Prof. Luciano Amédée Péret vai completar 90 anos em janeiro de 2018
Belo Horizonte completa 120 anos e recupero um artigo do meu pai, sobre a procedência dos materiais empregados na construção da cidade. Mais do que uma curiosidade histórica o relato mostra as dificuldades e desafios que os construtores da nova capital tiveram que enfrentar.
O professor e arquiteto Luciano Amédée Péret, na ocasião do aniversário de 96 anos de Belo Horizonte, em 1993, escreveu este artigo mostrando um novo aspecto do trabalho realizado na construção da nova Capital; respondendo a uma indagação: qual seria a procedência dos materiais de construção empregados na nova cidade?
O objetivo do artigo foi, a partir de alguns dados históricos, demonstrar o esforço feito pelas gerações passadas, também por este ângulo.
Notícia Histórica sobre a Construção de Belo Horizonte
Por Luciano Amédée Péret*
Belo Horizonte, a cidade criada para sede do Governo do Estado de Minas Gerais, completa 96 anos (hoje, 120 anos). Agigantou-se apresentando novas características; e hoje é uma grande metrópole, com qualidades e defeitos inerentes ao seu crescimento. Diante da sua potencialidade e grandeza, perdeu aquela finalidade exclusiva de ser unicamente cidade sede do Governo.
Ao pesquisar a história de sua construção, pelos idos de 1895 a 1897, uma indagação nos ocorreu: Qual a procedência dos materiais de construção empregados na nova Capital? Várias vezes tivemos nossa atenção voltada para os métodos construtivos adotados naquela época, a falta de mão de obra especializada e, principalmente, os materiais a serem empregados.
O historiador Padre Francisco Martins Dias, na sua obra "Traços Históricos e Descritivos de Belo Horizonte", em 1897, afirmava:
"Quem com espírito perspicaz e observador, estuda o movimento da construção da nova cidade, aonde as circunstâncias de lugar, de tempo e de pessoas, vê a ordem e a harmonia que reina, o andamento regular de todos os serviços, admira-se e conclue reconhecendo que verdadeiramente Deus têm protegido a Nova Cidade de Minas desde os seus primeiros fundamentos".
" Memória Histórica e Descritiva de Belo Horizonte", escrita por Abílio Barreto, nos dá a notícia dos fatos que se desenrolaram para a construção da nova Capital. Historiador dedicado, que em dois livros - História Antiga e História Média - desta cidade, alinhou com zelo, carinho e honestidade os episódios verificados nas regiões do Curral D'el Rei, até a inauguração da nova Capital do Estado de Minas Gerais, a cidade de Minas, depois Belo Horizonte.
No presente artigo procuramos esclarecer e contribuir com alguns dados históricos, para não nos esquecermos do passado, mostrando um novo aspecto do trabalho encentado pelos mineiros, na luta heróica travada a curto prazo que tornou possível a mudança da Capital, proporcionando novos dimensionamentos ao Estado de Minas Gerais.
Respondendo à indagação feita sobre a procedência dos materiais de construção, tivemos a resposta ao consultarmos, no Arquivo Público Mineiro, a documentação ali existente. Os edifícios públicos e as casas dos funcionários públicos, bem como todo o equipamento destinado ao abastecimento de água e instalações elétricas foram importados de diversos países da Europa e dos Estados Unidos.
Um documento mostra a origem da escada nobre do Palácio Presidencial, hoje chamado Palácio da Liberdade, vinda da Societé Anonyme Ateliers de Construction Forges & Acierés de Bruges - Bélgica, no "Argentina", no mês de maio de 1897.
Em outro documento - ofício n. 652, de 16 de novembro de 1896 consta que no vapor Atála vinham para o Palácio Presidencial quatro caixas pesando 720 kg, marca Acierés Bruges - Rio de Janeiro, Palácio C.C.N.C.M. , conforme a nota de expedição. Eram mais duas escadas destinadas ao Palácio em construção.
Os ofícios mencionados eram dirigidos ao delegado do Tesouro Nacional pelo secretário da Agricultura, Francisco Sá e ao ministro da Fazenda, pelo presidente do Estado Chrispim Jacques Bias Fortes. Ambos solicitavam, em nome do Governo de Minas Gerais, isenção de direitos aduaneiros de importação na Alfândega do Rio de Janeiro, bem como a devolução da importância já paga, a fim de liberar com rapidez a mercadoria. A escada nobre do Palácio da Liberdade é patenteada tendo uma plaqueta com a seguinte inscrição: Eyenwerk Joly Wittenberg D. R. Patent.
Percorrendo a documentação sobre as providências tomadas em relação às construções que estavam sendo realizadas pela C.C.N.C.M. , isto é, Comissão Construtora da Nova Capital de Minas, encontramos os nomes dos vapores que trouxeram os materiais destinados a Belo Horizonte. Assim sendo, verificamos que o material elétrico destinado à iluminação pública fora adquirido nos Estados Unidos e na Inglaterra. No mês de julho de 1897, o vapor Coleridge trazia, procedente de Nova York, tubos de ferro para instalação elétrica - 1.000 tubos e 655 isoladores. Da Inglaterra veio material para o encanamento e respectivos acessórios, destinados à instalação da luz elétrica, embarcados no vapor Bellaina.
