O que virá pela frente é uma incógnita. Para o PT, ficam algumas lições. Faça o que quiser, apareça em foto com quem quer que seja, elogie algozes do passado, do presente ou do futuro --o fato é que o partido nunca será assimilado pelo status quo enquanto tiver suas raízes identificadas com o povo.
Num país onde Paulo Maluf e Brilhante Ustra estão soltos, enquanto Dirceu e Genoino dormem na cadeia, até um cego percebe que as coisas estão fora de lugar. (Ricardo Melo, na Folha)
Por
André Barrocal, na revista CartaCapital:
Os
restos mortais do presidente deposto João Goulart chegaram quinta-feira, 14, a
Brasília, onde vão passar por uma perícia que é parte das investigações sobre a
causa da morte dele, apontada pela ditadura como “ataque cardíaco”. A chegada
mereceu uma recepção com honras dedicadas a chefes de Estado em visita ao país,
por decisão de Dilma Rousseff. Antes do ato, a presidenta escrevera no Twitter,
para seus dois milhões de seguidores, que se tratava de “um gesto do Estado
brasileiro” e de “um dia de encontro do Brasil com a sua história”. A postura
estadista de Dilma expressou-se também na organização da cerimônia, para a qual
foram convidados todos os ex-presidentes vivos.
É
curioso comparar a atitude conciliatória de Dilma com o ambiente
político-econômico que se vê a poucos meses da sucessão presidencial. O
sentimento que o governo despertou em certos setores e as realizações que Dilma
tem a mostrar em busca de voto indicam que Jango estará atualíssimo na eleição.
Prenuncia-se uma eleição polarizada, com cara de 1964.
Os estratos mais
ricos do país, representados pelo mercado financeiro e por altos empresários,
não querem a reeleição de Dilma, mesmo que não o digam abertamente. Eles
perderam dinheiro no atual governo – ou deixaram de ganhar como nos tempos de
Lula. Sob Dilma, a economia cresce pouco. As empresas vendem menos e lucram
menos. Já a redução da taxa de juros do Banco Central e dos bancos estatais
comeu ganhos do “mercado”. E prejudicou os empresários que recorriam a
aplicações financeiras para compensar a pouca lucratividade na economia
real.
Não é por acaso que o “mercado” tem sido fonte de pessimismo sobre
o futuro do país. Em outubro, dois organismos internacionais - o FMI e a
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) - divulgaram
relatórios sombrios. O país precisa, segundo estes documentos, de reformas que
favoreçam os lucros privados. Ministros e conselheiros do governo temem uma
ofensiva do pessimismo em plena campanha.
Também não é por acaso que o
vice-presidente da República, Michel Temer, tenha participado em setembro em São
Paulo de uma reunião com empresários e financistas e saído com a impressão de
que eles não querem mais saber de diálogo com o governo. É uma hostilidade para
a qual contribui o próprio estilo de Dilma, mais dura e menos afeita a
discussões do que o antecessor.
O capital, decididamente, não tem motivos
para querer a reeleição dela.
Por outro lado, o PIB fraco não afetou a
vida dos estratos médios e pobres da população. Em alguns casos, ela até
melhorou. O desemprego nos últimos três anos ronda os níveis mais baixos da
história do país, entre 5% e 6%. O salário mínimo e a renda média dos
trabalhadores continuaram a subir. Reforçado e ampliado, o programa Bolsa
Família tirou mais 22 milhões de pessoas da miséria.
Se não resolve o
problema de falta de dinheiro na saúde, o programa Mais Médicos ajudará a levar
atendimento a alguns rincões. O aumento das verbas federais para investimento em
transporte público, em decorrência das manifestações populares de junho,
contribuirá de algum modo para facilitar o cotidiano dos usuários de ônibus e
metrô.
Os mais pobres, aparentemente, não tem motivos para rejeitar a
reeleição de Dilma.
O clima de 1964 tem tudo para se infiltrar na eleição
inclusive por causa de uma efeméride. Em 2014, completam-se os cinquenta anos do
golpe contra João Goulart. E mais: é quando vence o prazo dos trabalhos da
Comissão Nacional da Verdade criada para investigar, entre outras coisas,
torturas e mortes pela ditadura. Não seria difícil para a campanha governista
apregoar que “querem dar um golpe contra o povo e a democracia do mesmo jeito
que fizeram há cinquenta anos”.
Alimentar este tipo de associação seria
até natural para Dilma. Mais até do que para Lula, cujo passado operário produz
uma identidade maior dele com as classes populares. Forjada na luta armada
contra a ditadura, Dilma ajudou a fundar o PDT de Leonel Brizola, cunhado de
João Goulart. Brizola era um dos expoentes do PTB de Jango na época do golpe e
só inventou o PDT porque a Justiça eleitoral, ainda na ditadura, proibiu-lhe de
refundar a antiga sigla.
Dilma mergulhou no espírito de 1964 ao
assistir, em outubro, ao documentário O dia que durou 21 anos, sobre o
golpe contra Jango, durante uma sessão que promoveu para alguns amigos no
Palácio da Alvorada. “Mesmo quem viveu os anos 60 fica surpreso com a extensão
da interferência americana no Brasil naquele momento, revelada pelo
documentário”, escreveu Dilma no Twitter.
Às vésperas do golpe, Jango fez
um discurso histórico na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, com passagens que
parecem capazes de ilustrar algumas das circunstâncias atuais de
Dilma.
“Ainda ontem, trabalhadores e povo carioca, dentro da associações
de cúpula de classes conservadoras, levanta-se a voz contra o Presidente pelo
crime de defender o povo contra aqueles que o exploram nas ruas, em seus lares,
movidos pela ganância.” É um trecho ilustrativo da atual queda de braço do
governo com o “mercado” em relação aos juros e com o empresariado sobre o lucro
dos futuros pedágios das estradas federais em vias de serem repassadas ao setor
privado.
“Mas estaria faltando ao meu dever se não transmitisse, também,
em nome do povo brasileiro, em nome destas 150 ou 200 mil pessoas que aqui
estão, caloroso apelo ao Congresso Nacional para que venha ao encontro das
reivindicações populares”. São palavras que bem poderiam ser ditas por Dilma a
propósito da relação dela com um Legislativo de maioria conservadora e eleito à
base de doações empresariais.
A tensão política daqueles dias foi
resolvida na base na força, com um golpe militar. A que se vê agora tem tudo
para desaguar nas urnas e nos financiamentos de campanha na eleição do ano que
vem.
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