Pátria e Patrimônio - contra a morte da memória nacional
Mil vivas, então, a essa instituição-salvaguarda da cultura brasileira.
Igreja São Francisco de Assis em Ouro Preto. (Reprodução)
Por Eleonora Santa Rosa*
País de memória curta, legados relegados, bens abduzidos e patrimônio constantemente ameaçado por gregos, gringos, troianos e os de casa também, merecem ser louvados e celebrados os oitenta anos de um resiliente e combativo órgão, quiçá o mais importante na estrutura governamental da cultura no Brasil - o Iphan, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Sphan, Dphan, IBPC, não importa a nomenclatura ao sabor dos tempos políticos, o Iphan sobreviveu, heroicamente, nessas oito décadas.
Instituição velha de guerra e de batalhas sofridas, detentora de missão de nobreza infinita e de penúria sem fim, segurou a duras penas a pressão e a destruição do nosso patrimônio cultural. Seu devotado e franciscano corpo técnico, tributário dos ditames modernistas de Rodrigo de Mello Franco e Mário de Andrade, amassou o pão do diabo para salvar/documentar igrejas, capelas, imagens, obras, ritos, expressões, festas e devoções, materialidades e imaterialidades de todos os recantos do território.
Árduo e extenso trabalho a cargo de tão poucos, com muitos erros, por certo, mas infinitos acertos, por justiça.
Nada fácil defender a memória de um país que nunca deu a devida relevância e prioridade a um assunto tão estratégico, cuja história resvala e esbarra até os dias de hoje em uma frágil infra-estrutura composta por arquivos, fundações, institutos, centros de documentação assoberbados por problemas básicos de subsistência e atuação.
Mil vivas, então, a essa instituição-salvaguarda da cultura brasileira, formada e curtida na incansável superação da indigência material, da insolvência financeira e da burocracia procrastinadora, que não entrega os pontos e não abdica de suas atribuições e responsabilidades.
Louvemos, hoje, sua constituição, esqueçamos seus erros, idiossincrasias e desacertos. Sua luta é a de todos nós, na preservação de nosso DNA cultural, de nossa identidade como nação.
Há trinta anos, na celebração de seu cinquentenário, perguntava o mestre Affonso Ávila em plena mobilização para a Constituição de 1988: “por que não buscar-se sacramentar, em dispositivo básico, um conceito político de consciência social e dignidade orçamentária para com o Patrimônio Histórico e Artístico. Que aprendam os legisladores que pátria e patrimônio têm a mesma raiz semântica”. Recado curto e certeiro.
Dizia ainda o visionário poeta: “sopremos as 50 velinhas, mas com cuidado, para que as fagulhas não se propaguem e não tenhamos mais cinzas sobre cinzas nessa já calcinada memória daquilo que deveria ser antes pilar de cultura viva e estimulante”.
Feliz aniversário Iphan, que as guardas de congo, os santos e santas de tantas igrejas salvas do incêndio e da destruição, ao som dos dobres dos sinos, te protejam per saecula saeculorum.
*Eleonora Santa Rosa - jornalista, editora, produtora e empreendedora cultural.
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O IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, é uma autarquia federal, criada na década de 30 (13 de janeiro de 1937) com o intuito de proteger “...os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais. V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.”
Este trecho é parte do Artigo 216 da Constituição Brasileira que estabelece ao poder público, com o apoio da sociedade, o dever de zelar pelo patrimônio brasileiro, motivo pelo qual foi criado o IPHAN.
Criado ainda pelo Governo de Getúlio Vargas, através da Lei N.º 378, o IPHAN, que hoje se encontra vinculado ao Ministério da Cultura, teve seu projeto de Lei elaborado por ninguém menos queMário de Andrade e ainda contou com a colaboração ilustre de figuras comoOswald de Andrade, Manuel Bandeira,Lúcio Costa, Carlos Drummond de Andrade e Afonso Arinos.
Cabe ao IPHAN preservar, identificar, fiscalizar, revitalizar, restaurar e divulgar os bens culturais do Brasil. Para tanto, o IPHAN mantém parcerias com diversas instituições, Ong’s, associações e fundações com as quais mantém mais de 20 mil edifícios e 83 centros e conjuntos urbanos tombados, além de um cadastro com cerca de 12.000 sítios arqueológicos, mais de um milhão de objetos e 250 mil volumes bibliográficos.
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