quinta-feira, 30 de abril de 2020

As implicações sociais e políticas da fé na vida em sociedade


“Padre não pode falar de política, deveria cuidar da religião”

Artigo de P. Jaime C Patias

 Ouvi muitas vezes essa afirmação ou algo parecido que resolvi escrever sobre o assunto. Quer dizer que “padre não pode falar de política”, mas “político” inescrupuloso pode instrumentalizar a religião para fazer politicagem.

A contradição salta aos olhos pela sua contradição.

 Quem não tem argumentos para discutir política tenta censurar. E quando se trata de um cristão católico eu me pergunto: qual foi a sua formação religiosa? Onde é que a nossa Igreja falou?

 Por isso é importante esclarecer: religião não é o que você pensa ou vê praticado por aí. A palavra religião vem do latim ‘religare’, significa “ligar de novo o ser humano com o divino”, como o sagrado, fonte e origem da vida.

 Quais são suas características? A fonte e motivo desta religação é: o divino no humano. Deus encarnado (carne humana) na realidade. A necessidade de religação é a não extinção dos humanos, ou seja: cuidar da vida em sua integridade e totalidade (espiritual, econômica, política, social, física, biológica, sexual, humana...). O 5º Mandamento diz: não matarás! (Ex 20,13).

 O mediador da religação no cristianismo é Deus encarnado e revelado ao mundo: Jesus Cristo. A condição de religação: crer em Cristo Redentor (não em falsos profetas, charlatões e picaretas).

A abrangência da religação é o Planeta, a Casa Comum onde tudo está interligado (o meio ambiente, os seres humanos, o ar, a água, a terra, a mata, enfim, toda criação). O resultado desta religação é a vida em abundância, sinônimo de Vida eterna.

 Portanto, quando um padre, um bispo, um pastor, um religioso ou religiosa, ou um cristão comprometido com a verdadeira Religião fala de política e denuncia atitudes que atentam contra a vida do ser humano e do Planeta, como o descaso do Estado brasileiro nessa pandemia de Coronavírus, está exercendo a sua missão profética.

 Não estamos falando de politicagem. Estamos falando de mais de 5.000 mortes pela Covid-19. Não são números, mas são vidas de pessoas sagradas aos olhos de Deus.

 Um padre não só pode se manifestar, mas tem o dever sagrado de falar. Politicagem faz o político insensível e genocida que em vez de tomar medidas para cuidar de vidas com políticas públicas de qualidade se omite da sua missão dizendo: “quer que eu faça o quê?” Morreram. "E DAÍ?" É resposta de um presidente da República diante de tamanha tragédia? Começa com "Brasil acima de tudo", "Deus no comando". E termina com "E daí, eu não posso fazer nada". Tirem vossas conclusões.

 Para voltar ao tema inicial é oportuno lembrar que nós os padres fomos ungidos e consagrados pelo Espírito Santo para o serviço do sacerdócio de Jesus Cristo que é o Profeta de Deus (para ensinar à luz da Palavra de Deus), o Sacerdote (para santificar) e o Pastor (para guiar). Poucos se dão conta desse Tríplice Ofício de Cristo na missão do presbítero. Por isso a Igreja católica ao longo da história desenvolveu, entre outros conteúdos, o seu “Ensino Social” ou a "Doutrina Social” com orientações muito precisas sobre as implicações sociais e políticas da fé na vida em sociedade.

À luz do Evangelho o Ensino Social da Igreja trata da política, da economia, da organização social, vida plena com justiça, paz, boas condições de trabalho, respeito recíproco e, acima de tudo, dignidade humana.

Política nada mais é do que a arte de administrar (governar) o bem comum. Perceberam que não falei em partidos políticos. Na missão, o nosso modelo é Cristo, Bom Pastor que não abandona o povo quando o “lobo chega para matar e roubar”.

 Nas palavras de Frei Betto, "Jesus não morreu de alguma doença, deitado numa cama, nem de desastre de camelo, em uma esquina de Jerusalém. Ele morreu como um prisioneiro político: foi preso, torturado, julgado por dois poderes políticos e morto pelas forças de opressão do Estado.

Este é o Jesus de Nazaré que deu sua vida para que todos tenham vida e vida em abundância (Jo 10,10). "O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir... Eu acredito nesse Jesus e a Ele sirvo como presbítero religioso com todas as minhas limitações, mas comprometido com a sua causa. E estou consciente das implicações da minha opção por Cristo e o seu Evangelho.

 A vida é feita de escolhas e respeito opiniões divergentes nesse mundo plural. Mas por princípios, não posso concordar com atitudes irresponsáveis que desrespeitam a vida. Por isso, os que ousam defender incondicionalmente o presidente nunca entenderam o que é professar a fé em Jesus Cristo, o verdadeiro Messias de Deus. Não entenderam igualmente o que é e para que existe a religião.

 (Pe. Jaime C. Patias, IMC, Roma, 29 de abril 2020).

Nenhum comentário:

Postar um comentário