Partidos de esquerda se unem contra avanço do ódio e da intolerância
Para legendas, após a morte de Marielle e a prisão de ex-presidente Lula, escalada autoritária que começou com o golpe do impeachment ganhou novo impulso
por Redação Rede Brasil Atual
RENATO COSTA/FRAMEPHOTO/FOLHAPRESS
"Marielle Vive, Lula Livre" foi o lema que resumiu a união dos partidos de esquerda em frente democrática
São Paulo – Lideranças dos principais partidos da esquerda brasileira – PT, PCdoB, PSB, PDT, Psol, PCO e PCB – lançaram nesta quarta-feira (18), em Brasília, uma frente ampla que pretende articular esforços para garantir a realização de eleições livres no país, deter a destruição da soberania nacional e de direitos promovida pelo governo Temer e combater a escalada autoritária e de violência na política, que culminou com o assassinato da vereadora Marielle Franco e na prisão arbitrária do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Eles também lançaram o Manifesto pela Democracia, Soberania Nacional e Direitos do Povo Brasileiro, que demarca os "dias sombrios" vividos atualmente, com a disseminação ódio e da intolerância nas redes sociais, estimulados pelos grandes grupos de comunicação.
"O assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, foi o episódio mais dramático dessa espiral de violência, embora não tenha sido o único. O atentado contra a caravana do ex-presidente Lula, no Paraná, por seu evidente caráter miliciano; e sua posterior prisão, para a qual contribuíram diferentes operadores de direito que priorizaram clamores orquestrados por parte da opinião publicada, relativizando direitos constitucionais que lhe assistem, são fatos gravíssimos", diz um trecho do manifesto, que foi lido pelo ex-ministro Gilberto Carvalho.
Segundo a presidenta do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), a união dos partidos de esquerda representa um "marco histórico" na política. Ela também iniciou o seu discurso ressaltando que o ex-presidente é um preso político, e sua prisão é resultado da atual desestruturação da democracia. "Lula simboliza a resistência e a luta de um povo que nunca teve seus direitos olhados pela elite. Liberdade de Lula é também a liberdade do povo brasileiro. Que ladrão ou bandido teria na hora da sua prisão milhares o levando nos braços?", questionou.
Gleisi afirmou que o PT e a seus apoiadores nunca se rebelaram contra as instituições brasileiras, mas contra a seletividade com que vêm atuando determinados setores da Justiça, em meio a um quadro geral de instabilidade política que pode afetar inclusive a realização das próximas eleições. "Não sabemos se haverá eleições em outubro. Isso não é terrorismo. O que está acontecendo é que eles querem dizer quem vai e quem não vai participar das eleições."
A presidenta do PCdoB, deputada federal Luciana Santos (PE), ressaltou que após rasgar o direito de voto durante o impeachment contra Dilma Rousseff e atacar direitos – como a limitação dos investimentos sociais, a terceirização, e a tentativa de reforma da Previdência – querem agora impedir a esquerda de exercitar o seu papel, como ocorreu com o assassinato de Marielle e a prisão do ex-presidente.
"Para nós, do PCdoB, a prisão de Lula precisa ser revista. Conclamamos por Lula Livre, por eleições livres, pela defesa da democracia e pelo Estado democrático de Direito. Que as candidaturas que aqui expressam se juntem nesse momento para dizer ao povo brasileiro que nós exigimos democracia, eleições livres e o resgate dos direitos", disse Luciana.
O presidente do Psol, Luciano Medeiros, ressaltou que o seu partido foi o mais duramente atingido por essa escalada violenta, com a morte de Marielle. Mas ressaltou que a vereadora não foi a única, e outras tantas lideranças populares vêm sendo assassinadas. "Por isso, o Psol, preservando as divergências que temos com os outros partidos, consideramos que é hora de colocar em primeiro plano a defesa da democracia. Hoje foi o presidente Lula que foi preso sem provas. Amanhã, pode ser uma liderança do Psol, do PDT, do PSB..."
Para o presidente do PSB, Carlos Siqueira, o conceito de democracia para os partidos e forças de esquerda não se restringe apenas ao direito de voto ou ao direito de ir e vir, mas também aos direitos sociais que vêm sendo negados pelo atual governo "ilegítimo, corrupto e inaceitável".
"Que seja uma frente da sociedade brasileira, que lutará para que a democracia não pereça, porque ela nos custou muito caro. Isso que vivemos hoje é um simulacro de democracia. Democracia não é apenas o direito de votar, ainda que se realizem as eleições."
O legado do ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro Leonel Brizola foi lembrado pelo presidente do PDT, Carlos Lupi. Segundo ele, assim como ocorreu durante a Cadeia da Legalidade – que em 1961 garantiu que o João Goulart assumisse a presidência – é preciso tocar o coração do povo brasileiro. "Só nos resta um caminho a seguir. Não é discutir as divergências, mas o que nos une. Formar uma corrente humana para tocar o coração do povo brasileiro."
