quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Como o TRF-4 desmoralizou a Justiça

Como o TRF-4 desmoralizou a Justiça

Por Luis Nassif, no Jornal GGN:

João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus, os três desembargadores do TRF4 que julgaram Lula, provavelmente entrarão para a história do direito penal brasileiro.

A sentença proferida, as ginásticas processuais, expuseram de forma definitiva o poder de manipulação de juízes descomprometido com a seriedade da profissão. E, assim como receberam uma batata quente das mãos do colega Sérgio Mouro, entregarão aos tribunais superiores – que irão analisar sua sentença – um frankestein legal, capaz de consumar a desmoralização final dos operadores de direito brasileiros perante a comunidade jurídica internacional.

Partiu do ex-juiz federal, e atual governador do Maranhão Flávio Dino, as análises mais objetivas sobre a pantomima de Porto Alegre.

Diz ele que milhares de páginas de direito penal foram rasgadas.
Peça 1 – os crimes indeterminados
Na falta de provas, o juiz Sérgio Moro havia criado, para criminalizar Lula, a figura do ato de ofício indeterminado – isto é, algum ato que Lula tomou, não se sabe como, onde, mas que existiu, existiu, e não se fala mais nisso.

Seus colegas do TRF4 ampliaram a criatividade e criaram a figura do “crime de corrupção complexo”, do qual ninguém sabe a data, o local, as circunstâncias, mas que existiu, existiu.
Peça 2 – a lavagem de dinheiro
A Lava Jato conseguiu uma criatividade inédita na caracterização do crime de lavagem de dinheiro, diz Flávio Dino: a OAS lava dinheiro dela mesma. Ou seja, para disfarçar a propriedade do tríplex, mantêm-no em seu próprio nome. Moro criou; o TRF bancou.
Peça 3 – o crime de solicitar
Como não se conseguiu provar que houve qualquer espécie de recebimento, mudou-se o núcleo do crime de “receber” para “solicitar”, figura não prevista no Código Penal.
Peça 4 – a tal teoria do fato
De seus tempos de juiz, Flávio Dino se recorda de várias acusações contra magistrados, indicando que assessores negociavam sentenças em salas ao lado da sala do titular. Todos foram absolvidos sob o argumento de que não podiam adivinhar o que ocorria na sala ao lado com auxiliares corruptos.

No entanto considerou-se que um presidente da República, de um país das dimensões do Brasil, tinha que saber o que ocorria com os contratos de uma das estatais.
Peça 5 – a competência da Lava Jato
Não havia suporte para a competência da Vara de Curitiba e do TRF4. Afinal, o apartamento em questão está em Guarujá e não havia correlação nítida com nenhum ato ligado à Petrobras.

Para garantir o controle de Sérgio Moro, os procuradores ligaram o tríplex a três contratos da OAS com a Petrobras.

Na sentença, Sérgio Moro diz explicitamente que não havia relação com os três contratos. Seus colegas do TRF4 colocam a Petrobras de volta no contrato, mostrando inconsistência generalizada das acusações.

Peça 6 – as sentenças ampliadas
Aqui se entra na parte mais bizarra da sentença, mostrando como um erro inicial, para ser mantido exige mais erros nas instâncias superiores.

Confira a malha em que se enredaram os quatro juízes – Sérgio Moro e os três desembargadores, mais os procuradores da Lava Jato.

Passo 1 - enquadraram Lula no crime de corrupção passiva.
Depois, se deram conta do engano. Corrupção passiva só se aplica a funcionário público, ou a quem estiver exercendo cargo público. Todas as acusações – tríplex, reforma no sítio de Atibaia etc – foram em cima de fatos ocorridos depois que Lula deixou a presidência.

Para corrigir o cochilo, os procuradores puxaram as denúncias para antes de 2010. E Sérgio Moro convalidou.

Passo 2 – as prescrições
Ocorre que o artigo 109 do Código Penal diz o seguinte, a respeito de prescrições de penas:

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:(Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

Significa o seguinte: se a pena máxima é superior a oito anos e não excede a doze (como era a pena aplicada por Moro no item corrupção passiva há prescrição se o prazo entre o malfeito e a sentença final superar 16 anos.

Mas há uma cláusula que não foi considerada pela brilhantíssima equipe da Lava Jato. Para réus com mais de 70 anos, o prazo de prescrição cai pela metade, ou oito anos.

Como a Lava Jato imputou a Lula fatos ocorridos em 2009, com mais oito anos dá 2017. E a pena estaria prescrita.

Foi por isso que os três desembargadores fecharam questão em torno da pena de 12 anos e um mês, comprovando definitivamente a marmelada. Com a variedade de itens a serem consideradas na dosimetria (o cálculo da pena) a probabilidade dos três fecharem questão em torno do mesmo valor seria mínima.

Passo 3 – das penas máximas
O crime de corrupção passiva é de 2 a 12 anos. Como réu primário e de bons antecedentes, não se poderia dar acima da pena mínima. O Código Penal tem requisitos e STF (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal) já disseram várias vezes que, para se afastar o réu primário da pena mínima, tem que apresentar fatos específicos.

No entanto, os três desembargadores se afastaram da mínima, quase chegando à máxima de 12 anos, para impedir a prescrição, sem apresentar nenhum fato específico.
Peça 7 – os tribunais superiores
Para Flávio Dino, na força bruta empregada pelos três desembargadores reside a fraqueza maior da decisão.

Diz Dino que na comunidade dos intérpretes das leis e constituições reina maioria avassaladora que considera que o julgamento foi “atípico”.

A única exceção são aqueles que acham que foi “atípico” porque os colegas precisavam preservar Sérgio Moro. A intenção, para estes, não seria condenar Lula, mas absolver Moro das excentricidades de sua sentença. Dino considera que trata-se de leitura equivocada: o alvo era Lula, mesmo.

Segundo Dino, o julgamento significou um retrocesso de 300 anos no direito, porque assumindo feição inquisitorial, remetendo aos tempos da Inquisição, nos quais definia-se primeiro a culpa, para depois encontrar o crime.

Independentemente da linha política em jogo, Dino considera que os tribunais superiores terão que dizer se garantem ou não dois direitos fundamentais:

1. Permitir a prisão de Lula enquanto tramitam recursos contra a decisão do TRF4. É preciso sublinhar diariamente, diz Dino: prisão antecipada tem que ser justificada com razões concretas.

2. Buscar a aplicação da Lei da Ficha Limpa. Ela não definiu de modo absoluto que qualquer julgamento colegiado induz à inelegibilidade. Quando o direito de concorrer for plausível, com demonstrações de parcialidade das instâncias inferiores, os tribunais superiores deverão conceder liminar, por haver dano irreparável se a pessoa não concorrer.

Sejam quais forem as consequências, Gebran, Paulsen e Laus entram para a história política e do direito brasileiro, como três magistrados que sacrificaram os princípios do direito, o respeito às leis e à sua profissão, em favor de objetivos menores.

A informação do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, de que não será possível abrir o sistema Drousy, da Odebrecht, é o ponto final na pantomima da Lava Jato.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Tribunal de exceção feriu gravemente o Estado de Direito

Farsa judicial decretou ditadura no Brasil

Por Jeferson Miola

O dia 24 de janeiro de 2018 tem o mesmo significado e o mesmo efeito que o 13 de dezembro de 1968. A farsa judicial do tribunal de exceção da Lava Jato feriu gravemente o Estado de Direito.

Quando o judiciário perde imparcialidade e isenção e se transforma num órgão político de perseguição a inimigos ideológicos, acaba a democracia e prevalece o desmando institucional e o obscurantismo.

