PANDEMIA E PHATOS: O “E DAÍ?” DE CAIM A BOLSONARO — O TRISTE FIM DE UM PRESIDENTE AUTORITÁRIO, MAS NÃO ALTERITÁRIO
(um diálogo com a filosofia de Emmanuel Levinas)
As perguntas dirigidas ao presidente Jair Messias Bolsonaro sobre os mortos pelo Covid-19, no fundo, reeditam a pergunta que Deus faz a Caim pelo sangue de Abel: “onde está o teu irmão?”. E Caim responde: “sou eu responsável por meu irmão?”. A resposta zangada de Caim, na perspectiva filosófica de Emmanuel Levinas, o filósofo da alteridade, é a gênese da imoralidade; ela reverbera o descompromisso ou desinteresse para com o sangue do outro — o irmão. Em outras palavras, diz Caim a Deus: “NÃO TÔ NEM AÍ!”.
Embora use expressão diferente, no conteúdo, é exatamente a mesmíssima resposta que CAIM-BOLSONARO dá aos jornalistas diante do sangue de milhões de brasileiros mortos pelo coronavírus: “E DAÍ?” (“não sou coveiro”; “não faço milagre”).
Nesse momento, mais que respostas, Caim-Bolsonaro revela o que jaz em seu coração sem Coração: a morte do outro (afora os da minha família e do meu gado) não me interessa. Não respondo por eles/elas: “NÃO TÔ NEM AÍ!”. É o “je m’en fiche” presidencial em tempo de pandemia. William James na obra “Variedades da Experiência Religiosa” traduz: “‘Je m’en fiche’ é o vulgar equivalente francês da nossa expressão ‘Não estou nem aí’”.
Marcelo Leite em artigo intitulado “Governo desnaturado chega ao fim” oferece claro e direto diagnóstico sobre a alma do presidente. Escreve: “o gabinete do ódio não é uma salinha no palácio do planalto… Mas o coração do próprio presidente”. Explicando o título do artigo diz Marcelo Leite: “‘desnaturado’, aqui, como sinônimo de cruel, perverso, desumano, depravado. E de desequilibrado, aquele que não recua de seus delírios…”. E sublinha ainda: “Bolsonaro e seus filhos são sociopatas, gente sem responsabilidade moral nem consciência… Pouco lhes importa que o coronavírus inicie sua marcha macabra…”.
A parte o fato questões partidárias ou de identificações político-ideológicas (direita, esquerda, centro, etc.), qualquer cidadão com um censo mínimo de humanidade, tendo votado ou não no capitão, não pode deixar de ver a gravíssima situação de um Brasil em pandemia ser dirigido, não por um louco, mas por alguém cuja alma é incapaz de “phatos”. Esse alguém já não é mais humano. Repito: não se trata de ser de direita ou de esquerda, mas de ser ou não ser HUMANO. O presidente-capitão é autoritárário e não alteritário! Como bem diz a canção: “o rei mal coroado não queria o amor no seu reinado, pois sabia que não ia ser amado”.
Phatos é a capacidade humana de sentir, de se afetar ou sofrer; donde vem empatia. Para o filósofo Emmanuel Levinas a ética se funda na capacidade de responder ao apelo nascido do rosto do outro. O rosto do outro provoca o meu coração. Não posso ser indiferente ao seu apelo. Nisso o ser humano revela sua competência alteritária, isto é, sua disposição sincera de ser responsável pelo outro.
Conforme atesta o Antigo Testamento, Caim não se responsabilizou pelo sangue derramado do irmão (“sou eu responsável por meu irmão?”). Lamentável e perigosamente, na mesma desumana direção, o “E DAÍ?” de Caim-Bolsonaro que, a propósito, por incrível que pareça, é capaz de produzir diabólicos risos no seio de seus cegos e idolátricos apoiadores, é prova inequívoca de que o Brasil tem, por enquanto, no mais alto grau do poder Executivo, um ser no mais baixo grau de humanidade; se é que ainda lhe resta alguma…
Diz o Papa Francisco: “certas realidades da vida só se veem com olhos limpos pelas lágrimas”. Inexiste, pois, em Caim-Bolsonaro a “graça das lágrimas”, nos termos de Francisco.
E isso é triste, isso é fato, isso é trágico!
Contudo, apesar disso, sem pesar ou dó, dirão em defesa os terrivelmente entorpecidos e devotados Cains-apoiadores (entre os quais, bispos, padres e pastores):
“E DAÍ?”
***
Geraldo Jose Natalino (pe. Gegê)
*Pároco da Paróquia Santa Bernadete (Higienópolis/Manguinhos)
Membro do grupo Fé e Politica pe. João Cribbin
Psicólogo(PUC-RJ) com Pós-graduação em psicologia junguiana
Mestre em Teologia Sistemático-Pastoral pela PUC-RJ
Doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP
*Pároco da Paróquia Santa Bernadete (Higienópolis/Manguinhos)
Membro do grupo Fé e Politica pe. João Cribbin
Psicólogo(PUC-RJ) com Pós-graduação em psicologia junguiana
Mestre em Teologia Sistemático-Pastoral pela PUC-RJ
Doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP
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