Créditos da Foto: Folha de S. Paulo/Reuters
Em tempo: na entrevista à BandNews hoje, em Brasília, o presidente Michel Temer falou a José Luiz Datena sobre o que podemos esperar daqui para a frente:
“Não sei se vai haver confronto, mas, se houver confronto entre o marginal, o bandido armado, dando tiro, o militar não vai se deixar matar, não vai deixar a segurança ficar impune, não vai. Se houver necessidade, ele parte para o confronto”.
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A guerra declarada pelo governo brasileiro ao crime organizado no Rio de Janeiro mostrou até agora que tem um alvo prioritário: as 700 favelas da cidade onde vivem 1,1 milhão de cariocas.
Ali está, segundo nossas mais altas autoridades civis e militares, todo o mal a ser combatido com soldados armados até os dentes, tanques e blindados, o que for preciso.
Os bacanas do asfalto da zona sul, onde vivem os grandes consumidores e seus fornecedores, podem continuar cheirando e traficando à vontade, sem medo.
Até crianças estão sendo revistadas nos morros, mas não vi até agora nenhum soldado importunar algum morador dos prédios de luxo da Vieira Souto.
“Como saber quem é do seu time e quem é contra? Não sabe. Você vê uma criança bonitinha, de 12 anos de idade, entrando em uma escola pública, não sabe o que ela vai fazer depois da escola, é muito complicado”, explicou o inacreditável ministro da Justiça Torquato Jardim em entrevista ao Correio Braziliense.
Quem responde às dúvidas existenciais do ministro, em carta aberta ao general Braga Netto, publicada no Globo desta sexta-feira, é Frei Betto, o frade dominicano que sobreviveu à ditadura militar de 64 sem nunca fugir à luta contra os poderosos de plantão:
“Os problemas não estão apenas nos morros. Estão sobretudo no asfalto, onde residem os que alimentam o narcotráfico, os políticos corruptos, os que permitem que nosso sistema carcerário seja sede do comando do crime”.
Dirigindo-se diretamente ao general interventor, meu velho amigo Betto lança-lhe um libelo:
“Não autorize seus soldados a se transformarem em assassinos fardados que, ao ingressar nas comunidades, primeiro atiram e depois interrogam”.
Frei Betto não é o único representante da Igreja Católica a romper o vergonhoso silêncio da CNBB diante do que acontece no Rio. Nas redes sociais, dom Mauro Morelli, que também enfrentou de peito aberto os arbítrios da ditadura, e conhece bem a tragédia carioca, escreveu:
“O que será que os soldados descobriram revistando as crianças a caminho da escola? Devem ter notado as olheiras de quem não dorme bem e se alimenta muito mal. Te espero na esquina antigamente era briga de moleques. Na temeridade em que vivemos no século 21, é parada militar”.
Por enquanto, trata-se apenas de uma intervenção militar-midiática, um grande show para as câmeras de TV sempre a postos para registrar a Guerra do Rio para uma população amedrontada, como se fossem correspondentes estrangeiros cobrindo a Guerra da Síria.
Pode-se imaginar o que vai acontecer se forem colocadas em prática as elucubrações do ministro Torquato Jardim que anda muito preocupado com as crianças inimigas nas favelas, como revelou na mesma assustadora entrevista ao CB, citando os Estados Unidos como exemplo:
“Você está no posto, mirando a distância, na alça de mira aquele guri que já saiu quatro, cinco vezes, está com a arma e já matou uns quatro. E agora? Tem que esperar ele pegar a arma para prender em flagrante ou elimino à distância? Ele é um cidadão sob suspeita porque não está praticando o ato naquele momento ou é um combatente inimigo? Os Estados Unidos enfrentaram esse tema como um inimigo combatente”.
Sob o título “Tem que prender o guri ou elimino à distância?”, a jornalista Marina Amaral publicou um editorial na Agência Pública comentando a entrevista de Torquato.
“Além de deixar claro que o governo está jogando tropas em áreas onde vivem 1,1 milhão de pessoas sem ideia do que fazer, escancara a visão do ministro sobre os moradores das favelas: todos, a princípio, são inimigos. Até as crianças bonitinhas”.
O que mais me deixa indignado diante do autoritarismo desde governo civil cada vez mais militar é a omissão, não só da CNBB, mas de outros setores da sociedade civil que se mobilizaram na resistência ao regime de 1964 e foram às ruas pedir Diretas Já vinte anos depois.
Com raras exceções, como as acima citadas, tudo é visto como se estivéssemos na mais absoluta normalidade institucional, com o Executivo, o Legislativo e o Judiciário seguindo os seus rituais e discutindo o que é melhor fazer para garantir a vitória nas eleições de outubro e manter o atual status quo.
Começo a acreditar que a intervenção militar no Rio é apenas parte de uma estratégia mais ampla para melar o jogo eleitoral e prorrogar o mandato do atual governo para “garantir a ordem e o progresso”.
Espero estar errado.
E vida que segue.
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