O justiçamento do Lula evidencia que o regime de exceção evoluiu para uma verdadeira ditadura jurídico-midiático-policial. A truculência dos 3 justiceiros na condenação sem provas assombrou o mundo.

As posturas odiosas daqueles verdugos que atuaram como promotores de acusação e não como julgadores justos e imparciais, são equiparáveis às práticas inquisitoriais da justiça militar na ditadura anterior.

Em dezembro de 1968, o regime civil-militar apoiado pela Rede Globo decretou o Ato Institucional 5 para aprofundar o golpe de 1964 e implantar o terror ditatorial que foi finalmente encerrado pela resistência democrática em 1985.

Os golpistas de hoje, togados e uniformizados de preto, não trajam farda verde-oliva e tampouco empunham baionetas; mas nem por isso são menos violentos e menos nefastos à democracia e ao Estado de Direito que aqueles que usurparam o poder em 1964.

Já não existe ordem legal no país; a Constituição foi detonada. É mentira que tudo transcorre dentro da normalidade institucional, como afirmam os golpistas. Estamos sob a vigência de um regime de livre arbítrio da mídia hegemônica liderada pela Rede Globo e juízes, procuradores e policiais federais tucano-emedebistas.

O aprofundamento ditatorial do regime é a resposta dos golpistas à ameaça da eleição do Lula, fato que interromperia este projeto de poder anti-democrático, anti-nacional e anti-popular que devasta o Brasil desde o impeachment fraudulento da Presidente Dilma.

A comunidade jurídica internacional testemunha, estarrecida, a destruição do Estado de Direito – a perseguição midiática, jurídica e policial ao Lula com o cínico pretexto do combate à corrupção deixou esta verdade exposta.

O advogado australiano Geoffrey Robertson compareceu no TRF4. Ele representa Lula na ONU, e será condecorado pela rainha Elisabeth por sua notoriedade jurídica. Robertson resume a reação do mundo diante da farsa operada no tribunal de exceção da Lava Jato:

“Foi uma triste experiência ver que normas internacionais sobre o direito a um julgamento justo não parecem ser seguidas no sistema brasileiro.

Uma Corte de Apelação é uma situação em que três juízes escutam os argumentos sobre a decisão de um primeiro juiz, que pode estar certo ou não. Os juízes hoje falaram cinco horas lendo um script. Eles tinham a decisão escrita antes de ouvir qualquer argumento. Nunca escutaram, então isso não é uma sessão justa, não é uma consideração apropriada do caso.

Tem um juiz que investiga o caso, define grampos e ações de investigação, para depois também julgar a pessoa no tribunal. Isso é considerado inacreditável na Europa; impossível, pois isso tira o direito mais importante de quem está se defendendo: ter um juiz imparcial no seu caso.

Moro demonizou Lula, contribuiu para filmes e livros que difamaram o ex-presidente e encorajou o público a apoiar sua decisão. Moro jamais poderia se comportar assim na Europa. Depois, divulgou para a imprensa áudios capturados de forma irregular, de conversas entre Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff. Pediu desculpas, mas imediatamente deveria ter sido retirado do caso.

Tenho experiência com casos de corrupção e, aqui nesta sessão, não vi evidências de corrupção. Foi uma experiência triste sobre o sistema judiciário brasileiro”.

A ditadura está instalada no Brasil. A caçada midiática, judicial e policial hoje voltada contra Lula, em breve será uma caçada disseminada contra qualquer crítico da ditadura; contra qualquer ativista social, contra qualquer cidadão comum na luta por direitos e liberdade.

Ditaduras não costumam economizar o uso de dispositivos autoritários para dizimar quem ameace sua existência.

O terror midiático-jurídico é tão ou mais perverso que o terror militar. Quando princípios fundamentais – como devido processo legal, presunção da inocência e ônus da prova – são pervertidos, o cidadão fica totalmente desprotegido, sujeitado ao arbítrio e à pior das tiranias.

A farsa judicial montada para aniquilar Lula decretou a ditadura no Brasil.

domingo, 28 de janeiro de 2018

A noite que se abateu sobre o Brasil será longa e exigirá muita luta



Luís Felipe Miguel
Prof. de Ciência Política da UnB
Do seu facebook

A mídia corporativa faz um esforço gigantesco para transmitir a impressão de que o julgamento de Porto Alegre encerrou o jogo. A narrativa quase unânime em suas páginas diz que a justiça foi feita, as culpas foram provadas, a isenção do julgamento está acima de suspeita. Agora, trata-se de continuar o jogo. Por isso, o noticiário foca no "plano B" do PT e nos preparativos para a prisão de Lula.

Na tentativa pueril de esconder sua parcialidade de sempre, a mídia dá a entender que a certeza quanto à lisura do processo vem da "qualidade" do trabalho do TRF-4. Chega a ser constrangedor ver colunistas que foram entusiastas da perseguição a Lula desde seus primórdios escrevendo coisas como "eu tinha dúvidas sobre a sentença de Moro, mas os votos dos desembargadores esclareceram tudo".

Uma legião de juristas já demonstrou, com mais propriedade do que eu seria capaz, os vícios do julgamento de Lula. Ausência de provas, cerceamento do direito de defesa, constrangimento ilegal a testemunhas, enquadramento em crimes inexistentes no código penal, desvio de foro, parti pris contrário ao réu... Não falta nada. Para o condomínio golpista, porém, é fundamental impedir que estes questionamentos sejam levados em conta.

O subtexto é que, sendo justo o julgamento de Lula, é justo todo o processo político-judicial brasileiro dos últimos anos - incluídos, é claro, o golpe que derrubou Dilma Rousseff e seus desdobramentos. E será justa também a eleição de outubro, embora privada do candidato favorito.

A continuidade do processo judicial de Lula, com recursos às cortes superiores, tem muito mais o caráter de denúncia do que  de esperança de uma correção das arbitrariedades até aqui praticadas. A apresentação dos recursos abre uma brecha, ainda que pequena, para a exposição dos vícios do julgamento. Mas se ilude quem pensa que STJ ou STF teriam um pingo de disposição de resistir ao cerceamento das liberdades e dos direitos que está em curso.

A mídia propaga a ideia de que o STJ poderia adiar ou evitar a prisão de Lula - o que já mostra o enquadramento escolhido, que despreza a exigência de revisão da sentença propriamente dita. Mas é claro que a decisão sobre prender ou não o ex-presidente não tem nada a ver com o processo legal, assim como sua condenação não teve. O que está em questão é a conveniência política e a estimativa do efeito que terá, o cálculo de custo-benefício, isto é, se aprisioná-lo mais estimula ou mais arrefece a resistência popular.

A eleição de outubro também deve ser vista como um espaço de propaganda; dificilmente como aposta para reversão do quadro. A pequena brecha que o debate eleitoral abre permite denunciar o processo em curso. Boas votações de candidatos antigolpistas ampliam os custos da manutenção dos retrocessos.

Mas está claro que a coalizão golpista não chegou até aqui para em seguida entregar o poder a alguém que não estiver alinhado com ela e contar apenas com esse capital insignificante, o apoio da maioria da população. A campanha certamente será pesada. Assim como Lula foi afastado, outros candidatos que parecerem competitivos podem sê-lo. Se ainda assim um candidato próximo do campo popular se sagrar vitorioso, ninguém sabe se tomará posse, muito menos se conseguirá governar.

