Por Katia Guimarães*
Conhecido por não medir palavras na hora de ofender minorias, o deputado de extrema-direita Jair Bolsonaro (PSC-RJ) corre o risco de, finalmente, morrer pela boca. Depois das últimas declarações em palestra no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, o parlamentar está sendo processado nos quatro cantos do país pelo crime de racismo, que é inafiançável e imprescritível, com pena prevista de até três anos de reclusão e multa.
As ações foram protocoladas por movimentos ligados às comunidades negras e quilombolas, como a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e a Frente Favela Brasil, junto à Procuradoria-Geral da República em Brasília e o Ministério Público Federal no Rio. A partir de amanhã, a Conaq entrará ainda com representações nos MPs de 25 estados, onde conta com coordenações regionais. No Congresso Nacional, deputados e senadores do Partido dos Trabalhadores também acionaram a Procuradoria Geral da República com mais uma representação pelo mesmo crime.
Bolsonaro causou indignação e revolta após afirmar, entre outros absurdos, que afrodescendentes de comunidades quilombolas “não servem nem para procriar”. Em frase gravada em vídeo, o deputado diz: “Fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de 1 bilhão de reais por ano é gasto com eles”, afirmou. Bolsonaro também disse que, se eleito presidente, “todo mundo terá uma arma de fogo em casa, não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”. A platéia presente riu.
O caso inundou as redes sociais e integrantes da comunidade judaica repudiaram o clube carioca. O médico paulistano Nelson Nisenbaum disse que o evento foi uma ofensa ao legado do judaísmo. “É profundamente amargo verificar que entre nós, judeus, há tantas pessoas que não têm capacidade de perceber, entender e temer os discursos de ódio, discriminação e totalitarismo desse patético ser. Permitir sequer que estas idéias adentrem um ambiente judaico, ainda que não essencialmente religioso ou litúrgico, é um verdadeiro sacrilégio, uma profanação, uma grave ofensa ao legado humanista do judaísmo, tão sagrado e caro a nós”, afirmou.
Em vídeo publicado no facebook, a cineasta Ieda Rozenfeld criticou o fato de haver “300 judeus cegos” aplaudindo as declarações preconceituosas de Bolsonaro. “Eu estava lá para ver se era verdade tudo que falam dele e ele é um imbecil”, afirmou. “Eu fui criada na Hebraica, é o berço dos meus avós”, completou.
Uma representação no Conselho de Ética por quebra de decoro parlamentar ainda está em estudo pelo PT e outros partidos de esquerda da Câmara. Segundo a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), Jair Bolsonaro veste a capa da imunidade parlamentar para justificar as barbaridades que diz. “Ele não pode se respaldar na imunidade. Ela não é dada para quem fere a Constituição, o Código de Ética. Acho que até os militares nacionalistas estão tremendo nas bases com as declarações do Bolsonaro”, afirmou.
Para a deputada Érika Kokay (PT-DF), apesar de o deputado fluminense ter cometido crime de incitação ao ódio e racismo, é preciso definir bem o escopo da representação, pois, por mais de uma vez, denúncias contra ele na Câmara foram arquivadas. Um caso recente envolveu a deputada Maria do Rosário (PT-RS), em que foi necessário acionar o Supremo Tribunal Federal para processar o deputado por apologia ao estupro. Mas Benedita afirma que, desta vez, tudo será feito para conter Bolsonaro. “Não dá mais para conviver com uma pessoa dessa natureza.”
Em entrevista ao blog, a coordenadora nacional da Conaq, Gilvânia Maria da Silva, disse que Bolsonaro já ultrapassou todos os limites e que chegou a hora de a sociedade ter a consciência do dano que causa o discurso de ódio do parlamentar. Ela cobra com veemência o procurador Rodrigo Janot e a Câmara. “Na nossa concepção, houve crime de racismo e quebra de decoro parlamentar. Ele tem que ser preso e perder o mandato. Não se pode mantê-lo impune ou a PGR e seus pares (os deputados) podem ficar desmoralizados.”
Professora, Gilvânia veio para Brasília do Quilombo das Crioulas, em Pernambuco, passou pelo governo Dilma na Secretaria de Igualdade Racial e faz doutorado em sociologia na UnB. Para ela, o sentimento de indignação passa pelo governo Temer, que deu o golpe e acabou com as políticas sociais voltadas para as comunidades negras, quilombolas e indígenas. “É um terreno fértil para figuras como o Bolsonaro. O Brasil virou uma terra sem lei, perdemos a possibilidade mínima de respeito”, afirma. “Mas somos resistentes, são seis mil comunidades quilombolas. Não é um Bolsonaro da vida que vai nos fazer baixar a cabeça.”
A Frente Favela Brasil foi além em sua iniciativa e entrou com representação criminal não só contra Jair Bolsonaro, mas contra os diretores do Clube Hebraica do Rio, pedindo investigação e eventual ação penal pelo crime de racismo. “A participação dos DIRETORES do Clube Hebraica-RIO deve ser sopesada individualmente, durante a investigação criminal, uma vez que ao decidirem apresentar o referido Deputado em sua sede, mesmo após o cancelamento de semelhante evento na Hebraica – São Paulo, assumiram o risco de produzir o discurso de ódio do principal representado, Jair Bolsonaro, resultando na propagação do racismo em níveis alarmantes”, diz o texto da ação.
Em carta de repúdio, a Frente Favela Brasil criticou a postura de parte da plateia no Clube Hebraica, que aplaudiu Bolsonaro. “Recebemos com muita tristeza os aplausos efusivos e gargalhadas de parte do público ali presente legitimando aquelas ofensas e desrespeito contra uma população que sempre foi solidária à luta dos membros da comunidade hebraica, pois sabemos de toda a perseguição sofrida por ela.”
A Frente ressaltou que o discurso de ódio de Bolsonaro, além de criminoso, contraria os acordos assinados pelo Brasil em fóruns como as Organizações dos Estados Americanos (OEA) e das Nações Unidas (ONU), ferindo o princípio da Dignidade da Pessoa Humana. “As declarações que incitam o ódio a grupos sociais não podem ser toleradas em uma sociedade democrática”. A Frente Favela Brasil se apresenta como um partido em construção que surge para lutar pelo protagonismo e pelo reconhecimento da dignidade da pessoa negra, dos moradores de favelas, dos pobres do campo e das periferias do Brasil.
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