O Tempo
PATRIMÔNIO
Affonso Ávila deixou relevante obra poética
Poeta, ensaísta e historiador também atuou no reconhecimento do barroco mineiro
“Ele deixou uma obra poética relevante. Tinha proximidade com os irmãos Campos, importantes para a cultura mineira. Ele tem correspondências trocadas com Haroldo de Campos que ainda não foram publicadas. Dos livros de poesia, são importantes como ‘Carta do Solo’, ‘O Poeta e a Consciência Crítica’, ‘Código de Minas’”, cita o jornalista João Barile.
“Ele foi uma espécie de guru da minha geração. Era um parâmetro para o que a gente fazia em termos de gosto, autores para serem lidos, rigor, qualidade literária. Ele e também Laís Corrêa de Araújo, que foi sua companheira. A obra dele é muito importante, mas como é basicamente de poesia, o que ninguém lê, acaba ficando abandonada. Mas isso não diz respeito apenas a ele, é uma coisa da poesia”, afirma Sebastião Nunes, escritor e amigo de Affonso.
“Nos conhecemos no ‘Suplemento Literário’, onde todo mundo se reunia. Na década de 80, nos encontrávamos todos os sábados pela manhã na rua da Bahia. Eram encontros informais, mas ele era sempre muito sério, e os encontros tinham horário pra começar, às 11h. E aí aparecia aquele tanto de poeta que ficava conversando e bebendo cerveja”, lembra.
Da amizade, surgiram algumas parcerias, como a diagramação de livros de teoria, além de “Cantaria Barroca” e “Masturbações”. “Ele tinha essa passagem pelo erotismo, mas não era muito transparente”, observa Sebastião.
A obra de Ávila foi reunida pela editora UFMG em “Homem ao Termo”, com criações de 1949 a 2005. Mas depois desse período, ele seguiu escrevendo e ainda publicou “Poeta Poente”. “É um canto de despedida, de maturidade, de reflexão sobre a vida, sobre o percurso transcorrido”, conta Carlos. Por fim, “Égloga da Maçã”, um poema extenso que traz elementos eróticos e filosóficos, foi sua última publicação. “Foi uma surpresa, um livro que saiu já no ano de morte dele, o que mostra que ele manteve a criatividade poética até o último suspiro”, completa o filho.
Patrimônio. Além da poesia, Affonso também foi estudioso e ativista da defesa do patrimônio cultural de Minas Gerais. “Ele contribuiu para a criação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, o Iepha, em 1971. Foi consultor da Fundação João Pinheiro e contribuiu para que a instituição se comprometesse com as cidades históricas. Daí surge o plano diretor de Ouro Preto e Mariana, depois São João del Rei”, conta o secretário estadual de Cultura, Angelo Oswaldo, que se diz discípulo de Affonso.
Mas a atuação de Affonso trouxe outras angulações. “Ele ajuda o Iepha a construir a lógica de patrimônio cultural para além das cidades já reconhecidas e volta sua atenção para técnicas construtivas tradicionais, para as edificações que ficam no meio dos caminhos, em pequenos distritos. Ele tomba, por exemplo, distritos de Ouro Preto e Sabará”, comenta Michele Arroyo, presidente do Iepha. “Nos anos 80, ele é convidado a retornar para o órgão para reestruturá-lo. Na ocasião, ele e outras pessoas encabeçam a luta pela preservação do Cine Metrópole, que acaba sendo demolido pelo governador Tancredo Neves, que não chancela o tombamento feito pelo Iepha. Affonso sai do Iepha por causa disso, e o episódio acaba por resultar na lei específica para tombamento municipal”, completa.
Barroco. Mas Angelo Oswaldo enfatiza que, além de atuar na burocracia e nas formalizações do poder público, o mais importante da contribuição de Affonso foram os estudos sobre o barroco mineiro. “Ele edita por 20 anos a revista ‘Barroco’ e faz da publicação um espaço de convergência sobre as expressões do barroco no mundo”, diz o secretário.
“Para as pessoas que se interessam pelo barroco, é impossível não visitar Affonso. Ele publicou ‘Resíduos Seiscentistas em Minas’, um livro que recuperou a festa do barroco no século XVII e mostrou como o barroco mineiro tinha peculiaridades”, comenta João Barile.
Também criou, ao lado de Rui Mourão e Fábio Lucas, o movimento e a revista ‘Tendência’, nos anos 50. “Foi uma luta pela renovação da literatura brasileira, com ensaios sobre o barroco mineiro de extrema relevância”, observa Angelo Oswaldo, relembrando com precisão que, em 1967, Affonso lançava uma edição facsimilar, construída a partir da fotografia do original, de dois livros importantes da história de Minas. “Trata-se do ‘Triunfo Eucarístico’, publicado originalmente em Lisboa em 1734, relatando as festividades ocorridas em Ouro Preto em 1733, e também ‘Áureo Trono Episcopal’, publicado também em Lisboa em 1749, narrando a chegada do primeiro bispo em Minas Gerais em Mariana, o dom frei Daniel da Cruz”, conta Angelo Oswaldo.
“Ele faz uma análise crítica desses textos, mostrando que o barroco em Minas é estilo de vida da sociedade mineradora. O primado da estética barroca valoriza a visualidade, tudo que é espetáculo para os olhos. Os grandes estudiosos do barroco vão falar que a vida é um espetáculo que passa, e Affonso vai mostrar como a sociedade mineradora encenava sua vida, as procissões, os cortejos, as festividades, as missas solenes, rituais essencialmente barrocos. Ele mostrava como essa sociedade se confrontava entre a riqueza fácil da abundância de ouro e se postava com medo diante de Deus, com medo do juízo divino. Ele estuda tudo isso e mostra como o barroco era presente na vida de Minas Gerais”, afirma o secretário.
Aproveitando as celebrações, Cristina Ávila, pesquisadora e filha de Affonso Ávila, organiza, em parceria com o Iepha, um seminário sobre o legado do pai e as políticas de proteção ao patrimônio cultural. O evento ainda não tem data definida.
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