Isso não é alarmismo, é realismo. A ruptura do compromisso das classes dominantes com as regras mínimas do ordenamento democrático-liberal é profunda e nada indica que está para ser revertida.

Para que o seja, é necessário alterar a correlação de forças na sociedade. É necessário investir na reorganização do campo popular e na ampliação de sua capacidade de resistência.

Isso não se faz com bravatas de palanque. Não adianta falar em "desobediência civil", como fez o senador Lindbergh Farias, sem a menor organização capaz de colocá-la em marcha. Também é sem sentido reclamar, como vi parte da esquerda antipetista fazendo, que Lula obedeceu à absurda determinação de entregar o passaporte, porque ele estaria se submetendo à ordem imperante e injusta. Desobediência civil não é porra-louquice ou martírio individual.

Há mais de cem anos, Rosa Luxemburgo escrevia que "é impossível propagar a greve de massas como meio abstrato de luta assim como é impossível propagar a revolução. A revolução e a greve de massas são conceitos que enquanto tais significam apenas a forma exterior da luta de classes, que só têm sentido e conteúdo em situações políticas bem determinadas". ("Desobediência civil", claro, bem poderia entrar na lista de exemplo da pensadora polonesa.)

Ou seja: o necessário é investir no trabalho político e assim construir as condições de uma ação mais ofensiva dos grupos dominados. Infelizmente, a noite que se abateu sobre o Brasil será longa e superá-la exigirá muita luta. Sonhar com uma saída milagrosa é só isso: sonho.

sábado, 27 de janeiro de 2018

Condenação sem prova: degradação do judiciário

Dalmo Dallari
Jornal do Brasil

"É inaceitável que julgador coloque em 1º lugar preferências políticas. Foi isso que o TRF4 fez"

O Estado Democrático de Direito é ostensivamente negado e deixa de ser uma realidade quando o Poder Judiciário, contrariando seu papel constitucional de guarda da Constituição e garantidor do Direito e da Justiça, decide arbitrariamente, condenando sem que tenham sido apresentadas provas objetivas comprovando a culpa do acusado. Como tem sido ressaltado por eminentes teóricos do Direito, o conceito de Estado de Direito, como complemento necessário do Estado Democrático, foi uma conquista da humanidade. Com efeito, é de fundamental importância que o comando do poder político seja democrático, expressando a vontade e dando prioridade aos interesses reais da maioria dos governados. Mas para que isso tenha clareza e eficácia é absolutamente necessária a ordem jurídica, que estabelece direitos e obrigações e define os meios para garantia e efetivação dos direitos de todos, sem exclusões e discriminações. A formalização dessas exigências caracteriza o mais avançado constitucionalismo, sendo oportuno lembrar que a Constituição brasileira de 1988 tem sido reconhecida e exaltada em eventos jurídicos e políticos como das mais democráticas do mundo. 


Dalmo Dallari
Dalmo Dallari

Essa característica fundamental do novo constitucionalismo tem o seu reconhecimento no dispositivo da Constituição basileira que estabelece como primeira competência do Supremo Tribunal Federal a « guarda da Constituição ». Esse dispositivo deixa mais do que evidente a correlação do político com o jurídico, ou seja, o relacionamento necessário do direito com a política. As decisões políticas são, necessariamente, também jurídicas, mas, por outro lado, as decisões jurídicas têm, também, implicitamente, um conteúdo político. Na literatura jurídica mais recente aparece um questionamento entre as expressões « politização do Judiciário » e « judicialização da política ». Na realidade, existe uma conjugação necessária da política com o direito ou vice-versa, pois assim como o político não pode ignorar o direito ou opor-se a ele, o jurista, seja qual for seu campo especifico de atuação, estará sempre atuando no campo político, influindo sobre ele. Por esse motivo, não pode ser aceita a atitude do julgador que se afasta dos padrões fundamentais do Direito visando a consecução de objetivos políticos. Isso se aplica tanto aos Juízes de primeira instância e das instâncias superiores quanto aos Ministros do Supremo Tribunal Federal. 
Por todas essas razões, é inaceitável a atitude do julgador que ao participar de uma decisão judicial coloca em primeiro lugar, como diretriz para a decisão, suas convicções e preferências políticas, ignorando, ou mesmo contrariando frontalmente, os preceitos jurídicos consagrados na Constituição e na legislação vigente. Pois foi isso, precisamente, o que fez o Tribunal Regional Federal da 4a. Região, o TRF-4, no julgamento de Lula, como tem sido claramente demonstrado por eminentes juristas, em análises objetivas e muito claras, confrontando os argumentos invocados pelos julgadores com os princípios e as normas fundamentais de Direito, expressamente consagrados na Constituição e na legislação penal brasileiras.
Uma análise merecedora de destaque, por seu conteúdo e também pela experiência e grande autoridade de seu autor, foi feita pelo eminente Magistrado Sílvio Luís Ferreira da Rocha, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica de São Paulo e com rica experiência como Juiz Titular da 10a. Vara Criminal Especializada em Sistema Financeiro e Lavagem de Dinheiro. Em magnífico artigo publicado no portal « Justificando » no dia 25 de Janeiro, o preclaro Professor e Magistrado ressalta, de início, aspectos de extrema relevância a respeito das normas e teorias jurídicas da área Criminal, fazendo em seguida a crítica, serena e objetiva, de aspectos fundamentais do julgamento do ex-Presidente Lula pelo TRF-4.
O ponto de partida de sua análise é a lembrança de um requisito básico para a correção e a legitimidade das decisões, assim exposta: « Dentre a exigência de assegurar-se, no contexto de um sistema democrático, um julgamento justo a todos os acusados, está a de condenar-se alguém, em especial no âmbito penal, apenas quando estiver certa a ocorrência de um crime e comprovada por provas, isenta de qualquer dúvida razoável, a sua autoria, coautoria ou participação. » Em seguida, tecendo considerações sobre os meios de convencimento do julgador, faz uma ressalva de extrema relevância : « É certo que existe o sistema de persuasão racional, no qual o Juiz tem o dever de fundamentar sua  decisão, indicando os motivos e as circunstâncias que o levaram a admitir a veracidade dos fatos em que se baseou a decisão ». Entretanto, observa em seguida, « esse sistema de persuasão racional não se contenta somente com a produção de uma motivação clara e coerente, mas exige mais, como a existência efetiva de fatos confirmada pela análise crítica de todas as provas disponíveis ». 
Quanto a esta exigência, pode-se dizer que, na decisão do TRF-4, foi feita uma distorsão da teoria alemã geralmente identificada como de « dominio do fato », que, numa aplicação errônea, dispensaria a exigência de provas objetivas.  Na realidade, essa teoria não serve de base para fundamentar a responsabilidade penal simplesmente pela posição hierárquica de quem poderia ter dado determinada ordem. Pela teoria do domínio do fato esse pode ser um dos elementos a serem considerados, mas complementado pela prova de que o superior hierárquico praticou, efetivamente, o ato que está sendo questionado. O que se exige  é a comprovação efetiva de fatos, confirmada por elementos constantes do conjunto acusatório. Ora, a denúncia de que haveria,  por parte dos empresários, a oferta ou promessa de vantagens indevidas a funcionários públicos para determiná-los a praticar, omitir ou retardar ato de ofício seguido da aceitação de promessa ou do recebimento de vantagens indevidas pelos funcionários, abrangendo diferentes Diretorias e órgãos públicos federais, teriam um comando superior e comum, que seria precisamente o Presidente Lula, que além de Chefe do Governo era também líder de uma das principais legendas políticas envolvidas, não foi comprovada. A única base para essas afirmações são os depoimentos de acusados, por meio de delações premiadas, o que, obviamente, está longe de configurar a existência de elementos concretos de prova. 
Com base no exame dos elementos reunidos pela acusação e analisando a atitude dos julgadores, o professor e magistrado Sílvio Luís Ferreira da Rocha destaca que nenhum dos empresários ou agentes públicos que fizeram delações ou declarações mencionou o Presidente Lula e conclui pela inexistência de comprovação para fundamentar uma condenação, que foi decidida sem que houvesse provas, voltando a lembrar que « o sistema pautado pela persuasão racional ou livre convencimento motivado do juiz exige a existência de fatos, confirmada pela análise crítica de todas as provas disponíveis ».
Além dessa valiosa análise do julgamento que resultou na confirmação da condenação do ex-Presidente Lula, outros juristas eminentes também publicaram depoimentos, fazendo a análise dos aspectos fundamentais do julgamento e externando sua opinião sobre o desempenho dos julgadores e sobre questões jurídicas fundamentais ligadas a esse julgamento e merecedoras de especial consideração. Uma particularidade que deve ser ressaltada é que nenhum jurista fez declarações ou publicou qualquer depoimento manifestando concordância com a decisão condenatória ou sustentando a regularidade do julgamento. Ao contrário disso, deixaram clara sua convicção de que a decisão foi antijurídica e injusta, pois houve uma condenação sem prova.
Nas manifestações contrárias à forma de julgamento e às conclusões, alguns dos analistas observaram que a prática de indicar nomes para o preenchimento de determinados cargos é de conhecimento público, sendo que em muitos casos, as nomeações são feitas envolvendo acordos com partidos ou com aprovação prévia de outras instâncias, como o Congresso Nacional. Cabe lembrar aqui que essas consultas e buscas de influência ocorrem, inclusive, na designação de magistrados para órgãos superiores do Judiciário, como é de conhecimento geral, sendo muito anteriores ao período do governo Lula. Além disso, alguns delatores falaram na existência de uma « conta-corrente », para sustentar que isso, que é uma prática corrente, também ocorreu quando Lula era Presidente, mas nenhum deles indicou bancos, valores e outros meios de movimentação de tais recursos, ou seja, não foi sequer indicado um elemento concreto de prova. Quanto a esse aspecto, pode-se dizer que os julgadores ignoraram ou fingiram ignorar que o Supremo Tribunal Federal já afirmou claramente, em mais de uma ocasião, que « a mera palavra dos delatores não serve isoladamente como prova para condenar ninguém ».
É oportuno assinalar que essa prática, que o TRF-4 está criminalizando ao condenar Lula não com provas, mas com um ataque direto a atividades de caráter político-administrativo, são prerrogativas inerentes ao cargo de Presidente da República. Sarney, Collor e Fernando Henrique nomearam para cargos de diretoria muitas vezes ouvindo reivindicações de várias origens, assim como se beneficiando de financiamento privado para suas campanhas e as de seus partidos. A par disso, pode-se ainda acrescentar que nenhum elemento concreto de prova foi obtido ou juntado aos autos, resultando disso uma condenação sem prova , por isso mesmo ilegal e injusta. E deve-se assinalar ainda que o aumento da pena imposta ao ex-Presidente Lula para mais de oito anos pelo crime de corrupção passiva só ocorreu para evitar a prescrição retroativa. Com esse aumento da pena o processo continuará em aberto até o momento da inscrição de candidatos para a próxima eleição presidencial, fazendo supor que o objetivo final imediato tenha sido criar obstáculos para a candidatura de Lula à Presidëncia da República.
Aí está, em síntese, o que foi o julgamento da TFR-4 que culminou com a condenação de Lula. Outros aspectos negativos poderiam ser apontados, mas o que aqui foi exposto é suficiente para deixar evidente que houve uma decisão manifestamente contrária ao Direito e à Justiça e, por essa razão, degradante para o Judiciario. 
* jurista


quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Há juízes no Brasil, o que falta é justiça


Por Joan Edesson de Oliveira, no site Vermelho:

“Ainda há juízes em Berlim!”

A frase é retirada do conto de François Andrieux, “O moleiro de Sans-Souci”, e narra um diálogo entre Frederico II, da Prússia, e um moleiro seu vizinho. Pressionado pelo imperador, que quer ampliar o seu castelo, e negando-se a vender-lhe a propriedade, o moleiro é ameaçado por Frederico, que afirma que pode tomar-lhe as terras, se a recusa em vendê-las persistisse. O moleiro não acredita que isso seja possível, retrucando:

- Tomar-me o moinho? Só se não houvesse juízes em Berlim.

Bonitinha, revela uma ingenuidade sem limites. Em Berlim, como no Brasil, sempre houve juízes. Salvo raríssimas e honrosas exceções, eles sempre se curvaram aos Fredericos em detrimento dos direitos dos moleiros, camponeses, trabalhadores, dos deserdados da terra.

A justiça, por aqui e alhures, é, na sociedade de classes, uma justiça de classe, uma justiça que representa a classe dominante e que toma o partido dessa classe. Foram os tribunais que mandaram fuzilar Frei Caneca e os padres Roma, Miguelinho e Mororó. Foram os tribunais que mandaram enforcar Cosme Bento, Lucas Dantas, Manuel Faustino, Luiz Gonzaga e João de Deus. Os tribunais legitimaram o golpe militar em 1964 e as atrocidades cometidas pela ditadura que lhe seguiu. Os tribunais condenaram centenas de democratas que ousaram enfrentar a ditadura.

Ainda hoje, são tribunais que condenam um negro catador de lixo por porte de pinho sol e alguns gramas de maconha, mas que liberam o filho branco de uma desembargadora preso com armas, munições e mais de cem quilos de droga. São tribunais que condenam trabalhadores rurais sem terra e deixam em liberdade latifundiários mandantes de assassinato. São tribunais que deixam seis anos na prisão uma mulher pela tentativa de furto (não consumado) de desodorantes e chicletes, mas que não incomodam grandes sonegadores useiros e vezeiros em lesar o tesouro público.

Daí, não haver nenhuma surpresa na confirmação da condenação do ex-presidente Lula pelo Tribunal Regional Federal em Porto Alegre nesta quarta, 24 de janeiro. Havia ingênuos que acreditavam na absolvição. Mais de um, mesmo depois de iniciado o julgamento, ainda insistia, tão candidamente quanto o moleiro de Sans-Souci:

- Lula será absolvido. Não há provas contra ele.

Como se num processo como este fossem necessárias provas.

Esse foi um processo político desde o nascedouro, um processo que nem crime teve. O que o Ministério Público apresentou como crime foi desconsiderado pelo juiz, que criou ele próprio outra acusação. O que se viu em Porto Alegre nesta quarta-feira que passará à história pela sua infâmia não foi um julgamento. O que se viu ali foi um picadeiro, no qual se sucederam piruetas, contorcionismos, acrobacias, malabarismos e ilusionismos jurídicos.

Na sala daquele tribunal rasgou-se em definitivo a Constituição da República e subverteu-se a norma do direito, pela qual o ônus da prova cabe ao acusador. Chegou-se a afirmar que a defesa não fora capaz de provar a inocência do acusado, criando-se assim um precedente perigosíssimo: doravante, não mais caberá ao acusador provar a acusação, mas qualquer cidadão acusado precisará provar que é inocente.

