sábado, 16 de dezembro de 2017

Neste momento da história, o centro de tudo está numa mulher, por L. Boff

Jornal O Tempo

Há ainda uma estrela como a de Belém a nos dar esperança

LEONARDO BOFF

Neste momento da história, o centro de tudo está numa mulher
PUBLICADO EM 15/12/17 

A festa do Natal está toda concentrada na figura da criança Jesus, o Filho de Deus, que decidiu morar entre nós. A celebração do Natal vai além desse fato. Restringindo-se somente a ele, caímos no erro teológico do cristomonismo (só Cristo conta), olvidando que existem ainda o Espírito e o Pai, que sempre atuam conjuntamente.

Cabe realçar a figura de Sua Mãe, Maria de Nazaré. Se ela não tivesse dito o “sim”, Jesus não teria nascido. E não haveria o Natal.

Como ainda somos reféns da era do patriarcado, este nos impede de comprender e valorizar o que diz o Evangelho de Lucas a respeito de Maria: “O Espírito Santo virá sobre ti e a energia do Altíssimo armará sua tenda sobre ti e é por isso que o Santo gerado será chamado Filho de Deus”(Lc 1,35).

As traduções comuns, dependentes de uma leitura “masculinista”, dizem: “a virtude do Altíssimo te cobrirá com sua sombra”. O original grego afirma: “a energia do Altíssimo armará sua tenda sobre ti”. Trata-se de um modismo linguístico hebraico para significar “morar não passageira, mas definitivamente”, sobre Maria. Como afirma o texto, a partir de agora, Maria de Nazaré será a portadora permanente do Espírito. Ela foi “espiritualizada”, quer dizer, o Espírito faz parte dela.

Curiosamente, a mesma palavra “tenda” são João aplica à encarnação do Verbo: “E o Verbo se fez carne e armou sua tenda entre nós”, quer dizer, morou definitivamente entre nós.

Qual a conclusão que tiramos? Que a primeira pessoa divina enviada ao mundo não foi o Filho, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. Foi o Espírito Santo. Quem é o terceiro na Trindade é o primeiro na ordem da criação, isto é, o Espírito Santo. O receptáculo dessa vinda foi uma mulher do povo, simples como todas as mulheres camponesas da Galileia, de nome Miriam, ou Maria.

Ao acolher a vinda do Espírito, ela foi elevada à altura da divindade. Por isso, diz: “o Santo gerado será chamado Filho de Deus”(Lc 1,35). Somente alguém que está na altura de Deus pode gerar um Filho de Deus. Maria, por essa razão, será divinizada, semelhantemente ao homem Jesus de Nazaré. É o Filho eterno encarnado em nossa realidade humana que celebramos no Natal.

Eis que, num momento da história, o centro é ocupado por uma mulher, Maria de Nazaré. Nela estão presentes duas pessoas divinas: o Espírito Santo e o Filho do Pai.

Nossa Senhora de Guadalupe, com traços mestiços, tão venerada pelo povo mexicano, aparece como uma mulher grávida, com todos os símbolos da gravidez da cultura dos astecas. Sempre que vou ao México, visito a bela imagem de pano de Guadalupe. Vestido de frade, várias vezes perguntei a um peregrino anônimo: “Hermanito, tu adoras a la Virgen de Guadalupe?” E recebia sempre a mesma resposta: “Si, frailecido, como no voy adorar a la Virgen de Guadalupe? Si que la adoro”.

Pois nessa mulher se escondem as duas pessoas divinas, o Filho que crescia em suas entranhas pela energia do Espírito que morava nela. E ambas, sendo Deus, podem e devem ser adoradas. Daí nasceu a inspiração para o meu livro “O Rosto Materno de Deus”.

Sempre lamentei que a maioria das mulheres, mesmo teólogas, não tenha assumido ainda sua porção divina, presente em Maria, por obra do Espírito Santo. Ficam só com o Cristo, o homem divinizado.

O Natal será mais completo se, junto ao Menino que tirita de frio na manjedoura, incluirmos sua Mãe, que o acalenta amparada por seu esposo, José. Ele também mereceria uma reflexão especial: sua relação com o Pai Celeste.

No meio da crise de nosso país, há ainda uma estrela como a de Belém a nos dar esperança.

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