O Tempo
LEONARDO BOFF
A democracia está sob ataque em todo o mundo, inclusive no Brasil
O pressuposto básico de toda democracia é: o que interessa a todos deve poder ser decidido por todos, seja direta, seja indiretamente, por representantes. Como se depreende, democracia não convive com a exclusão e a desigualdade.
Verdadeiro é o juízo de Pedro Demo, brilhante sociólogo da Universidade de Brasília, em sua “Introdução à Sociologia”: “Nossa democracia é encenação nacional de hipocrisia refinada, repleta de leis ‘bonitas’, mas feitas sempre, em última instância, pela elite dominante para que a ela sirva do começo até o fim. Se ligássemos democracia com justiça social, nossa democracia seria sua própria negação”.
Não obstante, não desistimos de querer gestar uma democracia enriquecida, especialmente a partir dos movimentos sociais de base, proclamando o ideal de uma sociedade na qual todos possam caber, a natureza incluída. Será uma democracia sem fim, conforme Boaventura de Souza Santos, cotidiana, vivida em todos os relacionamentos: na família, na escola, na comunidade, nos movimentos sociais, nos sindicatos, nos partidos e, evidentemente, na organização do Estado democrático de direito. Portanto, pretende-se uma democracia mais que delegatícia, que não comece e termine no voto, mas uma democracia como modo de relação social inclusiva, como valor universal (vide Norberto Bobbio) e que incorpore os direitos da natureza e da Mãe Terra – uma democracia ecológico-social.
Esse último aspecto nos obriga a superar um limite interno do discurso corrente da democracia: o fato de ser ainda antropocêntrica e sociocêntrica, vale dizer, centrada apenas nos seres humanos e na sociedade. O antropocentrismo e o sociocentrismo representam um reducionismo. Pois o ser humano não é o centro exclusivo, nem mesmo a sociedade, como se todos os demais seres não entrassem em nossa existência, não tivessem valor em si mesmos e somente ganhassem sentido e valor enquanto ordenados ao ser humano e à sociedade.
Ser humano e sociedade constituem um elo, entre outros, da corrente da vida. Sem as relações com a biosfera, com o meio ambiente e com as precondições físico-químicas, não existe nem subsiste. Na era da nascente geossociedade e da conscientização ecológica e planetária, a natureza, o ser humano e a sociedade estão indissoluvelmente relacionados: possuem um mesmo destino comum, como bem dizem a encíclica do papa Francisco “Cuidando da Casa Comum” e a “Carta da Terra”.
A perspectiva ecológico-social tem, ademais, o condão de inserir a democracia na lógica geral das coisas. Sabemos hoje pelas ciências da terra e da vida que a lei básica que subjaz à cosmogênese e a todos os ecossistemas é a cooperação de todos com todos, a sinergia, a simbiose e a inter-relação entre todos, e não a vitória do mais forte.
A democracia é o valor e o regime de convivência que melhor se adéqua à natureza humana cooperativa e societária. Realizar a democracia significa avançar mais e mais no reino do especificamente humano. Significa religar-se também mais profundamente com a Terra e com o Todo.
É o ideal buscado. No entanto, o que estamos vendo nos dias atuais é o contrário: um ataque à democracia em níveis mundial e nacional. O avanço do neoliberalismo ultrarradical, que concentra poder em pouquíssimos grupos, radicaliza o consumismo individualista e alinha os países à lógica do império norte-americano, solapa as bases da democracia.
O golpe parlamentar dado no Brasil se inscreve dentro desse ideário.
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