Não fossem as trágicas consequências o julgamento de hoje, que consolidam o golpe parlamentar de 2016, o julgamento teria momentos risíveis. Em alguns momentos do voto do relator, a impressão é que estávamos numa roda de comadres ou numa mesa de bar repleta de fofoqueiros, a afirmar que fulano ouviu de sicrano, que falou com beltrano, que ouviu dizer por outro... Aqueles senhores, para cumprir os seus desígnios com tanta vilania, desceram a profundidades jamais vistas na escala da vergonha.

Quando sepultamos a democracia, quando enterramos o estado democrático de direito, o moleiro de Sans-Souci, vivesse entre nós, saberia que ainda há juízes no Brasil.

O que nos falta é justiça.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

'Foi uma grande farsa', diz ex-ministro de FHC sobre condenação de Lula

Para Paulo Sérgio Pinheiro, com o julgamento, Judiciário assume papel de "assessor do golpe". "Essa decisão confirma que não há condições de Lula ser examinado por uma Justiça equânime", afirma
por Redação Rede Brasil Atual
MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
Paulo_Sérgio_Pinheiro
Para Paulo Sérgio Pinheiro, se a sociedade não reagir, os grupos que conduzem o golpe vão se fortalecer cada vez mais
São Paulo – “O Judiciário (do Brasil) assume o papel de assessor do golpe. Uma decisão extremamente politizada. Apesar de os juízes tentarem mostrar que respeitam a democracia, foi uma grande farsa, a segunda parte da farsa desde o impeachment”, definiu Paulo Sérgio Pinheiro, ex-ministro de Direitos Humanos de Fernando Henrique Cardoso, em entrevista para a Rádio Brasil Atual, pouco após o término do julgamento no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que manteve a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Realmente foram sentenças inacreditáveis. Eles não conseguiram achar nenhum defeito na sentença do Moro, que já era um escândalo”, afirmou. Para Pinheiro, a impressão é que os três juízes combinaram os votos, além de terem se “arvorado” como defensores da democracia, algo que, na opinião dele, é totalmente fora de contexto.
“Não é só uma decisão inaceitável, mas certamente gravíssima na perspectiva de um Judiciário independente. Essa decisão confirma que no atual Judiciário do Brasil não há condições de Lula ser examinado por uma Justiça equânime. Nos Estados Unidos se chama isso de 'tribunal canguru', quando já se sabe que o réu está condenado”, afirmou Paulo Sérgio Pinheiro, que desde 1995 tem desempenhado diversas funções na Organização das Nações Unidas (ONU), entre elas, a de presidente da Comissão Internacional de Investigação para a Síria.

Repercussão

Pinheiro disse acreditar que a sentença dada nesta quarta-feira (24) pelo TRF4, ajudará no pedido da defesa do ex-presidente Lula feito ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). “Com todas as irregularidades, vai chamar a atenção dos membros do Comitê para essa decisão eminentemente política.”
O ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV) ainda ponderou que a sentença de Lula não repercute apenas na Europa ou outros países, mas é um péssimo precedente para o sistema de justiça de todo o continente latino-americano. “Não há a menor dúvida que essa sentença combinada visa tirar Lula das eleições.”
Para o ex-ministro de FHC, é preciso haver uma grande mobilização para impedir que o  se fortaleça cada vez mais. “Se a sociedade ficar imóvel, os grupos que avançam em direção a um governo totalitário só irão se fortalecer.”

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

A injustiça é flagrante, por Guilherme Boulos

No caso de Lula, a injustiça é flagrante

Por Guilherme Boulos, na revista CartaCapital:

Na quarta-feira 24, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região julgará o recurso apresentado pelo ex-presidente Lula após a condenação em primeira instância pelo juiz Sergio Moro. Será um momento crucial da vida política brasileira. Os desembargadores estarão diante de uma encruzilhada: sustentar a farsa judicial de Moro ou constatar a absoluta falta de provas e, assim, reverter a decisão.

A ação do Ministério Público Federal, comandada pelo fanático Deltan Dallagnol, e posteriormente a sentença de Moro contra Lula foram evidentemente políticas.

Além de não haver uma única prova material, o processo foi acompanhado de medidas flagrantemente ilegais como a condução coercitiva do ex-presidente sem intimação prévia e o vazamento de grampos entre ele e a presidenta Dilma Rousseff.

Os agentes que deveriam assegurar a lei terminaram por violá-la. Em vez de se portar como juiz, Moro atuou todo o tempo na ação como promotor. Algum dia saberemos, provavelmente, suas reais motivações.

O casuísmo do Poder Judiciário nesse episódio é notório: o principal objetivo da condenação é retirar Lula das eleições. Os próprios prazos de tramitação do processo desrespeitaram todos os ritos, furando filas para que o julgamento pudesse coincidir com a inviabilização eleitoral.

O Brasil inteiro sabe disso, comentaristas de jornais e televisão nem sequer têm a preocupação de preservar algum decoro na farsa. São tempos de golpe. Golpe que destituiu Dilma Rousseff, impôs uma agenda sem precedentes de retrocessos sociais ao povo brasileiro e entrou, enfim, em seu terceiro ato: impedir, no tapetão, o primeiro colocado em todas as pesquisas realizadas de concorrer à Presidência da República.

Mais uma vez a história se repete como farsa. Em 1964, a ditadura cassou o mandato do então senador Juscelino Kubitschek e suspendeu seus direitos políticos por dez anos, acusando-o de possuir ilegalmente um apartamento luxuoso em Ipanema.

Posteriormente, a Justiça comum mandou arquivar o processo por completa falta de provas. Mas o linchamento na mídia de JK convenceu parte da população de que o apartamento era dele. Mais uma vez um apartamento, mais uma vez sem provas. Mudam os nomes e os tempos, permanece o método.

A casa-grande sempre jogou baixo e nunca soube perder. Vale-se de todos os recursos, da instrumentalização do combate à corrupção para interesses escusos – de Carlos Lacerda aos udenistas de hoje – ao adestramento do Judiciário e da mídia para dar verniz de legitimidade aos golpes mais escancarados.

Essa turma não tem projeto nacional ou compromisso com qualquer princípio. Não deixa de ser emblemático que tenha se voltado contra Lula. O ex-presidente não pode ser acusado de radical. Em seus governos, como ele próprio reconheceu inúmeras vezes, os abastados não deixaram de ganhar. No entanto, querem mais, querem tudo. E vão até as últimas consequências.

A maior parte da elite brasileira é profundamente antidemocrática. É “povofóbica”. Que fique a lição histórica de que não há conciliação possível. Ou teremos força e ousadia para virar o tabuleiro ou então ficaremos reféns do eterno retorno dos golpes no Brasil.

Por tudo isso, a luta contra a condenação de Lula significa ser consequente na luta contra o golpe. Combater a perseguição e defender o direito de Lula ser candidato é defender a democracia. Não sabemos ainda qual será o julgamento do TRF4, embora haja sinais de cartas marcadas.

Independentemente da decisão da quarta 24, não restam dúvidas de que Lula será absolvido no tribunal da História. A injustiça é flagrante. Quem está hoje no banco dos réus, se seguir a farsa, sairá como mártir. E seus acusadores terão a merecida infâmia.