Confira a íntegra do manifesto
Manifesto pela Democracia, Soberania Nacional e Direitos do Povo Brasileiro
O Brasil vive dias sombrios. A retirada de direitos, promovida de maneira acelerada pelo governo de Michel Temer e sua base parlamentar, é parte de um preocupante surto autoritário. A violência, o ódio e a intolerância disseminados nas redes sociais, incitados por estratégias de comunicação da mídia tradicional, se arrogam a pretensão de pautar a agenda política nacional, tratando o Estado Democrático de Direito como se fosse apenas um empecilho anacrônico em seu caminho.
O assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, foi o episódio mais dramático dessa espiral de violência, embora não tenha sido o único. O atentado contra a caravana do ex-presidente Lula, no Paraná, por seu evidente caráter miliciano; e sua posterior prisão, para a qual contribuíram diferentes operadores de direito que priorizaram clamores orquestrados por parte da opinião publicada, relativizando direitos constitucionais que lhe assistem, são fatos gravíssimos. Tais fatos fazem parte de um mesmo enredo, no qual as conquistas populares obtidas no processo constituinte de 1988 são consideradas excessivas por uma elite conservadora e reacionária, cabendo assim a implementação de um “programa corretivo”, no qual o progresso possa ser desvencilhado da obrigação política de diminuir as desigualdades que ainda assolam o Brasil.
As forças políticas e institucionais que operam a implantação desse programa do atraso querem cravar, na própria legalidade, a prerrogativa de abandonar pelo caminho os mais pobres, destituindo as amplas maiorias sociais do direito à cidadania. Diante desses fatos, torna-se urgente um maior diálogo entre todos os setores sociais comprometidos com a liberdade, a democracia e os direitos sociais. É hora de reunir partidos, entidades da sociedade civil, movimentos sociais, professores, cientistas, operadores do direito, artistas, líderes religiosos, dentre outros, para articular a resistência democrática aos atentados contra a democracia e o estado de direito.
A articulação desses atores deve se basear em três eixos fundamentais. O primeiro é a defesa intransigente das liberdades democráticas, dos direitos políticos e de eleições livres. Os rumores sobre a possibilidade de cancelamento do calendário eleitoral devem ter como resposta a defesa enérgica de eleições democráticas e livres. O segundo refere-se ao enfrentamento intransigente da violência disseminada pela extrema-direita. A democracia não pode conviver com milícias armadas, ameaças de morte, atentados ou assassinatos. É hora de dar um basta à violência, atuando em todas as instâncias possíveis, para alcançar e punir os responsáveis por disseminar e incitar o ódio e a intolerância, bem como os responsáveis pelos crimes contra lideranças políticas, que chocaram o país.
O terceiro eixo desta unidade está na defesa dos direitos sociais, da soberania e do patrimônio nacional. Como já indicamos, a violência disseminada pela extrema-direita e os ataques à democracia compõem um programa político de setores retrógrados das elites econômicas, para as quais a civilização se limita a suas próprias conquistas materiais. Por isso, enquanto aumenta a violência contra os setores populares e democráticos, cresce também o ataque aos direitos sociais e à soberania, como demonstram as retiradas de direitos como a reforma trabalhista, a tentativa de aprovação da reforma da previdência, de privatização da Eletrobrás, e o relaxamento entreguista das normas de direito ambiental e a implementação de uma agenda econômica rentista que dá total prevalência aos lucros cada vez maiores do sistema financeiro.
É hora, portanto, de defender a democracia, com a energia dos que sabem de suas virtudes e estão cientes da ameaça representada não apenas por um programa autoritário, mas por uma plataforma política avessa à civilização.
Os partidos que subscrevem esse manifesto convocam todos os setores sociais comprometidos com os valores democráticos à formação de uma ampla frente social. Essa frente, que não tem finalidades eleitorais, buscará estimular um amplo debate nacional contra o avanço do ódio, da intolerância e da violência. Só assim poderemos reconstruir um Brasil soberano e de respeito absoluto ao estado de direito.
Carlos Lupi
Presidente Nacional do PDT
Presidente Nacional do PDT
Carlos Siqueira
Presidente Nacional do PSB
Presidente Nacional do PSB
Edmilson Costa
Secretário Geral do PCB
Secretário Geral do PCB
Gleisi Hoffmann
Presidenta Nacional do PT
Presidenta Nacional do PT
Juliano Medeiros
Presidente Nacional do PSOL
Presidente Nacional do PSOL
Luciana Santos
Presidenta Nacional do PCdoB
Presidenta Nacional do PCdoB
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