O ministro da Justiça Sérgio Moro está em crise de identidade.
Ele ainda vê a si mesmo como juiz, apesar de ter abandonado a toga quando aceitou trabalhar para Jair Bolsonaro. Tanto que, como registrou a Folha de S.Paulo, disse a altas autoridades que teriam sido alvos dos hackers presos pela Polícia Federal que poderiam dormir tranquilas, pois as mensagens apreendidas seriam destruídas – coisa que só pode ser feita por autorização de magistrados, como informou a própria PF em nota. Ele, que vem negando a autenticidade das mensagens trazidas a público pelo The Intercept Brasil, poderia ser beneficiado pela destruição das mensagens, uma vez que isso impediria a comparação do conteúdo divulgado com o que for encontrado junto aos hackers.
Também vê a si mesmo como advogado de defesa. Após a operação que prendeu os suspeitos em Araraquara (SP), tuitou que eles eram a "fonte de confiança daqueles que divulgaram as supostas mensagens obtidas por crime". Depois, a PF divulgou que um dos hackers afirmou ter sido o responsável por entregar, de forma anônima, ao Intercept o conteúdo. Dessa forma, Moro usou informação que não deveria ter acesso como ministro e atropelou a investigação que deve ser feita para confirmar ou não a declaração. E fez isso em proveito próprio, uma vez que relações entre ele e a Lava Jato foram reveladas nos diálogos. Ignorando a separação entre público e privado, usou o cargo para ser advogado de defesa – de si mesmo.
Isso sem contar que Sérgio Moro parece ver a si mesmo como procurador. As conversas trazidas a público pelo Intercept Brasil, entre outros veículos, mostram um então juiz federal orientando a força tarefa de procuradores da Lava Jato e, consequentemente, reduzindo a ampla defesa por parte do ex-presidente Lula, entre outros condenados na operação. Diante das revelações, disse que não confirmava a autenticidade dos diálogos, mas não via nada de errado, não indicando constrangimento ou arrependimento. Pelo contrário, parece demonstrar orgulho por quebrar as regras em nome do que considerava um bem maior. Confunde, dessa forma, o papel daquele que julga com aquele que acusa. Tal qual os personagens das graphic novels que caçam aqueles que consideram bandidos e declaram – eles mesmos – a sentença.
A crise de identidade, contudo, vai além do sistema de Justiça.
No dia 30 de junho, Moro estimulou o culto à sua personalidade, vendo a si mesmo como algum profeta. "Eu vejo, eu ouço", tuitou ele com fotos dos protestos a favor da Lava Jato que ocorreram naquele domingo. A declaração, como bem lembrou a rádio Jovem Pan, faz referência à passagem do livro de Êxodo, em que diz que Deus estava acompanhando o sofrimento dos judeus no Egito. Que, por um acaso, era seu povo escolhido entre todos na Terra. O Êxodo tem pragas e recompensas, leis e punições, e um povo sofrido e humilhado que não é libertado por sua própria ação, mas que precisa de um líder que o retire da escravidão – ação que conta com intervenção divina. Na manifestação da avenida Atlântica, no Rio, uma faixa dizia a Moro: "O senhor nos livrou das trevas", segundo registro da Folha de S.Paulo. O senhor não era o Deus cristão, mas o então juiz federal. Mais explícito, impossível.
Sendo ele julgador, defensor, acusador, ministro que controla a polícia e um profeta de um novo tempo, Moro, por um lado, perde a conexão com a realidade e, por outro, reforça a realidade paralela daqueles que o veem como salvador. Antes que ele comece a anunciar que é "o caminho, a verdade e a vida" (João 14:6), as instituições precisam lhe dar um toque. Talvez lembrando ao – finalmente – político Sérgio Moro que, como diz Eclesiastes 1:2, a vaidade pode ser um pecado terrível.
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