Como disse Charles de Gaulle, o futuro dura muito tempo. Por isso, esta é a hora de nos mobilizarmos com todas as forças contra esse absurdo. Não cabe hesitação: no dia 24, o lugar de todos que acreditam na democracia será nas ruas, em Porto Alegre, São Paulo e em todo o País.

sábado, 20 de janeiro de 2018

Rádio Democracia revive rede da legalidade


"A rádio Democracia existe como contraponto à mídia hegemônica. E quanto mais cresce a adesão de novas rádios à rede, maior é a percepção de que a sociedade carece de mais informações confiáveis.
– Até o momento, temos 209 rádios organizadas na rede, que são rádios livres, comunitárias, estatais e algumas educativas. A rede vai aumentar até a semana do julgamento, estamos muito felizes porque todo mundo percebe a necessidade de outra comunicação, de um jornalismo mais verdadeiro, voltado ao interesse social, e não ao mercado… mais dialógico, onde os valores das elites não estejam concentrados, em jogo. Se a rede cresce é porque os veículos tradicionais de comunicação não conseguem levar uma informação de qualidade para a sociedade brasileira."

Pela internet, a programação estará disponível no endereço www.radiodemocracia.net.br.


Rádio Democracia Revive Rede da Legalidade


Há 57 anos, o antídoto para um golpe de Estado iminente foi uma rede democrática impulsionada, a partir de Porto Alegre (RS), por uma cadeia nacional de rádios. A Rede da Legalidade, coordenada pelo então governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, impediu que os militares tomassem o poder já em 1961 após renúncia do ex-presidente Jânio Quadros e garantiu a posse de João Goulart. Quase seis décadas depois, o país vai reviver a organização em rede via rádios web, livres, comunitárias, educativas e estatais em todo o país.
A Rádio Democracia vai ao ar em 24 de janeiro, das 5 horas da manhã e segue com programação extensa até a meia-noite. Além dos bastidores do julgamento e da movimentação externa ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, a rádio vai divulgar flashes com informações de todos os Estados onde houver manifestações em defesa da democracia e pelo direito de Lula ser candidato às eleições de outubro. Até o momento, 209 rádios de 25 estados já haviam se cadastrado para retransmitir a programação da Rádio Democracia. A expectativa é de que até o dia 24 de janeiro o número aumente ainda mais. 
agência Saiba Mais conversou por telefone com o coordenador geral da rádio Democracia, Jerry de Oliveira. Ativista do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias, ele mora em Campinas (SP) onde gerencia a rádio Noroeste FM. Oliveira conta que mais de 200 comunicadores vão trabalhar pela rádio Democracia no dia do julgamento do Lula.
 – Faltam só dois estados confirmarem: Roraima e Amapá, mas já passamos de 200 profissionais. A ideia é trabalhar de forma horizontal e compartilhada. Todos vão falar da cobertura dos atos políticos em seus Estados. É importante apresentar toda a panorâmica para mostrar que a sociedade quer democracia. Não vai ser uma rede vertical, como a Rede Globo tentou ensinar, dando a entender que as coisas acontecem a partir do Rio de Janeiro e São Paulo. Todos os municípios onde haverá atividade terão espaço na rede. É para mostrar que existe uma organicidade na comunicação. Será uma comunicação dialógica, plural e horizontal.
 A ideia da rádio Democracia surgiu em 2001, a partir da rádio Favela, de Belo Horizonte (MG), para a cobertura do Fórum Social Mundial, realizado na capital gaúcha. De lá para cá, o mesmo sistema ocorreu em eventos esporádicos para a divulgação de conferências e na greve geral de 28 de abril de 2017, onde mais de 30 milhões de brasileiros cruzaram os braços. Segundo Jerry de Oliveira, o objetivo é furar o bloqueio seletivo da mídia tradicional:
 – A internet propiciou isso. A rádio democracia é a continuidade de um movimento que já vem sendo construído há algum tempo.
Diante da organização de rádios em cadeia é impossível não lembrar da Rede da Legalidade capitaneada pelo então governador gaúcho Leonel Brizola. Na época, em 1961, a campanha da legalidade, que lutava para manter a posse do vice-presidente João Goulart, se formou a partir da rádio Guaíba, em Porto Alegre, que passou a funcionar diretamente do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, e foi retransmitida por várias rádios do país, como a rádio Brasil Central, instalada no Palácio das Esmeraldas, sede do governo de Goiás, a rádio Clube de Blumenau, em Santa Catarina e a rádio Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro.
A campanha integrou o país e mobilizou a população. Jerry de Oliveira diz que não tem a pretensão de ser um Brizola, mas admite que o momento político atravessado pelo país chama todos os comunicadores à responsabilidade:
– A rede da legalidade foi talvez o maior evento da radio difusão brasileira porque alterou a correlação de forças da sociedade e quer queira ou não, impediu um golpe que ia se dar após a renúncia de Jânio. A importância dessa rede tem a ver com a democracia e hoje estamos vivendo a ditadura do poder judiciário, da mídia, toda uma ditadura colocada tal qual aconteceu em 1964. O impedimento do Lula de se candidatar é a continuidade do golpe que está em curso. A semântica, nessa discussão, é que a rede da legalidade partiu do Palácio do Piratini, no Rio Grande do Sul, e a mesma coisa se dá agora em Porto Alegre, o que nos faz resgatar o debate conceitual político do meio de comunicação como fortalecimento da democracia. O Brizola fez isso. Não temos a pretensão de ser como o Brizola, mas o momento nos chama à reflexão. Estamos vivendo um momento em que a história se confunde com a mentira. Então resgatar um pouco disso faz parte do nosso compromisso. Não só com a rede da legalidade, mas também pelo Brizola, que foi uma grande liderança.
A rádio Democracia existe, insiste Oliveira, como contraponto à mídia hegemônica. E quanto mais cresce a adesão de novas rádios à rede, maior é a percepção de que a sociedade carece de mais informações confiáveis.
– Até o momento, temos 209 rádios organizadas na rede, que são rádios livres, comunitárias, estatais e algumas educativas. A rede vai aumentar até a semana do julgamento, estamos muito felizes porque todo mundo percebe a necessidade de outra comunicação, de um jornalismo mais verdadeiro, voltado ao interesse social, e não ao mercado… mais dialógico, onde os valores das elites não estejam concentrados, em jogo. Se a rede cresce é porque os veículos tradicionais de comunicação não conseguem levar uma informação de qualidade para a sociedade brasileira.
 Clima
Na primeira semana de janeiro, o prefeito de Porto Alegre Nelson Marchezan Júnior pediu ao Governo Temer o envio de tropas do Exército e da Força Nacional à capital gaúcha dia 24 de janeiro para reprimir os manifestantes dispostos a acompanhar o julgamento do ex-presidente Lula. No pedido, o prefeito justificou alegando “iminente perigo à ordem pública e à integridade dos cidadãos”. Uma semana antes, a Justiça atendeu pedido do Ministério Público Federal para limitar área de manifestações em favor do ex-presidente Lula durante o julgamento. Ainda assim, segundo o coordenador da rádio Democracia, o clima é receptivo para o público que vai acompanhar as movimentações.
– O clima em Porto Alegre é de receber muito bem quem vai chegar. Existe a apreensão pela forma como o Governo e a Prefeitura vão reagir, houve o pedido da Força Nacional, mas o clima pesado fica por conta das forças repressivas. Por outro lado o clima é bastante receptivo em Porto Alegre para a militância de esquerda. Não só nós que vamos trabalhar, mas para todos que querem chegar. Vale a pena descer para Porto Alegre e acompanhar todo esse processo.
A defesa da democracia está diretamente ligada à defesa pelo direito de Lula ser candidato às eleições em outubro. A relação é óbvia para o radialista, que destaca o papel do Judiciário como o algoz da democracia no país.
– Estamos perdendo nosso poder político de se fazer representar, escolher quem vai nos representar. A chegada do poder judiciário ditando leis, promotores, juízes, STF… tudo vem sendo definido por 6 ou 7 pessoas que dizem como deve funcionar a sociedade. Não é esse modelo de democracia que precisa ser construído, mas a partir do poder do voto, da sociedade. Estamos vivendo a “Morolização” da Justiça e temos o entendimento de que Lula está fazendo o enfrentamento necessário a um dos poderes mais conservadores da sociedade, que é o poder Judiciário.

