
“O objetivo da abertura de Geisel era a sobrevivência do regime, não a democracia. Em seu governo o regime continuou matando, e já não havia luta armada nem “subversivos perigosos”, diz o ex-deputado Nilmário Miranda, ex-membro da Comissão de Anistia e secretário de Direitos Humanos no governo Lula. Em seu governo, 11 membros do Comitê Central e outros tantos militantes do PCB foram executados, e o “partidão” não havia pegado em armas. Apostava na luta institucional, atuando dentro do MDB. O PCB precisava ser contido para não se tornar um partido forte e influente na abertura. Entre os assassinados, David Capistrano e Walter Ribeiro, esquartejados na Casa da Morte, em Petrópolis. Por fim, morreram sob tortura o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manuel Fiel Filho.
Sob Geisel aconteceu também, em 1976, a Chacina da Lapa, na qual foram executados os dirigentes do PC do B Pedro Pomar e Ângelo Arroyo, quatro anos depois do extermínio dos guerrilheiros do Araguaia. Outros militantes foram presos no local e levados ao porão de tortura, onde um deles, João Batista Drummond, não resistiu e morreu.
Geisel seguiu com a abertura, garantindo sobrevida ao regime que matava. Seu sucessor Figueiredo impôs, em 1979, uma anistia restrita e recíproca. O projeto da oposição foi derrotado por oito votos. Em 2010, julgando ação da OAB pela revisão da lei, que permitiria o julgamento de torturadores e assassinos, o STF disse não.
Em boa hora vem este documento com sua verdade, quando pesquisas mostram a perda de apreço pela democracia e o flerte com soluções autoritárias.
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