365 dias de Consciência Humana? Seria lindo se não estivéssemos no Brasil. Esse tipo de “grito” por “consciência humana” exatamente no Dia da Consciência Negra soa como um reforço àquele discurso extremamente conservador segundo o qual “não existe racismo no Brasil”
Por Rafael Patto,no pragmatismopolitico.com.br
A página do cantor e compositor Ivan Lins publicou no dia 20/11, uma foto com a seguinte mensagem: “Por 365 dias de consciência humana”.
Lindo isso, se não estivéssemos no Brasil. Esse tipo de “grito” por “consciência humana” exatamente no dia em que celebramos o Dia da Consciência Negra me soa como um reforço àquele discurso extremamente conservador – do qual Ali Kamel e Demétrio Magnoli são adeptos – segundo o qual “não existe racismo no Brasil”. Logo, não seriam necessárias essas manifestações por afirmação identitária, como as que são promovidas pelo Movimento Negro e que, aos poucos, vão sendo incorporadas como parte dos esforços do poder público em reparar os erros e crimes que foram e são cometidos contra a parcela negra da nossa população.
Quase QUATRO QUINTOS da nossa História (é pouco isso?) foram vividos sob o regime escravocrata. A escravidão não foi praticada indiscriminadamente contra todos os seres humanos que aqui viviam até 1888. Não é possível que hoje queiramos fingir para nós mesmos que as consequências da escravidão sejam ainda sentidas, sem qualquer distinção, por brancos e negros.
Falar que o Dia da Consciência Negra deveria ser substituído por um dia da “consciência humana” no nosso país seria como sugerir que todo esse passado de violência atroz contra os negros seja esquecido. Combinamos assim: “faz de conta que ninguém foi tratado diferentemente em razão da cor de sua pele e, por isso, hoje somos todos iguais. Humanos, com as mesmas oportunidades. Né?” Isso é o cúmulo da falta de consciência histórica!
Se os seres humanos não tivessem inventado um sistema de dominação que submete outros seres humanos a um poder instituído com base na marginalização da maioria em razão de traços como origem geográfica e cor da pele, aí sim, seria lindo celebrar a humanidade como uma coisa harmônica.
Mas, enquanto persistirem os efeitos dessas experiências de subjugação, exploração e aculturação que se abatem sobre aqueles a quem foi negado até o direito de serem reconhecidos e respeitados como seres humanos, temos a obrigação moral de reconhecer que infelizmente, no estágio evolutivo em que nos encontramos hoje, muito pouco há para se celebrar em razão do fato de sermos “todos seres humanos”, mas há muito o que se lembrar a respeito de tudo o que já se fez neste país contra seres humanos que, por causa da cor de sua pele, foram subcategorizados como uma raça inferior não pertencente à espécie humana.
Não entendo por que ainda há pessoas que preferem, depois de tudo o que passou, fingir agora que sempre fomos todos bons amigos.
Quer dizer, até entendo sim…
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