SERVIÇO
Rádio Democracia
24 de janeiro de 2018
Porto Alegre – RS
A partir das 5h até meia-noite.

Quer ser Correspondente da rádio Democracia ou retransmitir a programação no dia 24 de janeiro através da sua rádio ?
Entre em contato com Jerry de Oliveira: (19) 996010581

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Affonso Ávila: além da poesia, foi estudioso e defensor do patrimônio cultural de Minas Gerais

O pesquisador, ensaísta e poeta Affonso Ávila completaria 90 anos nesta sexta-feira, 19 de janeiro.

O Tempo

PATRIMÔNIO

Affonso Ávila deixou relevante obra poética

Poeta, ensaísta e historiador também atuou no reconhecimento do barroco mineiro


“Eu em mim/ Eu em Minas/ Eu em Minas de Mim”, assim escreveu Affonso Ávila no poema “Trilemas da Mineiridade”, um dos exemplos de como Minas Gerais e o barroco mineiro atravessavam as letras do poeta que completaria 90 anos nesta sexta-feira (19). Affonso nasceu em Belo Horizonte, onde também faleceu em 2012, aos 84 anos. Sua entrada na literatura se deu nos anos 50, como parte de uma geração que trouxe nomes como os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, Ferreira Gullar, Darcy Ribeiro, Hélio Oiticica e João Gilberto. “Paulo Leminski observou certa vez que essa geração produziu entre duas ditaduras, a de (Getúlio) Vargas e a militar. Nesse intervalo democrático, surgiu algo potente, e Affonso estava no meio disso. Sua obra é fruto desse período”, comenta Carlos Ávila, escritor e filho do poeta.
“Ele deixou uma obra poética relevante. Tinha proximidade com os irmãos Campos, importantes para a cultura mineira. Ele tem correspondências trocadas com Haroldo de Campos que ainda não foram publicadas. Dos livros de poesia, são importantes como ‘Carta do Solo’, ‘O Poeta e a Consciência Crítica’, ‘Código de Minas’”, cita o jornalista João Barile.


“Ele foi uma espécie de guru da minha geração. Era um parâmetro para o que a gente fazia em termos de gosto, autores para serem lidos, rigor, qualidade literária. Ele e também Laís Corrêa de Araújo, que foi sua companheira. A obra dele é muito importante, mas como é basicamente de poesia, o que ninguém lê, acaba ficando abandonada. Mas isso não diz respeito apenas a ele, é uma coisa da poesia”, afirma Sebastião Nunes, escritor e amigo de Affonso.
“Nos conhecemos no ‘Suplemento Literário’, onde todo mundo se reunia. Na década de 80, nos encontrávamos todos os sábados pela manhã na rua da Bahia. Eram encontros informais, mas ele era sempre muito sério, e os encontros tinham horário pra começar, às 11h. E aí aparecia aquele tanto de poeta que ficava conversando e bebendo cerveja”, lembra.


Da amizade, surgiram algumas parcerias, como a diagramação de livros de teoria, além de “Cantaria Barroca” e “Masturbações”. “Ele tinha essa passagem pelo erotismo, mas não era muito transparente”, observa Sebastião.
A obra de Ávila foi reunida pela editora UFMG em “Homem ao Termo”, com criações de 1949 a 2005. Mas depois desse período, ele seguiu escrevendo e ainda publicou “Poeta Poente”. “É um canto de despedida, de maturidade, de reflexão sobre a vida, sobre o percurso transcorrido”, conta Carlos. Por fim, “Égloga da Maçã”, um poema extenso que traz elementos eróticos e filosóficos, foi sua última publicação. “Foi uma surpresa, um livro que saiu já no ano de morte dele, o que mostra que ele manteve a criatividade poética até o último suspiro”, completa o filho.


Patrimônio. Além da poesia, Affonso também foi estudioso e ativista da defesa do patrimônio cultural de Minas Gerais. “Ele contribuiu para a criação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, o Iepha, em 1971. Foi consultor da Fundação João Pinheiro e contribuiu para que a instituição se comprometesse com as cidades históricas. Daí surge o plano diretor de Ouro Preto e Mariana, depois São João del Rei”, conta o secretário estadual de Cultura, Angelo Oswaldo, que se diz discípulo de Affonso.
Mas a atuação de Affonso trouxe outras angulações. “Ele ajuda o Iepha a construir a lógica de patrimônio cultural para além das cidades já reconhecidas e volta sua atenção para técnicas construtivas tradicionais, para as edificações que ficam no meio dos caminhos, em pequenos distritos. Ele tomba, por exemplo, distritos de Ouro Preto e Sabará”, comenta Michele Arroyo, presidente do Iepha. “Nos anos 80, ele é convidado a retornar para o órgão para reestruturá-lo. Na ocasião, ele e outras pessoas encabeçam a luta pela preservação do Cine Metrópole, que acaba sendo demolido pelo governador Tancredo Neves, que não chancela o tombamento feito pelo Iepha. Affonso sai do Iepha por causa disso, e o episódio acaba por resultar na lei específica para tombamento municipal”, completa.


Barroco. Mas Angelo Oswaldo enfatiza que, além de atuar na burocracia e nas formalizações do poder público, o mais importante da contribuição de Affonso foram os estudos sobre o barroco mineiro. “Ele edita por 20 anos a revista ‘Barroco’ e faz da publicação um espaço de convergência sobre as expressões do barroco no mundo”, diz o secretário.
“Para as pessoas que se interessam pelo barroco, é impossível não visitar Affonso. Ele publicou ‘Resíduos Seiscentistas em Minas’, um livro que recuperou a festa do barroco no século XVII e mostrou como o barroco mineiro tinha peculiaridades”, comenta João Barile.
Também criou, ao lado de Rui Mourão e Fábio Lucas, o movimento e a revista ‘Tendência’, nos anos 50. “Foi uma luta pela renovação da literatura brasileira, com ensaios sobre o barroco mineiro de extrema relevância”, observa Angelo Oswaldo, relembrando com precisão que, em 1967, Affonso lançava uma edição facsimilar, construída a partir da fotografia do original, de dois livros importantes da história de Minas. “Trata-se do ‘Triunfo Eucarístico’, publicado originalmente em Lisboa em 1734, relatando as festividades ocorridas em Ouro Preto em 1733, e também ‘Áureo Trono Episcopal’, publicado também em Lisboa em 1749, narrando a chegada do primeiro bispo em Minas Gerais em Mariana, o dom frei Daniel da Cruz”, conta Angelo Oswaldo.
“Ele faz uma análise crítica desses textos, mostrando que o barroco em Minas é estilo de vida da sociedade mineradora. O primado da estética barroca valoriza a visualidade, tudo que é espetáculo para os olhos. Os grandes estudiosos do barroco vão falar que a vida é um espetáculo que passa, e Affonso vai mostrar como a sociedade mineradora encenava sua vida, as procissões, os cortejos, as festividades, as missas solenes, rituais essencialmente barrocos. Ele mostrava como essa sociedade se confrontava entre a riqueza fácil da abundância de ouro e se postava com medo diante de Deus, com medo do juízo divino. Ele estuda tudo isso e mostra como o barroco era presente na vida de Minas Gerais”, afirma o secretário.
Aproveitando as celebrações, Cristina Ávila, pesquisadora e filha de Affonso Ávila, organiza, em parceria com o Iepha, um seminário sobre o legado do pai e as políticas de proteção ao patrimônio cultural. O evento ainda não tem data definida. 