Para a decoração dos edifícios, no vapor Olinda, chegaram seis fardões de papelão, destinados aos edifícios públicos e procedentes da França. Também para decoração, não só dos edifícios públicos, mas também das casas dos funcionários, veio material procedente de Hamburgo, Alemanha.
Em 23 de junho de 1897, pelo vapor Cintra, vieram seis caixas, contendo 36 peças de algodão cru, destinados à decoração dos tetos dos edifícios públicos.
Também o material de pintura foi todo importado: cento e dez barricas de óleo de linhaça; seis caixas com tintas e tubos; seis fardões de papelão e uma caixa de "aluminium", encomendados a Benedict - Schonfeld em Hamburgo, Alemanha, e embarcados nos vapores Bellanock ( de Londres) e Buenos Aires ( de Hamburgo).
Destinado ao abastecimento de água, foi adquirido material da "The Brasilian Contrects Corporation Limited", embarcado em Glasgow, no vapor Nosmyth, em março de 1897. Pelo vapor Biella vieram de Londres quatro caixões, com torneiras de metal para distribuição de água, em abril de 1897.
Pelo vapor Cavour, vieram 15 colheres para chumbação, procedentes de Londres, destinadas, também, ao serviço de abastecimento de água. O vapor Taylor trouxe material sanitário, louças, WC, mictórios, etc.
O cimento veio de Londres, no barco "Premier", em 21 de abril de 1897, segundo o ofício 543.
Em documento datado de 11 de fevereiro de 1897 lê-se o seguinte:
"Nova Capital
"Secretaria de Agricultura, 11 de fevereiro de 1897.
"Ofício 101
" 3a Secção
"Ao delegado fiscal do Tesouro Federal
"Peço-vos encaminhar ao seu destino, procedido de vossa informação, o ofício dirigido pelo Sr. Presidente do Estado ao ministro da Fazenda,solicitando isenção de direitos aduaneiros de importação da Fazenda na Alfândega do Rio, para uma ponte artística adquirida na Europa e destinada à Nova Capital do Estado.
"Incluo a 1a via da respectiva factura, conforme estabelece a circular n.48, de 30 de abril de 1896.
"S. e F.
" Dr. F.de Sá.
" No ofício 653, vê-se referência a esta ponte artística, encomendada ao engenheiro Jos Jaegler, destinada à Nova Capital do Estado, vinda pelo vapor Atala, com 328 volumes, pesando 36.736,5 kg, tendo a marca "Acieries de Bruges".
O material destinado ao ramal férreo da Nova Capital veio pelo vapor Flaxman, também importado.
Em 4 de janeiro de 1897, o vapor Newton trazia zinco em chapas.
Os primeiros hidrômetros aqui instalados, em número de 450, marca Frager, e os respectivos sobressalentes, destinados ao abastecimento d'água, foram importados e transportados pelo vapor Paranaguá (Ofício 322).
O edifício do necrotério, do cemitério do Bonfim teve seu material de cobertura e decorações importados da Bélgica. Pelo ofício n. 595 anotamos: "cinco caixas contendo material destinado ao Necrotério da Nova Capital, vindos no vapor Ville de S. Nicolás".
A escada da Secretaria da Agricultura, hoje de Obras Públicas veio da Acierés de Bruges, da Bélgica, pelo vapor Caravellas.
A escada da Secretaria da Finanças, hoje da Fazenda, também provenientes da Bélgica, foi transportada pelos vapores Ville de Buenos Aires e Colônia (Ofício 380 - Dr Bias Fortes).
As vigas Joly em duploT aplicadas nas obras das secretarias e do Palácio da Liberdade foram transportadas por diversos vapores, entre os quais o Ville de Montevideo.
De Liverpool, na Inglaterra, pelo vapor Orapesa, anotamos as seguintes mercadorias: três mictórios "Adamant", de barro esmaltado, completos, idem de louças "Cardinal"; cinco mictórios de louça branca, completos; sete lavatórios de louças branca, completos; 49 cisternas de ferro fundido.
Para o edifício da Imprensa Oficial diversos materiais foram embarcados pelo vapor Buffon, bem como material para decoração transportado pelo vapor Olinda.
Ainda podemos mencionar, vindo de Nova York, material elétrico transportado pelo vapor Buffon (ofício n. 60) e pelo vapor Galileo (ofício n. 603).
Poderíamos ainda mencionar os materiais vindos da França, como a telha francesa de Marseille, ou a madeira, o pinho proveniente de Riga o que deixaremos como assunto de outra notícia.
Desejamos mostrar quanto esforço foi feito pelas gerações passadas, que, enfrentando tantas dificuldades, conseguiram, com ordem, harmonia e gosto, construir a nossa Belo Horizonte, que chegou a ser também chamada Cidade Jardim.
*Luciano Amédée Péret
Foi professor e diretor da Escola de Arquitetura da UFMG, foi diretor executivo e presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de MG (IEPHA), membro do Instituto Histórico e Geográfico de MG, foi diretor da FUMEC, foi diretor da Escola de Belas Artes da UFMG
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