segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Chico Buarque volta bem no disco Caravanas




Crítica: Chico Buarque volta bem no disco Caravanas



Leo Aversa/Divulgação
Quando Chico Buarque entra em campo, ninguém espera 1 a 0 ou placares miúdos. O cantor e compositor carioca (tão aficionado pelo futebol) é Barcelona de Guardiola, seleção brasileira de 1982. Talvez por isso, o anúncio de um jogo sem brilho com a letra de Tua cantigatenha provocado tanto burburinho (além das polêmicas sobre machismo) e aumentado a ansiedade para Caravanas, novo álbum de Chico.

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Em épocas de chutão e retrancas, Chico coloca a bola no chão em Caravanas e faz, com sutileza e elegância, um retrato dos nossos dias. Sim,Caravanas pode não parecer, mas é um documento do tempo em que vivemos. 
Compositores como Chico têm a capacidade de falar sobre inúmeras coisas ao mesmo tempo e de incutir significados maiores do que a superfície das letras mostra. É preciso mergulhar. Então, quando Chico fala sobre futebol ou sobre desaforos em um relacionamento, pode haver (e há) mais do que parece. 
“Há que levar um drible/ por entre as pernas sem perder/ a linha”, canta em Jogo de bola. “Salve o jogar bonito/O não ganhar no grito”, surge mais adiante. É futebol, mas não é. Poderia ser bem um recado para os berros, linchamentos e a divisão maniqueísta das redes sociais. 
Na mesma canção, Chico também louva os novos tempos. Há coisas belas por aí e deixar de ser a grande sumidade não incomoda. Com essa ideia, produz alguns dos versos mais virtuosos do álbum: “Outrora, quandos em priscas eras/ Um Puskás eras/ A fera das feras da esfera,/ mas agora/ Há que aplaudir o toque/ O tique-taque, o pique, o breque”.
A homenagem ao craque húngaro culmina em uma aceitação bonita e nada nostálgica (talvez até sobre o ofício de compositor). Ver o futebol bonito dos jovens não causa dor: “É ver o próprio tempo num relance/E sorrir por dentro”. 


A política aparece mais vezes no álbum. Ela está quase sempre, porém, disfarçada em recados e reflexões sutis. Combativo, mas sem perder a elegância jamais. Cantar Casualmente (dele com Jorge Helder), em espanhol, sobre Havana parece ser uma resposta aos gritos de “Vai pra Cuba”.
Desaforos é, em tese, sobre um relacionamento. Mas versos como “Nunca bebemos/Do mesmo regato/ Sou apenas um mulato que toca boleros/ Custo a crer que meros lero-leros de um cantor/Possam te dar/ Tal dissabor” poderiam falar também sobre as ofensas recebidas pelo compositor em tempos de ânimos exaltados politicamente.  
Em Caravanas, canção que nomeia e que encerra o disco, as questões políticas são mais latentes diretamente. Os refugiados, os meninos do Rio de Janeiro são representados em uma letra poeticamente muito forte, à altura dos clássicos. “É um dia de real grandeza, tudo azul/ Um mar turquesa à la Istambul”, canta. 
As duas canções não inéditas do álbum, Dueto(originalmente registrada com Nara Leão) e A moça do sonho, se encaixam bem no contexto do álbum. A primeira, gravada com a neta Clara, ganha atualizações com palavras como Tinder, WhatsApp e Telegram.


Leo Aversa/Divulgação
Massarandupió, valsa do neto Chico Brown (filho de Carlinhos Brown), é outra das preciosidades de Caravanas. A bela melodia ganha uma letra singela e bonita do avô sobre a infância: “Devia o tempo de criança ir se/ arrastando até escoar, pó a pó/ Num relógio de areia o areal de/ Massarandupió”.

Chico Buarque datado?

Quando Tua cantiga foi divulgada, a discussão sobre ser uma canção datada ou não ferveu nas redes sociais. Essa letra especificamente pode, de fato, ser deslocada, mas o resto do disco, não. 
Chico, é verdade, não faz algo alinhado à pressa e à superficialidade tão presentes nos nossos dias, porque vai além. Como álbuns como Construçãonão são velhos décadas depois do lançamento,Caravanas também não é. A opção por não escancarar algumas questões torna isso ainda mais válido.

No fim das contas, Chico jogou bem!

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