A democracia em xeque, por Wadson Ribeiro


Hoje em Dia:

Não é Lula que será julgado, mas nossa democracia

Wadson Ribeiro 

O Brasil, mais precisamente o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, está sob os olhos do mundo. A sentença a ser proferida no próximo dia 24 tornou-se um ponto importante no julgamento não do ex-presidente Lula, mas da própria democracia brasileira. Juristas, lideranças políticas e sociais do mundo todo se manifestaram nos últimos dias denunciando a perseguição injusta que Lula vem sofrendo com o objetivo de retirá-lo da disputa pela presidência da República, principalmente pelo fato de estar liderando em todas as pesquisas realizadas.
Após a prolação da sentença dada pelo juiz Sérgio Moro, em 12 de julho de 2017, inúmeros juristas apontaram aspectos considerados equivocados ou ilegais na peça. Afirmam que houve irregularidades e arbitrariedades. Um minucioso estudo foi publicado através do livro “Comentários a uma sentença anunciada – o processo LULA” reunindo artigos escritos por 122 advogados, professores de direito, juristas, procuradores e defensores públicos.
A publicação aborda os seguintes temas: alteração por parte do juiz da denúncia formulada pelo MP, afrontando o princípio da imparcialidade do juízo e transformando o julgador em “juiz-acusador”; inexistência de provas no processo de que o ex-presidente tenha recebido vantagens indevidas, seja proprietário ou tenha a posse do imóvel e inconsistência na definição da pena com dosimetria falha e mal definida na sentença, evidenciando a existência de um processo de exceção e perseguição política, tendo o juiz como peça chave de uma guerra política.
Desde então, tem eclodido no Brasil e no mundo diversos movimentos com objetivo de descortinar as irregularidades do processo em primeira instância, para que tais arbitrariedades não sejam referendadas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região em sede recursal. Um manifesto denominado “Carta aos juristas do mundo” que denuncia a ocorrência do uso da Justiça para perseguição política a Lula já conta com a assinatura de mais de 2 mil signatários.
Na última terça-feira, 16 de janeiro, a defesa do ex-presidente juntou ao processo a sentença da juíza Luciana Correa Tôrres de Oliveira, da 2ª Vara de Execução e Títulos do Distrito Federal, determinando a penhora do “triplex do Guarujá” para garantir o pagamento de uma dívida da Construtora OAS. Essa decisão comprova que o imóvel atribuído a Lula pertence na verdade a OAS e que, portanto, não houve por parte do o acusado recebimento de qualquer vantagem indevida. Logo, o crime de corrupção passiva fica afastado.
Nesse sentido, a luta por um julgamento justo para o Presidente Lula tornou-se meio de defesa da própria democracia, na medida em que enfrenta o arbítrio e busca a desconstrução do Estado de exceção em que o país se encontra. Reconhecer e aplicar as garantias e direitos individuais pilares do Estado de Direito é o desafio colocado aos desembargadores do TRF4.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Não há tempo a perder, por João Paulo

Brasil de Fato:

"Não se trata de um julgamento, mas do terceiro ato de um teatro político" / Lula Marques

O que está em jogo não é a derrota de Lula, mas das instituições
De um lado uma mala de dinheiro. E mais outra mala. E recibos carimbados por empreiteiras. Para completar, telefonemas bisonhos gravados e depósitos em contas em paraísos fiscais. Por obra dos pares no Congresso e de decisões do Supremo, os responsáveis lustram a blindagem de sempre. Aécio flana, meio na moita, mas com as canelas livres.
Do outro lado, muitas delações e nenhuma prova. Acusações feitas sob constrangimento e chantagem. Muito domínio para pouco fato. Depoimentos, como de Tacla Duran, desprezados. Com o processo acelerado pela eficiência da máquina de justiçamento, furando fila para apressar a entrega combinada, Lula está nas barras do tribunal.
O julgamento do ex-presidente na segunda instância, programado para dia 24, em Porto Alegre, é dessas histórias com final anunciado. Na verdade não se trata de um julgamento, mas do terceiro ato de um teatro político.
O primeiro foi o afastamento de Dilma Rousseff sem fundamento legal, como hoje reconhecem até mesmo os paneleiros da anteontem. O segundo foi a condenação pelo juiz Moro, depois de um processo informado pelo ódio de classe, contestado por juristas até mesmo fora do país. A articulação do sistema judicial é um marco humilhante para o país: não é preciso mais uma ditadura para se implantar o arbítrio.
O terceiro ato será a confirmação da pena e o impedimento da candidatura de Lula. O anúncio de que a Lava Jato encerra este ano seus trabalhos é uma confirmação de que a encomenda final já está garantida.
Por que é preciso melar o jogo agora, já que os golpistas têm o poder, a mídia e a caneta para levar adiante seu projeto regressivo, entreguista e antipopular? A palavra que ameaça se chama democracia. Não a democracia substantiva, socialista, feita de participação social, distribuição de renda e poder. Mas a mais limitada das definições, que aponta apenas para a maioria de votos em eleições de quatro em quatro anos.
O governo atual não tem respaldo popular. Levou, mas não ganhou. Sabe que se equilibra às custas de chantagens e o dinheiro começa a escassear. Sua podridão não esconde mais o cheiro de fraude, seus sequazes não têm a sutileza da humildade nem a paciência dos dissimulados. Temer se deu ao vexame de virar moleque amedrontado por Sarney e Roberto Jefferson. Sua turma quer tudo e agora. Mesmo seguindo à risca o plano da desmontagem do estado - e com isso conquistando o apoio do capital financeiro e dos mercados internacionais -, precisa se prevenir de uma derrota certa nas eleições deste ano.
Lula está na frente nas pesquisas e cresce a cada rodada. Em segundo lugar está Bolsonaro, que deixou de ser uma piada para ser uma ameaça. Inflado como anti-Lula de ocasião, se tornou um problema para o próprio campo conservador, que rejeita o monstro que cevou com o ódio nas redes sociais. O possível candidato do governo se esforça para mudar geometria política, chamando de centro o que é a mais radical experiência de direita já vivida no país. São muitos e fracos, desunidos e sem carisma.
O julgamento de Lula, por isso, vai muito além do tribunal, de figuras menores como Moro e Dallagnol, de uma corja abjeta aboletada em volta de Temer ou do esforço da mídia em naturalizar o golpe.
O que está em jogo é mais profundo. Não será a derrota de Lula, mas das instituições. Com os votos dos revisores computados, os carregadores de malas não precisarão dar corridinhas ridículas, a justiça ficará livre para praticar seu ativismo deslavado, os políticos tradicionais poderão descansar depois do sétimo dia da destruição do país. A mídia vai contar seu vil metal.
Há duas posturas possíveis para a cidadania, os movimentos sociais e os democratas de corpo e alma. Aceitar a consagração do arbítrio ou colocar em ação o plano A, ocupando as ruas, disputando todos os espaços reais e simbólicos e exigindo justiça. 
Se tudo der errado, sempre há o plano B. Saber a hora certa de agir, esgotando todos os apelos da paz, é sinal de maturidade. Em alguns momentos, no entanto, a defesa da democracia obriga a coragem a puxar a fila da história.